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República, Confiança e Sociedade

Republic, Trust, and Society

République, Confiance et Société

Resumos

This article discusses the issue of trust as a central element for structuring virtuous institutions under a republican order. The article argues that trust can be a central concept for republican thinking, since in the contemporary world the issue of virtues is based on the excellency not of citizens, but of political institutions. As opposed to the idea of interpersonal trust, the article deals with another aspect of the trust issue, defended by modernization theory. According to Simmel's positions and John Dewey's democratic experimentalism, the argument presents another modality of the trust issue as social cement and the central element in the construction of the Republic in contemporary politics.

Republic; virtues; participation; trust


Dans cet article, on discute la question de la confiance comme élément central de la mise en place d'institutions vertueuses dans un ordre républicain. On y avance que la confiance peut être un concept central pour la pensée républicaine vu que le thème des vertus repose, dans le monde contemporain, non pas sur les qualités des citoyens mais plutôt sur l'excellence des institutions politiques. Une autre inflexion de la confiance est ici traitée, en opposition à l'idée de confiance interpersonnelle, prônée par la théorie de la modernisation. Selon les orientations de Simmel et de l'expérimentalisme démocratique de John Dewey, on y présente une autre modalité de la question de la confiance comme ciment social et élément central de la construction de la République dans la politique contemporaine.

république; vertus; participation; confiance


Republic; virtues; participation; trust

république; vertus; participation; confiance

República, Confiança e Sociedade* * Agradeço aos professores Luiz Werneck Vianna e Maria Alice Rezende de Carvalho pelos comentários sobre este estudo. Do mesmo modo, agradeço os comentários dos pareceristas anônimos de DADOS, que muito contribuíram para a construção do argumento final deste artigo.

Republic, Trust, and Society

République, Confiance et Société

Fernando Filgueiras

ABSTRACT

This article discusses the issue of trust as a central element for structuring virtuous institutions under a republican order. The article argues that trust can be a central concept for republican thinking, since in the contemporary world the issue of virtues is based on the excellency not of citizens, but of political institutions. As opposed to the idea of interpersonal trust, the article deals with another aspect of the trust issue, defended by modernization theory. According to Simmel's positions and John Dewey's democratic experimentalism, the argument presents another modality of the trust issue as social cement and the central element in the construction of the Republic in contemporary politics.

Key words: Republic; virtues; participation; trust

RÉSUMÉ

Dans cet article, on discute la question de la confiance comme élément central de la mise en place d'institutions vertueuses dans un ordre républicain. On y avance que la confiance peut être un concept central pour la pensée républicaine vu que le thème des vertus repose, dans le monde contemporain, non pas sur les qualités des citoyens mais plutôt sur l'excellence des institutions politiques. Une autre inflexion de la confiance est ici traitée, en opposition à l'idée de confiance interpersonnelle, prônée par la théorie de la modernisation. Selon les orientations de Simmel et de l'expérimentalisme démocratique de John Dewey, on y présente une autre modalité de la question de la confiance comme ciment social et élément central de la construction de la République dans la politique contemporaine.

Mots-clé: république; vertus; participation; confiance

Muito se tem pensado sobre o termo república. As ciências sociais têm, nos últimos anos, propiciado um retorno ao passado, visando resgatar uma tradição até então perdida ou sujeita a imprecisões e anacronismos conceituais, em função de um suposto consenso liberal. Tem-se pensado de que modo a tradição republicana pode ajudar a refletir sobre as mazelas e os dilemas que afetam a sociedade contemporânea. Esse retorno ao republicanismo, ou a uma filiação teórica típica de um mundo tradicional, pode conter algumas chaves analíticas que tragam respostas a interrogações do presente. Todavia, é necessário problematizar algumas questões essenciais ao tema da república, visando enquadrá-lo em uma configuração social de tipo moderno, verificando, no plano analítico, qual a possibilidade de uma formação republicana em sociedades permeadas por uma pluralidade de doutrinas razoáveis.

O fato é que esse repensar a tradição política surge no contexto de uma crise que afeta todas as sociedades, sem um núcleo claramente identificável, acometendo tanto o Ocidente quanto o Oriente. Matrizes civilizacionais corroem-se e reafirmam-se mediante fundamentalismos, ao mesmo tempo em que contextos de enorme apatia figuram no cenário político. A conclusão é a necessidade de um novo tipo de reflexão, não no vazio ou em uma reinvenção da linguagem política, mas no trabalho de remover os escombros do fracasso liberal e nivelar o terreno para abrir novos flancos de ação política em sociedades plurais e complexas.

Meu desafio é fazer um exercício normativo do modo como a república pode se tornar efetiva em sociedades plurais e complexas, chamando a atenção para os aspectos que seriam próprios de uma "sociologia republicana". Não está presente nas páginas seguintes nenhum manancial empírico, mas apenas o horizonte de problematizações do tema das virtudes em uma república, no contexto de sociedades que apresentam uma pluralidade de doutrinas razoáveis, e, ao mesmo tempo, que convivem com um ambiente institucional em crise. Por isso, este artigo é inconcluso, porque aponta para uma miragem ainda a ser construída para uma república na sociedade contemporânea, visando apenas sugerir questões que seriam próprias de uma sociologia preocupada com o problema do ordenamento civil.

O REPUBLICANISMO E O PROBLEMA DA FUNDAÇÃO E DAS VIRTUDES

O final do século XX e o início do século XXI são marcados pelo diagnóstico de uma crise do mundo político, cujos diferentes significados estão na crise do modelo de representação instaurado no Estado de direito liberal, na crise do modelo partidário-eleitoral e na crise dos modelos de Bem-Estar Social. A resultante é a degeneração da legitimidade do Estado como mecanismo de contenção e solução de conflitos, figurando um cenário de desordem latente, estreitando o horizonte de possibilidades de emancipação do homem ou qualquer outro projeto fundado ao longo da modernidade.

Uma visão pós-estruturalista, tal como a defendida por Lyotard, afirma que o mundo contemporâneo perdeu a grande narrativa do saber científico, o qual foi inaugurado como o fator estruturante de um projeto de modernidade capaz de legitimar as diferentes posições e ações por parte das instituições da política, da cultura e da sociedade, mediante a razão (Lyotard, 1998). O mundo contemporâneo é vazio de sentido e carece de princípios capazes de alongar a vida institucional. Visões totalizantes, tais como a inaugurada pela sociologia, no século XIX, não são possíveis no mundo fragmentado do presente, derivando, desta forma, como afirma Baudrillard, a dissolução dos vínculos sociais e a perda de uma sociedade orgânica, auto-regulada e capaz de se reproduzir no tempo (Baudrillard, 1968). Não é uma crise meramente econômica ou do modo de produção, mas da legitimidade das instituições sociais e políticas como mecanismos de resolução de conflitos. A legitimação dos costumes e dos estatutos modernos foi perdida na miríade de narrativas dissonantes ou fractais, que se tornam inteligíveis por jogos de linguagem, recusando qualquer forma de consenso, seja ele social, econômico, político, estético, ou, enfim, civilizatório.

