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Doutores e Teses em Ciências Sociais

Resumos

Because the social science narrative has been extremely important in efforts to account for the process of Brazilian modernization, the study of social scientists themselves has become strategic to understanding Brazilian society’s representation of self. This article examines graduate work in the social sciences, graduate students themselves, and their theses and dissertations. Research has been based on a survey conducted among candidates for master’s degrees and doctorates, as well as on an analysis of doctoral dissertations defended between 1990 and 1997. The study reveals a discipline that is undergoing transformation a product of the process of democratization which its members has undergone and of the internalization of new parameters guiding cognitive production. While this may have implied a loss in the field’s capacity to generalize, it has gained in capillarity, in plurality, and in capacity to understand. This study also pinpoints the limits of the discipline, determined by an institutional situation where greater exchange with the members of society is still missing.

social sciences; university; intellectuals; scientific production


Le style des écrits en sciences sociales ayant une grande importance pour expliquer le processus de modernisation au Brésil, l’étude sur les chercheurs dans ce domaine devient une tâche déterminante dans la compréhension de la représentation sur elle-même que la société brésilienne s’est construit. Dans cet article on examine les cours de pós-graduação en Sciences Sociales, leurs étudiants et leurs thèses. La recherche a considéré, d’un côté, un survey effectué auprès des étudiants en DEA et en doctorat, et, de l’autre, les thèses de doctorat soutenues entre 1990 et 1997. Les résultats révèlent un domaine de connaissances en transformation, résultant du processus de démocratisation de ses effectifs et d’assimilation de nouveaux paramètres vers la production cognitive; si celle-ci est en train de perdre sa capacité de généralisation, par ailleurs elle gagne en finesse d’analyse, en diversité et en aptitude de compréhension. La recherche montre aussi les limites de ce domaine, fixées par une situation institutionnelle qui souffre encore du manque de dialogue avec la société en général.

sciences sociales; université; intellectuels; production scientifique


social sciences; university; intellectuals; scientific production

sciences sociales; université; intellectuels; production scientifique

Doutores e Teses em Ciências Sociais** Os autores agradecem à Financiadora de Estudos e Projetos ¾ Finep e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ¾ CNPq, que deram suporte efetivo à realização dessa pesquisa. Agradecem, também, a Renato Lessa, Cesar Guimarães, Maria Regina Soares de Lima e Carlos Hasenbalg, membros da atual diretoria do Iuperj, cujo decisivo apoio institucional viabilizou a investigação ora relatada.

Luiz Werneck Vianna

Maria Alice Rezende de Carvalho

Manuel Palacios Cunha Melo

Marcelo Baumann Burgos

APRESENTAÇÃO

Cada sociedade, por diferentes motivos e circunstâncias, acaba por conceder preferência a um certo tipo de narrativa sobre si mesma, como a da música e da filosofia na Alemanha do século passado, da literatura na França e na Rússia também no mesmo período, do cinema e do jornalismo na América contemporânea. No Brasil de hoje, parece ser um fato inegável que a narrativa da ciência social tenha sido selecionada como uma das formas de produzir uma representação da sociedade sobre si, o que pode ser atestado pelo espaço aberto pela mídia à sua produção e aos seus praticantes.

Pode-se sustentar, sem exagero e, aliás, até com um certo acento crítico, que o seu êxito em formular para os brasileiros uma compreensão do seu país possa ser comparado ao papel que os filósofos do idealismo alemão desempenharam na Alemanha do século XIX. Se foi por meio dos seus filósofos que os alemães puderam vivenciar, como obra do espírito, a revolução que outros povos realizaram efetivamente, entre nós, em um contexto igualmente de capitalismo retardatário, é no terreno das ciências sociais que os brasileiros vêm procurando encontrar uma explicação para o fato de terem ingressado no moderno sem uma revolução, do que teria advindo a permanente reprodução do autoritarismo político e de iníquas estruturas sociais. Aí a semelhança e toda a diferença: a intelligentzia das ciências sociais intervém ex-post, quando a passagem para o moderno já se cumpriu de modo conservador, restando a ela um papel "explicativo" e de mapeamento dos impasses para que um "outro" possa vir a intervir de maneira eficaz; ademais, posicionada no contexto institucionalizado da ciência e da Universidade, a inscrição direta na esfera pública não lhe é pertinente, mesmo que no campo abstrato da especulação teórica –– tal como no caso da intelligentzia do idealismo clássico alemão ––, chegando à política somente por meio da mediação do seu exercício profissional, em um campo especializado do saber.

O atual papel das ciências sociais deriva, de um lado, dos grandes processos que caracterizam a natureza da revolução burguesa no Brasil –– uma "revolução sem revolução" que foi confirmada, precisamente, nas décadas de 60 e 70, pelo novo ciclo de autoritarismo político levado a efeito pelo regime militar, e que provocou a ruptura dos antigos nexos dos intelectuais com a sociedade civil, pondo-os em situação de isolamento social e político –– e, de outro, da institucionalização e posterior difusão, no sistema universitário nacional, da pós-graduação. Insulada a Universidade, particularmente a área de Humanas, a via da especialização do saber vai desconhecer um caminho de ligação com os eventuais destinatários da sua produção, correndo o risco de girar em torno de si mesma, do qual muitos dos seus profissionais têm tentado escapar pela exposição da sua agenda de pesquisa na esfera pública.

A linha da especialização, fortemente estimulada pelas políticas públicas de fomento à pesquisa e à formação em massa de quadros científicos, tende a implantar na Universidade uma perspectiva local, tendo como uma de suas conseqüências importar para o seu interior a agenda da Cidade. Contudo, se é verdade que a ciência social vem demonstrando vocação para pensar e servir à Cidade, não é menos verdadeiro constatar a grande distância que separa esta última da Universidade, e, ainda mais grave, da própria ciência. Tem-se daí que os incentivos das políticas públicas à ciência social, por falta de uma relação viva entre a Universidade e a Cidade, dependam quase que inteiramente do tirocínio e do sistema de valores do pesquisador. Nesse contexto, o cientista vê-se na posição de um ator isolado, árbitro soberano na escolha do seu objeto e das suas linhas de investigação. Cabe a ele, então, em razão do insulamento da Universidade e do silêncio da Cidade sobre o seu métier, produzir um conhecimento que não lhe foi demandado, freqüentemente sequer sugerido, tanto por uma como por outra.

É dessa situação singular, na qual o cientista social se propõe um objeto citadino, desconhecendo a intermediação de qualquer sistema de rede que organize e sustente as motivações da sua prática, que o desempenho de papéis científicos tende a se confundir com a atividade da intelligentzia, pondo o seu praticante, por meio da intervenção da sua obra, ao menos em termos ideais, como ator de uma solidarização entre as dimensões da Universidade e da Cidade, que, sem ele, permaneceriam isoladas.

Na presente pesquisa sobre os estudantes de pós-graduação em ciências sociais e suas teses de doutorado, em que se dá continuidade a "Cientistas Sociais e Vida Pública. O Estudante de Graduação" e a "As Ciências Sociais no Brasil: A Formação de um Sistema Nacional de Ensino e Pesquisa"11. "Cientistas Sociais e Vida Pública..." foi publicado em número especial da revista Dados (vol. 27, nº 3), em 1997; "As Ciências Sociais no Brasil..." foi publicado no Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais ¾ BIB, nº 40, 2º semestre de 1995. , tem-se como objeto esse personagem a quem se vem atribuindo a função de "explicar o Brasil", assim como a apresentação dos seus temas preferenciais, suas opções quanto à metodologia e as diferentes orientações das instituições em que se titularam, mediante o inventário de cerca de dez anos de teses de doutorado defendidas.

A primeira parte deste texto trata do perfil social, da trajetória escolar e das motivações profissionais do estudante de pós-graduação e foi elaborada a partir de um survey realizado entre 1993 e 1994. Sua principal sugestão é a de que as carreiras científicas se vêm constituindo em uma via de acesso dos setores subalternos às elites, compreendendo-se, aqui, que uma credencial obtida em um programa de doutoramento em ciências sociais pode consistir em um trunfo capaz de possibilitar a promoção social do seu portador.

Na segunda parte, foram analisadas 411 teses de doutorado, defendidas entre 1990 e 1997, originárias de todas as instituições que titularam, nesse nível, em sociologia, ciência política e antropologia. Por razões puramente acidentais, dentre as quais a falta de recursos, a pesquisa que deu origem a essa parte somente veio a ser realizada em 1998, mais de quatro anos após a finalização do survey sobre o estudante da pós-graduação. Assim, pela intervenção da fortuna, a coleção de teses investigada pôde incluir aquelas de autoria do estudante que respondeu ao questionário da pesquisa, com o que se obteve um ângulo excepcional para a análise –– inteiramente alheio ao cálculo inicial dos pesquisadores ––, uma vez que a tendência antes percebida no survey pôde ser efetivamente controlada pelo estudo das teses dos novos doutores em ciências sociais.

As teses que foram classificadas por temas e orientações metodológicas permitiram a elaboração de um vasto painel sobre as características de uma parte importante da produção em ciências sociais, favorecendo uma visão comparada da produção por área de conhecimento e segundo a sua origem institucional. Vale ressaltar, contudo, que a análise desenvolvida nessa parte foi propositalmente limitada pela opção de se estudar as teses a partir de algumas informações genéricas, uma vez que uma análise qualitativa implicaria uma avaliação crítica baseada na leitura dos 411 trabalhos, ultrapassando, em muito, as finalidades e as possibilidades materiais disponíveis para a realização da presente pesquisa.

1. O ESTUDANTE DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

1.1 A Pesquisa

Os dados a seguir foram extraídos de um survey realizado entre novembro de 1992 e maio de 1993 junto a onze instituições de ensino pós-graduado no país, situadas em seis unidades da Federação ¾ São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Distrito Federal ¾ , incluindo mestrandos e doutorandos dos programas de antropologia, sociologia e ciência política. Na época, foram entrevistados 71 alunos de doutorado e 253 de mestrado, majoritariamente ingressos entre 1991 e 1993 nos cursos pesquisados. Nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco, devido a facilidades operacionais, buscou-se entrevistar todos os estudantes que haviam iniciado o mestrado e o doutorado nos dois anos anteriores à pesquisa. Já em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, a limitação de recursos impôs a elaboração de uma amostra correspondente à metade dos alunos inscritos nos respectivos programas. Optou-se, no entanto, pela apresentação dos dados sem a introdução de qualquer índice corretivo, preferindo-se dispô-los discriminados por instituição sempre que pareceu necessário. As Tabelas 1 e 2 expõem a distribuição da população pesquisada por unidade da Federação e instituição de ensino, respectivamente22. Na época da pesquisa, não se encontravam em funcionamento os programas de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ¾ UERJ e da Universidade Federal Fluminense ¾ UFF, no Rio de Janeiro. .

Tabela 1
Distribuição da População Estudantil Pesquisada por Unidade da Federação

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Tabela 2
Distribuição da População Estudantil Pesquisada por Instituição de Ensino

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

1.2 A Seletividade Social do Acesso à Pós-Graduação

A análise da seletividade social, além de sua importância intrínseca, no sentido de se poder verificar a abertura do sistema universitário para os setores sociais tradicionalmente dele excluídos, interessa, efetivamente, à avaliação do impacto das políticas públicas conduzidas pelas agências de fomento, como Capes e CNPq, na democratização do acesso à carreira científica33. Para uma breve história dessas agências e das suas políticas de organização da atividade científica no Brasil, cf. Burgos (1997). .

Quando se observam os dados relativos ao ingresso no mestrado, confirmam-se os resultados obtidos para a graduação, no que se refere à abertura do sistema aos estudantes mais pobres. Mesmo que o índice de estudantes filhos de pais não qualificados decresça de 30% para 25%, o índice de filhos de pais com curso superior decresce também, corroborando, nesse caso, o diagnóstico já formulado (Werneck Vianna, Carvalho e Melo, 1994) de que a evasão do curso de graduação em ciências sociais é maior entre os filhos de pais com instrução superior44. Simon Schwartzman, em uma pesquisa sobre os egressos do curso de ciências sociais da USP, entre 1980 e 1991, e sobre os que ingressaram naquele mesmo curso, em 1991, encontrou para essas duas coleções os percentuais de 44,9% e de 40% de estudantes filhos de pai com curso superior completo, respectivamente. Comparando os dados relativos aos egressos com os relativos aos que ingressaram, Schwartzman (1992:3) conclui pelo favorecimento dos setores sociais altos no curso de graduação. Esta conclusão não coincide com a que se encontra na pesquisa "Cientistas Sociais e Vida Pública. O Estudante de Graduação", o que se explica pelo fato de os dados analisados por Schwartzman não permitirem perceber que são os estudantes dos setores sociais altos que abandonam o curso, sem concluí-lo. Sobre isso, os dados indicam que os filhos de profissionais com curso superior correspondem a 41,8% na primeira série –– índice que replica os obtidos por Schwartzman para os ingressos (40%) ––, decaindo, entretanto, na quarta série do curso, para 23,4% (Werneck Vianna, Carvalho e Melo, 1994). . Em suma, a origem social de famílias de escolaridade alta não tem significado favorecimento ao ingresso na pós-graduação; a seletividade parece concentrar-se no acesso à graduação, embora se possa observar que a entrada de 30% de estudantes com origem nos segmentos especificamente subalternos –– trabalhadores não qualificados –– caracteriza uma evidência não desprezível de democratização do acesso ao ensino superior55. Sobre o processo de democratização do acesso ao ensino superior, cf. Durham (1993), e também Werneck Vianna, Carvalho e Melo (1994). .

Perfil Social do Pai Graduação* % Mestrado %Doutorado %Profissionais com curso superior 31,927,648,3Proprietários 22,627,226,7Funcionários e técnicos 15,619,820,0Trabalhadores não qualificados 30,025,45,0Total 100,0100,0100,0

Tabela 3

Perfil Social do Pai dos Estudantes de Graduação, Mestrado e Doutorado em Ciências Sociais

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

* Os dados relativos à graduação encontram-se em Werneck Vianna, Carvalho e Melo (1994:446).

Quanto aos dados relativos aos doutorandos, uma leitura menos atenta poderá sugerir uma interpretação contrária a essa, uma vez que apenas 5% têm origem nas camadas sociais mais pobres da população. Contudo, quando se comparam alunos de graduação com estudantes de doutorado se está diante, obviamente, de um hiato temporal e de mudanças importantes no que se refere às condições que presidiram o acesso desses dois diferentes segmentos aos seus respectivos cursos: o aluno da graduação aqui considerado entrou no sistema universitário, em média, a partir de 1990, enquanto o estudante de doutorado o fez, em média, cerca de quinze anos antes. Para a coleção pesquisada, o ingresso na graduação ocorreu, em média, aos 20,5 anos, no mestrado, aos 27,5, e no doutorado, aos 35,8 anos –– esta última, certamente uma idade elevada, indicando que esses estudantes, em boa medida, já se achavam integrados como docentes na Universidade e tinham em vista cumprir os requerimentos para ascensão na carreira.

