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Decomposição da palha de cana-de-açúcar e balanço de carbono em função da massa inicialmente aportada sobre o solo e da aplicação de vinhaça

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar a decomposição da palha de cana-de-açúcar e o potencial para incremento de carbono no solo em função da biomassa inicialmente aportada e do uso de vinhaça. O experimento consistiu de incubação (240 dias, no escuro, umidade de 70% da capacidade de retenção de água do solo e temperatura média de 28 °C) de quantidades de palha equivalentes a 2; 4; 8; 16 e 24 t∙ha−1, com ou sem aplicação de vinhaça (200m3∙ha-1), na superfície de amostras (camada 0-20 cm) de um Latossolo Vermelho-Amarelo.. Determinaram-se C-CO2 liberado, massa seca de palha remanescente, carbono remanescente na palha e teor de carbono no solo. A taxa de decomposição da palha não foi influenciada pela biomassa aportada inicialmente, mas, na presença de vinhaça, os valores ficaram entre 70 e 94%, enquanto que, nos tratamentos sem vinhaça, esses valores foram de 68 a 75%. O incremento variou entre 14 e 35% na taxa de decomposição da palha (16 e 24 t∙ha−1) devido à aplicação de vinhaça, porém não foi acompanhado pelo C-CO2 liberado, o que foi explicado pela duplicação do teor de carbono no solo, estimado por meio de balanço de massa e confirmado analiticamente pelos teores de carbono nas amostras de solo. Conclui-se que a decomposição da palha de cana-de-açúcar, sob condições não limitantes de umidade e temperatura, independeu da biomassa aportada inicialmente sobre o solo e que a aplicação de vinhaça acelerou a decomposição da palha e potencializou a entrada de carbono no solo.

Palavras-chave
mineralização do carbono; nitrogênio; resíduo

ABSTRACT

The objective of this study was to evaluate sugarcane straw decomposition and the potential of increasing soil carbon as a function of the initial biomass and vinasse addition to soil surface. The experimente consisted of incubation (240 days, in the dark, humidity equivalent to 70% of soil water retention capacity and average temperature of 28 °C) of Oxisol soil samples (0-20 cm soil layer) with straw added to soil surface at rates of 2; 4; 8; 16 and 24 t∙ha−1 and with or without vinasse addition (200 m3∙ha-1). The following variables were determined: released C-CO2, remaining straw dry matter, carbon straw and soil carbon concentration. The added biomass did not influence straw decomposition rate, but vinasse treatments provided rates between 70 and 94% compared to 68 to 75% for the ones without vinasse. The straw (16 and 24 t∙ha−1) decomposition rate increased between 14 and 35% due to vinasse addition, but the same behavior was not observed for released C-CO2. This result was explained by the twofold increase of soil carbon concentration, estimated by mass balance and confirmed analytically by the carbon concentration of soil samples. It was concluded that sugarcane straw decomposition, under no limiting conditions of humidity and temperature, did not depend on biomass initially added and that vinasse addition accelerated straw decomposition and potentialized carbon input into the soil.

Key words
carbon mineralization; nitrogen; waste

INTRODUÇÃO

O Brasil ocupa posição de destaque no cenário mundial na produção de cana-de-açúcar, com aproximadamente 660 milhões de toneladas de colmos produzidos na safra 2013/2014, em aproximadamente 9,1 milhões de hectares (CONAB 2014Companhia Nacional de Abastecimento (2014). Acompanhamento da safra brasileira de cana-de-açúcar, v.1 – Safra 2014/15, N.3 – Terceiro Levantamento. Brasília, 1-27; [acessado 19 Out. 2016]. http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos/14_12_19_09_02_49_boletim_cana_portugues_-_3o_lev_-_2014-15.pdf
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). O Estado de São Paulo é o maior produtor nacional, e sua participação equivale a 51% de área plantada, ou seja, cerca de 4,7 milhões de hectares (UNICA 2014União da Indústria de Cana-de-Açúcar (2014). São Paulo fecha safra 2013/2014 com colheita mecanizada em 83% dos canaviais; [accessed 2016 Oct 19]. http://www.unica.com.br/noticia/6551584920310621254/sao-paulo-fecha-safra-2013-por-cento2F2014-com-colheitamecanizada-em-83-por-cento-dos-canaviais
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).

Além do açúcar e do etanol, o bagaço e, mais recentemente, a palha também passaram a agregar valor dentro do processo produtivo da agroindústria sucroalcooleira, pois representam fontes importantes para a geração de energia (Dias et al. 2009Dias, M. O. S., Ensinas, A. V., Nebra, S. A., Maciel, R., Rosell, C. E. V. and Maciel, M. R. W. (2009). Production of bioethanol and other bio-base materials from sugarcane bagasse: integration to conventional bioethanol production process. Chemical Engeneering Research & Design, 87, 1206-1216.). Atualmente, a biomassa de cana é a principal fonte bioenergética do país, estratégica na diversificação da matriz energética e na redução do uso de combustíveis fósseis (CNBIO 2015Centro Nacional de Referência em Biomassa (2015); [accessed 2015 Jan 05]. http://www.cenbio.org.br
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).