Se, de um lado, a paisagem niilista traçada pelos pós-estruturalistas chama a atenção para o desgaste ou o fim de um projeto de modernidade, por outro, propicia a criação de novos movimentos intelectuais que buscam a construção de soluções criativas para este cenário de impasse e crise. Dentro destes movimentos intelectuais, destaco o movimento republicano ou republicanista, cuja agenda está centrada na busca da ampliação do horizonte valorativo da política, mediante a construção de princípios que sejam capazes de reconfigurar e alongar a vida das instituições, no sentido de uma ampliação da densidade democrática. A reconstrução do ideal republicano mobiliza um sentido de política orientado pelas idéias de participação e de vida boa. Fundamental-mente, a reconstrução da idéia de república passa pela reconstrução da idéia de um bem comum que transcenda o princípio de neutralidade característico do modelo liberal.

O republicanismo, nesse sentido, caracteriza-se pela crítica ao modelo liberal de política. No liberalismo político, o princípio de neutralidade das instituições, de acordo com John Rawls, é o horizonte de construção da ordem em sociedades complexas e plurais, uma vez que a justiça procedimental antecede qualquer concepção do bem (Rawls, 2001). A vertente republicana da teoria política contemporânea, entretanto, parte do princípio de que a construção do bem antecede a idéia de uma justiça procedimental pura, que tem limites intrínsecos porquanto a neutralidade não implica em uma construção pura do justo. Não é possível a construção pura do justo com base no princípio de neutralidade, visto que a justiça está amarrada a concepções do bem que sustentam que, para sua justificação, os princípios de justiça dependem do valor moral ou do bem intrínseco das finalidades para as quais são dirigidos (Sandel, 2005).

O republicanismo, entretanto, não é um movimento único ou dotado de um objetivo orgânico por parte de seus intelectuais. O conceito de república encontra variantes ao longo da história do pensamento político e sempre foi mobilizado em contextos políticos e sociais específicos, que exigiam da vida republicana uma resposta a problemas práticos da política. Nesse sentido, não é possível falar em um conceito unívoco de república, mas em vários conceitos, circunscritos em certos contextos históricos e sociais. Exemplo das diferenças de acordo com as quais o termo república já foi empregado é o contraste entre a aplicação do conceito feita pelos humanistas cívicos do período renascentista e o uso desse vocábulo durante o período medieval. Para os humanistas cívicos, o conceito de república está ligado a ideais de participação e virtudes por parte dos cidadãos. Para o mundo medieval, contudo, a idéia de república designa a correlação entre os poderes da Igreja e do Império, tendo em vista a união dos gládios espiritual e secular, respectivamente.

Não quero, neste texto, falar de um movimento republicano ou de um conceito único de república, até porque estaria cometendo um equívoco teórico. Quero apenas destacar dois elementos centrais à construção da idéia de república, tendo em vista sua aplicação prática em contextos de sociedades plurais e complexas do mundo contemporâneo. Esses elementos a que faço referência são os temas das virtudes e da fundação, inerentes a uma discussão do conceito de república. Não quero reconstruir o conceito de república, mas indicar a maneira como esses dois elementos constitutivos do ideal republicano podem ser aplicados em sociedades marcadas pela pluralidade de doutrinas morais e pela complexidade. A questão fundamental que orienta este artigo é: como os conceitos de virtudes e de fundação, centrais à idéia de república, podem ser aplicados na política atual?

A reconstrução da idéia de república no mundo contemporâneo é a reconstrução de uma outra via para o tema da liberdade, a qual não significa mais a existência de indivíduos dotados de direitos privados e portadores de um tipo de autonomia que encontra na ausência de constrangimento o fundamento da política. Ponto comum ao ideal republicano contemporâneoéareconstrução de um ideal de liberdade assente à existência de um sujeito coletivo, construído em torno de uma identidade enquanto povo, em vista de uma autonomia pública de iguais sujeitos de direitos. O repensar a república está relacionado a um tipo de liberdade balizada em práticas de cooperação social que tenham alcance público, estando, por conseguinte, além da dimensão privada.

O problema da liberdade, tal como colocado pela via do republicanismo, vai de encontro à famosa distinção de Berlin1 1 . Isaiah Berlin distingue dois tipos de liberdade, a positiva e a negativa. A liberdade positiva é aquela, segundo Berlin, em que o homem nutre uma vontade de ser seu próprio senhor, de decidir sem que os outros decidam por ele. Por outro lado, a liberdade negativa é aquela que consiste no impedimento, por parte de outros homens, de escolher como um indivíduo deve agir. A liberdade negativa demanda a criação de mecanismos coercitivos, via direito, que protejam o indivíduo de seus semelhantes. A posição de Berlin é a defesa do modelo negativo de liberdade, referendando uma posição já clássica nas filosofias de Platão e Hegel, em que o modelo positivo de liberdade pode tornar o homem escravo da natureza ou de suas paixões, devido ao fato de ainda não terem se tornado conscientes de sua ontologia. Aliberdade positiva em uma sociedade massificada, tal como a sociedade moderna, pode tornar o homem escravo de seus interesses, resultando na degeneração de qualquer forma de organização da política. A esse respeito, conferir Berlin (2002). a respeito de seus dois conceitos (Berlin, 2002). Trata-se, como declara Bignotto, de uma reafirmação da liberdade positiva entendida como a ação direta praticada pelos cidadãos no âmbito da esfera pública, independentemente de qualquer noção circunscrita em torno de sua consciência ou inclinação (Bignotto, 2004). O essencial é reconstruir um ideal de participação e de virtudes do vivere civile, os quais possibilitam o alongamento da vida institucional da ordem política. Reapropriar o tema da liberdade positiva significa, no seio do republicanismo, como destaca Bignotto, o eixo norteador da reflexão política, tendo em vista os problemas práticos das democracias contemporâneas.

