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Auto-Retratos da Classe Média: Hierarquias de "Cultura" e Consumo em São Paulo

Resumos

Based on 17 months of field research in São Paulo (1993-94), this paper examines how middle-class adults in 42 surveyed households verbalized their class identity during the inflation crisis. It concludes that consumption (goods and practices) are foundational to their class definitions, both in relation to other major classes and to other middle-class sectors.

consumption; class; middle-class


À partir d’un travail sur le terrain effectué pendant 17 mois (1993-1994) à São Paulo, l’article examine comment des adultes de la classe moyenne expriment verbalement leur appartenance de classe pendant les crises provoquées par l’inflation. On constate qu’ils se définissent socialement d’après leurs habitudes de consommation (biens et pratiques), non seulement par rapport aux autres classes, mais aussi à l’intérieur même de la classe moyenne.

consommation; classes sociales; classe moyenne


consumption; class; middle-class

consommation; classes sociales; classe moyenne

Auto-Retratos da Classe Média: Hierarquias de "Cultura" e Consumo em São Paulo* * Gostaria de agradecer aos pareceristas anônimos de Dados pelas valiosas críticas, a Vera Pereira pela tradução e a Tema Pechman pela edição do trabalho. Agradeço também a Carlos Hasenbalg por seu apoio, e a Jim Holston, Esther Hamburger, Jerry Lombardi e Jorge Souto por suas argutas críticas e ajuda editorial. [A tradução do original em inglês," Measures of Class: Hierarchies of ‘Culture’ and Consumption in the Brazilian Middle Class", é de Vera Pereira.]

Maureen O’Dougherty

A associação entre classes médias e consumo, tão comum na literatura, mostra que o consumo é um recurso central na formação da identidade dessa classe (ver, p. ex., McKendrick, Brewer e Plumb, 1982; Williams, 1982; Saes, 1985; Frykman e Lofgren, 1987; McCracken, 1990; Friedman, 1994). A literatura sobre o consumo de classe média tem se voltado, fundamentalmente, para a formação e a "expressão" dessa identidade na prática, e não para o modo como as pessoas definem a classe através do discurso. A pesquisa que realizei em São Paulo, entre 1993 e 1994, focalizou ao mesmo tempo as representações da classe média da identidade de classe e as ações destinadas à preservação dessa identidade em um contexto econômico marcado pela alta instabilidade, pela mobilidade descendente da maioria das pessoas e pela concentração de renda de uma minoria, ou seja, durante o período recente de crise inflacionária (1981-1994). O estudo soma-se a um crescente número de trabalhos que analisam as classes médias brasileiras, destacando a maneira como as práticas de consumo contribuíram no passado, e continuam a fazê-lo no presente, para a formação da classe e de sua identidade.

Pesquisas históricas chegaram perto de concluir que a classe média no Brasil tem sido modelada e definida pelo consumo. Em seu estudo sobre as classes médias no Rio de Janeiro e em São Paulo, antes de 1950, Owensby (1994) ressalta que as identidades de classe média se forjavam principalmente em oposição à classe operária, e que as distinções de classe se baseavam não apenas no exercício do trabalho não manual, mas também na educação e nas práticas de consumo (inclusive diferenças no tamanho das residências, no número de empregados domésticos e no modo de vestir). Um estudo especialmente crítico do período de 1960 afirma que a classe média foi cooptada pelo regime militar (1964-1985) com o chamariz do consumo (Saes, 1985; Hansen, 1976). Em outras palavras, as classes médias e altas teriam sido as grandes beneficiárias da expansão das oportunidades de emprego e do florescimento da sociedade de consumo que se seguiram ao "milagre [econômico] brasileiro" de 1968-1974 (Pastore, 1979; Quadros, 1991). De acordo com Quadros, o desenvolvimento do capitalismo monopolista estava fadado a criar um determinado padrão de consumo e, para certo nível de renda, tal padrão deveria concentrar-se nos bens duráveis. Essa tese lança um olhar renovador e irreverente sobre as lutas dos grupos de classe média para se distinguirem dos demais setores sociais por intermédio do consumo. Contrariamente aos comentários dos meus informantes, ao atingirem um determinado nível econômico as pessoas de classe média consumiriam os mesmos tipos de coisas. Análises políticas e econômicas também nos fazem lembrar que a classe média brasileira foi apoiada e estimulada não só pelo emprego no setor público (para alguns), como também pelas políticas públicas que dão, e retiram, sustentação às condições de vida da classe. Um exemplo desse apoio pode ser encontrado em certos programas específicos, especialmente o do Banco Nacional de Habitação ¾ BNH. Criado na década de 60 para financiar a aquisição da casa própria por pessoas de baixa renda, este banco foi usado principalmente pela classe média.

Alguns analistas da América Latina têm extraído dimensões políticas do consumo em relação à classe de maneira diferente da que se verifica na literatura sobre o consumo (porém cf. Carrier e Heyman, 1997). Uma importante coletânea de ensaios escritos por cientistas sociais de várias especialidades (Vieira et alii, 1993) examina as implicações sociais da crise inflacionária. A coletânea vai ao encontro da tese econômica proposta por muitos autores (Kovarick, 1985; Oliveira, 1988; Singer, 1988; Wood e Carvalho, 1988; ver, também, Pastore, 1986, para o argumento contrário) de que a inflação é uma forma extremamente insidiosa e até" perversa" de conflito de classe. Pelo consumo, o indivíduo ou o grupo podem demonstrar uma identidade de classe, distinguindo-se de outros de diversas maneiras ou" diluindo" as diferenças (cf. Ewen e Ewen, 1982; Featherstone, 1990; Lipovetsky, 1994). Esses processos reproduzem, exacerbam ou modificam as divisões de classe. A acentuação das diferenciações de classe durante a crise levanta a questão das reações da classe média a essas mudanças e suas implicações para a comunidade nacional e para a sua trajetória.

A esse respeito, pesquisas sobre o espaço urbano têm indicado uma crescente popularização do uso do centro comercial da cidade e o conseqüente declínio de sua utilização pelas classes média e alta, que preferem espaços públicos" privatizados" (segregados), especialmente os shopping centers (Pintaudi e Frúgoli Jr., 1992). Embora estes espaços pareçam utópicos, e portanto benignos, a segregação espacial dos ricos em condomínios fechados ou dotados de fortes sistemas de segurança destinados a proteger residências cada vez mais suscetíveis a roubos, contém um aspecto preocupante, como Caldeira (1996; no prelo) afirmou com tanta ênfase. Em seu trabalho, ela combina o estudo dos condomínios segregados de classe média alta de São Paulo com a análise do discurso dos seus moradores sobre a violência, concluindo que o discurso e os atos dessas pessoas indicam e reforçam enfaticamente a desigualdade, além de constituírem uma rejeição de facto dos princípios da cidadania democrática.

O que esses estudos têm em comum, apesar da diversidade das disciplinas, objetivos e análises, é uma visão da classe média como grupo distinto, no que se refere às dimensões material e simbólica, das outras classes sociais no Brasil. Embora não seja minha intenção minimizar ou ignorar as diferenças existentes no interior da classe média que outras abordagens realizadas por especialistas em diferentes disciplinas costumam apontar (p. ex., Simões, 1992; Velho, 1981; Albuquerque, 1977), gostaria de sugerir, à luz dos trabalhos mencionados e de minha própria pesquisa, que uma proposta fecunda para as análises sobre a classe média é considerá-la uma classe no singular. Com isso se alcançaria mais facilmente uma perspectiva sobre as categorias nativas de diferença (como as de "tradicional" e "moderno"), em vez de reinseri-las no discurso antropológico. O interesse no que há de comum na classe média não precisa, necessariamente, levar à renúncia do detalhe1 1 . Análises minuciosas, quase microscópicas, sobre classe média e gênero, encontram-se no estudo de Barros (1987), que trata das relações intergeracionais na família, e no trabalho de Ardaillon (1997) sobre mulheres profissionais de classe média. .Entretanto, quando a pesquisa focaliza as particularidades sem considerar a possibilidade da existência de semelhanças e variações entre setores "fragmentados", e quando essas particularidades são apresentadas sem que se faça referência ao contexto social mais amplo no qual se desenvolve um estilo de vida, isso pode dificultar o entendimento de uma dimensão crítica. Ao separar os aspectos políticos e econômicos dos estudos de um determinado grupo, perde-se a oportunidade de examinar as conexões e os conflitos entre setores da classe média, e entre as diferentes classes, assim como a relação entre o discurso e a prática.

Em vez de se partir do pressuposto das diferenças, poder-se-ia investigar as conexões problemáticas entre grupos e esferas sociais separados entre si. Por exemplo, o importante estudo de Velho (1980), sobre a mobilidade ascendente da classe média carioca, assinala um movimento da Zona Norte para a Zona Sul e, conseqüentemente, uma ruptura de vínculos. Da Costa (1988) verifica que os pais adotivos de classe média ora ocultam a origem humilde da criança, ora procuram elevar o status do filho contando histórias sobre os méritos da mãe natural. Com respeito às supostas dessemelhanças entre moradores de diferentes zonas residenciais de São Paulo, e contrariando a percepção comum, metade da Zona Sul da capital votou a favor de Collor em 1989, da mesma maneira como o fez metade da Zona Norte (Pierucci e Lima, 1993), uma conclusão que contradiz as noções convencionais de geografia social. De maneira semelhante, o estudo realizado por Mafra (1993), entre pequenos comerciantes de Campinas, também não presume sua "tradicionalidade", nem procura identificar apego aos costumes de outrora. Ao contrário, a pesquisadora indagou sobre a maneira como eles lidaram com o Plano Collor.

