Acessibilidade / Reportar erro

Respostas fisiológicas em cultivares de soja submetidas ao alagamento em diferentes estádios

Physiological responses in soybean cultivars submitted to flooding at different stages

Resumos

A soja é um dos produtos agrícolas de maior importância no Brasil, e segundo maior produtor mundial. A tolerância ao excesso de umidade do solo e da rápida recuperação com o término do alagamento são características desta cultura, porém, a deficiência de oxigênio, causada pelo excesso de água, é um dos fatores determinantes que pode reduzir sua produtividade. O objetivo deste trabalho foi verificar o comportamento de três cultivares de soja ao alagamento em diferentes estádios de desenvolvimento, por meio de análise da produção de massa seca, metabolismo de carboidratos e atividade das enzimas do metabolismo anaeróbio. O experimento foi desenvolvido na Universidade Federal de Lavras (MG), em 2007. As cultivares BRS 267, BRS 257 e BRS 213 foram submetidas a 15 dias de alagamento, nos estádios V6 e V8 e 11 dias no estádio R4. Os resultados revelaram redução na produção de massa seca nos tratamentos alagados no estádio V8 para a cultivar BRS 267 e no estádio V6 para BRS 257 e BRS 213; esta última foi a mais tolerante ao alagamento, pois obteve o menor decréscimo de massa seca em relação ao controle. O alagamento também induziu aumento nos teores de amido e açúcares solúveis totais nas folhas, assim como maior atividade das enzimas álcool desidrogenase e piruvato descarboxilase para as três cultivares, quando comparadas a seus respectivos controles. Já para a enzima lactato desidrogenase, essa diferença foi menos expressiva. Esses resultados revelam comportamentos distintos comparando as três cultivares.

Glycine max; hipoxia; teor de carboidratos; enzimas anaeróbicas


The soybean is one of the most important agricultural products in Brazil, the second in world production. The soil high tolerance to excess of moisture and the rapid recovery after flooding are important characteristics of this culture. However, the oxygen, deficiency resulting from excess of water is one factor that may cause reduction in soybean productivity. This study aimed to evaluate the behavior of three soybeans cultivars upon flooding at various stages of development, based on dry matter production, carbohydrate metabolism and some anaerobic enzymes activities. The experiment was conducted at the Federal University of Lavras, Brazil, in 2007. Cultivars BRS 267, BRS 257 and BRS 213 were submitted to 15 days of flooding, for stages V6 and V8 and 11 days for stage R4. Results indicated a reduction in the production of dry matter for the treatments flooded BRS 267 in the stage V8 and for varieties BRS 257 and BRS 213, V6 stage the latter being the most tolerant to flooding, once exhibited a lower reduction in dry matter compaired to control. The flooding also lead to an increase of total soluble sugars and starch levels in the leaves, as well as to an increase in the activity of the enzymes alcohol dehydrogenase and pyruvate decarboxylase, in all three evaluated cultivars. Nom significant differences were observed for the lactate dehydrogenase enzyme activity. These results indicate a different behavior when comparing the three cultivars.

Glycine max; hypoxia; levels of carbohydrates; enzymes glycolysis


ÁREAS BÁSICAS

Respostas fisiológicas em cultivares de soja submetidas ao alagamento em diferentes estádios

Physiological responses in soybean cultivars submitted to flooding at different stages

Camila Argenta FantesI, * * Autora correspondente; jdalves@ufla.br; neidiquelebio@yahoo.com.br ; José Donizeti AlvesI; Patrícia de Fátima Pereira GoulartII; Sidnei DeunerIII; Neidiquele Maria SilveiraI

IUniversidade Federal de Lavras (UFLA), Departamento de Biologia, Setor de Fisiologia Vegetal, Caixa Postal 3037, 37200-000, Lavras (MG). E-mail: camilafante@yahoo.com.br

IICentro Universitário de Lavras (UNILAVRAS), Rua Padre José Poggel, 506, 37200-000, Lavras (MG). E-mail: patriciagoulart@unilavras.edu.br

IIIUniversidade Federal de Pelotas (UFPel), Instituto de Biologia, Campus Universitário, s/nº Caixa Postal 354, 96010-900, Pelotas (RS). E-mail: sdeuner@yahoo.com.br