Imbricado no tema da liberdade, o tema da democracia é fundamental como mecanismo de agregação de valor ao corpo político, além de servir como instrumento de decisões eficazes, com a condição de uma vida ativa por parte dos cidadãos. O sentido dado à democracia, no colorido republicano, é o fato de ela ser o lugar das práticas virtuosas, as quais são capazes de incorporar valor aos bens coletivos, evitando a corrupção do corpo político. A democracia é condição necessária à vida republicana, segundo Pettit, porque impede o uso arbitrário do poder e a dominação exercida por aqueles atores que se apossam dos meios de poder (Pettit, 1997). A democracia, entretanto, como aponta Bignotto (2004), não é contraditória a uma noção de império da lei, o qual se torna capaz de absorver os conflitos no interior do corpo político. O teor democrático do regime republicano é o ideal de não-dominação e a constante contestação por parte da sociedade civil em relação ao governo, não sendo contraditório em relação ao imperium das instituições da república. Em certo sentido, a democracia termina por ser a realização do governo amplo de Maquiavel, cujo império é legibus restricto,impedindo qualquer forma de usurpação ou uso indevido do poder por parte dos atores políticos, em contraposição ao bem comum (Viroli, 1993).

A discussão da liberdade positiva, central a qualquer concepção de república, no plano da teoria política contemporânea, demanda um tipo de vida republicana, marcada, essencialmente, pela excelência do cidadão frente às instituições (Taylor, 1997). A excelência esperada dos cidadãos é comumente compreendida pelo conceito de virtude, o qual significa uma qualidade esperada do comportamento dos agentes políticos em função de um aprendizado moral permanente. As virtudes estão relacionadas a disposições do agir determinadas de forma moral, conforme um aprendizado marcado por um ideal de vida boa, configurado em torno da excelência esperada dos cidadãos, no âmbito dos negócios públicos. A discussão acerca da liberdade positiva demanda a discussão do tema das virtudes. Todavia, tal como o conceito de república, não existe apenas um conceito de virtude (MacIntyre, 2001:305). De uma maneira geral, trato do tema das virtudes como a excelência esperada do agir em conformidade com valores fundamentais especificados no plano da ordem política, tais como honra, coragem, justiça e prudência.

No que diz respeito ao tema das virtudes, adotarei neste artigo a trilha de Maquiavel e a maneira como ele configurou esse tipo de discussão nos contornos de sua abordagem do tema da república. Maquiavel abordou um mundo contingente e marcado pela competência humana de lidar com os assuntos públicos. Os homens agem, de acordo com o florentino, independentemente de qualquer ontologia ligada à natureza ou às paixões, as quais os impediria de atingir um estado de consciência2 2 . Maquiavel direciona sua crítica a toda filosofia de teor neoplatônico, ligada especialmente a narrativas cristãs do mundo. A política, nos termos apresentados por Maquiavel, é independente de qualquer estado ou situação de consciência por parte dos agentes políticos. É neste sentido que Maquiavel irá recuperar os grandes historiadores da tradição helênica e romana, entre eles, especialmente, Heródoto, Homero, Políbio e Tito Lívio. . A multidão é capaz de operar seus interesses e suas paixões no sentido do bem, independentemente de um suposto estado natural ou de um telos ético para o qual a teoria política devesse caminhar. Nas palavras de Maquiavel:

"O desejo que sentem os povos de ser livres raramente prejudica a liberdade, porque nasce da opressão ou do temor de ser oprimido. E se o povo se engana, os discursos em praça pública existem justamente para retificar suas idéias; basta que um homem de bem levante a voz para demonstrar com um discurso o engano do mesmo. Pois o povo, como disse Cícero, mesmo quando vive mergulhado na ignorância, pode compreender a verdade, e a admite com facilidade quando alguém da sua confiança sabe indicá-la" (1985:32).

O centro da política é o conflito ou uma esfera pública em que os desejos dos homens são, por princípio, incompatíveis. O conflito, segundo Maquiavel, é desejável e é fonte do vigor dos homens em relação à república. Ou seja, o conflito assegura a ação política por meio da participação cívica dos cidadãos na condução dos negócios públicos. Como observa Skinner (1981:38), é justamente o conflito que irá garantir a liberdade na república, fazendo com que os homens saibam lidar com as contingências da vida política. O vivere politico, que denota uma espécie de vida republicana, de acordo com Maquiavel (1985), necessita ser institucionalizado, observando a existência de boas leis que sejam compartilhadas na crença comum dos cidadãos acerca de sua efetividade, conforme um imperium assentado em virtudes cívicas derivadas de um bem viver (Viroli, 1993). A aposta republicana será, portanto, a institucionalização do conflito mediante leis que garantam a liberdade e a participação (virtú), em um contexto marcado por contingências que determinam a cidadania como fator de inclusão ou exclusão da república e como critério para o estabelecimento de sanções.

Ações virtuosas, por conseguinte, são aquelas que conseguem reproduzir os valores morais constituídos no plano da comunidade. Valores como justiça, coragem, honra e prudência são elementos centrais à avaliação da ação política por parte da própria comunidade. O tema das virtudes, dessa maneira, está relacionado a uma permanente avaliação da ação política no âmbito da esfera pública, sendo ela um qualificativo moral designado conforme os ideais de boa vida da comunidade política. Em contextos conflitivos, como indica Maquiavel (idem), a virtude é uma qualidade do caráter dos corpos da república, em função de uma ação política permanente por parte dos atores. É nos contextos de participação que a virtude aflora como um qualificativo moral da ação política. Daí que a apatia, por outro lado, implica um mundo de vícios que contribuem, gradativamente, para a corrupção da república.

Se a república depende de ações virtuosas por parte do corpo político, para que as instituições sejam estáveis, não há qualquer preocupação com a natureza ou com as paixões que os homens possam carregar consigo. Ao contrário do que afirmou Kant (2002), a virtude não é o desatrelar-se das inclinações ou desejos, mas uma disposição construída em torno de uma educação moral. O sentido platônico, ou posteriormente hegeliano, que especifica a necessidade da forma jurídico-política para proteger os homens deles mesmos não é o horizonte da idéia de república, que lida, como destaca Bignotto (2004:30), com a contingência. O fator de estabilidade das instituições não está contido na engenharia jurídica das formas, como enseja o Estado liberal do século XIX, mas nos valores que orientam e controlam a ação política, tanto por parte dos governantes, quanto por parte dos súditos. Por isso que ao ver os súditos se tornarem apáticos diante dos assuntos públicos, como no caso de Florença, Maquiavel condenou a república florentina a se tornar uma forma de governo estreito, a qual se corrompeu pelo uso arbitrário do poder em favor de interesses privados do governante (Maquiavel, 1995). Quando as virtudes do corpo político dão lugar à apatia, segundo o pensador florentino, ocorre a corrupção da república, uma vez que as instituições têm um poder corruptor inerente.