A insistência, ou melhor, o investimento dos "nativos", isto é, das próprias pessoas da classe média brasileira, na definição de fronteiras, distinções e na construção de seu segmento particular, como compondo um" universo" incomensurável totalmente separado do dos demais, pode ser interpretado não como uma prova de diferença, menos ainda como demonstração de" tradicionalismo" ou "modernidade", mas como um sintoma recorrente2 2 . Entre os estudos sobre a classe média "moderna" da Zona Sul do Rio de Janeiro incluem-se os de Salem (1985a; 1985b); Rezende (1990); Coelho (1990); Fiúza (1990); e Heilborn (1992). Ver Romanelli (1986) para uma comparação entre famílias "modernas" e" tradicionais" residentes na Zona Sul de São Paulo. Há dois estudos minuciosos sobre sociabilidade no que se poderia chamar de áreas "tradicionais", mas que evitam a armadilha de reificar este conceito: os trabalhos de Abreu Filho (1980; 1982) sobre uma pequena cidade de Minas Gerais e o de Carneiro (1986) sobre a Zona Norte do Rio de Janeiro. Abreu Filho descreve os conceitos naturalizadores de "nome de família" e "sangue", mostrando como posições sociomorais na hierarquia são transmitidas. Carneiro examina rituais de proeza e solidariedade, em competições realizadas em festas populares, que cortam as divisões sociais (o balão de São João). . A própria busca de distinção e separação social por parte de um determinado indivíduo ou grupo em relação aos demais estratos (ver Velho, 1981:137) é uma das maneiras pelas quais a classe média revela sua unidade, pois indica um projeto social comum e uma estratégia semelhante. Não pretendo sugerir que apenas a classe média busca forjar distinções pelo consumo e pelo estabelecimento de fronteiras entre esferas privadas. Ao contrário, desejo examinar a propensão específica da classe média para fazê-lo — como fatores ao mesmo tempo potenciais e limitadores — e suas possíveis implicações na época do estudo. A referência às condições políticas e econômicas que presidem a prática ou o discurso pode esclarecer as maneiras pelas quais essas condições constituem "atos" de classe. Romanelli (1986:95) afirma que

"[...] o próprio processo de reprodução do capital implantado no país produziu resultados paradoxais. Se ampliou a desigualdade social e as barreiras materiais que separavam classes sociais e estratos, também contribuiu para diluir as fronteiras simbólicas que os delimitaram, ao difundir em escala intensiva, pelos meios de comunicação de massa, os valores da cultura hegemônica".

Da Matta (1979) faz uma afirmação semelhante a respeito da burguesia decadente. Assim, a expansão do consumo de massa parece contribuir para a diluição das distinções sociais e, por conseguinte, algumas pessoas foram incentivadas a redobrarem esforços na reconstrução de barreiras materiais e simbólicas.

Finalmente, vale também refletir sobre a classe média brasileira no singular em um plano mais geral e tendo em vista o imaginário social. A expansão da classe média durante a época do "milagre econômico" certamente deu origem a aspirações e desejos coletivos que contêm um padrão idealizado de como ser" classe média" (Oliveira, 1988), ainda que a maioria dos brasileiros tenha sido excluída (Faria, 1983). Estudos regionais revelam características e trajetórias singulares (conforme espero demonstrar em meu trabalho sobre a classe média paulistana), mas também existem forças unificadoras de natureza econômica e social, e valores homogeneizadores, como Guimarães (1987) mostrou no caso da Bahia. Os meios de comunicação de massa têm sido agentes extremamente importantes nesse processo de hegemonia, desde as novelas até as reportagens jornalísticas (Miceli, 1972; Lins da Silva, 1985; Albuquerque, 1993; Fausto Neto, 1994; Hamburger, no prelo). Ortiz analisa como a cultura de massa que se desenvolveu a partir dos anos 40, em parte alimentada por modelos estrangeiros, foi importante na formação de uma cultura nacional popular. De fato, se no imaginário social a classe média brasileira simboliza um ideal nacional, em certa medida por sua "modernidade", esta modernidade na maioria das vezes é demonstrada pelas práticas de consumo, outorgadas nacional e transnacionalmente (Ortiz, 1991; Garcia Canclini, 1995).

Embora um exame mais profundo da literatura sobre a classe média brasileira fosse de grande valia, isto foge aos limites deste artigo. Acredito, porém, que o que foi dito até aqui é suficiente para situar a análise a ser apresentada a seguir, na qual estudo as categorias nativas de classe média. Procurando contribuir para essa literatura, minha pesquisa sobre famílias de classe média e alta de São Paulo (O’Dougherty, 19973 3 . Esta pesquisa abordou os seguintes aspectos: as práticas destinadas a manter a posição social; as maneiras como membros da classe e a sociedade representavam a identidade de classe média; as dimensões políticas e nacionais da crise do ponto de vista da classe média. Por práticas refiro-me à gama de atividades que emergem como táticas relevantes para a manutenção da posição social. Entre estas, inclui-se: fazer minuciosas comparações de custos antes de ir às compras no armazém, pechinchar em Miami, abrir um pequeno negócio, mandar os filhos para uma escola particular, atuar em uma organização social ou religiosa e criticar o governo. Por representações entendo as concepções ("nativas") das pessoas sobre a classe média. Incluo aí o discurso das pessoas de classe média sobre sua própria identidade em relação à sociedade, bem como as representações da classe média no contexto público, especialmente na mídia impressa. Quanto à amostra: após uma sondagem inicial com 42 famílias, selecionei 24 das Zonas Sul e Oeste de São Paulo para um contato mais profundo. As famílias tinham em comum o fato de os filhos freqüentarem as mesmas três escolas particulares. ) visou analisar a maneira como esses paulistanos redefiniam e representavam suas posições sociais na vida cotidiana, em um contexto em que as bases de sustentação do modo de viver de classe média — emprego estável, educação, habitação, poupança, facilidade de consumo— estavam ameaçadas. Tais circunstâncias colocavam em questão os recursos e o significado da condição de ser da classe média (ver Bonelli, 1989). O consumo tornou-se o foco principal de minha análise, tendo-se revelado também um fator decisivo para o grupo e o contexto (aliás, as questões de consumo ocuparam as manchetes dos jornais durante todo o período do trabalho de campo e depois de sua conclusão). Logo descobri que o consumo é um fator fundamental para a classe, e que ele assumiu uma intensidade especial durante a crise econômica de grandes proporções que, além de prejudicar a população pobre, afetou negativamente os estratos médios. Em um trabalho maioranalisei as práticas de consumo em si mesmas; neste artigo, trato dos significados e dos aspectos práticos do uso da linguagem sobre esse tema. Apesar de a minha análise ter uma clara ligação com a abordagem de Bourdieu sobre classes, ela distingue-se desta por focalizar a linguagem. Ao introduzir este elemento no estudo das distinções de classe, busco levantar questões sobre os processos de naturalização da classe média.

O entendimento de que o consumo (bens e práticas) tem um papel importante na "construção" da identidade da classe média não é uma opinião exclusiva dos analistas sociais; os próprios "nativos" pensam assim. De fato, o discurso falado4 4 . Utilizo o termo discurso a partir da definição lingüística básica de "fala ou escrita vinculada que ocorre em níveis supra-oracionais" (Asher, 1994:940). Não me refiro a um discurso geral e categórico, como o "discurso sobre a loucura". Em vez disso, identifiquei na conversa dos informantes um corpo de afirmações que contém o mesmo vocabulário, "argumento" ou "sentido", constituindo, portanto, um corpo coeso. dos meus informantes mostrou que o consumo era seu principal critério de definição, fundamental tanto para suas próprias representações sobre as diferenças de classe, quanto para suas representações sobre outros grupos igualmente membros da classe média. Padrões de consumo eram freqüentemente citados, a bem dizer eram onipresentes na conversação. Em certo sentido, se o dinheiro é padrão e medida de valor, o consumo também funciona na linguagem como uma espécie de moeda que mede as classes ¾ trata-se de um dos mais importantes recursos através dos quais as pessoas de classe média verbalizavam suas avaliações de classe em geral e as distinções intraclasse.

Meu objetivo é demonstrar essa descoberta. Ao fazê-lo, porém, defronto-me com um complicador: é que os informantes, ao mesmo tempo que insistiam no consumo do ponto de vista das questões de identidade, rejeitavam-no de uma perspectiva moral. Mais precisamente, isto quer dizer que os informantes produziam dois discursos que entravam em tensão: de um lado, uma atitude quase ascética de rejeição a tudo menos à educação e ao consumo "culto" (na forma de certas atividades de lazer); de outro, uma definição muito literal de classe, que tomava como critério a posse de bens e as experiências de consumo. É dessa insistência e tensão contidas nas avaliações sobre o consumo que desejo tratar neste trabalho.

O artigo divide-se em três partes: na primeira, faço uma exposição das definições da classe média sobre as distinções de classe e intraclasse; na segunda, analiso as implicações dessas definições à luz das teorias sobre as distinções de classe, o gosto e o capital cultural; na última, examino as concepções de classe média sobre os pobres mediante os padrões de medida da "cultura" e do consumo.

Após sublinhar a importância de relacionar particularidades do material de campo com as condições sociais mais gerais, pode parecer absurdo da minha parte ignorar o contexto na exposição que se segue. Não quero dar essa impressão. Todavia, por uma questão de espaço, peço aos leitores que tenham em mente as condições de mais de uma década de crise inflacionária.

"O QUE É QUE NÓS SOMOS?"

Em meus primeiros contatos com os informantes, eu lhes perguntava de modo propositadamente vago: "O Brasil passou por muitas mudanças nos últimos anos. Como a classe média viveu essas mudanças?" Além de informarem sobre as mudanças, as respostas fornecidas caracterizavam o que é a classe média. Larissa (arquiteta autônoma e funcionária de planejamento da Prefeitura) declarou:

"A classe média de dez anos atrás, que continua a viver de salário, perdeu muito poder aquisitivo. Há dez anos, classe média era quem podia comprar um carro, casa própria, manter os filhos em escola particular, freqüentar, digamos, bons restaurantes. Era quem podia uma vez por ano fazer uma viagem. [...] Hoje, se eu tivesse de sobreviver com o salário do meu marido, mais o da Prefeitura, meus filhos não estariam estudando no [Colégio X], eu não teria carro, nós teríamos de cortar um carro, e não sei se estaríamos morando na [Rua Y]."