De qualquer modo, se não há cláusula social de restrição na passagem do estudante de graduação para o primeiro nível da pós-graduação –– mestrado ––, não há porque supor que exista tal cláusula na passagem do mestrado para o doutorado. Assim, o decréscimo notado no índice de estudantes pobres com acesso ao doutorado é apenas a fotografia de uma coleção de indivíduos que ingressou no sistema universitário em outro tempo, quando ainda não se tinham consolidado as políticas públicas de fomento à formação científica, tais como a oferta de bolsas e a ampliação do sistema de pós-graduação em âmbito nacional. Um dado que corrobora esta afirmação é o de que, enquanto 36% dos estudantes de mestrado tiveram acesso a bolsas de pesquisa na graduação, entre os doutorandos esse índice é de apenas 26%. Além disso, é interessante notar que no período compreendido entre 1986 e 1996, o número de bolsas concedidas pelo CNPq, no país e no exterior, cresceu de 13.628 para 50.970 (Brasil ¾ MCT, 1997:165).

No que se refere especificamente às ciências sociais, entre 1991 e 1994, o programa de Demanda Social da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior ¾ Capes, por exemplo, ampliou a oferta anual de novas bolsas de doutorado de 53 para 108, tendo-se verificado para o mestrado, no mesmo período, o aumento bem menos significativo de 390 para 49866. Sobre o tema, cf. Werneck Vianna, Carvalho e Melo (1995:49). , em uma evidente demonstração do empenho dessas instituições em fortalecer os programas de doutoramento no país. Notável é também a expansão do número de bolsas de Iniciação Científica concedidas anualmente, o qual, no período compreendido entre 1980 e 1996, variou de 1.079 a 18.761 –– o que ajuda a explicar o perfil do estudante da pós-graduação das turmas recrutadas a partir dos anos 90 (Brasil ¾ MCT, 1996:208).

Em suma, os dados da Tabela 4 permitem concluir que não há cláusula de barreira para o acesso ao mestrado –– 40,8% dos estudantes são filhos de pai com escolaridade até o primário. Chama a atenção o fato de que esse número é significativamente superior ao dos estudantes de graduação de condição similar (31%). O caráter pouco seletivo da pós-graduação em ciências sociais pode também ser ilustrado pelo fato de o percentual de estudantes filhos de pai com curso superior ser maior na graduação (35,1%) do que no mestrado (28,2%). Quanto ao doutorado, cujos dados apresentam uma fisionomia que não coincide inteiramente com a apontada para o caso do mestrado, uma vez que são mais numerosos os postulantes ao título de doutor que têm pai com curso superior (46,5%), atesta-se que, também neste caso, não há impeditivos fortes à titulação, uma vez que cerca de 30% dos doutorandos são filhos de pai com, no máximo, o primário completo –– fato ainda mais notável quando se considera que esse universo de doutorandos ingressou no sistema universitário, em média, quinze anos antes dos estudantes de graduação, não tendo, como já foi dito, se beneficiado das políticas públicas de fomento à ciência. Pode-se dizer, portanto, que a seletividade social impõe a sua marca mais forte no momento do acesso ao sistema universitário e não na passagem da graduação para a pós.

Tabela 4
Escolaridade do Pai dos Estudantes de Graduação, Mestrado e Doutorado em Ciências Sociais

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

* Os dados relativos à graduação encontram-se em Werneck Vianna, Carvalho e Melo (1994:443).

A comparação entre os dados do survey, relativos à instrução do pai do estudante, e os dados da PNAD de 1996, expostos na Tabela 5, demonstra que o cenário obtido pela pesquisa guarda uma forte correspondência com o conjunto da pós-graduação no país. Note-se, entretanto, que os números relativos à PNAD incluem apenas os estudantes que ali comparecem como "chefes de família" ou seus "cônjuges", os quais, em 1996, correspondiam a 68,5% do total de estudantes de mestrado e doutorado. Segundo a PNAD de 1996, 20,2% dos estudantes de mestrado e doutorado pertencentes a essa coleção eram filhos de pai sem o primário completo, percentual próximo aos 19,4% obtidos para o mestrado em ciências sociais.

Tabela 5
Escolaridade do Pai dos Estudantes de Mestrado e Doutorado, segundo a PNAD de 1996*

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

* Os dados restringem-se aos estudantes que comparecem na pesquisa como "chefes de família" ou "cônjuges".

Aprofundando-se, um pouco mais, o tema da seletividade social do acesso à pós-graduação e tomando, agora, como referência as análises disponíveis sobre a estrutura de classes no Brasil, observa-se uma dupla possibilidade de interpretação: a primeira delas, legitimamente presente na bibliografia, enfatiza as diferentes chances de realização educacional de acordo com o status social de origem, extraindo-se daí uma percepção que aponta a forte seletividade presente no recrutamento das universidades brasileiras –– apenas 5% da população concluiu um curso superior (IBGE, 1990). A segunda, ao ter como objeto a formação das elites, tende a valorizar o fato, também comprovado pela literatura relativa aos processos de mobilidade social no Brasil, de que estas são significativamente permeáveis ao acesso de indivíduos originários de setores subalternos da população. Uma realidade contraditória em que, de um lado, os "de baixo" contam com reduzidas oportunidades de ascensão social, e, de outro, um processo de formação de elites vulnerável à apropriação de posições por parte dos setores subalternos. Esse duplo tratamento dos dados sobre mobilidade social no Brasil parece indicar que o cenário de desigualdade predominante no país não é de forma a garantir aos setores altos uma condição de monopólio na ocupação das posições de influência social.

Nesse sentido, avaliando os dados da PNAD de 1973, Pastore observava que

"[...] quando se analisam os chefes de família que, em 1973, formavam o estrato mais alto da estrutura social brasileira, verificamos que apenas 17,5% provinham de pais que eram do mesmo estrato. Em outros termos, para cada 10 indivíduos que compõem a classe alta, menos de 2 vêm da própria classe alta. É surpreendente o grau de heterogeneidade social desse estrato no Brasil: cerca de 14% provêm do estrato médio-superior; mais de 1/3 do médio-médio; 10% do médio-inferior e quase 1/4 dos dois estratos baixos. Por mais que se queira atribuir esta heterogeneidade à escala de status, é inquestionável que o país possui uma classe alta bem diferente daquela de 80 ou 100 anos atrás, quando a elite recrutava seus quadros única e exclusivamente dentro da própria elite" (1979:155).

Estudando também a PNAD de 1973, Hasenbalg e Silva chegariam a conclusões semelhantes às de Pastore quanto à diferenciação social das elites brasileiras, "que passam a ser recrutadas em largas proporções em todos os estratos da hierarquia ocupacional, sendo que 42% dos indivíduos então no topo da hierarquia ocupacional têm origem em estratos manuais" (1988:42).

A análise das PNADs de 1982 e 1988, realizada por Pastore e Haller (1993), revelaria um claro arrefecimento da mobilidade estrutural observada nas décadas anteriores, levando a que concluíssem que "a estrutura social brasileira está se tornando menos permeável em dois sentidos: é difícil se movimentar e mais difícil ainda subir na escala social" (idem:35). O mesmo diagnóstico é feito por Celi Scalon (1997) que, também com base na PNAD de 1988, observa que a sociedade está ingressando em um período de rigidez social, admitindo, porém, que as taxas de mobilidade seguem sendo relativamente elevadas e que o processo de diferenciação social das elites ainda está em curso. Segundo a autora, as elites podem ser classificadas em três segmentos: o de profissionais com curso superior, o de administradores e gerentes e o de proprietários-empregadores. A análise da mobilidade total (ocupação atual do entrevistado vis-à-vis a ocupação do pai) oferece o melhor ângulo para a percepção da heterogeneidade das elites. Como se pode verificar na tabela reproduzida a seguir, mesmo no segmento mais educado da elite –– o de profissionais com curso superior ––, apenas 43,5% são originários de processos de reprodução endógena, outros 22,4% provêm de setores não manuais, e nada menos que 29,8% são filhos de pais ocupados em setores manuais. Nos dois outros segmentos da elite –– o de administradores e gerentes e o de proprietários-empregadores –– o grau de heterogeneidade é ainda maior, ficando o recrutamento endógeno, no primeiro caso, em apenas 25,8%, e, no segundo, em 25,4%, sendo mais da metade dos membros de ambos os segmentos oriundos de setores manuais –– 51,3% no segmento de administradores e gerentes e 55,6% no de proprietários-empregadores.

Ocupação do pai(I) Profis- sionais com curso superior(II) Adminis- tradores e Gerentes(III) Proprie- tários- Emprega- dores(IV) Trabalho não manual de rotina(V) Proprietá- rios por conta própria(VI) Trabalho manual qualifi- cado(VII) Trabalho manual não qualifi- cado(VIII) Empre- gadores rurais(IX) Empre- gados ruraisI15,54,83,33,61,00,70,31,70,1II12,810,45,14,92,21,60,81,90,3III15,210,617,07,74,34,83,13,71,0IV12,110,15,710,94,05,13,30,50,7V10,39,79,16,811,84,12,83,20,9VI9,513,29,312,94,215,15,41,21,2VII7,813,010,816,910,017,317,61,93,4VIII4,43,14,32,12,31,91,423,11,7IX12,525,135,534,260,249,465,262,990,6Total100,0100,0100,0100,0100,0100,0100,0100,0100,0

Tabela 6

Mobilidade Total para Homens com Idade entre 20 e 64 Anos Fluxos de Entrada (%)

Fonte: Scalon (1997:100). N=36.843.

Constata-se, então, que o segmento de profissionais com curso superior, apesar de ser aquele que possui maior capacidade de reprodução, caracteriza-se, ainda assim, por uma elevada heterogeneidade. A ampliação da oferta de ensino superior, especialmente entre os anos 70 e 80, constitui a principal explicação para o fenômeno, que pode ser facilmente percebido quando se estudam territórios específicos do mercado de ocupações de nível superior, como o dos magistrados (Werneck Vianna et alii, 1997).

A Tabela 7 expõe os dados relativos à evolução da população estudantil do país, sendo exponencial o aumento verificado no segmento da pós-graduação ao longo das duas últimas décadas.

PNADs1º Grau (x 1000)2º Grau (x 1000)Vestibular (x 1000)Superior (x 1000)Mestrado e DoutoradoN%N%N%N%N%198221.34317,42.6072,11790,11.3041,123.2470,0198826.54518,83.1982,31190,11.5381,149.9110,0199630.66219,95.2433,43040,21.8111,2131.9390,1

Tabela 7

Evolução da População Estudantil segundo as PNADs de 1982, 1988 e 1996

Número de Estudantes*

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

* Estão excluídos da tabela os estudantes de cursos supletivos, alfabetização de adultos e pré-escolar.

No que se refere à maior acessibilidade aos programas de pós-graduação, a ampliação da oferta de bolsas pelas agências de fomento à pesquisa e à capacitação docente veio a incrementar esse processo, abrindo passagem para a realização de trajetórias de mobilidade social de longa distância, isto é, aquelas referentes a indivíduos oriundos de famílias com ocupações manuais que chegam ao topo do sistema educacional. Com efeito, a conquista de um título de doutor em ciências sociais, premiando uma longa prática de dedicação aos estudos, tem propiciado a jovens originários de famílias sem capital social o acesso a uma posição nas elites intelectuais. Em algumas disciplinas da área de Humanas, sabidamente, os requerimentos para a entrada em seus cursos são, em geral, baixos, como no caso das ciências sociais. Uma evidência disso é apresentada por Silva e Kochi (1995), a partir de dados do vestibular da UFRJ relativos ao ano de 1993. Assim, por exemplo, a relação candidato-vaga para o curso de medicina era, na época, de 28,35, para o curso de direito, 11,65, sendo a do curso de ciências sociais a mais baixa –– apenas 1,78 candidato-vaga. De outro lado, a média dos classificados para ciências sociais na prova de língua portuguesa foi de 3,5, bastante inferior à alcançada pelos candidatos classificados para medicina (5,98), odontologia (5,38), engenharia (4,96) e direito (4,78)77. Analisando os dados obtidos para o vestibular de 1994, na UFRJ, constatou-se que a quase totalidade dos candidatos aprovados em ciências sociais não teria condições de ingresso em cursos mais disputados: apenas nove classificados para o curso de ciências sociais, em um total de 119 selecionados após a sexta reclassificação, alcançaram trinta ou mais pontos no concurso (pontuação que corresponde, aproximadamente, ao mínimo exigido para o ingresso em comunicação social) (Werneck Vianna, Carvalho e Melo, 1994:412). . Portanto, nesse campo disciplinar, do ponto de vista das credenciais, observa-se um resultado paradoxal: se, da perspectiva do mercado, o título de graduação é de pouca valia, na ponta final do sistema, com a titulação no doutorado, se consagra um processo efetivo de mobilidade social.

Conclusões assemelhadas são alcançadas quando se tem por objeto a variável cor. A desigualdade racial verificada no país quanto às oportunidades educacionais tem sido bastante documentada, comprovando-se a participação extremamente inferiorizada dos grupos de cor preta e parda no acesso ao ensino superior88. Segundo o estudo de Hasenbalg e Silva (1992), realizado a partir dos dados do suplemento educacional da PNAD de 1982, para a coleção de jovens com idade entre 20 e 24 anos, enquanto 13,6% dos brancos tinham doze anos ou mais de estudo, este índice era de apenas 1,6% para os pretos e 2,8% para os pardos. Com base em tais números, e utilizando-se os dados de composição racial da população brasileira, pode-se estimar a proporção de brancos, pardos e pretos nessa coleção de jovens com doze ou mais anos de escolarização: 86,4%, 12,5% e 1,0%, respectivamente (idem:82). . No entanto, na última década constatou-se um sensível aumento do nível de escolaridade desses grupos, que quase dobram o percentual de indivíduos com o mínimo de nove anos de estudo. Com doze anos ou mais de estudos, o percentual da população preta dobrou (de 1,2% para 2,4%); da população parda aumentou em 75% (de 1,6% para 2,8%); e da população branca, em 49% (de 7,3% para 10,9%), denotando uma abertura às ocupações de status social mais elevado à população pertencente aos grupos de cor preta e parda, o que se constitui, como notório, em uma via de acesso às elites.

1988CorAnos de Instrução BrancosPretosPardosTotalSem instrução, menos de um ano 17,934,534,224,91 a 3 anos22,326,927,024,34 a 8 anos40,031,429,835,59 a 11 anos12,65,97,310,312 anos e mais7,31,21,64,9Sem declaração----1996CorAnos de Instrução BrancosPretosPardosTotalSem instrução, menos de um ano 11,826,223,416,71 a 3 anos13,318,519,515,94 a 8 anos43,841,340,742,49 a 11 anos20,311,213,317,212 anos e mais10,92,42,87,5Sem declaração0,30,30,30,3

Tabela 8

Anos de Estudos por Cor, 15 Anos e Mais, segundo as PNADs de 1988 e 1996

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Comparando-se os dados da PNAD de 1996 com os da pesquisa, constata-se que, quanto à cor, as ciências sociais têm revelado uma maior capacidade de incorporação: do total da população universitária, conforme a Tabela 9, o percentual de pretos e pardos na graduação corresponde a 18%, e, na pós, a 9,5%, enquanto nos seus cursos, a presença de negros e pardos eleva-se para 20% naquele primeiro nível de formação, chegando a 14,8% no mestrado e a 14,3% no doutorado (Tabela 10).