RESUMO

A soja é um dos produtos agrícolas de maior importância no Brasil, e segundo maior produtor mundial. A tolerância ao excesso de umidade do solo e da rápida recuperação com o término do alagamento são características desta cultura, porém, a deficiência de oxigênio, causada pelo excesso de água, é um dos fatores determinantes que pode reduzir sua produtividade. O objetivo deste trabalho foi verificar o comportamento de três cultivares de soja ao alagamento em diferentes estádios de desenvolvimento, por meio de análise da produção de massa seca, metabolismo de carboidratos e atividade das enzimas do metabolismo anaeróbio. O experimento foi desenvolvido na Universidade Federal de Lavras (MG), em 2007. As cultivares BRS 267, BRS 257 e BRS 213 foram submetidas a 15 dias de alagamento, nos estádios V6 e V8 e 11 dias no estádio R4. Os resultados revelaram redução na produção de massa seca nos tratamentos alagados no estádio V8 para a cultivar BRS 267 e no estádio V6 para BRS 257 e BRS 213; esta última foi a mais tolerante ao alagamento, pois obteve o menor decréscimo de massa seca em relação ao controle. O alagamento também induziu aumento nos teores de amido e açúcares solúveis totais nas folhas, assim como maior atividade das enzimas álcool desidrogenase e piruvato descarboxilase para as três cultivares, quando comparadas a seus respectivos controles. Já para a enzima lactato desidrogenase, essa diferença foi menos expressiva. Esses resultados revelam comportamentos distintos comparando as três cultivares.

Palavras-chave:Glycine max, hipoxia, teor de carboidratos, enzimas anaeróbicas.

ABSTRACT

The soybean is one of the most important agricultural products in Brazil, the second in world production. The soil high tolerance to excess of moisture and the rapid recovery after flooding are important characteristics of this culture. However, the oxygen, deficiency resulting from excess of water is one factor that may cause reduction in soybean productivity. This study aimed to evaluate the behavior of three soybeans cultivars upon flooding at various stages of development, based on dry matter production, carbohydrate metabolism and some anaerobic enzymes activities. The experiment was conducted at the Federal University of Lavras, Brazil, in 2007. Cultivars BRS 267, BRS 257 and BRS 213 were submitted to 15 days of flooding, for stages V6 and V8 and 11 days for stage R4. Results indicated a reduction in the production of dry matter for the treatments flooded BRS 267 in the stage V8 and for varieties BRS 257 and BRS 213, V6 stage the latter being the most tolerant to flooding, once exhibited a lower reduction in dry matter compaired to control. The flooding also lead to an increase of total soluble sugars and starch levels in the leaves, as well as to an increase in the activity of the enzymes alcohol dehydrogenase and pyruvate decarboxylase, in all three evaluated cultivars. Nom significant differences were observed for the lactate dehydrogenase enzyme activity. These results indicate a different behavior when comparing the three cultivars.

Key words:Glycine max, hypoxia, levels of carbohydrates, enzymes glycolysis.

1. INTRODUÇÃO

A soja [Glycine max (L.) Merrill] é uma leguminosa originária da China e um dos produtos agrícolas de maior importância no mundo e também no Brasil, sendo o segundo maior produtor mundial. Atualmente, é o alimento que mais oferece possibilidades para o desenvolvimento de produtos funcionais. É uma cultura de grande interesse devido à excelente combinação entre produtividade, teores de proteína e óleo no grão. Desta forma, diversos produtos e subprodutos oriundos da soja são usados pela agroindústria e pelas indústrias químicas e de alimentos (FANTE, 2008)

Seu cultivo em solos hidromórficos é frequente e, portanto, desperta forte interesse em diversas regiões do mundo. Nestas áreas alagadas ou sujeitas ao alagamento temporário, devido ao excesso de chuvas e inundações, a difusão de gases da atmosfera até o solo é fortemente afetada (DENNIS et al., 2000) e as trocas gasosas reduzidas a níveis extremamente baixos (BLOKHINA et al., 2003; JACKSON e COLMER, 2005), tornando o ambiente radicial hipóxico. Com a respiração dos órgãos submersos da planta e/ou de microorganismos, o oxigênio (O2) é esgotado, tornando esse ambiente anóxico (FRIES et al., 2007). A hipoxia ou a anoxia sofrida pelo sistema radicial altera o metabolismo celular, provocando queda imediata na respiração das raízes das plantas (LIAO e LIN, 2001). Quando o solo torna-se hipóxico, devido ao alagamento, as raízes são submetidas a uma condição de estresse e, desse modo, as plantas respondem com maior ou menor eficiência, permitindo a distinção de espécies e/ou cultivares tolerantes e intolerantes (BATISTA et al., 2008).