E acrescentou: "Eu só consigo me manter na classe média com dois empregos." Como Larissa, vários outros informantes fizeram extensas descrições da classe média, que incluíam carro, casa própria, educação em escolas particulares para os filhos e atividades de lazer, especialmente cinema, teatro e viagens. Mas quando mais tarde pedi que definissem a classe média, quase todos responderam que ser de classe média "é ter uma casa própria e um carro."

É claro que os informantes poderiam perfeitamente ter formulado outra definição, citando, por exemplo, a profissão, a educação dos pais ou as características do bairro onde viviam em São Paulo, ou também ter dado respostas de outra natureza. Mas não, quase todos mencionaram a propriedade da casa e do automóvel5 5 . Apenas dois informantes formularam uma visão ligeiramente diferente. Simone (já citada) fez uma descrição poética. O outro eu excluí, como faria com um potencial jurado. Este informante, o sociólogo de esquerda Marquinhos, articulou uma perfeita definição analítica do papel da classe média na estrutura econômica. Embora o fato de que todos os outros evitaram mencionar a profissão possa ser explicado pela variabilidade da categoria, estimulando-os a formular uma definição mais clara, mais estável ou" universal", insisto no significado da escolha do consumo como medida. . Essa definição pode parecer simples ou trivial demais para ser levada a sério pelas ciências sociais, não obstante, ela contém exatamente tudo o que se exige de uma definição: uma designação concisa e clara. Contrastando com a literatura sobre classes sociais, essa classificação parcimoniosa da classe média se reporta à esfera privada e, por conseguinte, tem afinidades com a conceituação weberiana das condições de classe. Entretanto, assim como a concepção analítica das classes, ela faz uma nítida separação entre duas grandes classes sociais. Não concebe a estratificação social como um contínuo, pois situa a classe média ao lado da classe alta e em contraste indireto com os pobres. Indica, portanto, um reconhecimento (que varia da indiferença ao temor) das condições de vida extremamente diferenciadas das classes sociais no Brasil, onde a grande maioria só tem acesso a condições precárias de moradia e, nas áreas urbanas, padece com as deficiências do sistema de transportes públicos, além do alarmante perigo de acidentes de trânsito.

É surpreendente que a definição seja tão "reducionista"6 6 . Foi Baudrillard (1981:34) quem apelidou de "empirismo ingênuo" a tendência de classificar as classes médias pela posse de objetos. No entanto, quando os próprios nativos adotam esse critério (em relação a si mesmos e aos outros), essa propensão pode ser qualificada de metonímica. As pesquisas de mercado (ver Almeida e Wickenhauser, 1991) definem as classes, obviamente, pelos bens possuídos. Como já afirmei, a literatura sobre o desenvolvimento histórico da classe média brasileira também associa esta classe ao consumo, mas no caso de Saes (1985) o termo classe seria insuficiente. Alegar, como ele, que a classe média foi cooptada pelos militares a aceitar a ditadura — com suas práticas antidemocráticas e criminosas — em troca de "Volkswagens" e liqüidificadores, não chega a ser um retrato lisonjeiro! . Do ponto de vista de pessoas privilegiadas materialmente (a chamada classe A), a menção à propriedade da casa e do automóvel inspira uma pergunta do tipo: "É só isso que as pessoas de classe média consideram separá-las das massas populares?!" Embora o "perigo" de mudar para uma favela (que é o comentário histérico da imprensa do Rio de Janeiro)7 7 . Para uma visão comparativa, ver Fowler (1994). seja muito remoto, o medo da classe operária, até mesmo o receio de ser eventualmente confundido com uma pessoa pobre, sem dúvida responde por boa parte das práticas da classe média. Para essas pessoas talvez não haja outra possibilidade senão ser de classe média8 8 . Devo essa análise à Barbara S. Weinstein. Uma análise comparativa encontra-se em Ehrenreich (1989). .

Muitos informantes ressaltaram a mobilidade descendente e a crescente polarização das classes, sugerindo que já não sobrava muita coisa da classe média, só havendo ricos e pobres. O engenheiro Euclides afirmou o seguinte: "Quem se poderia classificar como classe média é quem tem casa própria, emprego estabilizado [...]. A classe média hoje não consegue poupar, apenas sobrevive. O que realmente está existindo é mais gente saindo da classe média e indo mais para baixo." Note-se a referência feita por Euclides à estabilidade no emprego (em vez da profissão), ameaçado pela crise. Seu comentário sobre a perda da capacidade de poupar — e, portanto, de planejar a vida — tem um papel importante nas supostas conseqüências de ser de classe média. A perda do privilégio de sonhar, por assim dizer, foi uma queixa freqüente entre os informantes e também um dos temas ironicamente reiterados pela imprensa em manchetes do tipo: "Para a classe média, o sonho acabou" (Folha de S. Paulo, 13/10/1987). Os informantes com mais de 40 anos de idade manifestaram um forte sentimento de decadência. Uns se sentiram obrigados a dizer que a classe média" ainda existe, especialmente em São Paulo"; mas outros afirmaram que ela" encolheu", "foi achatada", apenas "subsiste", "quase não existe", ou, ainda, em um floreio de retórica, que "não existe".

De fato, tudo o que era mais caro a uma pessoa da classe média, e prova de sua posição de classe, estava ameaçado nesse período, inclusive a casa própria. Inúmeras vezes ouvi meus informantes dizerem que se não tivessem comprado seus apartamentos antes da crise não teriam mais como fazê-lo9 9 . O subsídio governamental ao financiamento da aquisição da casa própria foi abolido em 1986 (e o Banco Nacional de Habitação substituído pelo Sistema Financeiro da Habitação), restando apenas o financiamento privado para novas aquisições. Igualmente, a estratégia que a maioria dos informantes precisou adotar a respeito do automóvel foi simplesmente a de conservar o carro velho. . Durante a crise da inflação, as formas de pagamento das prestações eram definidas e reajustadas pelas construtoras por critérios defensivos, o que tornava impossível para o comprador fazer uma previsão de custos. Assim, adquirir um imóvel tornou-se um empreendimento demasiado arriscado para a maioria das pessoas. Além disso, casas e bens passaram a ser cada vez mais guardados — com fechaduras adicionais, trancas, muros, vigias permanentes nos prédios de apartamentos e guardadores de carros nas ruas. Essas medidas se "justificavam" pelo alto risco de furtos e roubos, como mostra Caldeira (1996).

A amostra da pesquisa de Caldeira certamente possuía muito mais bens para proteger e recursos para fazê-lo do que a do meu estudo, cuja tática freqüentemente era do tipo "ficar de olho". Simone, uma de minhas informantes (proprietária de boutique, ex-representante comercial), descreveu a trajetória de sua família justamente a partir das casas em que residiu. Na época (1994), a família dela possuía duas propriedades invendáveis (além da casa em condomínio fechado na Zona Oeste de São Paulo, possuía uma outra em uma pequena cidade próspera na melhor área agrícola do estado) e morava em um apartamento alugado no bairro de Pinheiros. Quando lhe pedi uma definição para classe média, Simone respondeu sem titubear: "a classe média é um sonho, uma ilusão."

Durante as primeiras entrevistas (em que eu sabia que os informantes estavam mais preocupados com sua apresentação diante de um estranho), surgiu um outro conjunto de afirmações importantes para uma definição "nativa" de classe. Não sei se devido a uma impressão momentânea ou a uma reminiscência precisa, vários informantes da geração mais velha pintaram uma espécie de quadro dos "bons tempos" anteriores à crise, quando nunca tiveram de fazer conta de dinheiro, de ter jogo de cintura para pagar as contas ou de cortar despesas e lazer. A crise obrigou todo mundo a fixar prioridades no orçamento doméstico, a gastar apenas o essencial. Como era de se esperar de minha amostra de pais de família com filhos matriculados em escolas particulares, o gasto com educação foi considerado uma necessidade indispensável. Os informantes freqüentemente justificavam essa prioridade pela falta de alternativas viáveis no sistema público de educação.

Muitos me contaram que na época de sua juventude ¾ anos 40-50 ¾ as escolas públicas eram boas, até melhores do que a maioria das particulares — estas últimas, aliás, eram ridicularizadas pela expressão "papai pagou, passou" —, mas agora isso mudou. Alice (professora universitária, em fase de conclusão do seu doutorado, divorciada e mãe de dois adolescentes) expressou-se com muita clareza: "É impossível colocar seu filho em uma escola pública no Brasil de hoje. É impensável. É saber com certeza que ele não vai aprender absolutamente nada". Na verdade, atualmente, os pais estão apostando tudo em uma educação de qualidade, provavelmente de maneira mais enfática e intensa do que o fizeram no passado, porém, sempre atentos aos custos10 10 . Em duas das escolas mencionadas, a mensalidade equivalia, aproximadamente, a US$ 250, em dezembro de 1993. Ademar, citado adiante, confidenciou que a mensalidade escolar dos seus dois filhos consumia um terço do salário que ganhava. (Posteriormente, ele disse que seu salário era de US$ 2.500,00.) Alice afirmou que a mensalidade dos seus dois filhos comprometia a maior parte da aposentadoria do ex-marido (militar). . As escolas são escolhidas levando-se em conta seu potencial para garantir aos filhos um "bom começo na vida" (cf. Thompson, 1976). Como disse mais de um informante, "é tudo que eu posso dar ao meu filho"11 11 . Vários disseram que a mensalidade do colégio dos filhos era a despesa mais alta do orçamento familiar. Segundo os orçamentos apresentados por oito famílias, a mensalidade escolar era a segunda ou terceira maior despesa (sempre atrás da alimentação e do aluguel, ou prestação da casa, ou gastos com transporte). .