Dentre as importantes inovações no setor, a colheita mecanizada de cana crua, ou seja, sem despalha a fogo, merece destaque. No Estado de São Paulo, a área colhida sem queima evoluiu de 37% em 2004 (Smeets et al. 2008Smeets, E., Junginger, M., Faaij, A., Walter, A., Dolzan, P. and Turkenburg, W. (2008). The sustainability of Brazilian ethanol — an assessment of the possibilities of certified production. Biomass and Bioenergy, 32, 781-813. http://dx.doi.org/10.1016/j.biombioe.2008.01.005.
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) para 83% em 2014 (UNICA 2014União da Indústria de Cana-de-Açúcar (2014). São Paulo fecha safra 2013/2014 com colheita mecanizada em 83% dos canaviais; [accessed 2016 Oct 19]. http://www.unica.com.br/noticia/6551584920310621254/sao-paulo-fecha-safra-2013-por-cento2F2014-com-colheitamecanizada-em-83-por-cento-dos-canaviais
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). Neste sistema, o aporte de palha varia entre 10 e 30 t∙ha−1∙ano−1, o que representa quantidade expressiva de carbono (C) e a possibilidade de ciclagem de nutrientes no sistema. No entanto, com a procura por fontes renováveis de energia e uma alteração no foco das usinas e/ou grandes grupos empresariais, que incorporaram em sua atuação a produção de “bioenergia”, a palha passou a ser considerada como insumo (Dias et al. 2009Dias, M. O. S., Ensinas, A. V., Nebra, S. A., Maciel, R., Rosell, C. E. V. and Maciel, M. R. W. (2009). Production of bioethanol and other bio-base materials from sugarcane bagasse: integration to conventional bioethanol production process. Chemical Engeneering Research & Design, 87, 1206-1216.).

O valor da palha na indústria como insumo para bioenergia pode ser estimado de forma relativamente simples, enquanto o valor no campo está relacionado com potenciais benefícios, como aumento do C no solo (Razafimbelo et al. 2006Razafimbelo, T., Barthes, B., Larre-Larrouy, M. C., De Luca, E. F., Laurent, J. Y., Cerri, C.C. and Feller, C. (2006). Effect of sugarcane residue management (mulching versus burning) on organic matter in a clayey Oxisol from southern Brazil. Agriculture, Ecosystems & Environment, 115, 285-289. http://dx.doi.org/10.1016/j.agee.2005.12.014.
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; Canellas et al. 2010Canellas, L. P., Busato, J. G., Dobbs, L. B., Baldotto, M. A., Rumjanek, V. M. and Olivares, F. L. (2010). Soil organic matter and nutrient pools under long-term non-burning management of sugar cane. European Journal of Soil Science, 61, 375-383. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2389.2010.01229.x.
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), redução do uso de fertilizantes (Thorburn et al. 2012Thorburn, P. J., Meier, E. A., Collins, K. and Robertson, F. A. (2012). Changes in soil carbon sequestration, fractionation and soil fertility in response to sugarcane residue retention are site-specific. Soil & Tillage Research, 120, 99-111. http://dx.doi.org/10.1016/j.still.2011.11.009.
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), manutenção da umidade do solo (Marin et al. 2014Marin, F. R., Thorburn, P. J., Costa, L. G. and Otto, R. (2014). Simulating long-term effects of trash management on sugarcane yield for Brazilian cropping systems. Sugar Tech, 16, 164-173. http://dx.doi.org/10.1007/s12355-013-0265-2.
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), e/ou com prejuízos, como falha na brotação e maior probabilidade de ocorrência de incêndios (Rossetto et al. 2008Rossetto, R., Cantarella, H., Dias, F. L. F., Landell, M. G. A. and Vitti, A. C. (2008). Manejo conservacionista e reciclagem de nutrientes em cana-de-açúcar tendo em vista a colheita mecânica. Informações Agronômicas, 124, 8-13.) no sistema agrícola, que devem continuar a ser estudados. Um aspecto essencial nesse sentido refere-se ao processo de decomposição da palha ao longo do tempo, uma vez que a maior parte de seus benefícios pode estar relacionada à presença de barreira física na superfície do solo e ao processo de mineralização dos compostos orgânicos.