Em plantas de soja, a falta de O2 no sistema radicial pode inibir a fixação simbiótica e a absorção do nitrogênio e outros minerais, o que pode diminuir o crescimento das raízes e a nodulação, provavelmente, em virtude da exigência de oxigênio no processo de fixação (AMARANTE e SODEK, 2006). Além disso, ocorre a redução na taxa fotossintética das folhas, atribuída parcialmente à diminuição da condutância estomática (DAVANSO et al., 2002). A diminuição das taxas de assimilação líquida e a expansão foliar provocam a redução da taxa de crescimento da cultura de soja e, consequentemente, proporcionam menor rendimento de grãos (ALMEIDA et al., 2003).

Outro fator comum às plantas na falta de oxigênio, segundo KOLB E LOLY (2009), é o desvio do metabolismo aeróbio para a via anaeróbia, o que induz mudanças no metabolismo respiratório do sistema radicial produzindo substâncias tóxicas como o etanol e o lactato, além de baixo rendimento energético. Em contrapartida, o mesmo autor afirma que plantas com raízes submetidas à hipoxia ou anoxia podem evitar o estresse, facilitando a difusão de oxigênio da parte aérea para o sistema radicular. Ainda, a expressão de genes responsáveis pela síntese de enzimas do metabolismo de carboidratos, assim como a formação de aerênquimas, raízes adventícias, parece estar relacionada aos mecanismos de tolerância em plantas (FRIES et al., 2007).

O efeito do estresse por saturação hídrica do solo sobre as plantas é complexo e dependente do estádio de desenvolvimento da planta e da duração desse estresse (SCHOFFEL et al., 2001). Os resultados sobre qual estádio em que as plantas são mais tolerantes à saturação hídrica do solo não são conclusivos; sendo assim, é necessário verificar os níveis de tolerância das plantas de soja ao alagamento em diferentes estádios de desenvolvimento. De acordo com BACANAMWO e PURCELL (1999), a identificação de cultivares de soja tolerantes à inundação pode requerer a seleção de plantas que consigam manter o crescimento nessas condições, o que é proporcional às mudanças que ocorrem na morfologia das raízes.

A exploração de áreas alagadas com espécies de importância econômica depende da identificação não somente de plantas que possam sobreviver à inundação do solo, mas que também proporcionem rendimentos capazes de trazer retorno econômico e, assim, a cultura da soja aparece como boa alternativa.

O objetivo deste trabalho foi verificar, por meio de análise de massa seca total, açúcares solúveis totais, amido em folhas, atividade das enzimas do metabolismo anaeróbico em raízes e dados de produção, o comportamento de três cultivares de soja ao alagamento em diferentes estádios de desenvolvimento.

2. MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi desenvolvido em casa de vegetação no período de janeiro a abril de 2007. Plantas de soja [Glycine max (L.) Merrill] foram cultivadas em vasos com capacidade para 8 L contendo, como substrato, solo com acidez e teores de fósforo e potássio previamente corrigidos. As cultivares, BRS 267, BRS 257 e BRS 213, indicadas para o consumo humano devido ao sabor amargo menos pronunciado, foram submetidas a dois regimes de umidade do solo: capacidade de campo (controle) e alagamento das raízes. No estádio V6 (plantas com sexto nó), V8 (plantas com oitavo nó) e R4 (vagem formada, 2 cm), as plantas foram submetidas ao alagamento. Para tanto, os vasos foram colocados, individualmente, dentro de recipientes maiores sem vazão de água. Em seguida, foi adicionou-se água, tomando-se o cuidado de mantê-la a 2 cm acima do nível do solo. No dia da indução de cada tratamento, foram selecionados doze vasos de cada cultivar, dos quais seis foram alagados e seis permaneceram irrigados próximos à capacidade de campo (controle). Após 15 dias de alagamento nos estádios V6 e V8 e 11 dias no estádio R4, coletaram-se plantas de três vasos de cada tratamento, para a avaliação da massa seca total e análises bioquímicas. Os demais vasos permaneceram na capacidade de campo até o fim do experimento para análise de produção.

