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Novas e Velhas Verdades sobre a Organização Legislativa e as Democracias

Ensaio Bibliográfico

Novas e Velhas Verdades sobre a Organização Legislativa e as Democracias

Fabiano Santos

DEERING, Christopher J. e SMITH, Steven S. (1997),

Committees in Congress (3ª ed.). Washington, D.C., Congressional Quarterly Inc. HALL, Richard. (1996),

Participation in Congress. New Haven, Yale University Press.

LONGLEY, Lawrence D. e DAVIDSON, Roger H. (eds.). (1998), The New Roles of Parliamentary Committees. London, Frank Cass.

Desde meados da década de 90, vem-se observando aumento significativo da produção na área de estudos legislativos no âmbito da comunidade de cientistas políticos brasileiros. Amortecida durante os anos 80, provavelmente dada a saliência de temas como redemocratização, escolha de sistemas de governo e eleitoral, a área volta à cena acadêmica com renovado vigor, impulsionada pela impressionante variedade e volume de abordagens encontrados na literatura internacional. É bem verdade que as propostas de reforma política em permanente tramitação no Congresso Nacional mantêm em alta temperatura o debate sobre o nosso regime de representação político-partidária e, ademais, continuam a estimular nos parlamentaristas uma espécie de nostalgia do não-havido. Não obstante, à medida que o tempo passa e a democracia se torna rotina, cada vez mais o Poder Legislativo, sua estrutura e decisões conquistam o interesse de analistas profissionais e curiosos amadores da política brasileira.

Entre os recortes possíveis de serem feitos na área de estudos legislativos, certamente, o tema da organização interna assume especial relevância. Em virtude do intenso debate sobre as modificações introduzidas no regimento interno do Congresso norte-americano e o formato institucional do Parlamento Europeu, multiplicam-se na literatura internacional análises de como diferentes arranjos "organizacionais" afetam a natureza e a qualidade das decisões aprovadas no interior dos órgãos legislativos, o que, em última instância, traz implicações para a própria qualidade da democracia.

O elemento básico de organização do Poder Legislativo é o sistema de comissões. Embora o Legislativo seja um órgão cujo processo decisório tenha por princípio normativo a regra de one man, one vote, a divisão de trabalho em comissões implica inevitavelmente a criação de grupos privilegiados. Qualquer organização, e a organização legislativa não é exceção, baseia-se na delegação de tarefas, o que termina por produzir assimetrias de poder e de informação entre o órgão delegante e o agente para quem foram transferidas prerrogativas decisórias. Contudo, a extensão do poder conferido às comissões, bem como o impacto deste no conteúdo das políticas públicas produzidas pelo Legislativo são questões empíricas, variando necessariamente de país para país, e no mesmo país ao longo do tempo.

É oportuno, portanto, comentar a respeito do que a literatura internacional vem produzindo sobre o tema, bem como explorar as possibilidades de adaptação crítica de suas premissas e resultados para o estudo do Poder Legislativo no Brasil contemporâneo. Nas linhas que se seguem, enfatizarei dois trabalhos que descrevem as atuais tendências de organização do Legislativo nos EUA e em alguns países da Europa e da Ásia. São eles: a terceira edição de Committees in Congress, de Christopher J. Deering e Steven S. Smith (1997), e The New Roles of Parliamentary Committees, editado por Lawrence D. Longley e Roger H. Davidson (1998).

Mas o Poder Legislativo é, antes de tudo, um corpo representativo. Estudar a organização legislativa significa essencialmente avaliar o desempenho do Congresso em sua capacidade representativa. A estrutura das comissões, suas prerrogativas e recursos definem taxas diferenciadas de participação no processo deliberativo congressual. O exame da composição das comissões e de seu perfil ideológico é apenas o começo, muito preliminar por sinal, da pesquisa sobre a organização legislativa. Tendo em vista explorar essa linha de raciocínio, comentarei a respeito das principais indagações e conclusões da obra Participation in Congress, de Richard Hall (1996).