A decomposição da palha ou a mineralização do carbono da palha de cana foram avaliadas em alguns trabalhos no Brasil. De modo geral, a taxa de decomposição média da palha para um ciclo de soqueira é de 66 ± 20% (Oliveira et al. 1999Oliveira, M. W., Trivelin, P. C. O., Gava, G. J. C. and Penatti, C. P. (1999). Degradação da palhada de cana-de-açúcar. Scientia Agricola, 56, 803-809. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-90161999000400006.
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; Robertson e Thorburn 2007Robertson, F. A. and Thorburn, P. J. (2007). Decomposition of sugarcane harvest residue in different climatic zones. Australian Journal of Soil Research, 45, 1-11. http://dx.doi.org/10.1071/SR06079.
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; Vitti et al. 2008Vitti, A. C., Trivelin, P. C. O., Cantarella, H., Faroni, C. E., Franco, H. C. J., Otto, R., Trivelin, M. O. and Tovajar, J. G. (2008). Mineralização da palhada e crescimento de raízes de cana-de-açúcar relacionados com a adubação nitrogenada de plantio. Revista Brasileira de Ciência do Solo, 32, 2757-2762. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-06832008000700020.
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; Fortes et al. 2012Fortes, C., Trivelin, P. C. O. and Vitti, A. C. (2012). Long-term decomposition of sugarcane harvest residues in Sao Paulo state, Brazil. Biomass and Bioenergy, 42, 189-198. http://dx.doi.org/10.1016/j.biombioe.2012.03.011.
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). Diferenças quanto ao processo de decomposição da palha estão relacionadas com a composição química da biomassa (Oliveira et al. 1999Oliveira, M. W., Trivelin, P. C. O., Gava, G. J. C. and Penatti, C. P. (1999). Degradação da palhada de cana-de-açúcar. Scientia Agricola, 56, 803-809. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-90161999000400006.
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; Oliveira et al. 2002Oliveira, M. W., Trivelin, P. C. O., Kingston, G., Barbosa, M. H. P. and Vitti, A. C. (2002). Decomposition and release of nutrients from sugarcane trash in two agricultural environments in Brazil. Anais do 24th Australian Society of Sugar Cane Technologists; Cairns, Australia.), tipo de solo e seus atributos (Kliemann et al. 2006Kliemann, H. J., Braz, A. J. P. B. and Silveira, P. M. (2006). Taxa de decomposição de resíduos de espécies de cobertura em Latossolo Vermelho distroférrico. Pesquisa Agropecuária Tropical, 36, 21-28.), condições climáticas (Alvarenga et al. 2001Alvarenga, C. R., Cabezas, W. A. L., Cruz, J. C. and Santana, D. P. (2001). Plantas de cobertura de solo para sistema plantio direto. Informe Agropecuário, 22, 25-36.; Kliemann et al. 2006Kliemann, H. J., Braz, A. J. P. B. and Silveira, P. M. (2006). Taxa de decomposição de resíduos de espécies de cobertura em Latossolo Vermelho distroférrico. Pesquisa Agropecuária Tropical, 36, 21-28.) e disponibilidade hídrica e de oxigênio (Oliveira et al. 1999Oliveira, M. W., Trivelin, P. C. O., Gava, G. J. C. and Penatti, C. P. (1999). Degradação da palhada de cana-de-açúcar. Scientia Agricola, 56, 803-809. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-90161999000400006.
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; Austin e Ballaré 2010Austin, A. T. and Ballaré, C. L. (2010). Dual role of lignin in plant litter decomposition in terrestrial ecosystems. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 107, 4618-4622. http://dx.doi.org/10.1073/pnas.0909396107.
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). No entanto, a própria quantidade de palha mantida no campo após a colheita pode exercer efeito no processo de decomposição, uma vez que mantém a umidade do solo (Oliveira et al. 2002Oliveira, M. W., Trivelin, P. C. O., Kingston, G., Barbosa, M. H. P. and Vitti, A. C. (2002). Decomposition and release of nutrients from sugarcane trash in two agricultural environments in Brazil. Anais do 24th Australian Society of Sugar Cane Technologists; Cairns, Australia.) em valores mais favoráveis à atividade microbiana, regulando parcialmente a quantidade de N inorgânico imobilizada por microrganismos do solo, na tentativa de reduzir a relação C/N e favorecer o processo de mineralização (Vitti et al. 2008Vitti, A. C., Trivelin, P. C. O., Cantarella, H., Faroni, C. E., Franco, H. C. J., Otto, R., Trivelin, M. O. and Tovajar, J. G. (2008). Mineralização da palhada e crescimento de raízes de cana-de-açúcar relacionados com a adubação nitrogenada de plantio. Revista Brasileira de Ciência do Solo, 32, 2757-2762. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-06832008000700020.
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).

A decomposição da palha de cana-de-açúcar é influenciada principalmente pela sua composição, especialmente no que se refere à relação C/N, teores de lignina, celulose, hemicelulose e polifenóis do resíduo (Fortes et al. 2012Fortes, C., Trivelin, P. C. O. and Vitti, A. C. (2012). Long-term decomposition of sugarcane harvest residues in Sao Paulo state, Brazil. Biomass and Bioenergy, 42, 189-198. http://dx.doi.org/10.1016/j.biombioe.2012.03.011.
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; Santos et al. 2012Santos, F. A., De Queiróz, J. H., Colodette, J. L., Fernandes, S. A., Guimarães, V. M. and Rezende, S. T. (2012). Potencial da palha de cana-de-açúcar para produção de etanol. Química Nova, 35, 1004-1010. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422012000500025.
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). Portanto, sob condições não limitantes de temperatura e umidade no solo, a disponibilidade de N deve desempenhar papel-chave no processo de decomposição da palha (Potrich et al. 2014Potrich, D. C., Marchetti, M. E., Potrich, D. C., Ensinas, S. C., Serra, A. P., Silva, E. F. and Souza, N. H. (2014). Decomposição de resíduos culturais de cana-de-açúcar submetidos a diferentes doses de nitrogênio. Semina: Ciências Agrárias, 35, 1751-1760. http://dx.doi.org/10.5433/1679-0359.2014v35n4p1751.
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).