O experimento foi realizado sob delineamento experimental em blocos ao acaso em esquema fatorial 3x2x3 (cultivares, níveis de umidade de solo e estádio), com três repetições, sendo a unidade experimental constituída de um vaso com duas plantas. Os resultados foram avaliados por análise de variância (ANAVA) e teste de Tukey quando adequado (p>0,05), utilizando-se o programa de análise estatística Sisvar (FERREIRA, 2000).

A análise dos carboidratos foi realizada em folhas completamente expandidas da região mediana de cada planta. Foram macerados 300mg de tecido foliar, exceto a nervura central, em 5 mL de tampão fosfato de potássio 100 mM, pH 7,6, submetendo-se ao banho-maria, a 40 °C, por 30 minutos. O extrato foi centrifugado a 10.000 g por 20 minutos. O precipitado foi ressuspendido em 5 mL do extrator, submetido à centrifugação e, ao final, os sobrenadantes reunidos e utilizados para a quantificação dos açúcares solúveis totais. Para a extração do amido, o precipitado foi novamente ressuspendido em 8 mL do tampão acetato de potássio 200 mM, pH 4,8. As amostras foram submetidas ao banho-maria, a 40 °C, adicionando-se 2 mL da enzima amiloglucosidase (12,6 unidades). Os tubos permaneceram em banho-maria por 2 horas e, em seguida, as amostras foram centrifugadas a 20.000 g por 18 minutos, sendo o sobrenadante coletado e o volume completado para 15 mL (OLIVEIRA e ALVES, 1992). Para a quantificação dos açúcares solúveis totais e do amido, foi utilizado o método da Antrona, segundo método descrito por YEMM e WILLIS (1954).

As proteínas foram extraídas das raízes secundárias que se ramificaram na região mediana da raiz principal, segundo método descrito por FANTE (2008). Foram macerados 300 mg do tecido vegetal em nitrogênio líquido acrescido de 18 mg de polivinilpolipirolidona (PVPP). Adicionaram-se 800 µL do tampão de extração composto de: Hepes 100 mM pH 7,5, â-mercaptoetanol 10 mM e glicerol 15%, seguido de centrifugação a 13.000 g, por 15 minutos, a 4 ºC. O sobrenadante foi coletado para a quantificação da atividade das enzimas álcool desidrogenase (ADH) segundo método descrito por HANSON et al. (1984) e da lactato desidrogenase (LDH) segundo HOFFMAN et al. (1986). O método de extração para a enzima piruvato descarboxilase (PDC) envolveu a maceração de 300 mg do material em 1 mL do tampão de extração: Tris-HCl 100 mM pH 8,0, ascorbato de sódio 10 mM, DTT 10 mM, BSA 50 mM e glicerol 15%, seguido de centrifugação a 13.000 g, por 20 minutos, a 4 ºC (FANTE, 2008). O sobrenadante foi coletado para a quantificação da atividade da PDC segundo método de KATO-NOGUCHI (2000).

A atividade da ADH foi monitorada pela redução do NAD+, a 340 nm, por 3 minutos, em meio de reação incubado a 28 °C, contendo tampão Tris-HCl 150 mM, pH 8,0, NAD+ 0,42 mM e etanol a 50%. A atividade da LDH também foi monitorada pela redução do NAD+, a 340 nm, por 3 minutos, em um meio de reação incubado a 28 °C, contendo tampão Tris-HCl 150 mM, pH 8,0, NAD+ 0,42 mM, MgCl2 100 mM e lactato de sódio a 9%. A atividade da PDC foi medida em meio de reação incubado a 28 °C, contendo tampão MES 85 mM pH 6,5, tiamina pirofosfato 0,5 mM, MgCl2 0,5 mM, NADH 0,15 mM, 14 unidades de ADH e piruvato de sódio 10 mM. Nesta reação, o acetato produzido pela PDC foi reduzido pela ADH, oxidando NADH, sendo monitorado a 340 nm por 3 minutos.