A meu ver, o livro de Hall resgata as questões fundamentais da teoria democrática contemporânea no contexto de investigação da estrutura do Congresso norte-americano. A importância do trabalho e de sua proposta será realçada na medida em que ficar claro que a tendência predominante na literatura, a abordagem institucionalista em suas diversas ramificações, não enfatiza o fato simples e fundamental de ser o Legislativo um corpo representativo. Com isso, e esta talvez seja a principal contribuição deste ensaio bibliográfico, espero chamar a atenção dos estudiosos brasileiros para as implicações profundas dos estudos legislativos, seu real alcance heurístico, bem como suas possibilidades de análise normativa. Em outras palavras, os estudos legislativos podem e devem ir além de, simplesmente, repetir que a adoção de diferentes instituições possivelmente está associada a resultados políticos distintos. Devem, em suma, extrair da análise conseqüências para a qualidade da democracia que estamos aos poucos construindo.

TRANSFORMAÇÕES NO "MODELO NORTE-AMERICANO"

Desde o trabalho clássico de Mayhew (1974), grande parte dos estudos sobre o Poder Legislativo tem trabalhado com a noção de que existiria um trade-off entre o peso relativo dos partidos políticos e o do sistema de comissões como princípio de estruturação do processo legislativo. Um sistema de comissões multiplica as arenas de decisão no interior do corpo representativo, o que amplia as oportunidades de participação autônoma dos legisladores na produção de políticas públicas. A existência de um sistema partidário forte, de outra parte, significa que o processo decisório é controlado por número reduzido de atores, os líderes, que extraem de sua base adesão incondicional às proposições sancionadas pelo partido em plenário.

O primeiro tipo de organização é geralmente identificado como "o modelo norte-americano": partidos relativamente pouco coesos e disciplinados convivem com um sistema de comissões extremamente complexo e ativo. As comissões seriam ocupadas por especialistas no tema sob sua jurisdição e possuiriam gatekeeping powers sobre os projetos que por lá tramitam. O segundo tipo, chamado de "modelo europeu", expressaria características opostas: partidos coesos e disciplinados convivendo com um sistema de comissões pouco desenvolvido e especializado. Nesse contexto, os projetos atingiriam o estágio "comissional" com seu mérito já aprovado pelo plenário, o qual é controlado pelas lideranças e presidência da Casa.

A verdade, todavia, é que desenvolvimentos recentes na estrutura dos parlamentos de países europeus, assim como análises sobre a House norte-americana, têm mostrado que a dicotomia entre "modelos" baseados em comissões e "modelos" assentados sobre os partidos expressa, na verdade, forte simplificação. Essa talvez seja a principal contribuição de dois livros recentes: de Deering e Smith (1997) e Longley e Davidson (1998).

Para os estudiosos e iniciantes na área de estudos legislativos, por exemplo, é fundamental consultar Committees in Congress, de Deering e Smith. O livro já está em sua terceira edição revista e pode ser considerado a mais completa análise da estrutura do sistema de comissões do Congresso norte-americano. Dividido em cinco capítulos, ali se encontram discussões sobre temas tão variados quanto evolução e mudanças nas comissões, objetivos e indicação de seus membros, papel das lideranças, das subcomissões e da assessoria e, talvez o mais importante, as comissões no atual Congresso republicano. Os autores partem da já famosa tríade de abordagens: distributiva, partidária e da informação. Como já é sabido, a primeira trabalha com a noção de que as comissões são arenas que permitem aos deputados capturarem "ganhos da troca política". Seus membros são agentes maximizadores de suas possibilidades de reeleição, e isto implica lutar para distribuir recursos públicos em benefício de sua base eleitoral. As comissões seriam assim uma espécie de núcleo cooperativo que garante a estabilidade das trocas legislativas.