Como quase sempre acontece, uma definição negativa é um modo óbvio de nos diferenciarmos dos outros, no caso em questão dos estratos sociais adjacentes. Vários informantes assinalaram que suas prioridades eram completamente distintas das das pessoas que "compram um carro [novo], mas colocam os filhos em uma escola pública". Ouvi esta mesma formulação inúmeras vezes, o que não dá margem a dúvida sobre o que queriam dizer: carros novos, mas escolas públicas; que total inversão de valores. Pôr um ostensivo objeto de status e consumo na frente da educação, da cultura e do futuro dos filhos!

Reinaldo, professor de psicologia, imaginou a figura de "um açougueiro da Moóca, que mora em uma casa muito mal construída, com móveis de segunda, tem dois carros zero na porta, um conjugado em Itanhaém e os dois filhos estão em escola do estado". Esta cena da Zona Leste de São Paulo, uma área residencial das classes média baixa e pobre, ligada às atividades industriais, chama logo a atenção devido à quantidade de famílias de novos-ricos que continuam morando lá mesmo assim. Reinaldo contrastou essa primeira imagem com o seguinte quadro:

"Você pega um profissional de nível superior dos Jardins, Vila Madalena, Cerqueira César etc. [bairros de classe média alta da Zona Sul]; ele geralmente mora em um apartamento menor ou em uma casa menor, bem cuidada, com móveis melhores, como é o caso dos meus. Tem um carro velho, e os filhos estão em escolas particulares de excelente nível".

Reinaldo explicou que os profissionais de nível superior dos Jardins até poderiam ter uma renda menor do que a de "um açougueiro, um dono de mercearia, um dono de padaria, que podem receber uma renda cinco ou seis vezes maior", mas as despesas e os padrões de consumo dos primeiros eram muito mais louváveis do que os dos novos-ricos. A professora pública Maria Regina (casada com Ricardo) confirmou que pessoas ricas costumavam levar as crianças de carro para a escola em que trabalhava. Na verdade, essa oposição (entre carros caros e escolas gratuitas) era freqüentemente enfatizada pelos professores.

A formulação de comparações hiperbólicas entre práticas de consumo, com a finalidade de demonstrar uma inversão de valores e falta de bom senso, era uma tática retórica extremamente popular. Comentando a fixação dos brasileiros em carros, Alice afirmou: "Aqui no Brasil você tem pessoas que moram de aluguel, ou numa casa caindo aos pedaços, horrorosa, sem infra-estrutura, que poderia ser melhor, em função de um carro do ano. Você vê muito isso. Para o brasileiro o carro é muito importante, porque é o maior símbolo de status".

Alice morava em um apartamento alugado e tinha um carro de dez anos atrás, que ela dizia causar embaraços aos filhos adolescentes. Outra mulher, divorciada, afirmou com alegre mordacidade que seu ex-marido, que durante anos inventara justificativas racionais para seu desejo de comprar um carro do ano, agora tinha de se contentar com "o carro do ano passado".

Os informantes insistiram, várias vezes, na afirmação de que os brasileiros são muito "consumistas", o que me levou a deduzir que eles pensavam comportar-se de modo diferente. Entretanto, quando em outra ocasião indaguei-lhes sobre o que pensavam de ir às compras, todos os informantes, homens e mulheres, com duas únicas exceções, disseram que gostavam, ou mesmo "adoravam", fazer compras. O que não impediu comentários como o de Bia12 12 . Declarações muito semelhantes vieram à tona, de casa em casa, em paráfrases perfeitas, sugerindo um estilo discursivo unitário. Segundo Bruna (dona de casa, separada): "Mas é que o brasileiro é muito consumista, não é? Ele gosta de ter roupa, de se vestir bem. A casa cai, entendeu, mas ele tem necessidade de uma roupa." O automóvel, prova material e ícone simbólico de classe, também era um tema recorrente. Se, no Brasil, as casas dos ricos geralmente ficam escondidas por muros protetores ou jardins, os automóveis são oportunidades ótimas de exibir o status publicamente. ,uma jovem psicóloga que trabalhava com o marido Marc no consultório dele:

"Apesar de ser muito brasileira, às vezes eu acho o povo brasileiro muito supérfluo... A pessoa diz ‘deixa assim mesmo. Está caro, mas eu quero muito essa calça. Eu quero viajar. Depois eu me viro. Fico sem comer três meses, mas vou viajar...’. Eu vejo muito isso. Eu não sei se é uma pequena parte que se reflete muito, mas eu ouço muito esse tipo de conversa. ‘Eu prefiro não ter empregada [sic]’. Sei lá. ‘Não comer legal, não comer todo dia filé mignon, mas depois eu vou viajar. Vou comprar minha roupa do jeito que eu gosto’, entendeu? Não tem casa própria, não tem carro"13 13 . A datilógrafa que transcreveu o material de pesquisa para mim (e que lutava para sustentar sua família, já que os problemas de saúde do marido o impediam de trabalhar) objetou que jamais encontrara alguém que deixasse de comer para viajar. .

É interessante notar que apesar dessas diatribes contra o consumismo, ninguém aludiu ao fato de que durante o período de inflação alta não se podia guardar dinheiro embaixo do colchão, pois era o mesmo que deixá-lo evaporar-se. Podia-se aplicar uma renda eventual em algum esquema bancário criado durante os anos de inflação como proteção contra a corrosão inflacionária, ou mesmo obter algum lucro com isso; podia-se "investir" em bens duráveis ou gastar o dinheiro de outras formas. O próprio consumo como proteção da renda era uma alternativa evidente para as pessoas; mas como os objetivos da comunicação neste caso eram outros, essas justificativas não foram apresentadas. Ou seja, nas entrevistas, os argumentos dos informantes tinham, decerto, a intenção de identificar e avaliar criticamente outros brasileiros, sobretudo através de suas práticas de consumo confrontadas com as deles próprios14 14 . No primeiro contato, poucos disseram que desejavam ter mais roupas, provavelmente devido à formalidade da entrevista, e em harmonia com as representações" quase-ascéticas" que faziam de si mesmos. .

Um outro tema ratifica o "consumo esclarecido" ou a" cultura" como valor homogeneizador do ponto de vista desse grupo de informantes. Junto com as críticas a um consumo puramente material surge a valorização de uma outra espécie de bem. Quando questionadas sobre as coisas de que eventualmente sentiam mais falta, as pessoas mencionaram o teatro ou o cinema e as viagens — a diminuição ou privação de viagens era sentida como especialmente penosa. O que podia ser entendido como simples lazer era realçado por sua feição cultural, e a falta era sentida como privação. Assim, Larissa reclamou da falta de tempo para ler, estudar inglês e fazer ginástica; Alice também queixou-se de não poder estudar inglês e contrastou seus hábitos de consumo com os de outras pessoas:

"Eu gasto dinheiro em jornal, revista, eles não vão gastar nessas coisas. Eu adoro objetos de arte: clássicos, escultura, adoro. Se tivesse dinheiro, estaria entulhada de coisas assim. Eles não gastariam dinheiro nisso. [E acrescenta] Eu não vou nunca a um restaurante de rodízio porque detesto. Prefiro ficar em casa, e eles vão. Porque para essas pessoas isso é o suficiente, e para mim não. Então há esses gostos, esses valores que são diferentes".

Minutos depois, falando sobre roupas, ela comenta: "Eu vou querer a roupa X, porque ela me dá uma qualidade, um caimento melhor, uma elegância diferente". Lembrando-se de um vestido que vira em uma vitrina, Alice acrescenta em tom de gozação: "o olhar da gente não cai no [vestido] de 4.900 [cruzeiros reais], cai no de 16 mil [cruzeiros reais]! É sempre assim".

Dadas essas táticas discursivas, cabe fazer uma ressalva na definição anterior. O lar e a "cultura" continuam sendo sagrados, mas a compra do carro pode ser criticada quando toma o lugar do investimento mais honroso na educação. Bia (que tinha passado seis meses em Paris com o marido Marc, que fazia um pós-doutorado em psicologia) foi a única a falar das viagens como um exemplo de gasto mal direcionado. Do ponto de vista da maioria, viajar era fazer um uso nobre do dinheiro15 15 . Por exemplo, a professora primária Pilar disse: "nós fomos à Europa em vez de comprar carro. Tem gente que faz mais questão de ter status, sofá novo. A gente prefere viajar." Uma amiga minha comentou: "como se essa fanfarronice de viagem não fosse outro símbolo de status, sem contar que viajar é uma forma de fazer compras!" .

Em resumo, a classe média aqui estudada formula uma imagem estereotipada de "outra" classe média. A primeira, embora dispondo de recursos materiais reduzidos, distingue-se da segunda por manter um padrão cultural em seus projetos sociais e culturais (ver Velho, 1981 e Romanelli, 1986, respectivamente). Meus informantes ironizavam a outra classe média por sua falta de projetos e pobreza de valores, ou seja, pela futilidade do seu consumo e pela pobreza dos seus gostos. Não surpreende, portanto, que as críticas a "essas pessoas", com base em uma distinção entre refinamento e falta de refinamento cultural (e os investimentos pertinentes), fossem formuladas com freqüência por pessoas que dispunham de menor flexibilidade de renda, mas não só por elas.

O marido de Bia, Marc, um psicólogo estabelecido na profissão há pouco tempo, mas já bem-sucedido, fez uma distinção bastante nítida entre a classe média e os novos-ricos. Referindo-se às pessoas que subiram na escala social, afirmou:" tomaram o lugar deles alguns que eram classe média e não tinham cultura. Hoje o que a gente está vendo é que tem muita gente andando de carro importado e não tem a mínima cultura. Tem essa inversão, não só econômica, mas cultural" (ênfases minhas).