Tabela 9
Composição Racial da População Estudantil Universitária e da Pós-Graduação, segundo a PNAD de 1996

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

CorGraduaçãoMestradoDoutoradoBrancos 78,583,584,3Pretos e Pardos 20,0 14,814,3Outros 1,51,61,4

Tabela 10

Composição Racial dos Estudantes de Graduação,

Mestrado e Doutorado em Ciências Sociais (%)

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Tem-se, daí, que o processo político do transformismo, que vem presidindo o movimento de modernização da sociedade brasileira, encontra ilustração em seus indicadores demográficos: de um lado, verifica-se a reprodução da estrutura social com as desigualdades ocupacionais de renda e de cor que lhe são características, apenas sujeitas a mutações moleculares, se bem que contínuas, no sentido da sua democratização; de outro, nota-se que o topo da pirâmide social apresenta uma relativa porosidade, com o que os indivíduos mais bem treinados dos setores subalternos podem galgar posições no estrato das elites, em uma espécie de "cooptação objetiva", que tem importado o reforço das práticas de incorporação dos "de baixo", tal como vem predominando no plano da política a partir da década de 30.

Mas os efeitos desse transformismo sobre a composição das elites não são lineares. Se podem, de fato, aprofundar os padrões de dominação vigentes, mantendo-os em permanente atualização, igualmente podem se constituir em elementos de um transformismo ativo (Werneck Vianna, 1997), caso os novos setores sociais que, por mérito próprio (concursos, teses de titulação etc.), tenham realizado a ascensão a posições de elite, assumam valores e expectativas divergentes dos que vêm garantindo a reprodução da estrutura social. Tal perspectiva faz-se obviamente relevante quando se considera a pós-graduação –– esse novo lugar de formação das elites brasileiras –– e, muito especialmente, a de ciências sociais, um espaço relativamente aberto a uma intelligentzia recrutada em setores subalternos, como se tem procurado demonstrar.

Quanto à distribuição por sexo dos estudantes de pós-graduação em ciências sociais, observa-se um acréscimo da população masculina no mestrado, quando comparada com o universo da graduação (Tabela 11)99. Estudando o perfil da clientela dos cursos da graduação e do doutorado em sociologia nos EUA, D'Antonio (1992) nota que, desde 1980, a maioria dos graduandos é composta de mulheres, sendo que, até 1977, esse contingente não passava de cerca de 30%. No doutorado, o índice da população feminina girou em torno dos 40%, nos anos 80, chegando a 53% dos ingressos em 1988 (idem:107). . Quando cotejada com o doutorado, embora a tabela indique uma diminuição da população masculina relativamente à atual freqüência feminina, não é possível concluir pela continuidade desse quadro, uma vez que os dados relativos aos estudantes de doutorado se referem, como já foi dito, a uma coleção de indivíduos que ingressou no sistema universitário há cerca de quinze anos, em média. Os dados das PNADs de 1982, de 1988 e de 1996, relativos à população universitária e àquela da pós-graduação (Tabela 12), sugerem um cenário de aumento consistente da participação feminina nos cursos de graduação ao longo do período, enquanto para a pós-graduação a participação feminina se viu ampliada entre 1982 e 1996, conhecendo, no entanto, um decréscimo em 1988.

SexoGraduação*MestradoDoutoradoMasculino49,159,749,3Feminino50,940,350,7Total100,0100,0100,0

Tabela 11

Distribuição por Sexo dos Estudantes de Graduação,

Mestrado e Doutorado em Ciências Sociais (%)

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

* Os dados relativos à graduação encontram-se em Werneck Vianna, Carvalho e Melo (1994:436).

PNADSuperiorMestrado e DoutoradoPopulação198251,347,150,4198853,344,350,4199655,348,751,2

Tabela 12

Porcentagem Feminina da População de Estudantes de Nível Superior e de Pós-Graduação, segundo as PNADs de 1982, 1988 e 1996

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

1.3 Trajetórias Escolares dos Estudantes de Pós-Graduação

A primeira observação a ser feita neste item diz respeito ao fato de que apenas 60,5% dos mestrandos e 54,9% dos doutorandos que ingressam na pós-graduação de ciências sociais foram graduados nessa área de conhecimento, conforme os índices apresentados na Tabela 13. Isto, sem dúvida, sugere uma ainda baixa institucionalização da disciplina, permitindo o ingresso de estudantes treinados em outros campos científicos. Onde as ciências sociais são mais institucionalizadas, como em São Paulo, 70% dos alunos do mestrado são originários da graduação nessa área, contrastando, fortemente, com Pernambuco, onde o percentual é de 46,7%.

MestradoGraduação: Área de ConhecimentoRio de JaneiroSão PauloMinas GeraisDistrito FederalRio Grande do SulPernambucoTotalCiências Sociais 35 (54,7%)70 (70,0%)11 (64,7%)11 (47,8%)12 (63,2%)14 (46,7%)153 (60,5%)História8 (12,5%)9 (9,0%)1 (5,9%)2 (8,7%)3 (15,8%)6 (20,0%)29 (11,5%)Outros21 (32,8%)21 (21,0%)5 (29,4%)10 (43,5%)4 (21,1%)10 (33,3%)71 (28,1%Total64 (25,3%)100 (39,5%)17 (6,7%)23 (9,1%)19 (7,5%)30 (11,9%)253 (100,0%)

Tabela 13

Curso de Graduação dos Estudantes de Mestrado e Doutorado

Doutorado Graduação: Área de Conhecimento

Rio de Janeiro

São Paulo

Distrito Federal

Total

Ciências Sociais

20

(64,5%)

18

(52,9%)

1

(16,7%)

39

(54,9%)

História

4

(12,9%)

2

(5,9%)

1

(16,7%)

7

(9,9%)

Outros

7

(22,6%)

14

(41,2%)

4

(66,7%)

25

(35,2%)

Total

31

(43,7%)

34

(47,9%)

6

(8,5%)

71

(100,0%)

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

O estudante de graduação em ciências sociais conclui o seu curso, em média, em 6,7 anos. Os que ingressam no mestrado concluem o curso de graduação em 5,1 anos e os doutorandos o fazem em 4,8 anos, em uma clara indicação de que os que têm acesso à ponta do sistema universitário tiveram melhor desempenho ao longo de sua trajetória escolar. Assim, ao se considerar o processo de formação das elites no Brasil, evidenciam-se dois modos de acesso a elas: um restrito, para o qual são altas as exigências de renda e/ou capital cultural; e outro, relativamente "aberto", caracterizado por baixas exigências, na condição de que seus titulares passem por um longo tempo de treinamento e demonstrem aptidão nos diferentes e sucessivos testes a que são submetidos. Portanto, se o controle oligárquico na reprodução das elites brasileiras tem sido, em geral, bem-sucedido, observa-se, para as novas ocupações intelectuais, de requerimento universitário obrigatório, uma diminuição da seletividade social no recrutamento dos seus membros.

Os dados relativos à magistratura confirmam essa possibilidade de acesso às elites por meio de uma carreira relativamente "aberta". Pesquisa realizada em 1995 assinalou que cerca de 30% dos juízes brasileiros em atividade eram filhos de trabalhadores manuais e que 24,3% eram filhos de pai que não chegou a concluir o primário, sendo apenas 31,1% dos magistrados filhos de pai com curso superior (Werneck Vianna et alii, 1997).

O desempenho escolar é, assim, muito relevante como variável explicativa do acesso à ponta da pós-graduação. De fato, a chegada à pós-graduação supõe uma trajetória escolar com poucos acidentes de percurso. Na Tabela 14, pode-se constatar que 30,2% dos mestrandos e 37,7% dos doutorandos concluíram a graduação com apenas 22 anos de idade, e que mais de 70% em cada um dos grupos a concluíram com até 25 anos.

Idade de conclusão da graduação Mestrado%Doutorado%Até 22 anos 7530,22637,7De 23 a 25 anos 10140,72942,026 anos ou mais 7229,01420,3Média 24,924,3

Tabela 14

Idade de Conclusão da Graduação para os

Estudantes de Mestrado e Doutorado

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Enfim, quando se considera a trajetória escolar dos estudantes de doutorado, pode-se dizer que eles perceberam precocemente a possibilidade de uma carreira e entraram no mestrado mais cedo. Observando-se a Tabela 15, depreende-se que o intervalo entre a graduação e o ingresso na pós-graduação se situa, para o estudante de mestrado, em 4,1 anos em média, enquanto para o de doutorado esse intervalo é de apenas 2,1 anos. Vale notar que o estudante de doutorado, em sua grande maioria (84,5%) trabalha, sendo que, destes, 62,7% são professores universitários, tendo, portanto, uma inscrição institucional definida, tal como indicado nas Tabelas 16 e 17.

IntervaloMestrado%Doutorado%Até 1 ano 9337,54363,22 a 5 anos 10441,91623,56 ou mais 5120,6913,2Total 248100,068100,0

Tabela 15

Intervalo entre a Graduação e o Mestrado

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Média (estudantes de mestrado): 4,1 anos

Média (estudantes de doutorado): 2,1 anos

Trabalha Mestrado Doutorado Sim 45,6 84,5 Não 54,2 15,5 Total 100,0 100,0

Tabela 16

Trabalho (%)

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Última ocupação Mestrado Doutorado Prof. universitário 13,4 62,7 Prof. 1º e 2º graus 15,6 1,7 Func. públ. ou de estatal 13,9 22,0 Emp. privadas 13,9 1,7 Auxiliar de pesquisa 23,4 6,8 Outros 19,9 5,1 Total 100,0 100,0

Tabela 17

Última Ocupação (%)

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

1.4 A Orientação Profissional do Estudante de Mestrado

Com a finalidade de avaliar a orientação profissional dos mestrandos, a pesquisa apresentou aos entrevistados uma lista composta por doze atributos de um virtual emprego, solicitando que assinalassem o grau de importância conferido a cada um deles. O resultado, tal como exposto na Tabela 18, indica que esse estudante já se encaminhou para o campo da ciência institucionalizada e que a possibilidade de influência do seu trabalho intelectual é percebida como mais referida à universidade do que à arena pública em geral. Comparando-se os dados dos estudantes de mestrado com os dos estudantes de graduação, observa-se que a tendência à valorização da ciência presente entre os últimos é reforçada na passagem à pós-graduação.

Atributos% essencial ou muito importante (Mestrado)% essencial ou muito importante (Graduação)*Um trabalho que desafie sua capacidade intelectual 92,091,5Possibilidade de concretização de idéias próprias 91,294,2Possibilidade de trabalhar em pesquisa 89,670,8Chances de continuar se qualificando 85,683,2Nível salarial 77,871,4Volume de trabalho definido e que deixe tempo livre 60,570,3Possibilidade de ascender no emprego 51,867,9Emprego que ofereça estabilidade 49,865,9Possibilidade de participar da vida pública 41,253,9Independência, não estar subordinado a ninguém 40,962,4Chances de ter influência política 25,137,6Possibilidade de assumir funções de direção 24,635,6

Tabela 18

Atitudes em face dos Atributos de um Eventual Emprego

Percentual de Respostas "Essencial" ou "Muito Importante"

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

* Os dados relativos à graduação encontram-se em Werneck Vianna, Carvalho e Melo (1994).

Tais indicações podem ser mais refinadas mediante a análise das respostas obtidas para um bloco de questões no qual o estudante de mestrado era solicitado a colocar em ordem de preferência sete alternativas de "carreiras exemplares":

·

· a vocacionada para a pesquisa científica

· a atenta às oportunidades de mercado

· a concentrada na política universitária

· a voltada aos movimentos sociais

· a dedicada ao ensino

· a dirigida à comunicação com um público mais amplo, como ensaísta

Na Tabela 19 nota-se, então, uma forte adesão do estudante de pós-graduação às estratégias de profissionalização pela universidade e pela ciência. Assim, 63,7% dos estudantes de mestrado têm como paradigma a carreira em pesquisa científica, em contraste com os 44% de estudantes de graduação que assinalaram essa preferência. Na outra ponta, as aspirações manifestas em torno de uma carreira orientada diretamente para a vida pública são menos evidentes entre os estudantes da pós do que entre os da graduação. Esses dados sugerem que o tipo de intelligentzia que as ciências sociais vêm formando tende a se relacionar com a vida pública a partir da ótica pontual da sua especialidade científica, contrariando a sinalização tradicional de uma intelligentzia generalista, que concebe a sua inserção na arena pública sem a mediação do seu treinamento e da sua especialização profissionais.

Ordem de preferênciaVida pública e políticaPesquisa científicaMercadoPolítica universi-táriaMovimentos sociaisEnsinoEnsaísta e escritorGraduação1ª ou 2ª28442020312042Mestrado1ª ou 2ª246415313738523ª, 4ª ou 5ª 262937534143416ª ou 7ª 508481622198

Tabela 19

Atitudes em face de Carreiras Exemplares (%)

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

2. AS CIÊNCIAS SOCIAIS E SUAS TESES

Na seção anterior, foram examinados o perfil social, a trajetória universitária e as motivações profissionais do estudante da pós-graduação, constatando-se que esse personagem reiterava, em muitos aspectos, o perfil do estudante da graduação, tal como analisado em "Cientistas Sociais e Vida Pública". Naquele trabalho, conceituou-se como americanização das ciências sociais o processo que, em curso na disciplina, a tem levado a uma identificação com a agenda da reforma social, concebida e praticada mediante a ênfase na pesquisa aplicada e na busca de soluções para problemas sociais relevantes. Ali, também, a americanização da disciplina foi associada, entre outros aspectos, à sua institucionalização e à política de fomento praticada pelas agências oficiais, que abriram aos estudantes originários dos segmentos com menor capital cultural a perspectiva da ciência como caminho de profissionalização, e, o fazendo, contribuíram para um efetivo redesenho da cultura disciplinar em moldes menos generalistas (Werneck Vianna, Carvalho e Melo, 1994).

Assim, a tendência motivacional encontrada no universo de estudantes da graduação ¾ valorizadora da especialização científica e da profissão universitária –– vê-se plenamente confirmada na presente análise sobre as teses de doutorado defendidas entre 1990 e 1997, mesmo considerando-se que uma parte delas o foi por doutorandos que ingressaram na universidade a partir do final dos anos 70, não tendo, por isso, se beneficiado fortemente das políticas públicas de fomento às carreiras científicas. Desse modo, é possível prever-se que as teses de doutorado a serem produzidas nos próximos anos venham a reforçar, ainda mais, esse novo perfil da disciplina e dos seus praticantes.

Por ora, constata-se apenas que na coleção de teses investigadas há uma clara preferência pelo exame de questões tópicas, em detrimento tanto das grandes versões interpretativas do Brasil, quanto das análises da tradição disciplinar, podendo-se afirmar que a via de especialização temática predomina, flagrantemente, sobre a obediência a recortes clássicos da disciplina, e que o personagem ideal-típico do "especialista" vem deslocando a caracterização do cientista social como um intelectual de tipo mannheimiano.