A vinhaça, um resíduo da produção de etanol, utilizada como fonte de potássio na cultura da cana, possui também em sua composição teores de carbono solúvel entre 3,5 e 36 g∙L−1 e de nitrogênio entre 0,09 e 0,35 g∙L−1, que, aliados à dose comumente aplicada no campo, podem alterar a dinâmica da matéria orgânica no sistema produtivo (Penatti 1999Penatti, C. P. (1999). Avaliação nutricional em cana colhida sem a queima da palha. Relatório Interno Copersucar-RT974. Piracicaba: Copersucar.), uma vez que aumentam o pH e a atividade microbiana do solo (Doelsch et al. 2009Doelsch, R., Masion, A., Cazevielle, P. and Condom, N. (2009). Spectroscopic characterization of organic matter of a soil and vinasse mixture during aerobic or anaerobic incubation. Waste Management, 29, 1929-1935. http://dx.doi.org/10.1016/j.wasman.2008.12.009.
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). Assim, a manutenção da palha no solo e a adição de vinhaça podem ser consideradas estratégicas para manter ou aumentar a fertilidade em longo prazo em cultivos de cana-de-açúcar (Canellas et al. 2003Canellas, L. P., Velloso, A. C. X., Marciano, C. R., Ramalho, J. F. G. P., Rumjanek, V. M., Rezende, C. E. and Santos, G. A. (2003). Propriedades químicas de um Cambissolo cultivado com canade-açúcar, com preservação do palhiço e adição de vinhaça por longo tempo. Revista Brasileira de Ciência do Solo, 27, 935-944. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-06832003000500018.
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).

Considerando-se que há demanda de palha pela usina para fins energéticos e que os benefícios associados à manutenção desse material no campo dependem, dentre outros fatores, do processo de decomposição, o presente trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar a decomposição da palha de cana-de-açúcar e o potencial para incremento de carbono no solo em função da massa inicialmente aportada e do uso ou não de vinhaça.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido sob condições controladas (no escuro e com temperatura de 28 ± 2 °C em sala climatizada), tendo sido utilizados potes de vidro com tampa plástica de rosca e capacidade de 2,5 L (13,8 cm de diâmetro e 21,5 cm de altura) para incubação de amostras de solo e palha, com ou sem aplicação de vinhaça.

O solo utilizado na incubação é classificado como Latossolo Vermelho-Amarelo de textura argilosa (67% de argila) (Embrapa 2006Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (2006). Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. Rio de Janeiro: Embrapa.), coletado da camada 0 – 20 cm em área de produção de cana. A caracterização do solo inicial para fins de fertilidade, utilizando-se os métodos descritos em van Raij et al. (2001)Van Raij, B., Andrade, J. C., Cantarella, H. and Quaggio, J. A. (2001). Análise química para avaliação da fertilidade de solos tropicais. Campinas: Instituto Agronômico., revelou: pHCaCl2 = 4,6; M.O. = 30 g∙kg−1; Presina = 15 mg∙dm−3; K = 1,3 mmolc∙dm−3; Ca = 3,4 cmolc∙kg−1; Mg = 1,4 cmolc∙kg−1; H + Al = 4,1 cmolc∙kg−1; e V = 55%.

A palha utilizada na incubação foi da variedade da cana-de-açúcar RB86-7515, coletada manualmente, de forma a separar folhas verdes (ponteiros) e folhas secas. Esse material foi seco a 40 °C em estufa e posteriormente limpo com auxílio de peneira para retirada do solo aderido. Uma mistura de 25% de folhas verdes e 75% de folhas secas (massa/massa) foi realizada para compor a amostra de palha para incubação. A palha para incubação foi cortada em fragmentos de 1 a 3 cm de comprimento. Subamostras dessa palha foram moídas e encaminhadas para quantificação dos teores de C e de N por meio de combustão seca em analisador elementar de CN, modelo TruSpec CN LECO® (Leco, St Joseph, MI, USA). Os resultados em base seca foram 469 g∙kg−1 de C; 5,5 g∙kg−1 de N; e relação C/N de 85.

A vinhaça utilizada no experimento foi do tipo pura, ou seja, sem mistura de nenhum outro resíduo líquido proveniente da agroindústria. A vinhaça foi analisada quanto ao pH e teores totais de C, N, Na e K, seguindo-se os parâmetros recomendados na Norma Técnica P4.231 (CETESB 2006Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (2006). Norma P4.231. Vinhaça – critérios e procedimentos para aplicação no solo agrícola. São Paulo: CETESB.). Os resultados foram 4,7 para o pH; 116 mg∙L−1 de Na; 1,496 mg∙L−1 de K; 10,4 g∙L−1 de C e 0,35 g∙L−1 de N.

O experimento foi montado em delineamento inteiramente ao acaso, em esquema fatorial 6 × 2, sendo 6 quantidades de palha na superfície do solo e 2 níveis de vinhaça (com e sem). Foram utilizadas 3 repetições de cada tratamento, num total de 36 unidades experimentais.

Cada pote recebeu 750 g de solo, o que resultou numa camada de 5 cm de altura no interior do pote. As quantidades de palha colocadas sobre o solo foram iguais a 20; 40; 80; 120; e 240 mg∙cm−2 em base seca, equivalentes a 2; 4; 8; 16; e 24 t∙ha−1 de palha, respectivamente. Em termos de carbono, as doses corresponderam a 9,38; 18,76; 37,53; 56,29; e 112,58 mg∙cm−2. O cálculo das quantidades de palha foi fundamentado na área do pote (149,57 cm2).