A questão que se coloca é se esses informantes se sentiriam agradavelmente surpresos ou, ao contrário, muito consternados, caso soubessem que o estudo de Rodrigues (1989), sobre o discurso de funcionários públicos, revelou notáveis semelhanças com as opiniões deles, apesar do nível de renda e de escolaridade ¾ no máximo o secundário completo ¾ mais baixo dos segundos. O que Rodrigues (idem:102) chama de "apego ao simbólico" (ver Bourdieu, 1984:253) inclui uma forte tendência a lamentar a impossibilidade de fazer viagens, assistir a espetáculos, em suma, buscar" cultura". No caso desses funcionários públicos, porém, as restrições não pareciam dever-se apenas à crise, mas de modo mais permanente aos baixos salários e à falta de perspectivas de progresso.

GOSTO, CAPITAL CULTURAL E MÉCONNAISSANCE

A esta altura já deve ter ficado claro que tudo isso resulta em uma representação bem "clássica" da classe média. O grupo como um todo demonstrou apegar-se firmemente à educação e ao esclarecimento cultural como meios para alcançar e manter a condição de membros da classe média e também como uma marca distintiva dessa posição social. Essas pessoas construíram sua posição de uma superioridade quase moral, tendo como base a educação e a cultura (mais o carro velho e a casa), em contraste com o pólo oposto dos donos de carros novos e de produtos de consumo supérfluo. Esses discursos, que identificam e dividem simbolicamente a classe média — e aludem a marcas de distinção material —, trazem à lembrança os debates sociológicos sobre "classe" e "status". Devido à clareza de determinadas afirmações de Weber sobre as diferenças entre classe e status16 16 . Conforme Weber, o "‘mero poder econômico’, especialmente o ‘puro poder do dinheiro’, não é uma base reconhecida de honra social" ( in Gerth e Mills, 1946:180). É ainda ele quem afirma, como se sabe, que o status, freqüentemente, está "em nítida oposição às pretensões da mera propriedade" ( idem:187). , às vezes esquecemos que ele dá espaço à discussão sobre as inter-relações dos dois conceitos. Cabe notar, nesse sentido, que Weber aponta para um refluxo do status em períodos de instabilidade econômica. Ele afirma, por exemplo, que: "Quando as bases da aquisição e da distribuição de bens são relativamente estáveis, a estratificação por status é favorecida. Todo reflexo tecnológico e transformação econômica ameaçam a estratificação por status e trazem ao primeiro plano a situação de classe" (Gerth e Mills, 1946:193-194).

Isto significa que as distinções mais sutis de estilos de vida somente produzem efeito quando existe afluência e lazer? Pode ser que não. Concordo com a idéia de que a situação de classe passa a ser uma preocupação primordial em épocas de instabilidade econômica, mas os dados de minha pesquisa mostram que circunstâncias ameaçadoras não levam as pessoas a atribuir menos importância às questões de honra social e às diferenças de estilo de vida, pelo contrário. Na realidade, seu protesto (contra a mera riqueza) e defesa (de valores "elevados") insinuam uma conexão. Como se sabe, foi Bourdieu quem, em Distinction: A Social Critique of the Judgement of Taste (1984), acentuou de modo mais convincente a relação intricada entre classe e status.

Bourdieu tem uma capacidade quase assustadora17 17 . Eu afirmei que a perspectiva de Bourdieu é um tanto assustadora porque, às vezes, a impressão que nos fica, a despeito de ele acertar exatamente no alvo, é que as atitudes são simplesmente posturas artificiais. Eu não vejo atitudes planejadas, mas pessoas que seguem orientações de vida com seriedade, com uma visão estratégica de suas famílias; até o modo de se apresentarem possui uma seriedade que precisa ser admitida. Espero que os discursos analisados, inclusive dos membros das famílias mais pobres da amostra, provoquem uma séria consideração para a manifestação de ansiedade que contêm. de mostrar que determinadas atitudes se associam (quer dizer, se identificam, desmentem) indiscretamente à posição da pessoa na estrutura de classes. Agora que trouxe à baila o nome de Bourdieu — mal disfarçado nas referências à distinção, à educação e ao gosto feitas nas páginas anteriores —, sinto-me tentada a acrescentar que os brasileiros de classe média que estudei parecem ser provas cabais da sua teoria sobre o "capital educacional", o "capital cultural" e o "gosto". Contudo, na própria confirmação dessa teoria insinua-se a necessidade de revisá-la18 18 . Análises críticas de Bourdieu podem ser encontradas em DiMaggio (1979); Frow (1987); Calhoun, Lipuma e Postone (1993); Rupp (1997). . Um dos principais argumentos de Bourdieu é o de que os sistemas de educação e afirmação de gosto funcionam tão bem para legitimar a cultura dominante e a reprodução das relações de classe exatamente porque aparentam ser uma esfera" autônoma" do econômico e do político (ver Bourdieu e Passeron, 1977:152). A função da educação é a de "ocultar" essa relação (idem:194). Da mesma maneira, haveria no gosto um "desconhecimento" (méconnaissance, no texto original de Bourdieu) dos suportes materiais dos atributos adquiridos. Essa concepção do capital cultural/capital simbólico da educação e do gosto está coerentemente presente em toda a obra de Bourdieu19 19 . Assim, ele disse há um tempo atrás que o "capital simbólico, uma forma modificada e, portanto, disfarçada do capital ‘econômico’ físico, produz seus próprios efeitos na medida em que — e somente na medida em que ¾ oculta o fato que dá origem a formas ‘materiais’ de capital, que são também, em última análise, a fonte de seus efeitos" (Bourdieu, 1977:183). Mais tarde, Bourdieu reitera que "o capital simbólico é esse capital negado, reconhecido como legítimo, que é desconhecido como capital [...]" (1990:118). .

Durante o período de incerteza quanto à viabilidade da classe média em que se desenvolveu minha pesquisa, educação e gosto foram enfatizados e representados pelos informantes como "valores". Essa maneira de apresentá-los parece revelar um desconhecimento das bases materiais dos valores superiores que atribuíam a si mesmos. Sem querer me estender aqui em detalhes (ver McDonough, 1981), parece-me suficiente observar que no sistema brasileiro de educação, o caminho para a educação gratuita em instituições de ensino superior de qualidade geralmente passa pelas instruções primária e secundária obtidas em escolas particulares muito caras. Essas desigualdades e o reino do privilégio são explicitamente reconhecidos pelos segmentos de classe média que usufruem de tais vantagens. De fato, muitos informantes afirmaram que os pobres eram deixados sem educação de propósito, ou seja, que o governo tinha o plano de mantê-los ignorantes e, portanto, seguindo essa linha de raciocínio, mais maleáveis. No discurso dos meus informantes não se notava nenhum desconhecimento no que diz respeito às barreiras de classe vigentes no sistema de educação no Brasil, nenhum suposto de igualdade democrática relativamente à educação. E quanto ao gosto?

A distinção carregada de valores entre práticas de consumo (formando as categorias alta e baixa) talvez ofereça algum consolo na forma de uma superioridade moral; mas será que isso significa que as pessoas em questão fizeram uma "escolha do necessário", como diz Bourdieu? Segundo ele, fazer essa "escolha" é a sina de uma classe inferior, ao passo que os grupos que não estão sujeitos a limitações econômicas podem usufruir de um gosto pelo não funcional (Bourdieu, 1984, esp. parte III). A aplicação dessa "escolha" à classe operária recebeu críticas (ver Holston, 1991; Appadurai, 1996; Rupp, 1997). Em poucas palavras, afirma-se que aqueles que estão presos à necessidade também sonham, também têm gostos bem definidos. Além disso, o inverso pode não ser verdadeiro. Halle (1993), discorrendo sobre as pessoas consideradas possuidoras de um capital cultural que se expressa no gosto, mostra, irreverentemente, que mesmo os indivíduos de classe média alta ou de classe alta que dispõem de recursos e têm contato com a alta cultura, por serem residentes na área dos museus de Nova York, falam de modo tão pouco refinado sobre a "arte" quanto os moradores de um modesto quarteirão de classe média do Brooklyn.

O que se pode dizer acerca da mobilidade descendente dessa classe média? É verdade que no meu estudo as pessoas opõem "cultura" a consumo material. Todavia, convém estabelecer uma certa distância ao examinarmos esse discurso. Se a "cultura" está situada a uma distância elevada acima do" consumo", assim como "a gente" está longe "dessa gente" a partir de um outro nível de distanciamento, essas mesmas distinções se dissolvem. Quer dizer, quando se ignora o objeto preciso do consumo em prol da categoria geral (p. ex., falar genericamente em "jantar fora em um restaurante" em vez de especificar o tipo de restaurante), as distinções tão caras à autodefinição caem por terra. É justamente esse colapso das fronteiras simbólicas que constitui uma violação dessa hierarquia específica. Misturar tipos de atividades de consumo é equivalente ao uso heterodoxo do termo classe média em lugar de classes médias.

Quanto à aparente rejeição das coisas materiais, talvez fosse mais exato dizer que os gostos em questão são menos ascéticos (mas, ver Aguiar, 199320 20 . Neuma Aguiar aplica a classificação de Simmel das atitudes e hábitos de consumo à sua análise da crise econômica brasileira. As atitudes descritas por Simmel em relação ao dinheiro são, afora o ascetismo, a ganância, a dissipação, o cinismo e uma atitude blasé. ) do que associados ao que chamo de" consumo esclarecido". Isto porque, apesar da imaterialidade das atividades culturais valorizadas, os comentários dos informantes a respeito desses interesses são sempre e imediatamente vinculados a bases e recursos materiais. Essa conexão pode parecer tão trivial (isto é, paga-se pela cultura) que não merece ser mencionada. Todavia, como Campbell (1987) demonstra com perspicácia em sua crítica à Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo de Weber, a busca de crescimento espiritual individual por parte dos europeus ocidentais transfere-se tranqüilamente, para ser realizada, a um consumo habitual capaz de infinitas repetições e inovações. Esse processo de troca entre o material e o espiritual conflita com uma sensibilidade puramente ascética.