Observe-se, porém, que a tendência indicada pelas teses de doutorado no período é apenas uma das faces da produção da área, cujas características são melhor indicadas pelos ensaios, artigos e publicações dos seus praticantes seniors, podendo se manifestar uma disparidade, maior ou menor, entre as opções dos novos doutores e aquelas selecionadas pelos seus professores. Um claro exemplo disso é dado pelo comportamento da rubrica "estudos urbanos", que, nas teses de doutorado analisadas, comparece, como se verá, em número surpreendentemente reduzido, enquanto a produção científica do conjunto da área revela um crescimento exponencial desse objeto, tal como apontado pelo importante e abrangente trabalho de Licia Valladares e Magda Prates Coelho (1997)1010. No trabalho das autoras, que tem como título "Sistematização da Produção da Pesquisa sobre o Urbano no Brasil", os critérios para classificação temática são bastante compreensivos, discrepando dos que foram utilizados aqui, uma vez que elas incluem obras de geógrafos, urbanistas, engenheiros e mais um conjunto de profissionais, cuja reflexão incide sobre diferentes aspectos da vida urbana brasileira. De qualquer modo, constata-se que a produção das ciências sociais sobre o tema é bastante superior à verificada em nossa pesquisa sobre as teses de doutorado defendidas entre 1990 e 1997. . Essa observação, além da sua significação metodológica, tem importância substantiva, na medida em que, desde aí, se tem uma indicação a respeito do caráter solitário e artesanal que preside a produção das teses de doutorado –– o que certamente não ocorreria, caso fossem produzidas em contextos de laboratórios científicos.

2.1 A Coleção Pesquisada

A Tabela 20 apresenta o número de teses de doutorado defendidas nas sete instituições pesquisadas, segundo o ano da titulação. Uma observação imediata aponta para a notável concentração de teses produzidas em São Paulo (65,2%) contra o percentual de 24,1% de teses procedentes do Rio de Janeiro. Essa presença da pós-graduação paulista, em cuja clientela se incluem estudantes de todo o país, não deve ser indiferente à difusão de uma perspectiva analítica nem sempre identificada com os problemas das diferentes regiões, o que deverá ser bastante atenuado com a expansão dos programas de doutorado em outras unidades da Federação. Tomando-se, ademais, o eixo Rio-São Paulo, verifica-se que ele é responsável por 89,3% das teses, concentração incompatível com uma percepção compreensiva da Federação1111. A formação de doutores na sociologia americana apresenta um índice bem menos concentrado, com não mais que 30% dos atuais doutores formados nos principais departamentos de sociologia do país. Ou seja, 70% dos doutores em sociologia nos EUA titularam-se em departamentos de menor prestígio acadêmico. Como sugerido anteriormente, essa é a tendência que parece vir a se afirmar nas próximas décadas no Brasil, com a difusão dos programas de doutorado nos diferentes estados da Federação (D'Antonio, 1992:132-133). . Por fim, note-se que, se a USP é a instituição que mais titula doutores em ciências sociais (39,8%), o Iuperj comparece como o segundo centro de maior produção (14,8%).

AnoIuperjM. NacionalPUC-SPUFRGSUnBUnicampUSPTotal19902 (2,7%) 3 (5,2%) 2 (4,0%)4 (5,8%)16 (8,2%)27 (5,5%)19913 (4,1%)4 (8,7%)6 (10,3%) 6 (12,0%)1 (1,4%)20 (10,3%)40 (8,1%)19929 (12,3%)4 (8,7%)12 (20,7%) 6 (12,0%)5 (7,2%)23 (11,8%)59 (11,9%)19933 (4,1%)11 (23,9%)7 (12,1%) 9 (18,0%)8 (11,6%)15 (7,7%)53 (10,7%)19946 (8,2%)5 (10,9%)7 (12,1%) 8 (16,0%)9 (13,0%)19 (9,7%)54 (10,9%)19954 (5,5%)10 (21,7%)2 (3,4%) 5 (10,0%)12 (17,4%)28 (14,4%)61 (12,3%)19967 (9,6%)7 (15,2%)6 (10,3%) 8 (16,0%)12 (17,4%)31 (15,9%)71 (14,4%)199738 (52,1%)4 (8,7%)15 (25,9%)3 (100,0%)6 (12,0%)18 (26,1%)43 (22,1%)127 (25,7%)1998 1 (1,4%)1 (2,2%) 2 (0,4%)Total73 (100,0%)46 (100,0%)58 (100,0%)3 (100,0%)50 (100,0%)69 (100,0%)195 (100,0%)494 (100,0%)

Tabela 20

Teses Defendidas por Instituição (1990-1997)

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

A Tabela 20 também destaca o incremento muito expressivo do número de doutores formados ao longo da década (494, no total), passando de 27, em 1990, para 127, em 1997, em uma evidente indicação do sucesso das políticas públicas implementadas pelas agências de fomento à ciência. Ainda que este último ano seja atípico, em particular pela elevada titulação de alunos da USP e do Iuperj, fruto de uma política interna orientada para acelerar a conclusão de teses pendentes, o prognóstico para uma titulação anual de mais de 100 doutores parece bastante plausível1212. Em trabalho anterior, já se prognosticava a titulação de 100 doutores em ciências sociais ao ano (Werneck Vianna, Carvalho e Melo, 1995). Tomando-se como referência o trabalho de Sérgio Rezende (1996:188), pode-se dizer que a titulação de doutores em ciências sociais se aproxima do padrão de titulação dos físicos no início da década de 90 –– próximo dos 100 doutores/ano. . Vale também notar que essa expansão não se deve à constituição de novos programas, mas à consolidação de cursos mais antigos, que já estavam em funcionamento no início da década de 80. Nesse sentido, é possível projetar números ainda mais significativos para os próximos anos, quando os novos cursos de doutorado –– como os da Unesp, UFRGS, IFCS/UFRJ, UFF, UFMG, CPDA/UFRRJ e outros –– começarem a titular os seus alunos e quando vier a ocorrer a difusão dos cursos de doutorado em outros estados da Federação, tal como se deu com os programas de mestrado nos anos 80. A confirmar-se essa expectativa, torna-se razoável o prognóstico de que, em cinco anos, estarão sendo titulados 150 doutores ao ano.

A Tabela 21 revela a distribuição das teses segundo a instituição e os seus respectivos programas de pós-graduação.

Programa IuperjM.NacionalPUC-SPUFRGSUnBUnicampUSPTotalAntropologia 46 (100,0%) 1 (33,3%)13 (26,0%) 52 (26,7%)112 (22,7%)C. Política 43 (58,9%) 29 (14,9%)72 (14,6%)C. Sociais * 58 (100,0%) 69 (100,0%) 127 (25,7%)FLACSO ** 4 (8,0%) 4 (0,8%)Sociologia 30 (41,1%) 2 (66,7%)33 (66,0%) 114 (58,5%)179 (36,2%)Total 73 (100,0%)46 (100,0%)58 (100,0%)3 (100,0%)50 (100,0%)69 (100,0%)195 (100,0%)494 (100,0%)

Tabela 21

Teses segundo a Instituição e o Programa

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

* Os programas de doutorado da Unicamp e da PUC-SP titulam genericamente em ciências sociais, sem discriminar as áreas efetivas de procedência dos doutores.

** O programa designado na tabela como FLACSO refere-se ao programa de doutorado conjunto FLACSO/ UnB em Estudos Comparativos sobre América Latina e Caribe.

Note-se que, das 494 teses defendidas no período, a pesquisa teve acesso, como se observa na Tabela 22, a apenas 411 (83,2%), sobre as quais incidirá a análise procedida aqui. Nessa mesma tabela, constata-se que, entre as defendidas na Unicamp, 73,9% foram localizadas pela pesquisa; na USP, o índice sobe para 74,4%; na PUC-SP, para 79,3%; e no Museu Nacional, para 93,5%. As teses defendidas nas demais instituições foram encontradas em sua totalidade.

InstituiçãoDados DisponíveisTotalApenas o título e o autorResumo ou sumárioIuperj 73 (100%)73 (100,0%)M. Nacional3 (6,5%)43 (93,5%)46 (100,0%)PUC-SP12 (20,7%)46 (79,3%)58 (100,0%)UFRGS 3 (100,0%)3 (100,0%)UnB 50 (100,0%)50 (100,0%)Unicamp18 (26,1%)51 (73,9%)69 (100,0%)USP50 (25,6%)145 (74,4%)195 (100,0%)Total83 (16,8%)411 (83,2%)494 (100,0%)

Tabela 22

Acesso às Teses por Instituição

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

2.2 Critérios de Classificação das Teses

Os temas de tese foram codificados a partir dos resumos, ou, na falta deles, com base nos sumários preparados pelos próprios candidatos à titulação1313. Outros critérios para a classificação das teses produzidas na última década vêm sendo propostos por diferentes autores. É o caso, por exemplo, de Colognese (1997), que se detém na classificação das teses e dissertações de mestrado em sociologia, defendidas entre meados de 1980 e meados de 1990, em quatro instituições: USP, Iuperj, UnB e UFRGS. O autor propõe-se a analisar as relações entre as dinâmicas institucionais daqueles programas de pós-graduação e o processo de elaboração de suas respectivas teses, concluindo pela existência de dois tipos polares de produção do conhecimento sociológico: o artesanal e o burocrático. No primeiro destacam-se as características da autonomia, da imaginação e da individuação do autor; no segundo, os ideais institucionais de racionalização, profissionalização e produtividade, exigentes, portanto, de uma forma de orientação mais impositiva e coletiva, nos moldes de um laboratório científico. Embora o critério classificatório de Colognese tenha o mérito de evidenciar uma tendência presente nos programas de pós-graduação em ciências sociais, sua análise não se detém na apreciação das teses propriamente ditas (idem:xi), do que resultam algumas discrepâncias vis-à-vis a nossa pesquisa. Assim, porquanto se possa considerar correta a identificação de uma tendência institucional à racionalização da produção do conhecimento sociológico no Iuperj, apenas para mencionar um caso referido pelo autor, não se pode desconhecer a vigência, ainda predominante, de procedimentos "autorais" na elaboração das teses daquela instituição, tal como se verá adiante. . A codificação obedeceu a um triplo critério: (a) as teses foram classificadas, primeiramente, segundo a área de conhecimento, cabendo advertir que a pós-graduação de antropologia da USP inclui arqueologia, considerada, em nossa pesquisa, uma área de conhecimento distinta; (b) em seguida, as teses tiveram assinaladas as opções metodológicas de seus respectivos autores; e (c) elas foram codificadas tendo em vista os seus respectivos objetos de investigação.

Quanto à classificação das metodologias utilizadas pelos postulantes ao título de doutor, há duas observações preliminares:

a) foram consideradas "teses empíricas baseadas em fontes documentais" aquelas que se utilizaram principalmente de fontes primárias, tais como documentos públicos ou privados, coleções de jornais, material de partidos, sindicatos etc. Vale ressaltar, ainda, que estudos sobre autores e obras não pertencentes à tradição disciplinar das ciências sociais (como, por exemplo, Machado de Assis, Lima Barreto etc.) foram admitidos nessa categoria, uma vez que se constituíram em fontes primárias para os seus investigadores;

b) entre as "teses empíricas não documentais" encontram-se aquelas que realizaram pesquisas de campo, de natureza qualitativa ou quantitativa, ou, ainda, as teses de caráter quantitativo que utilizaram bases de dados de domínio público (censos, PNADs etc).

O Quadro 1, a seguir, dispõe as categorias utilizadas nessa classificação.


2.2.1 Classificação das Teses por Áreas de Conhecimento

A classificação por área de conhecimento acompanhou as definições institucionais dos programas, exceto nos casos já assinalados da PUC-SP e Unicamp, cujas teses tiveram as suas áreas de procedência atribuídas a partir da leitura de seus respectivos sumários. Pôde-se, assim, concluir que, também nessas duas instituições paulistas, a exemplo do que ocorre na USP, predominam as teses em sociologia. A Tabela 23 apresenta as 411 teses já classificadas por áreas de conhecimento, a partir da leitura de seus sumários.

Área de conhecimentoIuperjM. NacionalPUC-SPUFRGSUnBUnicampUSPTotalSociologia30 (41,0%) 19 (41,3%)2 (66,7%)36 (72,0%)28 (54,9%)86 (59,3%)201 (48,9%)Ciência Política43 (58,9%) 11 (23,9%) 1 (2,0%)16 (31,4%)18 (12,4%)89 (21,6%)Antropologia 43 (100,0%)16 (34,8%)1 (33,3%)13 (26,0%)7 (13,7%)38 (26,2%)118 (28,7%)Arqueologia 3 (2,1%)3 (0,7%)Total73 (100,0%)43 (100,0%)46 (100,0%)3 (100,0%)50 (100,0%)51 (100,0%)145 (100,0%)411 (100,0%)

Tabela 23

Teses segundo a Instituição e a Área de Conhecimento (1990-1997)

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Considerando os dados da Tabela 23, resulta evidente a contribuição do Iuperj na institucionalização da ciência política no país, tendo formado, no período em exame, 43 dos 89 doutores sobre cujas teses se obteve informação. Na outra ponta, importa notar a contribuição de São Paulo, em particular, a da USP, para a sociologia: das 201 teses investigadas, 86 provêm daquela instituição –– número bastante elevado e, ainda assim, subestimado, em razão de se ter excluído dessa tabulação as 28 teses sobre as quais não se obteve acesso aos seus sumários e que perfariam o total exposto na Tabela 21 (114 teses). Na Unicamp e na PUC/SP foram defendidas no total 127 teses (Tabela 21), das quais apenas 97 foram analisadas, conforme se depreende da Tabela 23. Desse total, 47 são da área de sociologia. Com essas ressalvas, pode-se sustentar que, quantitativamente, a área de ciência política é principalmente carioca, a sociologia, fundamentalmente paulista e a antropologia possui uma igual expressão naqueles dois centros regionais.

2.2.2 Classificação das Teses segundo a Metodologia Utilizada

A Tabela 24 dispõe o número de teses segundo a instituição e a metodologia predominante no trabalho, tendo sido classificadas em três categorias: "estudos baseados em fontes secundárias"; "estudos empíricos baseados predominantemente em fontes documentais"; "estudos empíricos baseados predominantemente em fontes não documentais".