A dose de vinhaça foi calculada para aplicação do equivalente a 200 m3∙ha−1, porém considerou-se a distribuição desse volume na camada de 0 – 20 cm. Como no pote a altura do solo foi igual a 5 cm, a dose aplicada correspondeu a ¼ da dose-referência, que foi equivalente a 150 mL∙pote−1. Além dos tratamentos com palha e palha + vinhaça, foram incubados tratamentos com solo e solo + vinhaça, cujo objetivo foi isolar o efeito dos fatores testados.

A umidade foi monitorada pela técnica de Reflectometria no Domínio do Tempo (TDR) durante o período experimental para manutenção a 70% da capacidade máxima de retenção de água, ou seja, quando a capacidade de retenção de água estivesse abaixo de 70%, utilizava-se um determinado volume de água para elevá-la novamente à sua capacidade máxima. Nos tratamentos com vinhaça, o volume de água para ajuste da umidade foi complementar ao já aplicado na forma do resíduo utilizado.

A dinâmica de decomposição da palha foi avaliada de acordo com o método de respirometria recomendado pela Norma Técnica P4.230 (CETESB 1999Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (1999). Norma P4.230. Aplicação de lodos de sistemas de tratamento biológico em áreas agrícolas – critérios para projeto e operação. São Paulo: CETESB.), com captura do C-CO2 emanado utilizando-se solução padronizada de NaOH, em que os potes foram abertos periodicamente para a troca da solução de NaOH contida em seu interior; aquela retirada foi encaminhada para quantificação do CO2 por meio de leitura da condutividade elétrica (Rodella e Saboya 1999Rodella, A. A. and Saboya, L. V. (1999). Calibration for conductimetric determination of carbon dioxide. Soil & Biochemistry, 31, 2059-2060.), conforme descrito em Coscione e Andrade (2006)Coscione, A. R. and Andrade, C. A. (2006). Protocolos para avaliação da dinâmica de resíduos orgânicos no solo. In J. C. Andrade and M. F. Abreu (Eds.), Análise química de resíduos sólidos para monitoramento e estudos agroambientais (p. 159-177). Campinas: Instituto Agronômico..

As trocas da solução de NaOH foram realizadas diariamente nos 30 primeiros dias de incubação e espaçadas para intervalos de 5 dias no restante do período, cuja duração total foi de 240 dias.

Ao final do experimento de incubação, a palha remanescente foi coletada manualmente de cada pote e estes permaneceram abertos em local arejado para secagem do solo. As amostras de palha foram lavadas com água ultrapura e secas a 40 °C até massa constante. Os pesos foram anotados para o cálculo da taxa de decomposição da palha. Na sequência, as amostras foram moídas em moinho de facas (peneira com malha de 0,84 mm) para análise dos teores de C e de N em analisador elementar modelo TruSpec CN LECO®. As amostras de solo foram moídas em almofariz e passadas em peneira com 0,150 mm de abertura de malha para quantificação dos teores totais de C, também no analisador elementar mencionado.

Para auxiliar na discussão dos resultados, foram feitos cálculos de balanço de massa para C no solo, bem como análises de correlação estatística. Com a finalidade de diagnóstico de ganho ou perda de C pelo solo, foi feito o balanço de massa utilizando-se a equação:

Balanço de C = ( C palha inicial C palha final ) + C vinhaça C - CO 2

onde: Balanço de C é a quantidade de carbono (mg∙cm−2) acumulada ou perdida do solo; Cpalha inicial − Cpalha final é a quantidade de carbono remanescente (mg∙cm−2) na palha ao final do período de incubação; Cvinhaça é a quantidade de carbono (mg∙cm−2) adicionada ao sistema solo-palha via 150 mL de vinhaça; C-CO2 é a quantidade total de carbono (mg∙cm−2) liberado como CO2 até o final do período de incubação.

Os resultados foram submetidos à análise de variância considerando-se o delineamento inteiramente ao acaso, em esquema fatorial duplo (palha versus vinhaça) e, no caso de efeito significativo, utilizou-se regressão para quantidades de palha e teste de Tukey (p ≤ 0,05) para comparação de médias para os níveis de vinhaça.

Correlações estatísticas entre os resultados de balanço de massa e os teores de carbono no solo também foram realizadas para auxiliar na discussão dos resultados. O software utilizado para as análises estatísticas foi o Sisvar (Ferreira 2000Ferreira, D. F. (2000). Manual do sistema Sisvar para análises estatísticas. Lavras: UFLA.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os fluxos de C-CO2 durante o período de incubação variaram em função do tempo e da aplicação ou não de vinhaça (Figura 1). Um pico de emissão no terceiro dia de incubação foi verificado para todos os tratamentos com vinhaça, o que foi atribuído ao metabolismo microbiano do carbono solúvel do resíduo. Esse efeito durou cerca de 20 a 25 dias nos tratamentos sem palha e nos tratamentos com as 3 menores quantidades de palha (20; 40 e 80 mg∙cm−2). Nos tratamentos com maior aporte de resíduo vegetal, o tempo de duração do pico foi inferior a 20 dias. De modo geral, o fluxo de C-CO2 associado ao uso da vinhaça variou de 120 a 285 mg∙cm−2.