A segunda abordagem, a partidária, afirma que as comissões são estruturadas para fazer valer os objetivos políticos do partido majoritário na Casa, isto é, as comissões seriam agentes dos partidos. E, finalmente, segundo a perspectiva da informação, as comissões seriam agentes da Casa como um todo, ao permitir que a maioria capture "ganhos da especialização". Os representantes são agentes que vivem sob constante incerteza sobre a qualidade das políticas públicas produzidas. O aumento do "valor informativo" das proposições advindas das comissões permite, em bases mais realistas, que tais representantes tomem suas decisões de apoio ou repúdio às diversas proposições tendo em vista os reais efeitos das políticas propostas.

Os autores parecem admitir que cada uma dessas perspectivas se aproxima mais ou menos da "verdade" sobre a organização do Congresso americano, dependendo da conjuntura política e do momento histórico vivido pela instituição. Isto fica claro nas três principais proposições adotadas por Deering e Smith:

  1. "quanto maior a agenda, maior a divisibilidade dos temas, maior a freqüência com que tais temas retornam à cena pública, e menor a saliência destes, mais o Congresso recorre às comissões e menos apela aos partidos e à Casa dos Representantes para tomar suas decisões" (:5);

  2. "se o partido majoritário for altamente coeso em relação aos temas, e a maioria destes são salientes, então este partido encontrará condições para impor sua agenda e um sistema de comissões dominado pelos partidos deve prevalecer" (:6);

  3. "quando o partido majoritário não é coeso, e os temas são salientes, um sistema de comissões dominado pela Casa dos Representantes deve prevalecer" (:6).

Em outra passagem, Deering e Smith (:53) parecem admitir que a história do moderno Congresso americano "reflete as idas e vindas da disputa pelo poder entre partidos e comissões". Em outras palavras, o que os autores estão afirmando é que a organização do Legislativo se encontra em permanente evolução, sendo esta marcada pelo predomínio ora dos líderes das comissões, ora do líder do partido majoritário, ora da maioria da Casa. Não custa mencionar que com isso, Deering e Smith acabam por admitir a validade da dicotomia clássica de Mayhew: quando os partidos predominam, as comissões se fragilizam e vice-versa.

Talvez por ratificar a visão predominante, a principal contribuição de Committees in Congress resida não em sua dimensão analítica, mas sim em sua dimensão histórico-descritiva. Nesse sentido, é relevante mencionar a atualização feita pelos autores no que afeta a atual estrutura da Casa dos Representantes, dominada, como se sabe, pelo Partido Republicano. Logo após a vitória de 1996, os líderes republicanos implementaram o chamado "contrato da América", um conjunto de medidas destinado a transformar o perfil do processo legislativo, considerado pelo partido vitorioso excessivamente leniente para com os interesses particulares encapsulados na estrutura das comissões permanentes. O conteúdo da reforma encontra-se exposto na página 48 do livro, mas sua essência pode ser resumida nos seguintes tópicos: limite de seis anos para o mandato de presidentes de comissões; oitos anos para a presidência da Casa; limitação de cinco subcomissões por comissão; voto de pianistas proibido nas comissões; interferência dos líderes partidários para a escolha da presidência das comissões. A conclusão do estudo não poderia ser outra senão a de que os partidos voltam a dominar a cena congressual americana.

VARIAÇÕES NO "MODELO EUROPEU"

Os analistas com vocação comparativa do sistema de comissões não podem prescindir da leitura do volume, The New Roles of Parliamentary Committees, editado por Longley e Davidson (1998). O livro possui onze capítulos: um introdutório; um panorâmico sobre as experiências dos países da Europa Ocidental; um sobre a Europa do Centro-Leste, e capítulos específicos sobre Noruega, Polônia, EUA, Inglaterra, Israel, Rússia e Coréia; e uma conclusão. Comentarei apenas um capítulo, deixando para a curiosidade dos leitores a tarefa de motivá-los a entrar em contato com o restante da obra.