ClassificaçãoMetodologiaIuperjM. NacionalPUC-SPUFRGSUnBUnicampUSPTotalEstudos baseados em fontes secundáriasTeoria Social6 (8,2%)1 (2,3%) 1 (2,0%) 8 (1,9%)Metodo- logia 1 (0,7%)1 (0,2%)Tradição disciplinar4 (5,5%)2 (4,7%)8 (17,4%) 2 (4,0%)5 (9,8%)14 (9,7%)35 (8,5%)Interpre- tações do Brasil1 (1,4%)1 (2,3%) 1 (2,0%) 1 (0,7%)4 (1,0%)Subtotal11 (15,1%)4 (9,3%)8 (17,4%) 4 (8,0%)5 (9,8%)16 (11,1%)48 (11,6%)Estudos empíricos baseados predomi- nantemente em fontes documentaisPesquisas históricas não quantita- tivas17 (23,3%)12 (27,9%)10 (21,7%) 10 (20,0%)12 (23,5%)37 (25,5%)98 (23,8%)Pesquisas históricas quantita- tivas1 (1,4%) 1 (2,0%) 1 (0,7%)3 (0,7%)Pesquisas contem- porâneas com aborda- gem histórica11 (15,1%)2 (4,7%)7 (15,2%)1 (33,3%)11 (22,0%)13 (25,5%)17 (11,7%)62 (15,1%)Pesquisas contem- porâneas9 (12,3%)1 (2,3%)5 (10,9%)1 (33,3%)6 (12,0%)12 (23,5%)13 (9,0%)47 (11,4%)Estudos compara- dos3 (4,1%) 2 (4,0%)1 (2,0%)1 (0,7%)7 (1,7%)Subtotal41 (56,2%)15 (34,9%)22 (47,8%)2 (66,6%)30 (60,0%)38 (73,5%)69 (47,6%)217 (52,8%)Estudos empíricos baseados predomi- nantemente em fontes não documen- taisEtnografias1 (1,4%)14 (32,6%)1 (2,2%)1 (33,3%)7 (14,0%)2 (3,9%)29 (20,0%)55 (13,4%)Relatos de vida e história oral2 (2,7%)2 (4,7%)2 (4,3%) 1 (2,0%) 6 (4,1%)13 (3,2%)Outras metodo- logias qualitativas9 (12,3%)8 (18,6%)11 (23,9%) 5 (10,0%)5 (9,8%)23 (15,9%)61 (14,8%)Metodo- logias quantitativas7 (9,6%) 2 (4,3%) 1 (2,0%)1 (2,0%)2 (1,4%)13 (3,2%)Estudos comparados2 (2,7%) 2 (4,0%) 4 (1,0%)Subtotal21 (29,0%)24 (55,9%)16 (35,7%)1 (33,3%)16 (32,0%)8 (15,7%)60 (41,4%)146 (35,6%)Total73 (100,0%)43 (100,0%)46 (100,0%)3 (100,0%)50 (100,0%)51 (100,0%)145 (100,0%)411 (100,0%)

Tabela 24

Classificação das Teses por Metodologia e Instituição (1990-1997)

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

A distribuição percentual das teses segundo as três categorias –– totalizando, respectivamente, 11,6%, 52,8%, 35,6% –– aponta para um nítido predomínio dos trabalhos que se utilizam de fontes documentais, sendo que 39,6% destes organizam a sua narrativa em torno de um argumento histórico. Observe-se que tal procedimento –– a se tomar os índices relativos às "pesquisas históricas não quantitativas" e às "pesquisas contemporâneas com abordagem histórica" –– encontra uma aceitação relativamente uniforme em todas as instituições.

O segundo grupo mais importante –– "estudos empíricos baseados em fontes não documentais" –– compreende, principalmente, os trabalhos de orientação metodológica qualitativa: 13,4% são etnografias, 3,2% baseiam-se em relatos de vida e história oral, 14,8% utilizam-se de outras metodologias qualitativas, perfazendo 31,4% do total das teses, em forte contraste com os 4,2% restantes, concernentes aos estudos empíricos de natureza quantitativa ou às análises comparadas.

No terceiro grupo, aqui designado como "estudos baseados em fontes secundárias" e reunindo apenas 11,6% das teses, predominam aquelas referidas às tradições das três disciplinas –– com uma presença marginal de estudos teóricos e metodológicos –– e as de natureza ensaística, incluídas na rubrica "interpretações do Brasil".

Tem-se, portanto, que os estudos empíricos que prevêem a ida do pesquisador a campo compreendem apenas 35,6% das teses. Assim, a maior parte das teses de ciências sociais no Brasil –– 64,4% –– é papirocêntrica, isto é, tem por base a utilização de documentos, particularmente material impresso, indicando a prevalência de pesquisas que se limitam às bibliotecas e aos arquivos. A natureza papirocêntrica dessa produção resulta, em alguma medida, de uma estratégia do doutorando em face da escassez de recursos para a pesquisa empírica e da inexistência de linhas institucionais de pesquisa nos seus centros de origem, a que se deve acrescentar a falta de treinamento específico para a manipulação de bases de dados (censo, PNAD, entre outras). Mais do que uma opção teórica, o procedimento artesanal na elaboração da tese parece derivar de um cálculo a respeito dos caminhos de viabilização do trabalho final. Mencione-se, ainda, que, revelando o caráter notoriamente autocentrado da ciência social brasileira, apenas 2,7% das teses são estudos comparados.

Quando se associam as abordagens metodológicas às diferentes áreas de conhecimento, nota-se a predominância da argumentação histórica nas teses de ciência política; das pesquisas de campo, nas de antropologia; e uma distribuição um pouco mais eqüitativa dos diversos procedimentos de pesquisa entre as teses de sociologia. É o que indica a Tabela 25.

ClassificaçãoMetodologiaSociologiaCiência PolíticaAntropologiaArqueologiaTotalEstudos baseados em fontes secundáriasTeoria Social3 (1,5%)4 (4,5%)1 (0,8%) 8 (1,9%)Metodologia 1 (0,8%) 1 (0,2%)Tradição disciplinar17 (8,4%)8 (9,1%)10 (8,5%) 35 (8,5%)Interpretações do Brasil2 (1,0%)1 (1,1%)1 (0,8%) 4 (1,0%)Subtotal22 (10,9%)13 (14,7%)13 (10,9%) 48 (11,6%)Estudos empíricos baseados predominante- mente em fontes documentaisPesquisas históricas não quantitativas42 (20,8%)27 (30,7%)26 (22,0%)3 (100,0%)98 (23,8%)Pesquisas históricas quantitativas1 (0,5%)2 (2,3%) 3 (0,7%)Pesquisas contemporâneas com abordagem histórica37 (18,3%)18 (20,5%)7 (5,9%) 62 (15,1%) Pesquisas contemporâneas37 (18,3%)8 (9,1%)2 (1,7%) 47 (11,4%)Estudos comparados2 (1,0%)3 (3,4%)2 (1,7%) 7 (1,7%)Subtotal119 (58,9%)58 (66,0%)37 (31,3%)3 (100,0%)217 (52,7%)Estudos empíricos baseados predominante- mente em fontes não documentaisEtnografias11 (5,4%)1 (1,1%)43 (36,4%) 55 (13,4%)Relatos de vida e história oral9 (4,5%) 4 (3,4%) 13 (3,2%)Outras metodologias qualitativas34 (16,8%)7 (8,0%)20 (16,9%) 61 (14,8%)Metodologias quantitativas4 (2,0%)8 (9,1%)1 (0,8%) 13 (3,2%)Estudos comparados Subtotal 3 (1,5%)1 (1,1%) 4 (1,0%)61 (30,2%)17 (19,3%)68 (57,5%) 146 (35,6%)Total 202 (100,0%)88 (100,0%)118 (100,0%)3 (100,0%)411 (100,0%)

Tabela 25

Metodologia segundo a Área de Conhecimento

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

O recurso à história, predominante nas teses de ciência política, ora está a serviço da explicação de processos contemporâneos (20,5%), ora se manifesta na definição do próprio objeto em discussão (30,7%). A história, portanto, é acionada ora adjetivamente, como recurso explicativo, ora substantivamente. Apenas 11,4% das teses de ciência política se utilizam de abordagem quantitativa, sendo que, destas, 2,3% lidam com uma perspectiva temporal, comparando séries dispostas ao longo de anos.

Na antropologia predominam as pesquisas empíricas de orientação qualitativa, contribuindo as etnografias com 36,4% do total e outras metodologias qualitativas com 16,9%. O recurso à história também se faz presente em 22,0% das teses. Nessa área de conhecimento, registrou-se apenas uma tese de metodologia quantitativa –– na verdade, um inventário analítico da produção da área no país.

Por fim, na sociologia verifica-se uma distribuição um pouco mais uniforme das teses pelas diversas abordagens metodológicas, comparecendo, em primeiro lugar, as de orientação "substantivamente" histórica (20,8%), seguidas das análises de processos contemporâneos com o recurso à história (18,3%) e dos trabalhos referidos, especificamente, a aspectos da sociabilidade contemporânea (18,3%), todas baseadas em fontes documentais. Dentre as investigadas, apenas 2,0% das teses de sociologia são de natureza quantitativa.

No conjunto dos trabalhos examinados, excetuando-se as teses de antropologia, pode-se dizer que são pouco freqüentes tanto a prática de estudos de campo quanto o uso de métodos quantitativos, o que decorre, provavelmente, do elevado custo de realização de surveys, por exemplo, especificamente projetados para as necessidades de uma tese de doutorado. Chama a atenção, contudo, o fato de que bases de dados com informações acerca de processos de mudança social em curso no país, tais como as PNADs do IBGE, praticamente não estejam sendo utilizadas, apesar de serem de domínio público e também passíveis de um tratamento artesanal. Daí que a presença marginal dos métodos quantitativos nas teses de ciências sociais não pode ser exclusivamente atribuída à falta de recursos, sugerindo, igualmente, a inexistência de um treinamento específico, desde os cursos de graduação, para esse tipo de procedimento.

Um outro aspecto a merecer reflexão diz respeito ao recurso à história nas teses de ciências sociais. Sabe-se que, como retórica, a narrativa histórica tem larga implantação no Brasil, sendo a forma, por excelência, assumida pelo discurso de publicistas e ensaístas que se dedicavam a "explicar o Brasil", desde o século passado, anteriormente à disseminação dos protocolos científicos introduzidos no país pela escola sociológica paulista (Liedke Filho, 1990; Carvalho, 1996). Sua identificação, portanto, com uma inteligência vocacionada para o debate público é notória e parece encontrar um caminho de permanente atualização na produção das ciências sociais brasileiras. Tem sido mediante a história que o objeto particular das pesquisas se enlaça com perspectivas macroestruturais, pondo em discussão a natureza do processo de modernização do Brasil. Assim, o atual estágio de institucionalização da disciplina vem produzindo, entre outros efeitos, uma redefinição da "publicística" brasileira, na qual o recurso à história tem servido para escrutinar aspectos parciais da realidade social. Contudo, se a história ainda comparece com o seu peso dilatado nessa fotografia da área, realizada a partir das teses de doutorado defendidas entre 1990 e 1997, pode-se sugerir que essa influência tenderá a decrescer com o avanço desse processo de institucionalização, quando estarão mais presentes as exigências por uma ciência social rigorosa na utilização dos seus protocolos disciplinares.

2.2.3 Classificação das Teses segundo os Objetos Analisados

Quanto aos objetos das teses, expostos na Tabela 26, a primeira observação a ser feita diz respeito à grande dispersão dos temas de investigação, replicando, aqui, o conhecido diagnóstico sobre a fragmentação das ciências sociais, corrente na literatura sobre este mesmo campo disciplinar nos EUA (Turner e Turner, 1990; Crane e Small, 1992).

Objeto da tese IuperjM. NacionalPUC-SPUFRGSUnBUnicampUSPTotalTeoria e teóricos da Sociologia 2 (2,7%) 2 (4,3%) 2 (4,0%)1 (2,0%)5 (3,4%)12 (2,9%)Teoria e teóricos da Política 8 (11,0%)1 (2,3%)2 (4,3%) 11 (2,7%)Teoria e teóricos da Antropologia 2 (4,7%)2 (4,3%) 1 (2,0%)1 (2,0%)3 (2,1%)9 (2,2%)Estudos Indígenas 8 (18,6%)3 (6,5%) 1 (2,0%)2 (3,9%)10 (6,9%)24 (5,8%)Estudos da Religião e das Igrejas 2 (2,7%)5 (11,6%)5 (10,9%) 3 (6,0%)1 (2,0%)10 (6,9%)26 (6,3%)Estudos de Gênero 3 (4,1%)4 (9,3%)4 (8,7%) 8 (5,5%)19 (4,6%)Estudos Raciais 2 (2,7%)2 (4,7%)1 (2,2%) 1 (0,7%)6 (1,5%)Estudos Urbanos (exceto mov. sociais) 1 (1,4%) 2 (4,3%)1 (33,3%)2 (4,0%)2 (3,9%)2 (1,4%)10 (2,4%)Estudos Agrários 1 (1,4%)2 (4,7%)4 (8,7%) 6 (12,0%)4 (7,8%)7 (4,8%)24 (5,8%)Movimentos Sociais (exceto mov. operário) 1 (1,4%)1 (2,3%)1 (2,2%) 1 (2,0%)5 (3,4%)9 (2,2%)Educação (exceto políticas públicas) 1 (1,4%) 2 (4,0%) 2 (1,4%)5 (1,2%)Sindicatos e Operários 3 (4,1%)2 (4,7%)2 (4,3%) 4 (7,8%)13 (9,0%)24 (5,8%)Organização do Trabalho 2 (3,9%)5 (3,4%)7 (1,7%)Ciência 2 (2,7%) 1 (2,2%) 2 (4,0%) 5 (3,4%)10 (2,4%)Cultura 2 (2,7%)5 (11,6%)3 (6,5%) 8 (16,0%)2 (3,9%)7 (4,8%)27 (6,6%)Estrutura Social 1 (1,4%) 1 (2,0%)1 (0,7%)3 (0,7%)Ciência Social 1 (1,4%) 2 (4,3%)1 (33,3%) 2 (3,9%)1 (0,7%)7 (1,7%)Corporações e Organizações Profissionais 2 (2,7%)1 (2,3%)2 (4,3%)1 (33,3%)1 (2,0%)1 (2,0%) 8 (1,9%)Empresários e Elites Empresariais 3 (4,1%) 2 (1,4%)5 (1,2%)Estigmas e Personagens Sociais 2 (2,7%) 2 (4,3%) 3 (6,0%) 8 (5,5%)15 (3,6%)Meio Ambiente 3 (4,1%) 5 (9,8%)5 (3,4%)13 (3,2%)Saúde (exceto políticas públicas) 1 (1,4%)2 (4,7%) 1 (2,0%)3 (5,9%)2 (1,4%)9 (2,2%)Outras sociedades 4 (5,5%)2 (4,7%)1 (2,2%) 3 (6,0%)2 (3,9%)9 (6,2%)21 (5,1%)Atitudes, Movimentos e Ideologias Políticas 2 (2,7%)2 (4,7%)1 (2,2%) 4 (8,0%)3 (5,9%)9 (6,2%)21 (5,1%)Eleições e Partidos 6 (8,2%) 1 (2,0%)2 (3,9%)1 (0,7%)10 (2,4%)Relações Internacionais 1 (2,0%) 3 (2,1%)4 (1,0%)Políticas Públicas 6 (8,2%) 1 (2,2%) 3 (6,0%)4 (7,8%)6 (4,1%)20 (4,9%)Estado e Instituições Governamentais 2 (2,7%)1 (2,3%)2 (4,3%) 3 (6,0%)2 (3,9%)3 (2,1%)13 (3,2%)Processos de Evolução Política (exceto transição) 2 (2,7%) 2 (4,3%) 1 (2,0%)5 (9,8%)4 (2,8%)14 (3,4%)Transição 3 (4,1%) 1 (2,0%)2 (1,4%)6 (1,5%)Pensamento Brasileiro 6 (8,2%)3 (7,0%)1 (2,2%) 2 (4,0%) 3 (2,1%)15 (3,6%)Família e Instituições Sociais 1 (1,4%) 3 (2,1%)4 (1,0%)Total 73 (100,0%)43 (100,0%)46 (100,0%)3 (100,0%)50 (100,0%)51 (100,0%)145 (100,0%)411 (100,0%)

Tabela 26

Objeto da Tese e Instituição

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Uma observação mais atenta da Tabela 26, contudo, aponta para o fato de que, no Brasil, em que pese a fragmentação mencionada, podem-se notar algumas áreas de discreta concentração, cada uma delas chegando, no máximo, a 6,6% do conjunto das teses analisadas.