A atividade da ADH também foi realizada por meio de eletroforese em gel de poliacrilamida a 7% pelo método PAGE não-desnaturante. Os extratos foram quantificados pelo método BRADFORD (1976) e 15 mg de proteína foram aplicados em cada canaleta. Após a corrida a 100 V por aproximadamente 4 horas, a incubação e a revelação dos géis foi realizada conforme método descrito por ALFENAS (2006).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Um fator importante a ser considerado na avaliação do nível de tolerância da soja ao alagamento é a produção de massa seca. A resposta das cultivares em estudo ao alagamento variou de acordo com o estádio de desenvolvimento da planta (Figura 1). Para a cultivar BRS 267 foi observada uma redução significativa, aproximadamente 55%, na produção de massa seca no estádio V8 para as plantas alagadas. Nas cultivares BRS 257 e BRS 213, houve redução para ambas no estádio V6, porém de forma não significativa. Esses resultados estão de acordo com BACANAMWO e PURCELL (1999), que observaram diminuição na produção de massa seca total de plantas de soja com 14 dias de alagamento, em relação às plantas-controle. PIRES et al. (2002) verificaram diferença na massa seca entre plantas alagadas e controle e afirmaram que nas cultivares não houve a mesma resposta quando submetidas ao estresse pela falta de oxigênio.


Os principais efeitos do alagamento do solo são verificados nas raízes das plantas, e suas mudanças morfofisiológicas, adaptam-se ao ambiente hipóxico (PIRES et al., 2002; BORU et al., 2003.) No presente trabalho observou-se intensa formação de raízes adventícias e hipertrofia do caule nas plantas submetidas ao alagamento. A literatura registra vários ensaios cuja carência de oxigênio prolongada leva muitas espécies a desenvolverem raízes diageotrópicas, raízes adventícias, aerênquimas e também a formação de rachaduras corticais ou peridérmicas em caules resultantes de hipertrofia (DAVANSO et al., 2002; BATISTA et al., 2008).

A hipoxia também provoca alterações na respiração aeróbica no nível nutricional e na fotossíntese, o que pode afetar o crescimento e o desenvolvimento das diferentes partes da planta em um ambiente alagado (ISHIDA et al., 2002 ; BATISTA et al., 2008). As respostas metabólicas a privação de O2 são mediadas ainda, pela disponibilidade e mobilização de carboidratos (VAN DONGEN et al., 2003). LIAO e LIN (2001) afirmam que o alagamento do solo pode causar redução na taxa de translocação de carboidratos das folhas para as raízes e diminuição do crescimento e das atividades metabólicas as quais passam a demandar menor quantidade de carboidratos. Assim, segundo esses autores, tais transformações podem provocar acúmulo de fotossintatos nas folhas, na forma de amido. De forma geral, este comportamento foi confirmado pela análise dos teores de amido nas folhas das três cultivares de soja em estudo (Figura 2). Os resultados mostraram um aumento significativo dos teores de amido nos tratamentos alagados quando comparados a seus respectivos controles, exceto, para a cultivar BRS 267 no estádio V8, em que não houve diferença significativa, no teor de amido.


BAILEY-SERRES e VOESENEK (2008) verificaram que, em algumas plantas e tecidos, a indução de amilases por baixa concentração de O2 devido ao alagamento promove a conversão de amido à glicose, no entanto, a mobilização de amido durante a privação de O2 não é universal. Nas três cultivares de soja, os teores de açúcares solúveis totais seguiram a mesma tendência verificada em amido, porém para este parâmetro, elas proporcionaram teores expressivamente superiores em todos os estádios avaliados quando submetidas ao alagamento, exceto para o estádio V6 nas cultivares BRS 257 e BRS 213, em que não houve diferença significativa (Figura 3). Açúcares solúveis produzidos na fotossíntese tendem a se acumular nas folhas e não são translocados para as raízes, onde são necessários para manter a via glicolítica em funcionamento (DIAS-FILHO, 2005), portanto, a maior disponibilidade de substrato respiratório, como a glicose, pode ser determinante na sobrevivência dos tecidos das raízes em ambientes anóxicos.


Outro fator importante relacionado à sobrevivência das plantas à anoxia é a capacidade de manterem a produção de ATP e a reciclagem do poder redutor. Segundo SOUSA e SODEK (2002), há uma resposta das plantas a condições anaeróbicas por meio de mudanças na expressão de genes. A adaptação metabólica pode ser associada a aumentos na taxa de fermentação, em função de incrementos na atividade das enzimas álcool desidrogenase (ADH), piruvato descarboxilase (PDC) e lactato desidrogenase (LDH). Durante a privação de O2, a PDC converte piruvato a acetaldeído, que é metabolizado pela ADH a etanol, com a regeneração de NAD+ para sustentar a glicólise. Genótipos deficientes em PDC e ADH confirmam a essencialidade da fermentação etanólica na aclimatação das plantas ao estresse por alagamento e privação de O2 (GIBBS e GREENWAY, 2003; KÜRSTEINER et al., 2003).