O capítulo concernente às experiências dos parlamentos da Europa Ocidental, de autoria de Kaare Strom, é exemplar de como deve ser encaminhada a pesquisa comparada. Em primeiro lugar, é importante frisar que Strom trabalha apenas com países parlamentaristas, cuja característica essencial é a unificação em um mesmo ato das escolhas pelos eleitores dos componentes dos Poderes Executivo e Legislativo. É comum observarmos argumentos que defendem que tal fusão teria como conseqüência a perda de autonomia do Parlamento, uma vez que a agenda seria dominada pela chefia do governo, e o poder de fiscalização do Legislativo seria comprometido pelo interesse da maioria em manter no governo o partido ou coalizão. A principal implicação do argumento é que sistemas parlamentaristas, por conta de suas características estruturais, inibiriam o desenvolvimento do sistema de comissões.

Eis uma das grandes vantagens da boa análise comparativa: desfazer argumentos que derivam de reflexão impressionista. Strom mostra, dada a extrema variedade que caracteriza a organização legislativa dos parlamentos da Europa Ocidental, como é possível o desenvolvimento de um sistema de comissões ativo e fiscalizador no contexto de sistemas parlamentaristas. Os indicadores para medir a maior ou menor complexidade do sistema são: a) tipos predominantes de comissões (se permanentes ou especiais); b) número de comissões (quanto maior, maior é a capacidade operacional do sistema); c) tamanho das comissões (quanto menor, maior é a especialização); d) jurisdição e correspondência com a jurisdição dos ministérios (quanto mais bem definida e correspondente, mais desenvolvido é o sistema); e) restrições ao número de comissões permitido por membro do parlamento (quanto menor o número maior será a especialização do membro); e, finalmente, f) as subcomissões (quanto maior seu número, maior a diferenciação interna das comissões).

Strom também analisa os procedimentos e as prerrogativas decisórias das comissões nos mesmos países. Embora o artigo não busque testar as diferentes teorias sobre organização legislativa, a enorme variação encontrada permite concluir que ainda conhecemos muito pouco sobre a origem das instituições (instituições de equilíbrio), bem como sobre seus efeitos (equilíbrio institucional). A variável sistema de governo, por certo, explica muito pouco seja no que concerne às causas do maior ou menor desenvolvimento do sistema, seja sobre seus efeitos em termos decisórios.

COMISSÕES, ESPECIALIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO EM ÓRGÃOS REPRESENTATIVOS

A descentralização da atividade legislativa é usualmente associada a uma maior participação dos parlamentares nos processos deliberativo e decisório da instituição. O fortalecimento do sistema de comissões teria, segundo essa forma de raciocínio, a dupla capacidade de incentivar a aquisição pelos legisladores de especialização em determinados temas, ademais de fomentar uma participação mais efetiva do baixo clero nas decisões legislativas. Em outras palavras, os estudos legislativos têm cada vez mais assumido como verdade incontestável a hipótese de que o grau de participação legislativa é função da estrutura "organizacional" do órgão. Se este for dominado pelas comissões, então o grau de participação é alto; se os partidos dominam os trabalhos legislativos, então o absenteísmo passa a caracterizar o padrão de comportamento legislativo.

O livro de Richard Hall, Participation in Congress (1996), surge para desfazer associações precipitadas. Na melhor tradição de reflexão sobre a democracia política no mundo moderno, Hall evoca "gigantes" do pensamento político para fundamentar seu estudo sobre a organização do Congresso norte-americano. De Stuart Mill, lembra que o parlamento é um corpo representativo e, como tal, deve, por intermédio de seu processo deliberativo, suprir a ausência das diversas forças e grupos que compõem a associação política no momento em que se definem a agenda e decisões coletivas fundamentais. A assimetria de informações entre os membros do órgão implica a possibilidade de que decisões sejam tomadas sem que a maioria tenha a mais pálida noção de seu real impacto. Nesse sentido, a capacidade representativa do Parlamento é diluída pela presença dessa assimetria "informacional".