É assim que, dos 32 objetos de teses arrolados nessa tabela, nove deles concentram 50% das teses, a saber: "cultura" (27 teses), "estudos da religião e das igrejas" (26), "estudos indígenas" (24), "estudos agrários" (24), "sindicatos e operários" (24), "outras sociedades" (21) ¾ na sua quase totalidade elaboradas por estudantes estrangeiros sobre suas sociedades de origem, incluindo também três teses de arqueologia sobre temas da formação cultural do Ocidente, como a civilização minóica etc. ¾ , "atitudes, movimentos e ideologias políticas" (21), "políticas públicas" (20), "estudos de gênero" (19), perfazendo um total de 206 teses, em um universo de 411 consultadas. Agregando-se as teses incluídas nas rubricas "pensamento brasileiro" e "ciência social" que, na verdade, versam sobre temas afins, isto é, de como e a partir de que instrumentos se pensa o Brasil, ter-se-ia, então, mais uma área de concentração temática das teses produzidas no período, composta por 22 delas. Neste caso, seriam dez os eixos temáticos da preferência dos autores e 228 o número de teses compreendidas naqueles eixos, compondo um percentual de 55,5% do total pesquisado.

Ainda do ponto de vista temático, as teses que constituem essa coleção de 55,5% podem ser consideradas sob o seguinte ângulo: 84 delas debruçam-se sobre objetos inequivocamente presentes na moderna agenda brasileira, incluindo "sindicatos e operários", "atitudes, movimentos e ideologias políticas", "políticas públicas" e "estudos de gênero". Examinando-se, além disso, as palavras-chave indicadas nas teses sobre "estudos da religião e das igrejas", sobre "estudos agrários" e sobre "cultura", verifica-se que 48 dessas teses também integram a agenda moderna –– onze delas sobre "estudos da religião e das igrejas", quinze, sobre "estudos agrários"; e 22 sobre "cultura" ––, totalizando 132 teses1414. Os resumos ou índices das teses incluídos em nossa pesquisa foram alvo de um escrutínio com o objetivo de extrair-se um conjunto de palavras-chave que permitisse classificar os objetos de tese como pertencentes, ou não, à moderna agenda brasileira. Assim, por exemplo, na rubrica "estudos da religião e das igrejas", apenas as teses dedicadas às religiões pentecostais foram contabilizadas, excluindo-se aquelas dedicadas à análise de festas religiosas ou a temas afins. .

Isso significa que, nessa coleção de pouco mais da metade (55,5%) das teses defendidas entre 1990 e 1997 –– excluídas as rubricas "outras sociedades" (21 teses) e "estudos indígenas" (24 teses), que não cabem na qualificação analítica da moderna agenda brasileira ¾ , 72,7% delas estão referidas aos problemas e aos personagens diretamente envolvidos na modernização do país. Adiante, tal ponto voltará a ser objeto de análise.

Ainda de acordo com a Tabela 26 e, já agora, com o foco de observação voltado para as teses que não se incluem nas dez áreas de concentração temática anteriormente mencionadas, extraem-se quatro importantes considerações. A primeira diz respeito ao fato de que somadas as teses que têm por objeto as teorias e os teóricos da antropologia, da sociologia e da ciência política estas correspondem a 7,8% das teses consultadas e são, em sua quase totalidade, baseadas em fontes secundárias, incluindo principalmente trabalhos sobre os autores de referência das disciplinas. Esses estudos têm significado, de maneira geral, a internalização dos clássicos na reflexão social brasileira, apresentando-os sob perspectivas mais próprias à nossa realidade –– o que parece consistir em uma fonte de animação para novas linhas de investigação.

Dentre as restantes, relativas a 36,7% das teses, vale observar que um número significativo delas se dedica ao estudo de atores sociais modernos –– "empresários e elites empresariais", "corporações e organizações profissionais", "movimentos sociais urbanos"––, totalizando 22 (5,3%). Para efeito de comparação, lembre-se que "cultura", a rubrica mais freqüentada, alcança 6,6% do total de teses. Aquelas dedicadas a atores sociais também se fazem presentes na rubrica "estigmas e personagens sociais" (quinze teses, correspondendo a 3,6%). Duas outras coleções de trabalhos mantêm uma certa relação de contigüidade com a área relativa a atores sociais: de um lado, "estudos urbanos", que conta com dez teses e mantém limites imprecisos em relação às pesquisas sobre "movimentos sociais" e "estigmas e personagens sociais"; de outro, as teses sobre "organização do trabalho" (sete), contemplando aspectos diversos do mundo fabril.

A terceira consideração prende-se ao fato de que os estudos sobre a ciência, caso se incluam as teses relativas às ciências sociais, somam dezessete trabalhos (4,1%). "Educação" e "saúde", categorias das quais foram excluídas as teses que abordavam políticas públicas específicas dessas áreas, totalizam quatorze trabalhos (3,4%). Uma área de constituição recente como o meio ambiente conta com treze teses.

Finalmente, vale ressaltar que temas clássicos da pesquisa social encontram, surpreendentemente, pouca representação no conjunto das teses: estudos sobre "estrutura social" (apenas três teses); "estudos raciais" (seis); "família" (quatro). Em uma área de estudos própria à ciência política, o mesmo verifica-se quanto a "Estado e instituições governamentais" (treze teses ¾ 3,2%), "eleições e partidos" (dez teses ¾ 2,4%) e "relações internacionais" (quatro teses ¾ 1,0%).

As dez categorias que fazem parte da coleção acima referida (55,5% das teses) podem ser distinguidas também em função da metodologia utilizada, tal como se depreende da Tabela 27. Assim, em "estudos indígenas", "estudos de gênero", "estudos da religião e das igrejas", "estudos agrários", e "sindicatos e operários" –– no total 117 teses –– há uma presença expressiva de trabalhos baseados em pesquisa empírica não documental, o que pode ser tomado como um indicador da tendência à maturidade das ciências sociais brasileiras. As categorias "atitudes, movimentos e ideologias políticas" e "políticas públicas" compreendem as pesquisas de natureza documental, distinguindo-se, porém, pelo fato de a primeira ter uma orientação histórica acentuada e a segunda aplicar-se, preferencialmente, a processos contemporâneos. Por fim, a categoria "cultura" reúne teses sobre temas muito diversificados, preponderando os estudos sobre música, cinema e manifestações culturais populares. A abordagem histórica tende também a ser majoritária nos estudos sobre a cultura. A rubrica composta da agregação "pensamento brasileiro" e "ciência social" concentra-se, obviamente, em estudos baseados em fontes secundárias e documentais.

Objeto da teseFontes secundáriasFontes documentaisFontes não documentaisTotalTeoria e teóricos da Sociologia 10 (83,3%)2 (16,7%) 12 (100,0%)Teoria e teóricos da Política 11 (100,0%) 11 (100,0%)Teoria e teóricos da Antropologia 8 (88,9%) 1 (11,1%)9 (100,0%)Estudos Indígenas 7 (29,2%)17 (70,8%)24 (100,0%)Estudos da Religião e das Igrejas 1 (3,8%)10 (38,5%)15 (57,7%)26 (100,0%)Estudos de Gênero 1 (5,3%)6 (31,6%)12 (63,2%)19 (100,0%)Estudos Raciais 3 (50,0%)3 (50,0%)6 (100,0%)Estudos Urbanos (exceto mov. sociais) 7 (70,0%)3 (30,0%)10 (100,0%)Estudos Agrários 2 (8,3%)11 (45,8%)11 (45,8%)24 (100,0%)Movimentos Sociais (exceto mov. operário) 1 (11,1%)1 (11,1%)7 (77,8%)9 (100,0%)Educação (exceto políticas públicas) 3 (60,0%)2 (40,0%)5 (100,0%)Sindicatos e Operários 13 (54,2%)11 (45,8%)24 (100,0%)Organização do Trabalho 1 (14,3%)4 (57,1%)2 (28,6%)7 (100,0%)Ciência 3 (30,0%)3 (30,0%)4 (40,0%)10 (100,0%)Cultura 1 (3,7%)18 (66,7%)8 (29,6%)27 (100,0%)Estrutura Social 2 (66,7%)1 (33,3%)3 (100,0%)Ciência Social 5 (71,4%)2 (28,6%)7 (100,0%)Corporações e Organizações Profissionais 7 (87,5%)1 (12,5%)8 (100,0%)Empresários e Elites Empresariais 4 (80,0%)1 (20,0%)5 (100,0%)Estigmas e Personagens Sociais 3 (20,0%)12 (80,0%)15 (100,0%)Meio Ambiente 1 (7,7%)8 (61,5%)4 (30,8%)13 (100,0%)Saúde (exceto políticas públicas) 5 (55,6%)4 (44,4%)9 (100,0%)Outras sociedades 16 (76,2%)5 (23,8%)21 (100,0%)Atitudes, Movimentos e Ideologias Políticas 2 (9,5%)14 (66,7%)5 (23,8%)21 (100,0%)Eleições e Partidos 5 (50,0%)5 (50,0%)10 (100,0%)Relações Internacionais 4 (100,0%) 4 (100,0%)Políticas Públicas 17 (85,0%)3 (15,0%)20 (100,0%)Estado e Instituições Governamentais 11 (84,6%)2 (15,4%)13 (100,0%)Processos de Evolução Política (exceto transição) 3 (21,4%)10 (71,4%)1 (7,1%)14 (100,0%)Transição 5 (83,3%)1 (16,7%)6 (100,0%)Pensamento Brasileiro 3 (20,0%)12 (80,0%) 15 (100,0%)Família e Instituições Sociais 1 (25,0%)3 (75,0%)4 (100,0%)Total 48 (11,7%)217 (52,8%)146 (35,5%)411 (100,0%)

Tabela 27

Objeto e Metodologia

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Mas é com o exame da distribuição dos temas segundo a área de conhecimento –– Tabela 28 –– que se pode notar uma tendência mais forte à concentração em torno de alguns objetos.

Objeto da teseSociologiaC. PolíticaAntropologiaArqueologiaTotalTeoria e teóricos da Sociologia 11 (5,4%) 1 (0,8%) 12 (2,9%)Teoria e teóricos da Política 10 (11,4%)1 (0,8%) 11 (2,7%)Teoria e teóricos da Antropologia 9 (7,6%) 9 (2,2%)Estudos Indígenas 24 (20,3%) 24 (5,8%)Estudos da Religião e das Igrejas 12 (5,9%)1 (1,1%)13 (11,0%) 26 (6,3%)Estudos de Gênero 8 (4,0%)2 (2,3%)9 (7,6%) 19 (4,6%)Estudos Raciais 1 (0,5%)1 (1,1%)4 (3,4%) 6 (1,5%)Estudos Urbanos (exceto mov. sociais) 8 (4,0%)1 (1,1%)1 (0,8%) 10 (2,4%)Estudos Agrários 14 (6,9%)1 (1,1%)9 (7,6%) 24 (5,8%)Movimentos Sociais (exceto mov. operário) 5 (2,5%) 4 (3,4%) 9 (2,2%)Educação (exceto políticas públicas) 3 (1,5%)1 (1,1%)1 (0,8%) 5 (1,2%)Sindicatos e Operários 18 (8,9%)4 (4,5%)2 (1,7%) 24 (5,8%)Organização do Trabalho 7 (3,5%) 7 (1,7%)Ciência 8 (4,0%)1 (1,1%)1 (0,8%) 10 (2,4%)Cultura 14 (6,9%)1 (1,1%)12 (10,2%) 27 (6,6%)Estrutura Social 3 (1,5%) 3 (0,7%)Ciência Social 5 (2,5%) 2 (1,7%) 7 (1,7%)Corporações e Organizações Profissionais 6 (3,0%)1 (1,1%)1 (0,8%) 8 (1,9%)Empresários e Elites Empresariais 2 (1,0%)3 (3,4%) 5 (1,2%)Estigmas e Personagens Sociais 11 (5,4%) 4 (3,4%) 15 (3,6%)Meio Ambiente 9 (4,5%)4 (4,5%) 13 (3,2%)Saúde (exceto políticas públicas) 4 (2,0%)2 (2,3%)3 (2,5%) 9 (2,2%)Outras sociedades 5 (2,5%)6 (6,8%)7 (5,9%)3 (100,0%)21 (5,1%)Atitudes, Movimentos e Ideologias Políticas 10 (5,0%)8 (9,1%)3 (2,5%) 21 (5,1%)Eleições e Partidos 2 (1,0%)8 (9,1%) 10 (2,4%)Relações Internacionais 3 (1,5%)1 (1,1%) 4 (1,0%)Políticas Públicas 9 (4,5%)11 (12,5%) 20 (4,9%)Estado e Instituições Governamentais 4 (2,0%)8 (9,1%)1 (0,8%) 13 (3,2%)Processos de Evolução Política (exceto transição) 7 (3,5%)7 (8,0%) 14 (3,4%)Transição 2 (1,0%)4 (4,5%) 6 (1,5%)Pensamento Brasileiro 7 (3,5%)2 (2,3%)6 (5,1%) 15 (3,6%)Família e Instituições Sociais 4 (2,0%) 4 (1,0%)Total 202 (100,0%)88 (100,0%)118 (100,0%)3 (100,0%)411 (100,0%)

Tabela 28

Objeto e Área de Conhecimento

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Assim, em antropologia, seis objetos de estudo reúnem 64,3% das teses. São eles: "estudos indígenas" (24 teses), "estudos da religião e das igrejas" (treze), "cultura" (doze), "estudos de gênero" (nove), "estudos agrários" (nove), "teoria e teóricos da antropologia" (nove). Na ciência política, predominam as teses sobre "políticas públicas" (onze), "teoria e teóricos da política" (dez), "eleições e partidos" (oito), "atitudes, movimentos e ideologias políticas" (oito), "Estado e instituições governamentais" (oito) –– conjunto que reúne 51,2% das teses da área. Por fim, em sociologia, área do conhecimento que apresenta uma distribuição mais diversificada entre as categorias temáticas, oito objetos de estudo reúnem 48,9% das teses: "sindicatos e operários" (dezoito), "estudos agrários" (quatorze), "cultura" (quatorze), "estudos da religião e das igrejas" (doze), "teoria e teóricos da sociologia" (onze), "estigma e personagens sociais" (rubrica que reúne onze teses e, surpreendentemente, tem maior presença aqui do que na antropologia), "atitudes, movimentos e ideologias políticas" (dez), "políticas públicas" (nove).