A maneira como Maquiavel construiu a idéia de virtudes está circunscrita à ação praticada pelos atores em contextos conflitivos e marcados pela contingência. A virtude não pressupõe uma negação do mundo, como as filosofias de teor neoplatônico, mas a ação no mundo conforme certo ideal de vida boa construído no plano da comunidade. As virtudes implicam o fato de que a ação política é submetida à avaliação por parte dos próprios cidadãos, que não toleram a apatia. No sentido renascentista de virtudes cívicas, o que está em jogo é a excelência moral do agir político, que depende de um aprendizado permanente no plano das instituições políticas. Mas como esse aprendizado moral, inerente a práticas virtuosas, pode ser alcançado? O tema das virtudes, no contexto de uma vida republicana, pressupõe o tema da fundação e a maneira como as tradições políticas de uma comunidade operam esse aprendizado permanente.

A fundação é um momento originário da vida republicana, que configura um contexto marcado pelas virtudes dos fundadores e a maneira como se estabelece um processo histórico e social de democratização da esfera pública. A fundação é o momento originário de uma história que marca a existência de uma tradição responsável por alongar a vida institucional, conforme os feitos dos heróis narrados no tempo e que exercem um aprendizado para a ação política, em função dos princípios que fundamentam a existência das instituições.

O republicanismo é uma forma de liberdade positiva em que o agente moral deve buscar sua condição através de um ato de vigília que leva à excelência, tendo em vista uma pré-noção ou antecedência do bem comum, independentemente de qualquer forma racional ou transcendental de consciência (Taylor, 1997:275). É a existência de um bem comum que, para as diferentes vertentes do republicanismo contemporâneo, deve ser resguardada de qualquer ato arbitrário por parte do governante. O que justifica, na concepção republicana, a fundação de uma ordem política e a institucionalização crescente do conflito entre os homens, ou seja, o que justifica o vivere civile, é a existência de um bem que pode ser compartilhado por todos, sem nenhuma restrição aos participantes da comunidade política, a qual se reitera no tempo através dos mecanismos da tradição.

Como consagrou a interpretação de Pocock sobre a obra de Maquiavel, o republicanismo derivado do movimento renascentista aprimorou e inovou toda uma tradição de pensamento político, permitindo destacar um momento maquiaveliano, caracterizado por três elementos que aqui nos interessam: (1) a reativação da vita ativa em contraposição a uma vita contemplativa, própria do cristianismo; (2) a concepção de uma república como uma ordem política destinada a satisfazereacontrolar as paixões do zoon politikon, destinado a uma vida civil; e (3) a república como criadora de história e inscrita no tempo, ou seja, sem uma eternidade ou projeção ideal, estando, portanto, sempre exposta a crises e à potencialidade de corrupção, tendo em vista sua historicidade secular. A república manifesta-se, desse modo, não como universal ou eterna, mas como uma comunidade histórica singular, marcada por certas tradições responsáveis por um aprendizado moral permanente (Pocock, 1975).

O republicanismo, desse modo, reconhece a vida comunitária como a única capaz de criar um mecanismo de agregação da ação, consubstanciando uma idéia de bem que se incorpora no imaginário dos indivíduos. A condição da vida comunitária é o devotamento dos homens à construção da idéia de um bem comum, através do alargamento da participação política ativa na esfera pública, derivando uma ação virtuosa, independentemente de qualquer tipo de natureza dada a priori. Atradição alonga a vida das instituições, possibilitando sua adaptação às mudanças por meio de um constante experimentar, o qual se dá nos rituais cívicos, que reforçam, no imaginário simbólico, o preceito do bem comum. No que diz respeito ao tema da fundação, é interessante frisar a maneira como Robert Bellah faz o tratamento da questão do papel da tradição na estabilidade institucional, mesmo em sociedades, como a americana, que passam por processos de fragmentação da solidariedade.

Cenários de crise institucional, conforme o tema da fundação, demandam um retorno ao passado, um revigoramento da tradição, visando reordenar as instituições para manter a estabilidade e impedir a corrupção do corpo político. Assim como Maquiavel recuperou as tradições romanas para a Florença de seu tempo, a mesma operação fez Robert Bellah para os Estados Unidos da contemporaneidade (Bellah, 1975). Como observa o autor de The Broken Covenant, os americanos passaram por três grandes crises institucionais que lhes impuseram desafios de ordenação e de reordenação do político. O primeiro momentoéoda independência e da instituição da liberdade. O segundo momento foi a instauração da união mediante os resultados da Guerra Civil. Finalmente, de acordo com Bellah, o terceiro momento é aquele da crise da justiça, da segunda metade do século XX até o presente, o qual coloca o desafio da capacidade ou incapacidade das instituições processarem os conflitos em uma sociedade massificada e garantir, ao mesmo tempo, as liberdades republicanas.

O protagonismo americano, segundo Bellah (idem), foi combinar a república com o plano religioso. O autor está preocupado com os significados culturais da tradição americana, que construiu um pacto mediante a aliança do povo com Deus, tendo como modelo a Canaã dos judeus, presente na narrativa do Antigo Testamento. O mito de origem americano, criado pelos puritanos, permitiu a criação de uma dimensão transcendental, capaz de amalgamar a relação entre os homens no sentido da conversão, a qual os libera das amarras do pecado. A tradição americana não se liga a uma concepção natural, como os modelos escolásticos de matiz católico, possibilitando a instauração de um mundo da harmonia ideológica e religiosa, bem como um mundo do senso comum e dos interesses. A tradição americana, desse modo, foi fundada na ordenação do homem comum, virtuoso pelo modo frugal como tratava os assuntos públicos.

Ao contrário de uma noção de representação, que mais tarde seria trazida pela apropriação das leituras de Hobbes e de Locke, a união da república com o Deus protestante possibilitou a criação de uma religião civil, a qual transmutou o político do extramundano para a mundanidade do senso comum, através da participação ativa por parte dos cidadãos nos negócios públicos, tendo em vista a frugalidade com que os americanos tratavam os assuntos de suas comunas3 3 . Apesar de Bellah não citar a obra de Carl Schmitt, é interessante o modo como este autor articula o conceito de representação com o catolicismo romano e sua defesa do homem natural. A formalidade, segundo Schmitt, das instituições de tradição católica assenta-se no rigor desempenhado pelo princípio de representação da Igreja perante Deus. A esse respeito, conferir Schmitt (1998). . Ao contrário de se fazer representar, a tradição americana ensejou em seu cidadão o desejo de participar ativamente na esfera pública. O mito de origem americano promoveu, nos termos de Bellah, os significados culturais para o indivíduo e sua comunidade, exercendo uma função transmutadora da realidade, capaz de estabelecer juízos morais de verdade ou falsidade a partir da própria ação individual. Isto permitiu a Bellah afirmar que o americano, originalmente, desenvolveu o primado da inocência, cuja função foi estabelecer uma moral forte e eficaz da ação do sujeito.