De Robert Dahl, Hall resgata a noção de intensidade de preferências. A capacidade representativa da democracia não é medida pelo grau com que as preferências reveladas são atendidas, mas sim pelas conseqüências políticas da revelação de intensidades. A participação dos representantes no processo deliberativo revela, muito mais do que preferências, quais os interesses efetivamente representados durante a atividade legislativa.

Investigar a organização do Poder Legislativo é tarefa central para a teoria democrática contemporânea. Representa muito mais do que o registro de preferências reveladas em votações nominais e indicações para as diversas comissões. Essa parece ser a discordância básica entre a perspectiva comportamental de Hall e as abordagens encontradas nos trabalhos de Deering e Smith (1997) e Longley e Davidson (1998). Nestes, a análise termina com o exame da extensão do poder de agenda das comissões e com a observação de como tal poder varia ao longo do tempo e em diversas experiências nacionais. Para Hall, esse é apenas o começo.

Sabe-se que o sistema de comissões nos EUA é o mais desenvolvido no mundo democrático. O que dizer da taxa de participação de seus membros? A teoria convencional pressupõe que o envolvimento do deputado americano no processo deliberativo há de ser relativamente alto. Certo? Errado. Hall mede o grau de participação dos membros de três comissões permanentes da Casa dos Representantes: a Comissão de Agricultura, a Comissão de Educação e Trabalho e a Comissão de Energia e Comércio, durante a legislatura de 1981/82 para os dois primeiros casos e 1983/84 para o terceiro. A taxa de presença durante as votações na Comissão de Agricultura foi de 45,2%; de 36,6% na de Educação e Trabalho; e de 45,1% na de Energia e Comércio. Apenas 18,5% dos membros da primeira ofereceram emendas aos projetos lá apreciados, sendo que esse percentual foi de 15,4% e 20,3%, respectivamente, para a segunda e a terceira comissões. Os debates foram freqüentados por 41,2%, 34,7% e 31,9% dos membros das três comissões, respectivamente.

O que esses números representam? Exatamente que especialização e participação são conceitos relacionados a fenômenos legislativos distintos em dimensões fundamentais. Especialização é uma atividade cujo objetivo é a aquisição de expertise. Descrever um membro como especializado em determinado tema, não explica, todavia, a alta taxa de variação no envolvimento de deputados nos diversos projetos que tramitam pela Casa. Participação, por sua feita, significa investir recursos escassos, como assessoria, tempo e dinheiro na tramitação de determinada proposição. Trata-se de uma espécie de empreendimento legislativo que somente pode ser explicado pela revelação de preferências intensas. Pertencer a determinadas comissões expressa um padrão de comportamento por demais agregado, acrescentando muito pouco ao que se sabe sobre a real atividade dos diversos representantes.

As implicações dessa disjuntiva participação/especialização são profundas no âmbito dos estudos legislativos. Tome-se o caso do trabalho de Deering e Smith (1997), por exemplo. As premissas de comportamento implícitas indicam a existência de uma hierarquia de objetivos. Reeleição, ideologia e visões do interesse público estariam sempre presentes enquanto motivações, a predominância de cada uma delas variando de forma estável e relativamente previsível, em geral de acordo com a comissão da qual faz parte o membro. A proposta de Hall, de forma alternativa, é que para o estudo das decisões legislativas o que interessa é a "relevância de cada tipo de interesse no cálculo do momento em que se age, o qual depende, por sua vez, do tema sob consideração" (:75). Em outras palavras, o efeito no comportamento legislativo de cada motivação em abstrato é contingente, depende do objetivo da ação legislativa, tal como subjetivamente percebido pelo ator. Os membros, em suma, não possuem mapas de motivações simples e aplicáveis genericamente; ao contrário, a definição de seus objetivos ocorre à medida que promovem escolhas concretas concernentes a temas específicos.