Um outro aspecto que se pode depreender dos dados dispostos na Tabela 28 é o de que as fronteiras disciplinares da sociologia com a ciência política e com a antropologia, quando se leva em conta a produção do conjunto das teses de ciências sociais, são relativamente imprecisas, identificando-se objetos de estudo compartilhados por mais de uma disciplina, a exemplo de "estudos da religião e das igrejas" e "políticas públicas", dentre outros. Contrariamente, as fronteiras entre a ciência política e a antropologia são bastante demarcadas. Assim, a sociologia brasileira estaria confirmando uma vocação que, segundo a literatura, a particulariza em face das demais áreas de conhecimento, constituindo-se em um campo disciplinar dotado de ampla capacidade de interlocução com outras áreas (Calhoun, 1992:137).

Ainda com base na Tabela 28, uma sugestão interessante a se perseguir é a da participação percentual das áreas de conhecimento na configuração de uma perspectiva mais identificada com a moderna vida brasileira, ou, alternativamente, no tratamento do chamado "Brasil profundo", entendendo-se por isto os aspectos e os personagens, contemporâneos ou não, marginalizados pelo processo de modernização do país, bem como seus valores, seus modos de vida e sua sociabilidade1515. Para a delimitação dessas perspectivas, foram utilizadas as palavras-chave produzidas com base nos resumos ou índices das teses. ABSTRACTPhDs and Dissertations in the Social Sciences . Os dois tempos presentes na nossa sociedade encontram-se representados na produção das ciências sociais e, dessa forma, as vertentes sociológicas clássicas da sociedade e da comunidade, com as contradições que se manifestam entre elas, são fontes vigorosas que informam a produção social brasileira. Mas a tensa dialética entre o moderno e o atraso, a se tomar as teses de doutorado como um indicador, encontra a sua expressão de forma especializada, por área. Assim é que o "Brasil profundo" não participa da ciência política, apenas residualmente da sociologia, tendo uma incidência bem mais significativa na antropologia. De fato, das 35 teses classificadas nessa categoria (Tabela 29), 22 são de antropologia (62,8%).

Categorias AntropologiaSociologiaCiência PolíticaTotalBrasil profundo 2212135Brasil moderno 5417371298Total 7618572333

Tabela 29

Distribuição das Teses por Área do Conhecimento e

Duas Grandes Categorias Temáticas

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Obs.: Uma tese não foi classificada por ausência de informação disponível.

Nesse sentido, pode-se dizer que as duas primeiras áreas de conhecimento identificam o drama da construção democrática brasileira nos seres da sua modernidade, enquanto a antropologia, diante desse mesmo drama, se bem que acompanhe a orientação majoritária das duas outras, é a área que mais se sensibiliza com o peso e a importância do que há de retardatário em nossa sociedade, muito especialmente os personagens da vida rural. A Tabela 29, construída a partir de palavras-chave, fornece algumas evidências nessa direção. Cabe ressaltar que, nela, não foram incluídas as teses sobre "estudos indígenas" e sobre "outras sociedades", ambas estranhas a essa tipificação, o mesmo ocorrendo com as teses teóricas.

2.4 Alguns Programas Selecionados e suas Teses

Para uma análise mais detalhada da produção dos programas de doutorado, foram selecionados os quatro de maior produção, representativos das três áreas de conhecimento: em ciência política, o do Iuperj; em sociologia, o da USP; em antropologia, o do Museu Nacional e o da USP, por apresentarem, ambos, um número de teses próximo e elevado. Ao lado disso, nas instituições onde estão inscritos esses programas de maior produção, optou-se pelo exame dos programas das outras áreas de conhecimento. Assim, incorporaram-se à análise o doutorado de sociologia do Iuperj e o doutorado de ciência política da USP, com a óbvia finalidade de produzir-se uma percepção comparada entre eles.

Examinando-se o perfil da metodologia utilizada nas teses de ciência política do Iuperj (Tabela 30), nota-se que 76,7% delas ou são baseadas em fontes secundárias ou em fontes documentais. É significativo o conjunto que recorre à perspectiva histórica (39,5% do total). Há, ainda, 18,6% das teses voltadas para discussões teóricas mais gerais ou referidas à tradição disciplinar. As teses elaboradas segundo uma abordagem "empírica não documental" representam 23,2% do total ¾ a menor participação desta categoria nos programas aqui analisados ¾ , cabendo salientar que apenas 11,6% das teses valeram-se do recurso a metodologias quantitativas. Embora de modo mais atenuado, a sociologia do Iuperj acompanha esse perfil: 63,4% das teses defendidas nesse programa se baseiam em fontes secundárias ou documentais.

ClassificaçãoMetodologiaIuperj SociologiaIuperj PolíticaUSP SociologiaUSP PolíticaM. Nacional AntropologiaUSP AntropologiaEstudos baseados em fontes secundárias Teoria Social2 (6,7%)4 (9,3%) 1 (2,3%) Metodologia 1 (1,1%) Tradição disciplinar 4 (9,3%)10 (11,5%)1 (5,9%)2 (4,7%)3 (7,3%)Interpreta- ções do Brasil 1 (2,3%)1 (1,1%) 1 (2,3%) Subtotal2 (6,7%)9 (20,9%)12 (13,7%)1 (5,9%)4 (9,3%)3 (7,3%)Estudos empíricos baseados predominan- temente em fontes documentais Pesquisas históricas não quantitativas6 (20,0%)11 (25,6%)22 (25,3%)6 (35,5%)12 (27,9%)9 (22,0%)Pesquisas históricas quantitativas 1 (2,3%) 1 (5,9%) Pesquisas contemporâ- neas com abordagem histórica6 (20,0%)5 (11,6%)12(13,8%)4 (23,5%)2 (4,7%)1 (2,4%)Pesquisas contemporâ- neas5 (16,7%)4 (9,3%)13 (14,9%) 1 (2,3%) Estudos comparados 3 (7,0%) 1 (2,4%)Subtotal17 (56,7%)24 (55,8%)47 (54,0%)11 (64,9%)15 (34,9%)11 (26,8%)Estudos empíricos baseados predominan- temente em fontes não documentais Etnografias1 (3,3%) 9 (10,3%)1 (5,9%)14 (32,6%)19 (46,3%)Relatos de vida e história oral2 (6,7%) 5 (5,7%) 2 (4,7%)1 (2,4%)Outras metodologias qualitativas5 (16,7%)4 (9,3%)14 (16,1%)2 (11,8%)8 (18,6%)7 (17,1%)Metodologias quantitativas2 (6,7%)5 (11,6%) 2 (11,8%) Estudos comparados1 3,3%1 2,3% Subtotal11 (36,7%)10 (23,2%)28 (32,1%)5 (29,5%)24 (55,9%)27 (65,8%)Total30 (100,0%)43 (100,0%)87 (100,0%)17 (100,0%)43 (100,0%)41 (100,0%)

Tabela 30

Distribuição das Teses de Seis Programas de Doutorado segundo a Metodologia

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

No caso da sociologia da USP, também predominam as teses baseadas em fontes secundárias e documentais (67,7%), e, quanto às teses que utilizaram uma abordagem "empírica não documental", é de se notar que nenhuma, entre as pesquisadas, recorreu a metodologias quantitativas. A exemplo do que ocorre no Iuperj, a ciência política da USP também apresenta um percentual de teses baseadas em fontes secundárias e documentais mais elevado do que o programa de sociologia ¾ chegando a 70,8% do total ¾ , o que permite concluir que, em ambas as instituições, as teses de doutorado de sociologia recorrem um pouco mais a pesquisas empíricas do que as teses de ciência política.

Ainda comparando os programas de sociologia e de ciência política da USP com os do Iuperj, vale salientar que, entre as teses desses programas, prevalece a perspectiva histórica: no Iuperj, 39,5% na ciência política e 40% na sociologia; na USP, 39,1% na sociologia, e um elevado percentual de 64,9% na ciência política.

Quanto à antropologia, os programas do Museu Nacional e da USP apresentam teses com um perfil metodológico bastante assemelhado –– em ambos os casos o recurso à "abordagem empírica não documental" é majoritário, respectivamente 55,9% e 65,8%, o que não exclui a significativa presença da história nas teses defendidas nesses programas, em especial no Museu, com 32,6%, contra 24,4% na USP. A linha de produção em teoria praticamente inexiste –– apenas uma tese foi classificada nessa rubrica.

A Tabela 31 refere-se à distribuição dos objetos de tese pelos seis programas mencionados.

Objeto da tese Iuperj SociologiaIuperj PolíticaUSP SociologiaUSP PolíticaM. Nacional AntropologiaUSP AntropologiaTeoria e teóricos da Sociologia 2 (6,7%) 5 (5,7%) Teoria e teóricos da Política 8 (18,6%) 1 (2,3%) Teoria e teóricos da Antropologia 1 (1,1%) 2 (4,7%)2 (4,9%)Estudos Indígenas 8 (18,6%)10 (24,4%)Estudos da Religião e das Igrejas 1 (3,3%)1 (2,3%)4 (4,6%) 5 (11,6%)6 (14,6%)Estudos de Gênero 3 (10,0%) 3 (3,4%)2 (11,8%)4 (9,3%)3 (7,3%)Estudos Raciais 1 (3,3%)1 (2,3%) 2 (4,7%)1 (2,4%)Estudos Urbanos (exceto mov. sociais) 1 (3,3%) 2 (2,3%) Estudos Agrários 1 (2,3%)3 (3,4%) 2 (4,7%)4 (9,8%)Movimentos Sociais (exceto mov. operário) 1 (3,3%) 4 (4,6%) 1 (2,3%)1 (2,4%)Educação (exceto políticas públicas) 1 (3,3%) 1 (5,9%) 1 (2,4%)Sindicatos e Operários 2 (6,7%)1 (2,3%)12 (13,8%)1 (5,9%)2 (4,7%) Organização do Trabalho 5 (5,7%) Ciência 2 (6,7%) 3 (3,4%)1 (5,9%) 1 (2,4%)Cultura 2 (6,7%) 5 (5,7%)1 (5,9%)5 (11,6%)1 (2,4%)Estrutura Social 1 (3,3%) 1 (1,1%) Ciência Social 1 (3,3%) 1 (1,1%) Corporações e Org. Profissionais 2 (6,7%) 1 (2,3%) Empresários e Elites Empresariais 3 (7,0%)2 (2,3%) Estigmas e Personagens Sociais 2 (6,7%) 5 (5,7%) 3 (7,3%)Meio Ambiente 3 (7,0%)5 (5,7%) Saúde (exceto políticas públicas) 1 (2,3%)2 (2,3%) 2 (4,7%) Outras sociedades 4 (9,3%)3 (3,4%) 2 (4,7%)6 (14,6%)Atitudes, Movimentos e Ideol. Políticas 1 (3,3%)1 (2,3%)4 (4,6%)4 (23,5%)2 (4,7%)1 (2,4%)Eleições e Partidos 6 (14,0%) 1 (5,9%) Relações Internacionais 2 (2,3%)1 (5,9%) Políticas Públicas 1 (3,3%)5 (11,6%)4 (4,6%)2 (11,8%) Estado e Instituições Governamentais 2 (4,7%)1 (1,1%)2 (11,8%)1 (2,3%) Processos de Evol. Política (exceto transição) 1 (3,3%)1 (2,3%)3 (3,4%)1 (5,9%) Transição 3 (7,0%)2 (2,3%) Pensamento Brasileiro 4 (13,3%)2 (4,7%)2 (2,3%) 3 (7,0%)1 (2,4%)Família e Instituições Sociais 1 (3,3%) 3 (3,4%) Total 30 (100,0%)43 (100,0%)87 (100,0%)17 (100,0%)43 (100,0%)41 (100,0%)

Tabela 31

Distribuição das Teses de Seis Programas de Doutorado segundo o Objeto

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Do ponto de vista dos objetos eleitos pelos doutorandos, nota-se que a ciência política do Iuperj, além de replicar a fragmentação temática observada no conjunto da produção das ciências sociais, manifesta uma clara valorização dos temas da tradição disciplinar (18,6%), das "políticas públicas" (11,6%), e daqueles incluídos na rubrica "eleições e partidos" (14%), sendo que é nesta última que se encontram os trabalhos de orientação metodológica quantitativa. Importa considerar que essa preferência temática configura uma ciência política aplicada aos temas da institucionalização da democracia, quer pelo ângulo da competição política, quer pelo da agenda social do Estado, sendo, de outro lado, indiferente aos temas do "Brasil profundo" e aos da política no campo da sociabilidade –– tais como as análises relativas às associações de interesses e às formas não institucionais de organização, dentre outras. Ressalte-se, neste caso, que há apenas uma tese classificada na categoria "atitudes, movimentos e ideologias políticas".

Os temas da sociologia do Iuperj diferenciam-se fortemente daqueles da ciência política –– dos 32 arrolados, somente sete são comuns a ambos os programas. Entre a sociologia e a ciência política da USP, são nove os temas em comum. Ademais, se contarmos as teses de ciência política da USP, cujos temas também poderiam ser compreendidos na área de sociologia, tais como "atitudes, movimentos e ideologias políticas" (quatro teses), "políticas públicas" (duas teses), "estudos de gênero" (duas teses) e "cultura" (uma tese), ter-se-ia mais de 50% das teses desse programa. Para efeito de comparação, importa notar que esses mesmos temas, no Iuperj, limitam-se a 13,9%, sugerindo a existência de uma afinidade temática entre a sociologia e a ciência política da USP, cujas teses têm revelado essa preferência em fundar o seu objeto a partir do ângulo da sociabilidade, diferenciando-se, pois, da ciência política do Iuperj, cujos estudos empíricos estão principalmente orientados para a análise institucional e dos procedimentos formalizados na competição política. Tal diferença, sem dúvida, não é fortuita, sendo reveladora das matrizes teóricas que presidiram a criação dos dois programas –– em São Paulo, a da "escola paulista de sociologia", tendo à frente a obra de Florestan Fernandes, e, no Rio, a da ciência política norte-americana, em cujas instituições se formou a quase totalidade dos fundadores do programa do Iuperj.

A sociologia da USP, por seu turno, confirma a percepção já mencionada de intensa fragmentação temática. Corrobora, além disso, a idéia de que o seu ângulo particular de interpretação do país se vincula aos seres da modernidade. Assim, "sindicatos e operários" constituem uma importante área de concentração com 13,8% das teses que, somados ao percentual de 5,7% relativo à categoria "organização do trabalho" e aos 2,3% de "empresários e elites empresariais", totalizam 21,8% do total das teses, representando esta coleção, em termos de concentração temática, uma importância para a sociologia da USP análoga a de "políticas públicas" e "partidos e eleições" para a ciência política do Iuperj, e a de "estudos indígenas" e de "religião", no âmbito da antropologia. Aqueles mesmos temas, no programa de sociologia do Iuperj, representam apenas 6,7% do total.