Figura 1
Carbono liberado na forma CO2 (C-CO2) em função do tempo de incubação e com ou sem aplicação de vinhaça. (a) 0 t∙ha−1 de palha; (b) 2 t∙ha−1 de palha (20 mg∙cm−2); (c) 4 t∙ha−1 de palha (40 mg∙cm−2); (d) 8 t∙ha−1 de palha (80 mg∙cm−2); (e) 16 t∙ha−1 de palha (160 mg∙cm−2); (f) 24 t∙ha−1 de palha (240 mg∙cm−2).

De fato, o carbono da vinhaça está principalmente presente em compostos derivados da lise de células de leveduras e do mosto parcialmente fermentado, sendo considerados de fácil decomposição e fonte lábil de energia aos microrganismos (Glória 1980Glória, N. A. (1980). Utilização da vinhaça. Brasil Açucareiro, 86, 11-17.). No trabalho de Minhoni e Cerri (1987)Minhoni, M. T. A. and Cerri, C. C. (1987). Decomposição de vinhaça em solo sob diferentes níveis de umidade: liberação de CO2, formação de biomassa microbiana e imobilização do nitrogênio adicionado. Revista Brasileira de Ciências do Solo, 11, 25-30., a decomposição da vinhaça no solo também proporcionou maior liberação de CO2 nos primeiros dias de incubação, concordando com o 1º pico de fluxo de C-CO2 verificado neste experimento.

O 2º pico de liberação de C-CO2 ocorreu para todas as quantidades de palha e foi independente da aplicação ou não de vinhaça, tendo iniciado após os primeiros 25 dias de incubação (Figura 1a,b,c,d,e,f). A mineralização do carbono é acelerada pelo aumento da atividade microbiana devido à adição de substratos mais facilmente decomponíveis ao solo (Souza et al. 2006Souza, E. D., Carneiro, M. A. C., Paulino, H. B., Silva, C. A. and Buzetti, S. (2006). Frações do carbono orgânico, biomassa e atividade microbiana em um Latossolo Vermelho sob cerrado submetido a diferentes sistemas de manejos e usos do solo. Acta Scientiarum Agronomy, 28, 323-329. http://dx.doi.org/10.4025/actasciagron.v28i3.940.
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). Nesse processo, a fase inicial é mais intensa, em que compostos menos recalcitrantes são fontes de energia e carbono aos microrganismos, mas, com o tempo, a intensidade do processo tende à diminuição, concomitantemente ao aumento da participação de outros compostos mais recalcitrantes (Gonçalves et al. 2010Gonçalves, S. L., Saraiva, O. F., Franchini, J. C. and Torres, E. (2010). Decomposição de resíduos de aveia e trigo em função do tempo e do manejo do solo. Londrina: Embrapa Soja.). Dessa forma, o período aproximado de 25 dias foi o tempo necessário para a adaptação da comunidade microbiana ao substrato de carbono caracterizado pela palha (mais recalcitrante), uma vez que, nos tratamentos com vinhaça, praticamente todo o C desse resíduo (prontamente disponível) já havia sido mineralizado.

A máxima liberação de C-CO2 associada à decomposição da palha ocorreu próximo ao 50º dia de incubação (Figura 1), e a magnitude desse pico foi variável em função da quantidade de palha localizada inicialmente sobre o solo. Os fluxos de C-CO2 foram crescentes com as quantidades de palha aplicada (0,5; 0,7; 1,4; 2,6; e 2,9 mg∙cm−2 de C-CO2 para as quantidades de 20; 40; 80; 160; e 240 mg∙cm−2 de palha aplicada, respectivamente). O C-CO2 acumulado aumentou linearmente com a quantidade de palha de cana aplicada (Figura 2). Nas quantidades de palha até 80 mg∙cm−2, não foram verificadas diferenças no C-CO2 acumulado em função da aplicação ou não de vinhaça, enquanto nas maiores doses de palha (160 e 240 mg∙cm−2) e uso de vinhaça, o valor foi inferior ao tratamento sem vinhaça. Isolando-se por meio de cálculos o C-CO2 emitido em função da vinhaça aplicada, tem-se que, em média, foram emitidos 7,86 ± 3,34 mg∙cm−2 de C-CO2, valor este próximo dos 10,43 mg∙cm−2 de C aplicados via vinhaça.

Figura 2
Carbono acumulado na forma de CO2 (C-CO2), em função das quantidades de palha de cana-de-açúcar (0; 20; 40; 80; 160 e 240 mg∙cm−2) e o efeito com e sem aplicação de vinhaça. Barras verticais representam a diferença mínima significativa entre C-CO2 acumulado dentro de cada tempo de avaliação.