No presente estudo, a atividade da enzima ADH nas raízes foi significativamente maior nos tratamentos alagados em todos os estádios de desenvolvimento para as três cultivares de soja, exceto para BRS 257 e BRS 213 no estádio V6, onde não houve diferença significativa (Figura 4). Ao comparar os diferentes estádios de crescimentos, percebe-se que somente na cultivar BRS 257 houve diferença significativa entre o estádio V6 e os demais. Já na atividade da enzima PDC (Figura 5), não se notou diferença quando comparados os diferentes estádios de crescimento em plantas alagadas para cada cultivar. Para plantas-controle, somente na cultivar BRS 267 houve valores mais elevados para o estádio R4. Ao observar os tratamentos em cada estádio, percebe-se diferença significativa para o estádio V6 da cultivar BRS 257 e estádios V6 e V8 para a cultivar BRS 213. Por outro lado, a atividade da LDH (Figura 6) foi pouco expressiva nas três cultivares de soja, além de haver comportamento distinto entre os tratamentos.




A maior atividade da ADH se deve à síntese da enzima durante o alagamento, o que pode ser evidenciado no gel de atividade (Figura 7), onde foi observada expressão desta enzima apenas nos tratamentos alagados. O aumento na atividade da ADH em função da deficiência de oxigênio permite reciclar o NAD+ de maneira que se mantenha a via glicolítica ativa (BLOKHINA et al., 2003). Dessa forma, a produção de ATP durante a permanência das plântulas nessas condições está relacionada à capacidade delas em manter essa rota por períodos mais prolongados.


FRIES et al. (2007) observou aumento gradativo na atividade da ADH em raízes de plântulas de milho variedade Saracura (BRS-4154), em função de diferentes períodos de alagamento e, após 72 horas, a atividade dessa enzima atingiu valor 22 vezes maior que o observado no início do estresse. KIMMERER (1987) observou que a ADH foi induzida pela hipoxia nas raízes de soja e algodão onde, após um período de aeração, observou-se uma redução no processo fermentativo, pois diminuiu os níveis de acetaldeido e etanol. KATO-NOGUCHI (2007), em estudo com arroz, observou aumento não significativo na atividade da LDH em plantas com 48 horas de anoxia. No entanto, o estresse aumentou a atividade da ADH nas cultivares. A vantagem da indução da ADH em anoxia foi mencionada como aceleração da rota etanólica da fermentaçao, também apoiada por estudos com ADH em milho e em Arabidopsis (JOHNSON et al., 1994; ELLIS et al., 1999).

Segundo PEREIRA (1989), a produtividade da soja é maior em plantas ricas em carboidratos. Para este autor, uma boa produtividade depende de grande aporte de carboidratos das folhas até os grãos que, por sua vez, é dependente de eficiente fotossíntese, garantida com bom enfolhamento das plantas. Neste estudo, não houve diferença significativa para matéria seca e número de grãos (Figura 8) entre os tratamentos em cada estádio para as cultivares em estudo. No entanto, ao observar os diferentes estádios de crescimento das plantas para cada cultivar, verificou-se na cultivar BRS 257, declínio significativo na matéria seca dos grãos quando as plantas foram alagadas nos estádios V6 e V8, o que não ocorreu para as outras duas cultivares em que não houve diferença significativa para este parâmetro. Com relação ao número de grãos, somente a cultivar BRS 257 apresentou menor número quando as plantas foram alagadas, e que apenas no estádio V8 ocorreu diferença significativa.


4. CONCLUSÃO

Adaptações morfológicas, bioquímicas e metabólicas conferiram às cultivares em estudo uma resposta eficiente ao alagamento. Formação de raízes adventícias e hipertrofia do caule, maiores teores de carboidratos seguidos por aumentos na taxa de fermentação, em função de incrementos na atividade das enzimas álcool desidrogenase (ADH) e piruvato descarboxilase (PDC) foram os fatores que conferiram as plantas tolerância ao estresse imposto. Contudo, a massa seca total e seu decréscimo foram a variáveis mais sensíveis ao estresse, capaz de discriminar a cultivar BRS 213 como a mais tolerante.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Soja pelo fornecimento dos grãos de soja. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio financeiro.

Recebido para publicação em 17 de dezembro de 2008 e aceito em 3 de novembro de 2009.