A diferença entre os dois programas de sociologia pode, ainda, ser melhor percebida a partir do ângulo de concentração temática do Iuperj, que se define em torno das categorias "pensamento brasileiro" (13,3%), "estudos de gênero" (10,0%), "cultura" (6,7%) e "estigmas e personagens sociais" (6,7%), uma agenda extremamente afim à da antropologia social, chegando a 36,7% do total de suas teses, contra apenas 17,1% das de sociologia da USP. Pode-se sustentar, pois, da perspectiva dos temas mais freqüentados, a natureza distinta desses dois programas, embora em ambos se possa constatar uma fraca representação de objetos tradicionais da disciplina, tais como "estudos urbanos", "movimentos sociais", "estrutura social", "família e instituições sociais", "estudos raciais" e "estudos agrários", que comparecem apenas com 14,8% das teses do programa da USP e com 16,5% das teses do Iuperj. A Tabela 32 ilustra o argumento.

Objetos Sociologia/USPSociologia/IuperjEstudos Urbanos 2,33,3Movimentos Sociais 4,63,3Estrutura Social 1,13,3Família e Instituições Sociais 3,43,3Estudos Raciais 3,3Estudos Agrários 3,4 Total 14,816,5

Tabela 32

Teses em Sociologia segundo Linhas Clássicas de Pesquisa (%)

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa Cientistas Sociais e Vida Pública.

Provavelmente, o motivo da escassa participação desses temas clássicos da investigação sociológica, especialmente em uma sociedade em permanente processo de mudança, não se deve à ausência de interesse dos doutorandos. Apontou-se, anteriormente, que as teses são majoritariamente baseadas em fontes secundárias e documentais, orientação, em geral, incompatível com o tipo de pesquisa demandado por esses temas. Incluí-los de modo significativo na agenda da pesquisa social brasileira ¾ e as teses de doutorado são um indiscutível indicador de suas tendências ¾ , importa, decerto, uma orientação que privilegie a criação de condições favoráveis à pesquisa empírica e a ida ao campo, assim como o treinamento de seus novos profissionais em procedimentos que lhe facultem essa alternativa de trabalho.

A agenda da antropologia, como já se fez alusão, é a mais equilibrada no que se refere às dimensões do atraso e do moderno, presentes no processo de modernização brasileira. A antropologia do Museu Nacional apresenta uma forte adesão aos temas substantivos clássicos da disciplina: "estudos indígenas" (18,6%), "estudos da religião e das igrejas" (11,6%), "cultura" (11,6%) e "estudos de gênero" (9,3%). Tanto o programa do Museu quanto o da USP, no período aqui analisado, concentram mais de 30% de suas teses de doutoramento entre "estudos indígenas" e "estudos da religião e das igrejas" (30,2% no Rio e 39,0% em São Paulo). Constatação inesperada resulta do fato de que, somadas, as rubricas "estudos urbanos" (nenhuma tese no Museu e na USP), "movimentos sociais" (2,3% no Museu e 2,4% na USP) e "estigmas e personagens sociais" (nenhuma no Museu e 7,3% na USP), não alcançam 10% do total das teses em nenhuma das duas instituições. Chama a atenção, ainda, o fato de que duas linhas de pesquisa tradicionalmente consolidadas –– no Museu, "estudos agrários" (duas teses, 4,7%), e na USP, "movimentos sociais" (uma tese, 2,4%) –– tenham declinado fortemente a sua representação, ao menos do ponto de vista das teses elaboradas nessas instituições.

Quanto a isso, importa considerar que, tomando como base as teses produzidas entre 1992-1993 e analisadas em Quem Explica o Brasil (Melo, 1997), havia, na antropologia da USP, uma área de estudos urbanos institucionalizada, tendo como autoras de referência Eunice Durham e Ruth Cardoso, que se constituía em uma espécie de elo de comunicação entre a antropologia e a sociologia da USP –– o qual, a julgar pelas teses de doutorado defendidas posteriormente teria sido desfeito. Ainda segundo Melo (idem), a área de "estudos agrários" da USP contava com uma participação importante de autores originários do Museu Nacional, que por essa via era mantida em comunicação com a sociologia agrária da USP –– o que também parece ter sido erodido nos últimos anos. Hoje, a área de "estudos agrários" tem representação significativa no programa de antropologia da USP, deslocando o predomínio do Museu no tratamento do tema. Já na categoria "cultura", o Museu registra 11,6% das teses contra apenas 2,4% na USP.

A título de conclusão, considere-se que a análise apresentada nesta segunda parte não tem por objeto a produção da área de ciências sociais, mas a das teses de doutorado defendidas entre 1990 e 1997, embora se possa entender que estas últimas consistam em um indicador confiável do estado das artes da primeira. O diagnóstico daí resultante não deixa de ser animador. Praticamente todas as áreas sensíveis da nossa ordem social e política –– quer as referidas aos seres diretamente envolvidos com o processo da modernização, quer aqueles que ainda se encontram marginalizados –– têm sido estudadas pelas novas gerações de doutores. Tais doutores, formarão doutores; e é de se supor que a orientação presente em suas teses seja transferida para aqueles que já estejam ou venham a ser orientados por eles na produção de novas teses de doutorado.

De outro lado, também é animador perceber que o caminho da especialização não tem importado, como se verifica com a observação cotidiana da mídia, uma recusa à participação no debate público. A nota inquietante vem de uma observação paradoxal –– uma ciência que tem sabido se tornar tão exposta à opinião pública, vem manifestando, malgrado isso, frágeis relações com as agências da administração pública e com as organizações de mercado. A vocação de expansão que essa atividade científica tem demonstrado –– e que se expressará, dentro em pouco, na formação de 150 doutores ao ano –– somente fará algum sentido se a Universidade, efetivamente, conseguir estabelecer vínculos orgânicos com a Cidade, e assim recusar a melancólica alternativa de girar em torno de si mesma.

(Recebido para publicação em agosto de 1998)

NOTAS:

Because the social science narrative has been extremely important in efforts to account for the process of Brazilian modernization, the study of social scientists themselves has become strategic to understanding Brazilian society’s representation of self. This article examines graduate work in the social sciences, graduate students themselves, and their theses and dissertations. Research has been based on a survey conducted among candidates for master’s degrees and doctorates, as well as on an analysis of doctoral dissertations defended between 1990 and 1997. The study reveals a discipline that is undergoing transformation a product of the process of democratization which its members has undergone and of the internalization of new parameters guiding cognitive production. While this may have implied a loss in the field’s capacity to generalize, it has gained in capillarity, in plurality, and in capacity to understand. This study also pinpoints the limits of the discipline, determined by an institutional situation where greater exchange with the members of society is still missing.

Keywords: social sciences; university; intellectuals; scientific production

RÉSUMÉ

Docteurs et Thèses de Doctorat en Sciences Sociales

Le style des écrits en sciences sociales ayant une grande importance pour expliquer le processus de modernisation au Brésil, l’étude sur les chercheurs dans ce domaine devient une tâche déterminante dans la compréhension de la représentation sur elle-même que la société brésilienne s’est construit. Dans cet article on examine les cours de pós-graduação en Sciences Sociales, leurs étudiants et leurs thèses. La recherche a considéré, d’un côté, un survey effectué auprès des étudiants en DEA et en doctorat, et, de l’autre, les thèses de doctorat soutenues entre 1990 et 1997. Les résultats révèlent un domaine de connaissances en transformation, résultant du processus de démocratisation de ses effectifs et d’assimilation de nouveaux paramètres vers la production cognitive; si celle-ci est en train de perdre sa capacité de généralisation, par ailleurs elle gagne en finesse d’analyse, en diversité et en aptitude de compréhension. La recherche montre aussi les limites de ce domaine, fixées par une situation institutionnelle qui souffre encore du manque de dialogue avec la société en général.

Mots-clé: sciences sociales; université; intellectuels; production scientifique

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  • *
    Os autores agradecem à Financiadora de Estudos e Projetos ¾ Finep e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ¾ CNPq, que deram suporte efetivo à realização dessa pesquisa. Agradecem, também, a Renato Lessa, Cesar Guimarães, Maria Regina Soares de Lima e Carlos Hasenbalg, membros da atual diretoria do Iuperj, cujo decisivo apoio institucional viabilizou a investigação ora relatada.
  • 1
    . "Cientistas Sociais e Vida Pública..." foi publicado em número especial da revista
    Dados (vol. 27, nº 3), em 1997; "As Ciências Sociais no Brasil..." foi publicado no
    Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais ¾ BIB, nº 40, 2º semestre de 1995.
  • 2
    . Na época da pesquisa, não se encontravam em funcionamento os programas de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ¾ UERJ e da Universidade Federal Fluminense ¾ UFF, no Rio de Janeiro.
  • 3
    . Para uma breve história dessas agências e das suas políticas de organização da atividade científica no Brasil, cf. Burgos (1997).
  • 4
    . Simon Schwartzman, em uma pesquisa sobre os egressos do curso de ciências sociais da USP, entre 1980 e 1991, e sobre os que ingressaram naquele mesmo curso, em 1991, encontrou para essas duas coleções os percentuais de 44,9% e de 40% de estudantes filhos de pai com curso superior completo, respectivamente. Comparando os dados relativos aos egressos com os relativos aos que ingressaram, Schwartzman (1992:3) conclui pelo favorecimento dos setores sociais altos no curso de graduação. Esta conclusão não coincide com a que se encontra na pesquisa "Cientistas Sociais e Vida Pública. O Estudante de Graduação", o que se explica pelo fato de os dados analisados por Schwartzman não permitirem perceber que são os estudantes dos setores sociais altos que abandonam o curso, sem concluí-lo. Sobre isso, os dados indicam que os filhos de profissionais com curso superior correspondem a 41,8% na primeira série –– índice que replica os obtidos por Schwartzman para os ingressos (40%) ––, decaindo, entretanto, na quarta série do curso, para 23,4% (Werneck Vianna, Carvalho e Melo, 1994).
  • 5
    . Sobre o processo de democratização do acesso ao ensino superior, cf. Durham (1993), e também Werneck Vianna, Carvalho e Melo (1994).
  • 6
    . Sobre o tema, cf. Werneck Vianna, Carvalho e Melo (1995:49).
  • 7
    . Analisando os dados obtidos para o vestibular de 1994, na UFRJ, constatou-se que a quase totalidade dos candidatos aprovados em ciências sociais não teria condições de ingresso em cursos mais disputados: apenas nove classificados para o curso de ciências sociais, em um total de 119 selecionados após a sexta reclassificação, alcançaram trinta ou mais pontos no concurso (pontuação que corresponde, aproximadamente, ao mínimo exigido para o ingresso em comunicação social) (Werneck Vianna, Carvalho e Melo, 1994:412).
  • 8
    . Segundo o estudo de Hasenbalg e Silva (1992), realizado a partir dos dados do suplemento educacional da PNAD de 1982, para a coleção de jovens com idade entre 20 e 24 anos, enquanto 13,6% dos brancos tinham doze anos ou mais de estudo, este índice era de apenas 1,6% para os pretos e 2,8% para os pardos. Com base em tais números, e utilizando-se os dados de composição racial da população brasileira, pode-se estimar a proporção de brancos, pardos e pretos nessa coleção de jovens com doze ou mais anos de escolarização: 86,4%, 12,5% e 1,0%, respectivamente (
    idem:82).
  • 9
    . Estudando o perfil da clientela dos cursos da graduação e do doutorado em sociologia nos EUA, D'Antonio (1992) nota que, desde 1980, a maioria dos graduandos é composta de mulheres, sendo que, até 1977, esse contingente não passava de cerca de 30%. No doutorado, o índice da população feminina girou em torno dos 40%, nos anos 80, chegando a 53% dos ingressos em 1988 (
    idem:107).
  • 10
    . No trabalho das autoras, que tem como título "Sistematização da Produção da Pesquisa sobre o Urbano no Brasil", os critérios para classificação temática são bastante compreensivos, discrepando dos que foram utilizados aqui, uma vez que elas incluem obras de geógrafos, urbanistas, engenheiros e mais um conjunto de profissionais, cuja reflexão incide sobre diferentes aspectos da vida urbana brasileira. De qualquer modo, constata-se que a produção das ciências sociais sobre o tema é bastante superior à verificada em nossa pesquisa sobre as teses de doutorado defendidas entre 1990 e 1997.
  • 11
    . A formação de doutores na sociologia americana apresenta um índice bem menos concentrado, com não mais que 30% dos atuais doutores formados nos principais departamentos de sociologia do país. Ou seja, 70% dos doutores em sociologia nos EUA titularam-se em departamentos de menor prestígio acadêmico. Como sugerido anteriormente, essa é a tendência que parece vir a se afirmar nas próximas décadas no Brasil, com a difusão dos programas de doutorado nos diferentes estados da Federação (D'Antonio, 1992:132-133).
  • 12
    . Em trabalho anterior, já se prognosticava a titulação de 100 doutores em ciências sociais ao ano (Werneck Vianna, Carvalho e Melo, 1995). Tomando-se como referência o trabalho de Sérgio Rezende (1996:188), pode-se dizer que a titulação de doutores em ciências sociais se aproxima do padrão de titulação dos físicos no início da década de 90 –– próximo dos 100 doutores/ano.
  • 13
    . Outros critérios para a classificação das teses produzidas na última década vêm sendo propostos por diferentes autores. É o caso, por exemplo, de Colognese (1997), que se detém na classificação das teses e dissertações de mestrado em sociologia, defendidas entre meados de 1980 e meados de 1990, em quatro instituições: USP, Iuperj, UnB e UFRGS. O autor propõe-se a analisar as relações entre as dinâmicas institucionais daqueles programas de pós-graduação e o processo de elaboração de suas respectivas teses, concluindo pela existência de dois tipos polares de produção do conhecimento sociológico: o artesanal e o burocrático. No primeiro destacam-se as características da autonomia, da imaginação e da individuação do autor; no segundo, os ideais institucionais de racionalização, profissionalização e produtividade, exigentes, portanto, de uma forma de orientação mais impositiva e coletiva, nos moldes de um laboratório científico. Embora o critério classificatório de Colognese tenha o mérito de evidenciar uma tendência presente nos programas de pós-graduação em ciências sociais, sua análise não se detém na apreciação das teses propriamente ditas (
    idem:xi), do que resultam algumas discrepâncias
    vis-à-vis a nossa pesquisa. Assim, porquanto se possa considerar correta a identificação de uma tendência institucional à racionalização da produção do conhecimento sociológico no Iuperj, apenas para mencionar um caso referido pelo autor, não se pode desconhecer a vigência, ainda predominante, de procedimentos "autorais" na elaboração das teses daquela instituição, tal como se verá adiante.
  • 14
    . Os resumos ou índices das teses incluídos em nossa pesquisa foram alvo de um escrutínio com o objetivo de extrair-se um conjunto de palavras-chave que permitisse classificar os objetos de tese como pertencentes, ou não, à moderna agenda brasileira. Assim, por exemplo, na rubrica "
    estudos da religião e das igrejas", apenas as teses dedicadas às religiões pentecostais foram contabilizadas, excluindo-se aquelas dedicadas à análise de festas religiosas ou a temas afins.
  • 15. Para a delimitação dessas perspectivas, foram utilizadas as palavras-chave produzidas com base nos resumos ou índices das teses.
    ABSTRACT
    PhDs and Dissertations in the Social Sciences
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 1999
    • Data do Fascículo
      1998

    Histórico

    • Recebido
      Ago 1998
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