O C-CO2 acumulado ao final de 240 dias de avaliação foi proporcional à quantidade de palha depositada sobre o solo, sendo que, para quantidades de palha até 80 mg∙cm−2, não foram verificadas diferenças entre a aplicação ou não de vinhaça (Figura 3). Para as 2 maiores quantidades de palha avaliadas, a aplicação de vinhaça proporcionou menor liberação de CCO2, o que, aparentemente, é contraditório ao se considerar que a vinhaça é fonte lábil de C. Por outro lado, deve-se considerar que o nitrogênio presente na vinhaça pode auxiliar na estabilização do material orgânico no solo, à semelhança do que ocorre em áreas com palha de cana e adubação mineral (Graham et al. 2002Graham, M. H., Haynes, R. J. and Meyer, J. H. (2002). Soil organic matter content and quality: effects of fertilizer applications, burning and trash retention on a long-term sugarcane experiment in South Africa. Soil Biology and Biochemistty, 34, 93-102. http://dx.doi.org/10.1016/S0038-0717(01)00160-2.
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). A ausência de diferença no C-CO2 entre os tratamentos com e sem vinhaça, para as menores quantidades de palha (20; 40 e 80 mg∙cm−2), pode ser explicada pela menor demanda de N para estabilização do carbono, uma vez que o solo também funciona como fonte de N. A massa seca de palha remanescente sobre o solo foi maior quanto mais elevado foi o aporte inicial de palha (Figura 3). Nas menores quantidades aportadas (20; 40 e 80 mg∙cm−2 de palha), não houve efeito da vinhaça.

Figura 3
Massa seca remanescente da palha de cana-de-açúcar em função das quantidades de palha (0; 20; 40; 80; 160 e 240 mg∙cm−2) e da aplicação ou não de vinhaça. Barras verticais representam a diferença mínima significativa pelo teste de Tukey (p ≤ 0,05) entre as quantidades médias de massa seca remanescente nos tratamentos com e sem aplicação de vinhaça.

A aplicação de vinhaça nos tratamentos com 160 e 240 mg∙cm−2 de palha (16 e 24 t∙ha−1, respectivamente) resultou em massas remanescentes 11 e 24% inferiores às verificadas nos tratamentos sem aplicação de vinhaça (Figura 3), ou seja, o inverso do observado para os valores de C-CO2 acumulado, em que os tratamentos com aplicação de vinhaça apresentaram valores superiores de C-CO2 acumulado quando comparados aos tratamentos sem aplicação do resíduo (Figura 2). De fato, maior decomposição da palha com adição de vinhaça era esperada, uma vez que esse resíduo é fonte de C solúvel, facilmente metabolizado pelos microrganismos do solo (Glória 1980Glória, N. A. (1980). Utilização da vinhaça. Brasil Açucareiro, 86, 11-17.; Brito et al. 2009Brito, F. L., Rolim, M. M. and Pedrosa, E. M. R. (2009). Efeito da aplicação de vinhaça nas características químicas de solos da zona da mata de Pernambuco. Revista Brasileira de Ciências Agrárias, 4, 456-462.), e de N, que, muitas vezes, também limita a atividade microbiana.

A partir dos coeficientes angulares das retas mostradas na Figura 3 e considerando-se que o processo de mineralização do C ou de decomposição da palha estabilizou no tempo, é possível estimar que a taxa de decomposição da palha com aplicação de vinhaça foi igual a 79% e, sem aplicação de vinhaça, 71%. A taxa de decomposição da palha de cana-de-açúcar após 240 dias de incubação (Figura 4) não apresentou efeito das quantidades de palha com relação à taxa de decomposição. Porém, houve diferença significativa entre os tratamentos com e sem vinhaça. As diferenças ocorreram na menor quantidade de palha (20 mg∙cm−2) e nas maiores (160 e 240 mg∙cm−2), onde as taxas de decomposição da palha foram maiores nos tratamentos com vinhaça, que variaram de 70 a 94%, e, nos tratamentos sem vinhaça, de 68 a 75%.

Figura 4
Taxa de decomposição da palha de cana-de-açúcar degradada em função das quantidades de palha (0; 20; 40; 80; 160 e 240 mg∙cm−2) e da aplicação ou não de vinhaça. Barras verticais representam a diferença mínima significativa pelo teste de Tukey (p ≤ 0,05) entre as taxas de decomposição da palha nos tratamentoscom e sem aplicação de vinhaça.

A maior taxa de decomposição nos tratamentos com aplicação de vinhaça pode ser devido ao carbono solúvel e nitrogênio presentes nesse resíduo em quantidades passíveis de alteração da dinâmica do processo de mineralização no sistema, principalmente ao se considerar a palha de cana-deaçúcar, rica em lignina e com baixo teor de nitrogênio. Além disso, a aplicação de vinhaça pode aumentar o pH, o que favorece o aumento da comunidade e atividade microbiana no solo (Da Silva et al. 2007Da Silva, M. A. S., Griebeler, N. P., Lino C. and Borges, L. C. (2007). Uso de vinhaça e impactos nas propriedades do solo e lençol freático. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, 11, 108-114. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-43662007000100014.
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) e, consequentemente, acelera o processo de decomposição de substratos orgânicos.

Outros trabalhos da literatura não evidenciaram diferenças na decomposição da palha em função da aplicação ou não de vinhaça. Oliveira et al. (1999)Oliveira, M. W., Trivelin, P. C. O., Gava, G. J. C. and Penatti, C. P. (1999). Degradação da palhada de cana-de-açúcar. Scientia Agricola, 56, 803-809. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-90161999000400006.
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determinaram que a taxa de decomposição da palha mantida sobre o solo variou de 66 a 75%, e não houve efeito da vinhaça aplicada em dose equivalente a 100 m3∙ha−1. De forma semelhante, Zotelli (2012)Zotelli, L. C. (2012). Palha e vinhaça: emissões de CO2, N2O e CH4 em solo com cana-de-açúcar (Master’s thesis). Campinas: Instituto Agronômico. também não verificou efeito da vinhaça (56 m3∙ha−1) na decomposição da palha mantida sobre o solo em quantidades de 7 a 21 t∙ha−1. É importante destacar que, nesses casos, a dose de vinhaça foi menos da metade da utilizada na presente pesquisa, e os trabalhos foram desenvolvidos sob condições de campo, em que a variabilidade não controlada tende a ser superior.