O objetivo do estudo de Hall, portanto, não poderia ser simplesmente detectar por que variam as preferências reveladas pelos legisladores. Outrossim, trata-se de investigar até que ponto as posições assumidas pelos membros que participam ativamente das decisões legislativas, e sabemos que esta participação varia, são representativas das posições da Casa como um todo. O resultado da pesquisa é desafiador. O consenso esperado de um órgão representativo, pelo menos até onde a moderna teoria democrática serve de referência, é tão raro quanto as figuras míticas da soberania popular e do contrato constitucional. Na grande maioria dos casos examinados, percebe-se a predominância de uma minoria engajada e uma maioria silenciosa e "racionalmente" ausente.

Investir recursos escassos na atividade legislativa é custoso, tão custoso que a maioria dos legisladores abre mão de uma participação efetiva nos projetos em tramitação em troca de uma superinfluência nos assuntos que lhe dizem respeito individual e intensamente. As assimetrias assim geradas acabam por produzir apenas um arremedo de órgão representativo, uma aproximação longínqua do sonho dourado de Stuart Mill, mais próximo das preocupações do jovem e insuperável Dahl do "Prefácio", e sua sombra das minorias intensas.

CONCLUSÃO

Os livros examinados indicam, cada um à sua maneira, a importância e prospectos para os estudiosos do Poder Legislativo. Com Deering e Smith (1997) aprendemos que a organização congressual é algo em permanente mutação, que sofre pressões contraditórias de interesses partidários e dos representantes tomados individualmente. Com Longley e Davidson (1998) entramos em contato com a incrível variedade de experiências nacionais. Assim como na área de estudos eleitorais e de sistemas de governo, percebe-se que a organização legislativa é questão delicada, cujo tratamento analítico e empírico deve estar assentado em forte "ancoragem" comparativa. Finalmente, com Hall (1996), resgatamos a rica tradição da moderna teoria democrática. Nos surpreendemos com as extraordinárias possibilidades conceituais e normativas oferecidas pela área de estudos legislativos. Melhor dizendo, pode-se concluir que muito ainda tem de ser feito também na dimensão conceitual.

Em resumo, os estudos legislativos são uma área de investigação que começa a retomar força na ciência política brasileira em um contexto de reflexão internacional extremamente rico. O convite está feito então para que continuemos a contribuir com estudos sobre o Brasil e em perspectiva comparada para o entendimento dessa instituição que se confunde com a própria essência da moderna democracia.

(Recebido para publicação em novembro de 1998)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEERING, Christopher J. e SMITH, Steven S. (1997), Committees in Congress (3ª ed.). Washington, D.C., Congressional Quarterly Inc.

HALL, Richard. (1996), Participation in Congress. New Haven, Yale University Press.

LONGLEY, Lawrence D. e DAVIDSON, Roger H. (eds.). (1998), The New Roles of Parliamentary Committees. London, Frank Cass.

MAYHEW, David. (1974), Congress: The Electoral Connection. New Haven, Yale University Press.

STROM, Kaare. (1998), "Parliamentary Committees in European Democracies", in L. D. Longley e R. H. Davidson (eds.), The New Roles of Parliamentary Committees. London, Frank Cass.

  • DEERING, Christopher J. e SMITH, Steven S. (1997), Committees in Congress (3Ş ed.). Washington, D.C., Congressional Quarterly Inc.
  • HALL, Richard. (1996), Participation in Congress New Haven, Yale University Press.
  • LONGLEY, Lawrence D. e DAVIDSON, Roger H. (eds.). (1998), The New Roles of Parliamentary Committees London, Frank Cass.
  • MAYHEW, David. (1974), Congress: The Electoral Connection New Haven, Yale University Press.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 1999
  • Data do Fascículo
    1998

Histórico

  • Recebido
    Nov 1998
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