Em suma, as condenações do consumo vulgar parecem-me um tanto suspeitas, dadas as insistentes referências a artigos que estão fora do alcance das pessoas. A adoção de uma posição crítica em relação aos padrões de consumo do novo-rico é "clássica" ou, mais especificamente, trata-se de uma atitude ressentida de uma classe média economicamente menos favorecida. Impedido de realizar um consumo refinado, esse grupo recorre de modo parcial e ambivalente a uma atitude de superioridade que resguarda a cultura "requintada" do próprio grupo de um materialismo vulgar. Enfim, esses paulistanos poderiam ser chamados de "ascetas relutantes".

Bourdieu argumenta com razão que as lutas simbólicas convergem para o gosto e a cultura. Pode ser que os agentes em questão desejem "desconhecer" as bases econômicas das diferenças que tanto prezam. É bem possível que a afirmação do seu gosto contra o de outros grupos ignore que a moda que defendem não existe em um universo absoluto de julgamentos de gosto, mas em relação àquele de que zombam (ver Bourdieu, 1984). Entretanto, e é este o ponto que gostaria de salientar no que diz respeito ao consumo cultural ou esclarecido, a clareza com que o assunto é tratado, as afirmações solenes da superioridade do status sobre, e contra, a posição econômica, sugerem menos o desconhecimento das relações entre poder econômico e cultura, ou gosto, do que uma admissão finamente velada dos vínculos entre essas duas dimensões. Eu não chegaria a dizer que o discurso dessas pessoas de classe média representa um reconhecimento virtual dos suportes materiais da categoria chamada" cultura", mas as insistentes referências ao materialismo, o alto grau de consciência das afirmações de gosto, desmentem qualquer concepção de uma naturalização acabada. Está claro que a explicitação do argumento enfraquece a afirmação.

NIVELAMENTO, OU "TUDO QUE SOBE TEM DE CONVERGIR" (FLANNERY O’CONNOR)

Examinemos agora alguns comentários feitos pelos informantes de rendas mais baixas no conjunto da amostra acerca do nivelamento das diferenças, da queda de fronteiras. Miriam (professora particular de inglês) era a informante de origem mais modesta dentre as mulheres estudadas na pesquisa (correspondendo a Reinaldo, citado acima, na amostra masculina), tendo praticamente se criado sozinha. O que a espantava era que as pessoas de classe média pudessem, tanto quanto os ricos, "comprar roupas com muita freqüência, usar tênis, ir ao shopping center, essas coisas...", a tal ponto que "você já não sabe distinguir quem é quem, não é mesmo?!" Este curioso comentário lembra as análises sobre a "democratização" da moda causada pela produção em massa (para uma crítica desse argumento, ver Ewen e Ewen, 1982). Embora os críticos objetem a noção irrealista de que se possa reduzir as desigualdades sociais pela simples mudança do modo de vestir, não se deve, por outro lado, descartar completamente a opinião popular fetichista que sustenta essa idéia e acha desagradável a expansão do consumo causada pela produção em massa.

Ademar (gerente de uma pequena fábrica), cuja situação financeira era das mais modestas dentre os meus informantes, estava visivelmente preocupado com a usurpação do seu status. Depois de enumerar a lista usual dos principais bens e atividades de lazer que costumavam caracterizar a classe média, Ademar reclamou:" Hoje você não viaja mais. Carro? Todas as pessoas têm, melhores ou piores. Casa própria? Elas também têm. Foram conquistas da classe mais pobre. [...] Então a classe média, hoje, não está bem caracterizada." Antes de dizer isto, Ademar havia feito comentários desabonadores a respeito dos operários da firma que administrava. Eles viviam se queixando e tinham uma visão pessimista, disse ele; no entanto, 19 dos 49 empregados eram donos de carros: "Só carro caindo aos pedaços. O pessoal usa para vir trabalhar. São operários. [...] Eles estão melhorando a vida deles. Mas se você perguntar, ‘como vai?’ — aí é aquela tristeza!". Embora operários do setor formal possam ter carros (provavelmente comprados com a contribuição de vários membros da família), certamente não é isso que acontece com a grande maioria dos trabalhadores pobres. Por outro lado, alguns informantes não demonstraram saber que muitas pessoas das classes populares são donos das casas onde moram, casas estas construídas por conta própria, por "autoconstrução" (cf. Holston, 1991), ao longo de anos, enquanto continuaram morando em favelas. A proximidade com estratos adjacentes deixava Ademar intranqüilo; seus progressos o diminuíam.

Alice reconhecia gostar de coisas caras, mesmo sabendo que não podia comprá-las; já Ademar manifestou irritação. Quando perguntei se a inflação tinha complicado a vida das pessoas, a resposta de Simone também sugere inquietação:

"Eu acho que se perdeu a noção de valores; ninguém mais sabe o preço justo de nada, você não sabe. Por exemplo, eu estou falando do problema de empregadas, que empregada passou a ser caro, será que é caro? [sic] Eu começo a questionar se ela acha aquilo, eu ia achar uma porcaria, só que eu também não posso pagar muito mais. Então são valores, não se tem mais, essa inflação eu acho que acaba com a gente mesmo."

A combinação entre a mobilidade descendente (ou posição estacionária) de uns e a ascensão de outros aproximou os padrões de consumo (e, por extensão, a identidade) dos níveis das pessoas pobres, cujos gostos "deveriam" ser como mundos totalmente à parte. Esses informantes, que se sentem incomodados por tal aproximação, exprimem claramente uma visão hierárquica, antidemocrática, da ordem social. O nivelamento agride muito, especialmente quando, como acontece com Simone, os" valores" estão associados aos preços. Seria, sem dúvida, de grande importância analisar de que maneira "ter" uma empregada (aludo aqui ao modo objetificado como essa entrevistada se referiu às empregadas domésticas) valida uma posição de classe, mas, neste artigo, limito-me a considerar os bens de consumo (ver, p. ex., Souza, 1980; Almeida, 1982; Farias, 1982; Azeredo, 1989). Os bens são elementos fundamentais para a construção da hierarquia social e para a definição do lugar e da identidade do indivíduo nessa hierarquia, quer vistos em um estado ideal ou desordenado, percebidos como uma usurpação por parte de outros considerados mais modestos, ou simplesmente como um estorvo aos meios de exprimir um "gosto".

Uma frase de Ademar deixou-me especialmente impressionada: "Então a classe média, hoje, não está bem caracterizada." Ela me lembrou um comentário semelhante de um rapaz cuja opinião era que a classe média" descaracterizou-se" na crise. Encontrei nessa frase aquilo que outros exprimiram pelo silêncio, quando às vezes lhes pedia, em um estilo sociológico, uma definição de classe média. Entretanto, nem todos os comentários feitos pelos informantes de renda mais baixa caracterizaram-se pelo ressentimento em relação aos que subiram na escala social. Alguns exprimiam um descontentamento sem alvo, ou faziam uma vaga referência aos problemas societários do sistema, ou ainda à crise em geral. Examinemos um último comentário sobre esse tema, formulado por Ricardo, um técnico que passou vários meses desempregado em 1992. Ricardo e Maria Regina descobriram que não podiam mais pagar a escola das três filhas, de modo que optaram por colocar a mais velha na escola pública em que a mãe ensinava, enquanto as duas menores permaneceram na escola particular, com desconto nas mensalidades. Ricardo afirmou o seguinte a respeito da classe média:

"Às vezes a gente perde a noção, não de status, mas de classe mesmo. O que é que eu sou? Quando você não consegue investir alguma coisa no fim do mês, quando empata e o cheque especial está no vermelho, já não dá para considerar, não dá para saber, não dá para manter o padrão de classe média. [...] Nós temos ‘n’ atividades [...]. Vamos passear no Ibirapuera, mas para tomar cinco sorvetes você tem de pensar duas vezes. Se for fim de mês, nem pensar; é o mínimo que você pode fazer, não tomar um sorvete na esquina; caramba!" (ênfases minhas).

Esses informantes deixaram bem claro que se ressentiam muito de ficarem confinados aos limites da necessidade. Em contraposição, os que tinham renda mais alta não davam tanta ênfase às dificuldades; na realidade, freqüentemente moderavam suas afirmações sobre a limitação dos orçamentos, chamando a atenção para os seus" privilégios", sobretudo a propriedade da casa e a possibilidade de educar os filhos em escolas particulares. Entretanto, apesar de diferenças na situação financeira, ouvi muitas vezes a mesma definição de classe média. Ricardo definiu-se por meio de uma pergunta existencial — não "quem", mas "o que é que eu sou?" ¾ , à qual repetidamente respondeu pela negativa, em termos de práticas de consumo que não podia exercer.

OS PADRÕES DE CLASSE MÉDIA PARA MEDIR A CLASSE OPERÁRIA

Demorei-me na análise das distinções intraclasses para acompanhar o que me pareceu ser a maior e mais angustiante preocupação dos meus informantes, a julgar pela quantidade de comentários obtidos e seus alvos: os estratos ascendentes adjacentes. Parecia haver uma generalização dos esforços para recriar as barreiras hierárquicas. No entanto, esse tipo de inquietação é mais fácil de entender do que a preocupação deles com as pessoas pobres. Foge ao escopo deste trabalho tratar em profundidade a visão da classe média sobre os pobres (ver, p. ex., Caldeira, no prelo; Sheriff, 1997). Para os objetivos deste artigo, parece-me suficiente assinalar que os informantes freqüentemente apontavam uma variante do consumo e da cultura como medidas, quando a conversa girava em torno dos trabalhadores pobres. A variante é constituída pelos seguintes elementos: um bem de consumo específico ¾ o alimento ¾ e o oposto da "cultura" ¾ a "ignorância". As observações mais espontâneas e diretas sobre as classes trabalhadoras referiam-se às empregadas domésticas e/ou aos nordestinos.