  • ALFENAS, A.C. Eletroforese e marcadores bioquímicos em plantas e microorganismos 2.ed. Viçosa: UFV, 2006. 627p.
  • ALMEIDA, A.M.; VRIEZEN, W.H.; STRAETEN, D. Molecular and Physiological mechanisms of flooding avoidance and tolerance in rice. Russian Journal of Plant Physiology, v.50, p.743-751, 2003.
  • AMARANTE, L.; SODEK, L. Waterlogging effect on xylem sap glutamine of nodulated soybean. Biologia Plantarum, v.50, p.405-410, 2006.
  • BACANAMWO, M.; PURCELL, L.C. Soybean dry matter and N accumulation responses to flooding stress, N sources and hypoxia. Journal of Experimental Botany, v.50, p.689-696, 1999.
  • BAILEY-SERRES, J.; VOESENEK, L.A.C.J. Flooding Stress: Acclimations and Genetic Diversity. Annual Review of Plant Biology, v.59, p.313-339, 2008.
  • BATISTA, C.U.N.; MEDRI, M.E.; BIANCHINI, E.; MEDRI, C.; PIMENTA, J.A. Tolerância à inundação de Cecropia pachystachya Trec. (Cecropiaceae): aspectos ecofisiológicos e morfoanatômicos. Acta Botânica Brasileira, v.22, p.91-98, 2008.
  • BLOKHINA, O.; VIROLAINEN, E.; FAGERSTEDT, K.V. Antioxidants, oxidative damage and oxygen deprivation stress: a review. Annals of Botany, v.91, p.79-194, 2003.
  • BORU, G.; VANTOAI, T.; ALVES, J.; HUA, D.; KNEE, M. Responses of soybean to oxygen deficiency and elevated root-zone carbon dioxide concentration. Annals of Botany, v.91, p.447-453, 2003.
  • BRADFORD, M.M.A rapid and sensitive method for the quantitation of microgram quantities of protein utilizing the principle of protein-dye binding. Analytical Biochemistry, v.72, p.248-258, 1976.
  • DAVANSO, V.M.; SOUZA, L.A.; MEDRI, M.E.; PIMENTA, J.A.; BIANCHINI, E. Photosynthesis, growth and development of Tabebuia avellanedae Lor. Ex Griseb. (Bignoniaceae) in flooded soil. Brazilian archives of Biology and Technology, v.45, p.375-384, 2002.
  • DENNIS, E. S.; DOLFERUS, R.; ELLIS, M. RAHMAN, M.; WU, Y.; HOEREN, F. U.; GROVER, A.; ISMOND, K.P.; GOOD, A. G.; PEACOCK, W.J. Molecular strategies for improving waterlogging tolerance in plants. Journal of Experimental Botany, v.51, p.89-97, 2000.
  • DIAS-FILHO, M.B. Opções forrageiras para áreas sujeitas à inundação ou alagamento temporário. In: PEDREIRA, C.G.S.; MOURA, J.C.; DA SILVA, S.C.; FARIA, V.P. Teoria e prática da produção animal em pastagens. In: SIMPÓSIO SOBRE MANEJO DA PASTAGEM, 22., 2005, Piracicaba. Anais...Piracicaba: FEALQ, 2005. p.71-93.
  • ELLIS, M.H.; DENNIS, E.S.; PEACOCK W.J. Arabidopsis roots and shoots have different mechanisms for hypoxic stress tolerance. Plant Physiology, v.119, p.57-64, 1999.
  • FANTE, C.A. Teores de isoflavonas no grão e respostas fisiológicas em cultivares de soja submetidas ao alagamento, em diferentes estádios. 2008. 48f. Dissertação (Mestrado em Agronomia/Fisiologia Vegetal) - Universidade Federal de Lavras-UFLA, Lavras.
  • FERREIRA, D.F. SISVAR 4.3 - sistema de análises estatísticas. Lavras: UFLA, 2000.
  • FRIES, D.D.; ALVES, J.D.; DELÚ FILHO, N.; MAGALHÃES, P.C.; GOULART, P. F.P. Crescimento de plântulas do milho "saracura"e atividade de a-amilase e invertases associados ao aumento da tolerância ao alagamento exercido pelo cálcio exógeno. Bragantia, v.66, p.1-9, 2007.
  • GIBBS, J.; GREENWAY, H. Review: Mechanisms of anoxia tolerance in plants. I. Growth, survival and anaerobic catabolism. Functional Plant Biology. v.30, p.1-47, 2003.