A Reforma protestante operou a transposição do primado da graça, próprio do matiz católico, para o primado da inocência virtuosa dos americanos, tal como pregado pelos pioneiros puritanos.

Como destaca Bellah (idem), o atual perigo para a república americana, entretanto, é a incapacidade de suas instituições de lidar com o eclipse das comunidades religiosas, em função da massificação da sociedade e do distanciamento do mito fundacional de sua religião civil. A mudança na vida das comunidades implicou a incompatibilidade entre instituições e valores, resultando na ineficácia de todo um ordenamento criado a partir dos pilares do mito de origem e de seus rituais cívicos. Sem o horizonte dos valores da fundação, o resultado inevitáveléadegeneração dos costumes e das convenções do povo. O perigo é ofuscar a liberdade, no seu sentido positivo, tendo em vista a degeneração das virtudes da religião civil. Como observa Bellah, torna-se necessário, desse modo, operar um novo contexto religioso, moral e social, capaz de reorganizar as instituições da república americana no sentido da solução da crise institucional. Bellah operou um retorno às mais remotas tradições americanas, visando resgatar os princípios básicos que tornaram a república legítima perante o corpo político. Todavia, em sociedades massificadas e permeadas por uma pluralidade de doutrinas razoáveis, continua sem solução o problema de como operar a tradição e o imaginário tipicamente tradicional em contextos morais marcados pela precedência do mundo privado.

O problema de uma concepção republicana da política, da forma como Bellah (idem) articula a tradição, é o modo como a fundação do corpo político e a institucionalização dos mecanismos de solução de conflitos podem operar os termos de uma situação moral no âmbito da política, da sociedade e da cultura. O republicanismo opera com um contínuo resgate e reprodução do imaginário cívico, o qual reveste as práticas políticas e sociais em conformidade com o tema das virtudes, reformulando-o para que se adapte às mudanças produzidas ao longo da história. Todavia, como problematiza Bignotto, o modelo de reflexão republicana precisa ser repensado para sociedades que não tiveram uma experiência de fundação virtuosa de suas instituições, ou que se tornaram errantes ou que tiveram sua fundação inconclusa, sem modificar o imaginário simbólico (Bignotto, 2004:35). A questão de uma vida republicana, como observam Werneck Vianna e Carvalho (2004:215), se dá na crescente experimentação de formas institucionais, tendo em vista conteúdos substantivos presentes na esfera pública. Resta saber, entretanto, como operar o tema das virtudes, central na teoria republicana, na sociedade contemporânea, marcada por laços de complexidade que consubstanciam uma transcendência para além da competência humana. Ou seja, o tema das virtudes é central para o republicanismo, mas como pensar o tema das virtudes em sociedades complexas e plurais?

A CONFIANÇA COMO ELEMENTO DAS VIRTUDES INSTITUCIONAIS

O referencial teórico republicano está assentado no par fundação e virtudes, sem o qual não é possível operar a questão da liberdade positiva e a redundante participação ativa dos cidadãos na condução dos negócios públicos. A gênese da modernidade, todavia, operou uma virada radical dos padrões de sociabilidade e de agregação do bem comum, problematizando a questão da república pela fundação do Estado.

O pressuposto de uma vida republicana, marcada pela excelência, como mostrei anteriormente, é a participação ativa dos cidadãos na esfera pública. No entanto, a modernidade marcou a cisão das doutrinas morais e a constituição de uma pluralidade de valores que não estão referidos a uma vida comunitária. A sociedade moderna está submetida a um forte processo de individuação e fragmentação, originado da divisão do trabalho e da diferenciação funcional de sua estrutura. Nesse contexto, a vida republicana se confunde com a existência do Estado de direito, porquanto a visão de uma sociedade como comunidade de valores dá lugar a uma sociabilidade dividida e heterogênea. O Estado de direito, nesse sentido, sustenta-se em uma lógica procedimental via direito, cujo horizonte é uma natureza inclusiva, pela qual as instituições integram igualmente a cidadania (Werneck Vianna e Carvalho, 2004).

O problema da política, desse modo, deixou de ser um problema de paidéia para se tornar um problema de engenharia institucional, capaz de moderar as inclinações humanas através de leis positivas. Essencialmente, estas leis devem ser eficazes o suficiente para manter a sobreposição do público ao privado, mediante a identificação do primeiro com o Estado. Do modo como a sociedade moderna assentou suas bases institucionais, não é possível, teoricamente, uma república operar virtuosamente a criação do corpo político, tal como o mundo da tradição aborda essa questão. Não é possível esperar uma ação tipicamente virtuosa por parte dos cidadãos, uma vez que a possibilidade de aprendizado moral se encontra fragmentada em uma pluralidade de doutrinas morais configuradas pela crescente complexificação da existência social. Todavia, devemos problematizar este tipo de narrativa da modernidade, pensando como os padrões de sociabilidade podem assegurar a existência de uma república nos moldes de instituições virtuosas que sejam estáveis e persigam o bem comum, sem as virtudes por parte dos cidadãos, no âmbito da esfera pública. Ou seja, o problema da república deixa de ser a questão das virtudes dos cidadãos para se tornar o problema das virtudes das instituições.

Como esbocei na primeira seção, a virtude pressupõe um processo de avaliação conforme os termos de uma vida por excelência. No mundo tradicional, tal como o dos humanistas cívicos, a avaliação ocorria em torno da ação política do cidadão. As virtudes, no mundo da tradição, estão referidas à ação do cidadão conforme um conjunto de valores marcados pela fundação e dos feitos de seus heróis, de acordo com um caráter público dos valores. Em sociedades complexas, entretanto, não existe um critério de avaliação da ação política, como indica a doutrina liberal, visto que os processos de crescente individuação e de divisão do trabalho configuraram uma pluralidade de doutrinas morais que não permite um critério substantivo de avaliação da ação política. Entretanto, argumento que mesmo que exista essa pluralidade de doutrinas morais, a excelência da ação política é sempre uma expectativa por parte dos cidadãos, que esperam o respeito a determinados valores em contextos sociais.