Certo sábado, fui ao mercado municipal, um grande empório fechado, acompanhando um casal e uma filha. Enquanto dirigia pelas ruas dessa área antiga e malconservada do centro de São Paulo, a mãe (dona de casa, casada com um bancário) comentou com desgosto que o lugar estava cheio de gente suja e, indicando os camelôs, disse ironicamente: "nortistas, o povo de Erundina". A filha adolescente disse que não gostaria de morar no centro da cidade. (A família reside em um apartamento alugado em um velho edifício do bairro de Moema.) Comparando preços e produtos de especialidades alimentares, a mãe apontou para a carne-de-sol e me disse que os nortistas eram obrigados a comer esse tipo de carne porque não tinham geladeira. Minutos depois, voltando a ver o mesmo produto, mãe e filha disseram que não comeriam aquilo "nem sonhando". De fato, a carne-de-sol se conserva bem sem necessidade de refrigeração, mas seria mais adequado dizer que se trata de um alimento tradicional, e não que é mais típico dos nordestinos pobres. Na verdade, ela é atualmente uma carne cara, e esse tipo de carne de vaca de alta qualidade é bastante apreciado, sendo servido como especialidade culinária nos restaurantes do Rio e de São Paulo. Reconheço que os comentários não são muito importantes, mas como ouvi desse e de outros informantes freqüentes observações negativas sobre os nordestinos, fico me perguntando se esses comentários eram sem propósito.

Essa maneira de avaliar, de cima para baixo, a classe operária, tomando como medida a comida, patenteou-se dolorosamente em duas ocasiões. Em uma visita de trabalho à casa de uma informante (que se beneficiara de um processo de mobilidade ascendente), esta me apresentou carinhosamente à empregada, feliz com seu bebê recém-nascido. Estranhei, porque, dois meses antes, minhas anotações de campo haviam registrado algo muito diferente. Referindo-se então com orgulho à grande quantidade de refeições e sobremesas que a empregada preparava diariamente, a informante havia dito que tinha de comprar seis litros de leite dia sim, dia não. Isto somava mais de um salário mínimo, calculou ela, mais do que pagava de salário à empregada. É verdade. Ela me disse que gastava mais em sobremesas do que com o trabalho da empregada. Já a esposa de um próspero médico (que entrevistei uma vez) observou que "ouvimos falar o tempo todo sobre a pobreza no Nordeste, mas lá todo mundo tem farinha-farofa, abóbora, rapadura..." — e interrompeu a frase para me perguntar se eu conhecia essa última palavra. Depois continuou dizendo que "a farinha tem amido; a abóbora, glicose; a rapadura, glicose. A gente pode achar que isso é muito pobre, mas é relativo, é relativo...". Relativo a quê? Não era raro criticar ou ridicularizar as empregadas domésticas por causa da sua "cultura". Por exemplo, o cunhado de um informante lembrou rindo que sua empregada falava "forgo" em lugar de" fogo" e "bloco" em vez de "brócolis". Algumas mulheres reclamavam que as empregadas não sabiam cozinhar nem limpar bem a casa. Essas queixas desconsideravam o fato de que a pobreza podia ser um obstáculo a tais tipos de informações culturais.

Os comentários eram certamente classistas, mas não é só isso. As pessoas não esqueciam de identificar a Região Nordeste ou o estado de origem do operário transgressor, como se esta informação fosse uma explicação de sua pretensa ignorância ou comportamento errado. O recurso a um idioma regional nem precisa mascarar a visão racista, pois "todo mundo sabe" que o Nordeste apresenta a mais alta proporção de descendentes de africanos (quanto à distribuição geográfica e racial, ver Hasenbalg, 1985). Nunca ouvi ninguém reclamar de um(a) operário(a) dizendo que ele(a) veio de São Paulo2121. Curiosamente, os operários vindos de Minas Gerais, um grande estado em que uma certa região apresenta condições semelhantes às do sertão nordestino e uma alta parcela da população é de descendência africana, não foram objeto de críticas negativas. É possível que a proximidade de São Paulo e a inexistência de uma reputação de decadência eliminem a condição de alvo desse grupo, mas as razões para a diferença de atitudes permanecem obscuras. ABSTRACTMeasures of Class: Hierarchies of Culture and Consumption in the Brazilian Middle Class . A datilógrafa que transcreveu algumas fitas de entrevistas para mim afirmou que os operários paulistas tinham mais discernimento do que os outros. A questão foi levantada quando eu, ciente da contrariedade da datilógrafa com o fato de os meus informantes culparem "o povo" pelos problemas políticos, comentei que embora as pessoas de classe média muitas vezes digam que o povo não tem espírito crítico, minha experiência mostrava o contrário. Ela respondeu que isso podia ser verdade em São Paulo, mas não em outros lugares, e citou o exemplo de sua faxineira baiana que não conhecia o valor da nova moeda nacional, o Real. (Essa conversa se passou em julho de 1994, poucas semanas depois da entrada em vigor da nova moeda.) Logo depois ela me contou sobre outra ocasião em que a mesma faxineira queria comprar um creme para o cabelo que custava R$ 9,00 (nove reais). A datilógrafa lembrou à empregada que ela teria de dobrar sua diária de R$ 5,00 (cinco reais) para poder pagar o creme, portanto, ela teria de esperar um mês para fazer a compra. Em lugar disto, ela poderia fazer o cabelo em um cabeleireiro por R$ 12,00 (doze reais), o que duraria seis meses. Segundo a datilógrafa, a mulher não entendeu o raciocínio — o que demonstrava sua ignorância. Nem eu entendi a lógica: por que R$ 12,00 seriam mais fáceis de conseguir do que R$ 9,00? Quanto à nova moeda, muito me admirou que uma dificuldade de aritmética, em um momento extremamente confuso de mudança, pudesse ser usada como exemplo de falta de discernimento. Eu disse à datilógrafa que minha faxineira também não entendia a nova moeda, e era de São Paulo; ao que ela me informou que a maior parte do Brasil é rural.

Resumindo, esses casos sugerem que, se no tocante aos estratos sociais adjacentes as ansiedades de classe vêm à tona, desmentindo a naturalização, na avaliação dos brasileiros pobres esses paulistanos de classe média conseguem assumir uma espécie de naturalização através de um distanciamento mais radical envolvendo a" cultura", e que é associado à classe, à raça e, às vezes, à região.

COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS

Vimos que esses brasileiros de classe média se distinguiam dos de outro setor da mesma classe por uma hierarquia de consumo e de padrões" culturais" por eles mesmos criada. Atribuíam aos seus próprios investimentos e práticas de consumo uma superioridade cultural, quase um valor moral, enquanto condenavam os dos outros grupos como vulgares ou censuráveis. Sugeri, então, que o fato de esses brasileiros de classe média explicitamente definirem e avaliarem a si mesmos por suas práticas de consumo, que eram seu idioma e sua medida de valor de uma classe, levanta questões pertinentes aos processos de naturalização. Se, em seu discurso sobre os brasileiros pobres, as pessoas de classe média lidavam com uma espécie de naturalização pelo distanciamento radical, suas afirmações acerca dos estratos adjacentes demonstravam um alto grau de consciência.

A hipersensibilidade à classe e a inquietação com as classes médias são sintomáticas e corroboram a análise de Da Matta (1979) a respeito da grande preocupação com a manutenção das fronteiras de classe. Se a intensificação da insegurança e o efetivo declínio característicos da época recente exacerbaram essa tendência, é preciso dizer que a "enorme preocupação com a posição social e uma tremenda consciência de todas as regras (e recursos) relativas à manutenção, perda ou ameaça dessa posição" (idem:144) é endêmica. Da Matta tinha em mente uma burguesia decadente que se mostrara intolerante com as tendências democráticas em um momento histórico anterior ao de minha pesquisa. Este artigo examinou uma classe média cuja mobilidade ascendente foi muito rápida ¾ ocorreu no espaço de uma ou duas gerações. E a maneira como definiam sua classe tomava como critério a casa, comprada, alugada ou perdida, entre a época do "milagre brasileiro" (1968-1974) e a "crise" (1981-1994).

Tanto as práticas (especialmente o investimento em educação) quanto os discursos me fazem crer que a crise não distorceu as táticas da classe média, ao contrário, reforçou-as exageradamente. Continuou havendo uma grande confiança nos méritos da educação como recurso para viabilizar o futuro dos indivíduos e das famílias, mesmo com as novas condições econômicas restritivas da década de 90. E o que dizer da eficácia do símbolo? Essa questão suscita uma palavra final acerca da fragilidade das reivindicações. Identificações do tipo "Eu sou isto não aquilo" podem trazer algum apoio à posição da classe média e defendê-la contra a ameaça de outros. Entretanto, o recurso verbal a padrões de cultura e consumo como medida de classe — tanto em relação a outros setores da classe média quanto a outras classes —, a manifestação explícita dessa percepção, ao contrário de expressões não verbais, sugere a debilidade das reivindicações da classe média ao estatuto de classe: em suma, efetivamente ela protesta demais.

(Recebido para publicação em maio de 1997)

NOTAS:

Based on 17 months of field research in São Paulo (1993-94), this paper examines how middle-class adults in 42 surveyed households verbalized their class identity during the inflation crisis. It concludes that consumption (goods and practices) are foundational to their class definitions, both in relation to other major classes and to other middle-class sectors.

Keywords: consumption; class; middle-class

RÉSUMÉ

Autoportraits de la Classe Moyenne: Échelles de "Culture" et de Consommation à São Paulo

À partir d’un travail sur le terrain effectué pendant 17 mois (1993-1994) à São Paulo, l’article examine comment des adultes de la classe moyenne expriment verbalement leur appartenance de classe pendant les crises provoquées par l’inflation. On constate qu’ils se définissent socialement d’après leurs habitudes de consommation (biens et pratiques), non seulement par rapport aux autres classes, mais aussi à l’intérieur même de la classe moyenne.