  • HANSON, A.D., JACOBSEN, J.V., ZWAR, J.A. Regulated expression of three alcohol dehydrogenase genes in barley aleurone layers. Plant Physiology, v.75, p.573-81, 1984.
  • HOFFMAN, N. E., BENT, A. F., HANSON, A. D. Induction of lactate dehydrogenase isozymes by oxygen deficit in barley root tissue. Plant Physiology, v.82, p.658-63, 1986.
  • JOHNSON, J. R.; COBB, B.G.; DREW, M. C. Hypoxic induction of anoxia tolerance in roots of Adh1 null Zea mays L. Plant Physiology, v.105, p.61-67, 1994.
  • ISHIDA, F.Y.; OLIVEIRA, L.E.M.; CARVALHO, C.J.R.; ALVES, J.D. Efeitos da inundação parcial e total sobre o crescimento, teor de clorofila e fluorescência de Setaria anceps e Paspalum repens. Ciência e Agrotecnologia, v.6, p.1152-1159, 2002.
  • JACKSON, M.B.; COLMER, T.D. Response and adaptation by plants to flooding stress. Annals of Botany, v.96, p.501-505, 2005.
  • KATO-NOGUCHI, H. Evaluation of the importance of lactate for the activation of ethanolic fermentation in lettuce roots in anoxia. Physiologia Plantarum, v.109, p.28-33, 2000.
  • KATO-NOGUCHI, H.; MOROKUMA, M. Ethanolic fermentation and anoxia tolerance in four rice cultivars. Journal of Plant Physiology, v.164, p.168-173, 2007.
  • KIMMERER, T.W. Alcohol dehydrogenase and pyruvate decarboxylase activity in leaves and roots of eastern cottonwood (Populus deltoids Bartr.) and soybean (Glycine max L.) Plant Physiology, v.84, p.1210-1213,1987.
  • KOLB, R.M.; JOLY, C.A. Flooding tolerance of Tabebuia cassinoides: Metabolic, morphological and growth responses. Flora, 2009, doi: 10.1016/j.flora.2008.07.004
  • KÜRSTEINER, O.; DUPUIS I.; KUHLEMEIER, C. The pyruvate decarboxylase1 gene of Arabidopsisis required during anoxia but not other environmental stresses. Plant Physiology. v.132, p.968-978, 2003.
  • LIAO, C.T.; LIN, C.H. Physiological adaptation of crop plants to flooding stress. Proceedings National Science Council, v.25, p.148-157, 2001.
  • OLIVEIRA. L.E.M.; ALVES, J.D. Extração, quantificação e purificação de macro e micronutrientes orgânicos. In: NOTAS de Aulas de Métodos Experimentais em Fisiologia Vegetal. Lavras: Universidade Federal de Lavras, 1992. 35p.
  • PEREIRA, A.R. Aspectos fisiológicos da produtividade vegetal. Revista Brasileira de Fisiologia Vegetal, v.1, p.139-142, 1989.
  • PIRES, J.L.F.; SOPRANO, E.; CASSOL, B. Adaptações morfofisiológicas da soja em solo inundado. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.37, p.41-50, 2002.
  • SCHOFFEL, E.R.; SACCOL, A.V.; MANFRON, P.A.; MEDEIROS, S.L.P. Excesso hídrico sobre os componentes do rendimento da cultura da soja. Ciência Rural, v.31, p. 7-12, 2001.
  • SOUSA, C.A.'F.; SODEK, L. The metabolic response of plants to oxygen deficiency. Brazilian Journal of Plant Physiology, v.14, p.83-94, 2002.
  • VAN DONGEN JT, SCHURR U, PFISTER M, GEIGENBERGER P. Phloem metabolism and function have to cope with low internal oxygen. Plant Physiology, v. 131, p.1529-43, 2003.
  • YEMM, E.W.; WILLIS, A.J. The estimation of carbohydrates in plant extracts by anthrona. The Biochemical Journal, v.57, p.508-514, 1954.
  • *
    Autora correspondente;
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      03 Nov 2009
    • Recebido
      17 Dez 2008
    Instituto Agronômico de Campinas Avenida Barão de Itapura, 1481, 13020-902, Tel.: +55 19 2137-0653, Fax: +55 19 2137-0666 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bragantia@iac.sp.gov.br