Apesar desse processo de crescente individuação e cisão da moralidade no plano da política, a virtude continua sendo um critério de avaliação em função da excelência. É fato que a excelência não está mais na ação praticada pelos atores, mas em contextos institucionais. Ou seja, o tema das virtudes não está referido à ação praticada pelos atores, mas à existência de instituições virtuosas. A república, em sociedades complexas e plurais, opera com a construção de instituições virtuosas em função de um critério procedimental inclusivo de cidadãos dotados de iguais direitos privados e políticos, que lhes permite influenciar na construção da opinião e da vontade. A excelência continua sendo um critério avaliativo da ação política, mesmo que essa avaliação ocorra em contextos plurais. Uma situação típica desse processo de avaliação a que me refiro é quando ocorrem escândalos de corrupção. A sociedade avalia, em casos de corrupção, a ação praticada no interior das instituições, submetendo-as a um critério de excelência. Dessa maneira, as virtudes continuam sendo um critério razoável de avaliação da política, no plano de suas instituições. Não significa, como no mundo tradicional, as virtudes dos cidadãos, mas das instituições e de sua atuação frente à sociedade.

Argumento que a questão da avaliação das virtudes se dá no plano das instituições políticas e de sua atuação na sociedade. O problema da república configura-se no problema das virtudes das instituições e na maneira como sociedades plurais e complexas as avaliam. Mas a questão permanece: como essa avaliação por parte da comunidade ocorre? Uma chave que pode operar a questão da avaliação de instituições virtuosas em contextos sociais pode ser encontrada no problema da confiança. Ela pode conter um padrão de sociabilidade que sirva ao propósito de ordenação virtuosa da política, mesmo em um contexto em que a comunidade se encontra cindida pela moralização do interesse, em função do processo de individuação. A confiança, por conseguinte, é um tema central à vida republicana no mundo contemporâneo, porquanto agrega um critério de avaliação que permite descrever as virtudes de determinado arranjo institucional. A trilha que Simmel abre no tema da confiança, nesse sentido, pode ser interessante a esta abordagem.

Como chama a atenção Simmel, toda ação social apenas será possível quando um indivíduo forma uma imagem do outro indivíduo. Por outras palavras, ele afirma que a existência de uma sociedade, seja com qual característica for, depende da existência da alteridade. Todas as relações sociais desenvolvem-se sobre um saber mútuo, sejam elas estabelecidas em sociedades de tipo primitivo ou de tipo moderno (Simmel, 1977). É fato que a modernidade, todavia, assentou suas bases de sociabilidade fora das instituições tradicionais da política. Simmel afirma o fato de a sociedade moderna estar balizada em um saber constituído através da idéia de honra, a qual se desenvolve em instituições próprias da economia, como o comércio e os títulos de crédito. Contudo, a sociedade moderna não é sinônimo de simples privatismo ou de vulgaridade das ações tidas como sociais. A modernidade ensejou mecanismos distintos de socialização que estão fora das virtudes cívicas, tornando, de fato, a república, em seu sentido tradicional, um regime do passado.

Isto não significa, por outro lado, que a modernidade tenha rompido com a tradição, nem que elementos tradicionais não estejam presentes na modernidade. O fato é que, ao invés de o homem ser aparente no público, ele se torna, de acordo com Simmel, anônimo e inserido em um padrão de sociabilidade entre "estranhos". A dificuldade é operar mecanismos de socialização capazes de estabelecer o referido saber comum entre estranhos, entre indivíduos que preferem se isolar em seu espaço privado. Isto não significa, na sociologia de Simmel, que o mundo moderno seja sinônimo de atomismo. O mundo, ao contrário de ser o mundo de indivíduos atomizados, é o mundo de novos tipos de instituições, que, ao invés de tornar o homem aparente na esfera pública, buscam preservar seu anonimato e sua intimidade. A discrição é um dos elementos essenciais da vida moderna, que não impede a existência do público. Nem se exige do homem comum ou dos atores políticos as virtudes, mas a publicidade com que os assuntos da coletividade devem ser tratados (idem:370).

O que diferencia o público tradicional do público moderno, de acordo com Simmel, é o fato de ele ser constituído de diferentes associações criadas para perseguir determinados fins. Não há mais a presença da comunidade enquanto locus e valor para a existência humana. Ao contrário do partilhamento de um bem comum, estas associações são absolutamente discretas, feitas de participantes anônimos. As associações não absorvem a subjetividade dos indivíduos. Ao contrário, reforçam esta subjetividade e fazem brotar energias impessoais, capazes de moldar instituições e de estabelecer o convívio pacífico entre os indivíduos. É o caso das associações de crédito mútuo, que não operam nos termos retóricos da ágora grega ou dos tribunos romanos, mas na confiança que os indivíduos depositam nelas como instituições sociais. O mesmo pode se dizer dos partidos políticos, que não exigem de seus correligionários as virtudes, mas apenas a confiança em torno de uma ideologia ou programa conduzidos por uma elite partidária.

A modernidade é o mundo do segredo, o qual se caracteriza por ser um elemento individualizador de primeira ordem, capaz de processar a diferenciação social em grupos e associações de diversas naturezas (idem). O segredo, de acordo com Simmel, não tem nenhuma conotação moral, uma vez que admite os particularismos ocultos em relação ao público. O que antes pertencia ao público, pensando na vida comunitária da esfera tradicional, oculta-se mediante o segredo. A constituição das associações e dos grupos da sociedade moderna, ou seja, das diferentes sociedades secretas que permeiam o público, se dão na capacidade com que conseguem proteger o segredo e resguardar a esfera de intimidade dos indivíduos.

O público é o local das diferentes sociedades secretas, que individualizam o homem porque protegem sua subjetividade. A essência do público, nos termos de Simmel, é tornar-se exterior ao sujeito, em sua forma sociológica, demandando a existência de uma contraparte de autonomia do indivíduo, que está na clausura do segredo do mundo privado. As instituições sociais e políticas precisam lidar com a diferenciação destes dois mundos, operando uma vida institucional marcada dialeticamente pelo segredo e pela publicidade. Para realizar esta operação, torna-se necessário um mecanismo que coloque em contato os indivíduos anônimos. A participação na vida associativa depende da confiança que os co-partícipes depositam no indivíduo e no grupo. O mecanismo mediante o qual a vida institucional moderna, de acordo com Simmel, realiza a diferenciação entre o agir público e o agir privado é a confiança:

"A confiança é uma hipótese sobre a conduta futura de outro, hipótese essa que oferece segurança suficiente para fundar nela uma atividade prática. Como hipótese, constitui um grau intermediário entre o saber acerca de outros homens e a ignorância a respeito deles. O que sabe, não necessita confiar; o que ignora, não pode sequer confiar. [...] A objetivação da cultura tem diferenciado os graus de saber e ignorância necessários para que se produza a confiança" (

idem

:367, tradução do autor).