Mots-clé: consommation; classes sociales; classe moyenne

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  • 1
    . Análises minuciosas, quase microscópicas, sobre classe média e gênero, encontram-se no estudo de Barros (1987), que trata das relações intergeracionais na família, e no trabalho de Ardaillon (1997) sobre mulheres profissionais de classe média.
  • 2
    . Entre os estudos sobre a classe média "moderna" da Zona Sul do Rio de Janeiro incluem-se os de Salem (1985a; 1985b); Rezende (1990); Coelho (1990); Fiúza (1990); e Heilborn (1992). Ver Romanelli (1986) para uma comparação entre famílias "modernas" e" tradicionais" residentes na Zona Sul de São Paulo. Há dois estudos minuciosos sobre sociabilidade no que se poderia chamar de áreas "tradicionais", mas que evitam a armadilha de reificar este conceito: os trabalhos de Abreu Filho (1980; 1982) sobre uma pequena cidade de Minas Gerais e o de Carneiro (1986) sobre a Zona Norte do Rio de Janeiro. Abreu Filho descreve os conceitos naturalizadores de "nome de família" e "sangue", mostrando como posições sociomorais na hierarquia são transmitidas. Carneiro examina rituais de proeza e solidariedade, em competições realizadas em festas populares, que cortam as divisões sociais (o balão de São João).
  • 3
    . Esta pesquisa abordou os seguintes aspectos: as práticas destinadas a manter a posição social; as maneiras como membros da classe e a sociedade representavam a identidade de classe média; as dimensões políticas e nacionais da crise do ponto de vista da classe média. Por práticas refiro-me à gama de atividades que emergem como táticas relevantes para a manutenção da posição social. Entre estas, inclui-se: fazer minuciosas comparações de custos antes de ir às compras no armazém, pechinchar em Miami, abrir um pequeno negócio, mandar os filhos para uma escola particular, atuar em uma organização social ou religiosa e criticar o governo. Por representações entendo as concepções ("nativas") das pessoas sobre a classe média. Incluo aí o discurso das pessoas de classe média sobre sua própria identidade em relação à sociedade, bem como as representações da classe média no contexto público, especialmente na mídia impressa. Quanto à amostra: após uma sondagem inicial com 42 famílias, selecionei 24 das Zonas Sul e Oeste de São Paulo para um contato mais profundo. As famílias tinham em comum o fato de os filhos freqüentarem as mesmas três escolas particulares.
  • 4
    . Utilizo o termo discurso a partir da definição lingüística básica de "fala ou escrita vinculada que ocorre em níveis supra-oracionais" (Asher, 1994:940). Não me refiro a um discurso geral e categórico, como o "discurso sobre a loucura". Em vez disso, identifiquei na conversa dos informantes um corpo de afirmações que contém o mesmo vocabulário, "argumento" ou "sentido", constituindo, portanto, um corpo coeso.
  • 5
    . Apenas dois informantes formularam uma visão ligeiramente diferente. Simone (já citada) fez uma descrição poética. O outro eu excluí, como faria com um potencial jurado. Este informante, o sociólogo de esquerda Marquinhos, articulou uma perfeita definição analítica do papel da classe média na estrutura econômica. Embora o fato de que todos os outros evitaram mencionar a profissão possa ser explicado pela variabilidade da categoria, estimulando-os a formular uma definição mais clara, mais estável ou" universal", insisto no significado da escolha do consumo como medida.
  • 6
    . Foi Baudrillard (1981:34) quem apelidou de "empirismo ingênuo" a tendência de classificar as classes médias pela posse de objetos. No entanto, quando os próprios nativos adotam esse critério (em relação a si mesmos e aos outros), essa propensão pode ser qualificada de metonímica. As pesquisas de mercado (ver Almeida e Wickenhauser, 1991) definem as classes, obviamente, pelos bens possuídos. Como já afirmei, a literatura sobre o desenvolvimento histórico da classe média brasileira também associa esta classe ao consumo, mas no caso de Saes (1985) o termo classe seria insuficiente. Alegar, como ele, que a classe média foi cooptada pelos militares a aceitar a ditadura — com suas práticas antidemocráticas e criminosas — em troca de "Volkswagens" e liqüidificadores, não chega a ser um retrato lisonjeiro!
  • 7
    . Para uma visão comparativa, ver Fowler (1994).
  • 8
    . Devo essa análise à Barbara S. Weinstein. Uma análise comparativa encontra-se em Ehrenreich (1989).
  • 9
    . O subsídio governamental ao financiamento da aquisição da casa própria foi abolido em 1986 (e o Banco Nacional de Habitação substituído pelo Sistema Financeiro da Habitação), restando apenas o financiamento privado para novas aquisições. Igualmente, a estratégia que a maioria dos informantes precisou adotar a respeito do automóvel foi simplesmente a de conservar o carro velho.
  • 10
    . Em duas das escolas mencionadas, a mensalidade equivalia, aproximadamente, a US$ 250, em dezembro de 1993. Ademar, citado adiante, confidenciou que a mensalidade escolar dos seus dois filhos consumia um terço do salário que ganhava. (Posteriormente, ele disse que seu salário era de US$ 2.500,00.) Alice afirmou que a mensalidade dos seus dois filhos comprometia a maior parte da aposentadoria do ex-marido (militar).
  • 11
    . Vários disseram que a mensalidade do colégio dos filhos era a despesa mais alta do orçamento familiar. Segundo os orçamentos apresentados por oito famílias, a mensalidade escolar era a segunda ou terceira maior despesa (sempre atrás da alimentação e do aluguel, ou prestação da casa, ou gastos com transporte).
  • 12
    . Declarações muito semelhantes vieram à tona, de casa em casa, em paráfrases perfeitas, sugerindo um estilo discursivo unitário. Segundo Bruna (dona de casa, separada): "Mas é que o brasileiro é muito consumista, não é? Ele gosta de ter roupa, de se vestir bem. A casa cai, entendeu, mas ele tem necessidade de uma roupa." O automóvel, prova material e ícone simbólico de classe, também era um tema recorrente. Se, no Brasil, as casas dos ricos geralmente ficam escondidas por muros protetores ou jardins, os automóveis são oportunidades ótimas de exibir o
    status publicamente.
  • 13
    . A datilógrafa que transcreveu o material de pesquisa para mim (e que lutava para sustentar sua família, já que os problemas de saúde do marido o impediam de trabalhar) objetou que jamais encontrara alguém que deixasse de comer para viajar.
  • 14
    . No primeiro contato, poucos disseram que desejavam ter mais roupas, provavelmente devido à formalidade da entrevista, e em harmonia com as representações" quase-ascéticas" que faziam de si mesmos.
  • 15
    . Por exemplo, a professora primária Pilar disse: "nós fomos à Europa em vez de comprar carro. Tem gente que faz mais questão de ter
    status, sofá novo. A gente prefere viajar." Uma amiga minha comentou: "como se essa fanfarronice de viagem não fosse outro símbolo de
    status, sem contar que viajar é uma forma de fazer compras!"
  • 16
    . Conforme Weber, o "‘mero poder econômico’, especialmente o ‘puro poder do dinheiro’, não é uma base reconhecida de honra social" (
    in Gerth e Mills, 1946:180). É ainda ele quem afirma, como se sabe, que o
    status, freqüentemente, está "em nítida oposição às pretensões da mera propriedade" (
    idem:187).
  • 17
    . Eu afirmei que a perspectiva de Bourdieu é um tanto assustadora porque, às vezes, a impressão que nos fica, a despeito de ele acertar exatamente no alvo, é que as atitudes são simplesmente posturas artificiais. Eu não vejo atitudes planejadas, mas pessoas que seguem orientações de vida com seriedade, com uma visão estratégica de suas famílias; até o modo de se apresentarem possui uma seriedade que precisa ser admitida. Espero que os discursos analisados, inclusive dos membros das famílias mais pobres da amostra, provoquem uma séria consideração para a manifestação de ansiedade que contêm.
  • 18
    . Análises críticas de Bourdieu podem ser encontradas em DiMaggio (1979); Frow (1987); Calhoun, Lipuma e Postone (1993); Rupp (1997).
  • 19
    . Assim, ele disse há um tempo atrás que o "capital simbólico, uma forma modificada e, portanto, disfarçada do capital ‘econômico’ físico, produz seus próprios efeitos na medida em que — e somente na medida em que ¾ oculta o fato que dá origem a formas ‘materiais’ de capital, que são também, em última análise, a fonte de seus efeitos" (Bourdieu, 1977:183). Mais tarde, Bourdieu reitera que "o capital simbólico é esse capital negado, reconhecido como legítimo, que é desconhecido como capital [...]" (1990:118).
  • 20
    . Neuma Aguiar aplica a classificação de Simmel das atitudes e hábitos de consumo à sua análise da crise econômica brasileira. As atitudes descritas por Simmel em relação ao dinheiro são, afora o ascetismo, a ganância, a dissipação, o cinismo e uma atitude
    blasé.
  • 21. Curiosamente, os operários vindos de Minas Gerais, um grande estado em que uma certa região apresenta condições semelhantes às do sertão nordestino e uma alta parcela da população é de descendência africana, não foram objeto de críticas negativas. É possível que a proximidade de São Paulo e a inexistência de uma reputação de decadência eliminem a condição de alvo desse grupo, mas as razões para a diferença de atitudes permanecem obscuras.
    ABSTRACT
    Measures of Class: Hierarchies of Culture and Consumption in the Brazilian Middle Class
  • *
    Gostaria de agradecer aos pareceristas anônimos de
    Dados pelas valiosas críticas, a Vera Pereira pela tradução e a Tema Pechman pela edição do trabalho. Agradeço também a Carlos Hasenbalg por seu apoio, e a Jim Holston, Esther Hamburger, Jerry Lombardi e Jorge Souto por suas argutas críticas e ajuda editorial. [A tradução do original em inglês," Measures of Class: Hierarchies of ‘Culture’ and Consumption in the Brazilian Middle Class", é de Vera Pereira.]
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 1998
    • Data do Fascículo
      1998

    Histórico

    • Recebido
      Maio 1997
    Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) R. da Matriz, 82, Botafogo, 22260-100 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel. (55 21) 2266-8300, Fax: (55 21) 2266-8345 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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