Os resultados de C remanescente são concordantes com os de massa seca, inclusive com relação às diferenças entre os tratamentos com e sem vinhaça, para as 2 maiores quantidades de palha estudadas (Figura 5).

Figura 5
Carbono remanescente da palha de cana-de-açúcar em função das quantidades de palha (0; 20; 40; 80; 160 e 240 mg∙cm−2) e da aplicação ou não de vinhaça, adicionada ao solo após 240 dias de incubação. Barras verticais representam a diferença mínima significativa pelo teste de Tukey (p ≤ 0,05) entre as quantidades médias da massa seca remanescente de palha nos tratamentos com e sem aplicação de vinhaça.

O comportamento contrastante entre o uso ou não de vinhaça nos tratamentos com 160 e 240 mg∙cm−2 de palha, quando se mensura o C-CO2 acumulado (Figura 2) ou a massa seca remanescente (Figura 3), pode ser mais bem discutido observando-se o teor de C no solo e fazendo-se o balanço de massa.

Houve aumento do teor de carbono do solo com quantidade de palha aportada inicialmente nos tratamentos com vinhaça (Figura 6). Nos tratamentos sem vinhaça, não foi observado efeito da palha no carbono do solo.

Figura 6
C arbono no solo em função das quantidades de palha (0; 20; 40; 80; 160 e 240 mg∙cm−2) e com e sem aplicação de vinhaça após 240 dias de incubação. Barras verticais representam a diferença mínima significativa pelo teste de Tukey (p ≤ 0,05) entre os teores médios do carbono no solo nos tratamentos com e sem aplicação de vinhaça.

Considerando-se que a aplicação de vinhaça tenha resultado em incremento da taxa de decomposição da palha e que a palha de cana, com elevada relação C/N inicial, pode apresentar maior estabilização do C em função do aporte de N via vinhaça, realmente é possível supor ganhos de carbono pelo solo nessa situação. O desafio é determinar como esses ganhos ou perdas de C pelo solo podem ser aceitos, principalmente ao se considerarem estudos de curto prazo. Dessa forma, o balanço de massa proposto para diagnosticar perdas ou ganhos de C pelo solo auxilia na descrição do processo de mineralização e nos potenciais impactos sobre o sistema edáfico.

Balanços negativos de C no solo ocorreram para quantidades relativamente baixas de palha mantidas sobre o solo, independentemente da aplicação ou não de vinhaça (Figura 7), sendo que o balanço neutro ocorreu para 20 mg∙cm−2 (≈ 2 t∙ha−1) de palha na condição com vinhaça e para 26 mg∙cm−2 (≈ 3 t∙ha−1) de palha na condição sem aplicação de vinhaça.

Figura 7
Balanço de massa do carbono no solo em função das quantidades de palha (0; 20; 40; 80; 160 e 240 mg∙cm−2) e da aplicação de vinhaça, com e sem a aplicação de vinhaça. Barras verticais representam a diferença mínima significativa pelo testede Tukey (p ≤ 0,05) entre os balanços médios de carbono no solo nos tratamentos com e sem aplicação de vinhaça.

Os ganhos em C pelo solo, considerando-se as quantidades de 160 e 240 mg∙cm−2 de palha com vinhaça, foram o dobro da verificada para essas mesmas quantidades de palha, porém sem o uso de vinhaça (Figura 7). A relação entre os valores estimados no balanço de massa e os teores de C quantificados diretamente no solo foi testada por meio de correlações estatísticas (Figura 8).

Figura 8
Correlação entre o teor de carbono do solo e o balanço de massa de carbono estimado em função dos aportes desse elemento via palha e vinhaça, da saída como C-CO2 e do estoque na massa seca de palha remanescente. Balanço de C = (Cpalha inicial − Cpalha final) + Cvinhaça − C-CO2. (a) Sem aplicação de vinhaça; (b) Com aplicação de vinhaça.

Houve correlação estatística significativa entre os valores de balanço de C e os teores de C no solo, o que, de certa forma, valida as estimativas feitas, uma vez que os resultados de C no solo não fizeram parte do balanço de massa. Cabe ressaltar que, nos tratamentos sem vinhaça, a correlação somente foi verificada para os pares de dados gerados nos tratamentos com 160 e 240 mg∙cm−2 de palha (Figura 8a), o que é plausível devido às pequenas entradas de C (inferiores a 3,3 mg∙cm−2 — estimado pelo balanço de massa; Figura 7).

CONCLUSÃO

A taxa de decomposição da palha não é alterada em função da quantidade inicialmente depositada sobre o solo em condições não limitantes de temperatura e umidade. A aplicação de vinhaça acelera a decomposição da palha de cana-de-açúcar mantida sobre a superfície e potencializa a entrada de carbono no solo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2015
  • Aceito
    25 Abr 2016
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