Mas como a confiança pode ser um elemento central no tema das virtudes, em uma vida republicana? Os termos de uma vida republicana, como poderíamos derivar a partir do ensaio de Simmel (idem), dão-se no modo como estabelecemos a confiança em torno de instituições capazes de moldar o comportamento e os desejos em um público sem virtudes. A institucionalização, tendo em vista as questões da publicidade e do anonimato, em uma sociedade de "estranhos", só pode ocorrer em contextos de confiança, que reduzem as expectativas dissonantes dos indivíduos. A democracia resguarda o interesse material de todos, tornando a expectativa de publicidade em relação aos assuntos do Estado desejável e necessária. A dialética do segredo e da publicidade possibilita, no modo como Simmel articula esta questão, a referência a padrões distintos de relação social; ora sustentados na relação associativa, visando à satisfação de interesses; ora sustentados na relação comunitária, visando à noção de pertencimento. No sentido lógico, a democracia é necessária na sociedade moderna, porque revela ao público o segredo das atividades do Estado, impulsionando os indivíduos a intervirem nos assuntos públicos enquanto pertencentes a um mundo comum, ou seja, impulsionando relações comunitárias com o caráter de reconhecimento da autonomia pública, central em uma vida republicana. A confiança, como tratada por Simmel, pode ser um elemento central para a questão da avaliação das virtudes das instituições. A confiança em instituições só pode ocorrer em contextos de alta publicidade das atividades do Estado, porquanto ela se torna um elemento central para aferir as virtudes das instituições políticas. Isto é, instituições virtuosas são aquelas que conseguem estabelecer, frente à sociedade, um contexto de confiança construído, fundamentalmente, em cima do princípio da publicidade e da proteção da autonomia privada.

A confiança é o instrumento essencial para que a vida associativa possa ser construída, uma vez que ela propaga e protege o segredo característico dos grupos. A função contraposta da confiança em relação à publicidade serve para manter intacta a existência das sociedades secretas e de padrões de sociabilidade que dão a noção de pertencimento a uma comunidade formal. Desse modo, a confiança está na contramão da publicidade, e, por derivação, da democracia, se considerarmos o conceito de público com o qual a tradição clássica opera. Acondição democrática dos modernos, entretanto, como observa Simmel (idem), não é contraditória em relação ao segredo e à existência das sociedades secretas. Ela exige certa autonomia formal dos grupos, que agem na base da confiança nas instituições. De outro lado, exige a noção de publicidade enquanto mecanismo vinculador das sociedades secretas, sem a qual a noção de ilegalidade impera. De acordo com Simmel, uma democracia sem publicidade tende a proporcionar ações consideradas ilegais por parte das sociedades secretas. E o princípio da publicidade quer dizer que as instituições políticas estão submetidas a uma permanente avaliação por parte dos diferentes grupos e associações que constituem a esfera pública na modernidade. A confiança pode ser construída apenas em contextos democráticos, tendo em vista o princípio da publicidade.

A confiança, nesse sentido, é um elemento central na constituição de instituições virtuosas, em sociedades complexas, porquanto é um elemento individualizador mas que permite a avaliação por parte dos próprios cidadãos, mesmo que não exista uma comunidade de valores harmônica e homogênea. Ao contrário disso, o conflito é a marca distintiva desse tipo de vida política, reconfigurando os termos de Maquiavel e sua marcação do conceito de república. A república, em sociedades complexas e plurais, está sedimentada no conflito e em um ideal de inclusão dos diferentes grupos, na base da construção da confiança em instituições. O conceito de confiança de Simmel, por conseguinte, é central para se pensar um mecanismo de virtudes das instituições, conforme valores atribuídos a essa vida institucional típica dos modernos, ou seja, marcada pela pluralidade de doutrinas morais e pela complexidade.

O problema da confiança, todavia, tem um tratamento distinto na sociologia política contemporânea. Com base na teoria da modernização e sua vertente de estudos da cultura cívica, o tratamento do tema da confiança, enquanto um mecanismo central de estruturação da democracia e das organizações econômicas, se dá em um plano diferente da abordagem de Simmel. De acordo com Ronald Inglehart (1990), a confiança está nas relações face a face estabelecidas por indivíduos, resultando em interações capazes de estruturar a ação coletiva e de assegurar padrões horizontais de organização social. Ao contrário de interações sem confiança, em que o padrão estruturante da ação coletiva leva a hierarquias rígidas no interior das sociedades. A análise do tema da confiança, desse modo, se dá na presença ou ausência do cenário social em que se pesquisa, construindo modelos binários na busca de um maior ou menor grau de democracia e prosperidade econômica. Além disso, a perspectiva da confiança, tal como abordada nessa vertente, não é o modo como ela solidifica a existência de instituições da sociedade moderna, como afirma Simmel (1977), mas a confiança de indivíduos uns nos outros, ou seja, a confiança interpessoal.

O tema da confiança interpessoal ganhou pujança na análise da prosperidade ou das mazelas comparativas entre culturas cívicas, uma vez que procura descrever padrões de interação social democrática ou autoritária (Putnam, 1993). Do ponto de vista lógico, o que os autores ligados ao tema da cultura cívica afirmam é que o baixo nível de confiança interpessoal leva a interações de caráter autoritário, enquanto o alto indicador de confiança interpessoal leva a interações democráticas e a uma maior prosperidade econômica. Esta relação, do ponto de vista estatístico, corrobora 60% dos casos estudados, conforme pesquisa conduzida por Inglehart em 65 sociedades (Inglehart, 2002). Nesta abordagem, a confiança interpessoal aumenta a capacidade de a sociedade coordenar as expectativas, gerando o capital social4 4 . O conceito de capital social diz respeito a um conjunto de valores ou normas informais, os quais permitem aos membros de um determinado grupo cooperarem entre si. O capital social pode ser considerado como um estoque de normas cooperativas, tais como reciprocidade, honestidade e altruísmo, que cada sociedade constrói em sua história cultural. O capital social propaga-se conforme externalidades positivas, em seu sentido econômico, fazendo com que os indivíduos sejam socializados no conjunto destas normas e reproduzam suas funções no interior da sociedade. A esse respeito, ver Putnam (1993) e Fukuyama (2002). necessário para a estabilização e eficácia das instituições políticas. Por outro lado, os baixos indicadores de confiança interpessoal, como observam Power e González, característicos de sociedades "pouco" avançadas e católicas, nos termos da cultura cívica, resulta na existência de corrupção como forma de mediação social (Power e Gonzalez, 2003).

