A lucidez excessiva de Olavo** Palavras proferidas pelo professor Candido Mendes de Almeida na cerimônia em homenagem a Olavo Brasil de Lima Junior e inauguração de sala no IUPERJ que leva seu nome, em 23 de abril de 1999.
Candido Mendes de Almeida
Vi-o a última vez a 19 de março nos altos de Santo Antonio em Belo Horizonte.
Sentado, no apartamento exíguo, severidade dos confortos mineiros, luz das coisas certas.
Nenhuma ofegância ou fundo de drama.
Exatidão. E nem mesmo o prazer último de ostentá-la.
Rigor, o trato teria que ser como a conversa, do espartano coloquial.
Rotinas de trabalho de cátedra. Possibilidades de seminário. Conversa quase pastoral e incidente sobre a doença.
Maestria de quem, para além da definição detalhada das últimas vontades fazia do cotidiano o recado último à vida.
Esta, deste grupo de mineiros a quem tanto deve a fundação da nossa Ciência Política.
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A escolher o IUPERJ como lugar da sua conspiração ainda difusa. Bolívar, Amauri, José Murilo, Renato Boshi, Olavo ...
¾ Determinado, nada untuoso ou cúmplice, áspero na lucidez ácida de quem não perde tempo e tem o seu projeto a ser ou não projeto de todos nós.
¾ Consciente do saber que nascia: instituições, movimentos sociais, ideologias e ¾ no vício recôndito de todos a que a Ciência Política serve de álibi ¾ a paixão e a maestria no entendimento do poder, sua condução e seu mistério.
¾ Mais ainda, a grande concertação. Teimoso, reorganizador da Associação Brasileira de Ciência Política; suas lealdades; sua convocação generosa.
¾ Negociador dos grandes convênios: memória do engenho, da finta, da reivindicação implacável.
¾ Cioso senhor desta autonomia acadêmica do seu IUPERJ, olhando nos olhos, a Wanderley ou a Cesar.
¾ Provedor da difícil maestria, Olavo, da carreira, em ciências meninas.
Descobridor da vocação, trabalhada na invectiva, no bom sarcasmo e na melhor ironia, na pedagógica atmosfera da incerteza.
¾ Mineiro das boas desconfianças e trazidas ao método à difícil escolha das relevâncias, ou do saber que fica.
¾ Fiel às duas províncias, fertilizador das suas Gerais, tornado à terra para fecundá-la, não para o exílio da morte anunciada.
Não temos na nossa cultura, uma educação ainda para a morte. Nem Olavo a quereria como um legado, e seria o primeiro aqui a rebater-me.
O irrevogável das doenças só tem um antídoto, na vivência que prossiga:
¾ Anulá-la pela redução ao quase comezinho bem à frente do inimigo.
¾ Fazê-lo sem a menor sedução retórica: a tentação por excelência para quem tenha a perene noção do cenário e do sentido.
¾ Persistir até chegar à isenção do medo ou da rendição ¾ não ao remate ¾ refratário aos consolos ou às justificações.
Vimo-lo todos, Olavo, em dezembro, na reunião desta Associação Brasileira de Ciência Política, que respondia a seu plantio. Um alquebrar de soslaio só, na magreza Jaccometiana, a rapidez da adaga a repartida mordaz, todos os sinais de uma realeza em que o espírito afirma ¾ sobre as águas ¾ a sua última liberdade.
Não se abateu é pouco. Não confidenciou ¾ também é pouco. Não se entregou ¾ ao contrário só se fez a opção contra os lenitivos do desfecho anunciado. Respondeu-lhe com o utilitário das rotinas, reconquistadas uma a uma, ganho da usina dos dias, a que vi a um mês atrás: o supra-real conquistado; das aulas pensadas, do teor da cátedra, Olavo Brasil, da agenda fundada.
Olavo nos deu os gestos quase átonos, de deixarem na fraude-limite da despedida, onde a crença na vida alude à da própria trampa; a desse despojamento sem bonanças ou descuidos, ou fortunas, ou os descansos da idiota condolência das convenções: a desta vida na mão como na cabeça de Olavo, exato portador da biografia que repartimos sem adendos nem acréscimos no nosso imaginário piegas ou generoso.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
18 Out 1999 -
Data do Fascículo
1999