Esse tipo de abordagem do problema da confiança tem sofrido diferentes críticas, tanto teóricas, quanto metodológicas. Não estou preocupado em identificar essas críticas, mas em destacar uma que aborda o tema da confiança de uma maneira interessante, ligando-o ao problema das instituições. Como destacam Eisenberg e Feres Júnior (2006), o conceito de confiança interpessoal carece de substância política. É um conceito, tal como tratado pela vertente americana de estudos da cultura cívica, pensado de maneira estritamente formal e que abdica de sua semântica original. Aformalidade com que os estudos de Inglehart foram conduzidos em seu manancial empírico encobriu eventuais diferenças de significados para a palavra confiança, fazendo com que a medida empírica seja prejudicada, devido ao fato de diferentes povos terem um conceito distinto do que é confiar em seu semelhante. Eisenberg e Feres Júnior, além disso, afirmam que o termo confiança dista de estar relacionado com interações pessoais, mas está ligado à sua raiz latina na palavra fides. Aconfiança, no modo como é empregada na tradição romana, é correlata à idéia de relações comerciais, estabelecidas mediante crédito monetário (Eisenberg e Feres Júnior, 2006).

Como mostram os autores, a maneira como Inglehart e toda a vertente americana da sociologia política empregaram o termo confiança leva à corroboração de que países de tradição católica tendem a ter, no mínimo, uma democracia fraca, com baixo grau de participação, uma vez que não é a lógica da ação coletiva que realiza os benefícios públicos. Do modo como a vertente da teoria da modernização empregou o termo, pode-se derivar, do ponto de vista lógico, que um excesso de confiança levaria à apatia, porque os atores irão preferir transferir as atividades sob seu controle para outros agentes confiáveis. Como destacam Eisenberg e Feres Júnior (idem), o exercício da confiança depende de todo um aparato institucional presente na lei, bem como não se confunde com a apatia. O exercício da confiança não se dá meramente por raízes religiosas de determinada cultura, mas pelo modo como as instituições são capazes de reduzir o risco em sociedades complexas. A confiança interpessoal, portanto, é inadequada a uma teoria democrática moderna, porque em sociedades complexas os padrões de interação são mediados por instituições. Por outro lado, a confiança em instituições é uma categoria fundamental para a análise da estabilidade de regimes políticos, porque, como lembram os autores, recuperando as noções dadas por Locke e por Hobbes, o exercício da confiança não significa a renúncia da comunidade política à sua existência, mas um poder originário supremo, que pode mudar a composição dos órgãos governamentais, transferindo sua confiança para outros.

Do modo como imaginam Eisenberg e Feres Júnior, a análise comparativa de regimes políticos, tendo em vista a confiança nas instituições, pode funcionar como medida de seu teor democrático. Compreender a questão da confiança por sua raiz etimológica possibilita constatar a maneira como o confiar nas instituições se torna um elemento central para a vida republicana. O ato de confiar, de acordo com os autores, torna-se uma espécie de poder constituinte permanente, conforme a formação e a composição das instituições e o modo como elas são avaliadas pela própria comunidade política. A confiança nas instituições políticas carrega essa avaliação permanente, sendo um tema essencial, desse modo, a uma abordagem da república em sociedades plurais e complexas.

Todavia, vale ressaltar, do ponto de vista etimológico, mais uma distinção semântica não atentada por Eisenberg e Feres Júnior (idem), que diz respeito à diferença entre trust e confidence, no âmbito da língua ingle-sa. Apalavra confidence está relacionada com a existência de uma informação ou revelação secreta, do modo como Simmel (1977) tratou o problema da confiança. De fato, a palavra está ligada à questão do crédito monetário, que é tratado na base de um segredo entre devedor e credor. Trazendo o problema da confiança, nesta chave lingüística, para a análise política contemporânea, é essencial, como observa Simmel, o modo como as instituições são capazes de guardar o segredo dos indivíduos. Por outras palavras, o essencial é compreendermos o modo como as instituições podem proteger as esferas de autonomia e de intimidade do indivíduo, tendo em vista a contraparte da publicidade necessária nos regimes democráticos, como, por exemplo, a prestação de contas perante o público e a publicação da contabilidade pública. Eisenberg e Feres Júnior (2006) estão corretos ao afirmar que o tema da confiança está correlacionado ao tema das instituições. Contudo, o confiar nas instituições não é apenas um problema do poder originário a que os autores se referem, mas a maneira como essas instituições são depositárias dos elementos individualizadores da vida moderna, como afirmou Simmel (1977). O problema da confiança não é a possibilidade da constituição de sujeitos coletivos em torno de temas públicos, mas a maneira como estas instituições mantêm intacta a autonomia dos grupos, reforçando a solidariedade como cimento da sociedade. Ou seja, é fundamental à construção da confiança, o princípio da publicidade e a forma como as instituições incorporam esse princípio e configuram suas práticas.

Justapor essas duas perspectivas–ade Simmeleade Eisenberg e Feres Júnior – para o problema da confiança nas instituições pode ser mais interessante, na medida em que a confiança pode se constituir como um elemento para a avaliação das virtudes das instituições. A confiança nas instituições é um elemento central para uma vida republicana em sociedades plurais, porquanto ela assegura um critério de avaliação permanente da sociedade em relação ao tema das virtudes. Confiar nas instituições, portanto, é essencial para operar uma consubstanciação entre público, de um lado, e privado, de outro, atentando para a diferenciação lingüística de confidence, tratada por Simmel (1977), e trust, tratada por Eisenberg e Feres Júnior (2006). Articular dialeticamente confidence com trust significa refletir sobre o modo como as instituições políticas podem realizar a proteção do indivíduo, junto com a existência permanente do poder originário da comunidade política, o qual pode modificar as instituições visando a diferentes imperativos éticos através da exigência de publicidade.

O mundo moderno, deste modo, não necessita de virtudes do cidadão para que as liberdades republicanas possam operar em um contexto institucional. A moralização da dimensão privada requer não virtudes por parte do corpo político, mas a confiança dos homens nas instituições, as quais geram um mínimo de "inteligibilidade" em uma sociedade de estranhos. Pelo princípio da publicidade, a república pode operar em sociedades fragmentadas, ao associar público e privado pela construção da confiança em suas instituições. A moralização da dimensão pública, em contrapartida, só pode ser operada em um contexto social que estabeleça virtudes que assegurem uma unidade no seio dos princípios das instituições, ou seja, estabeleça instituições virtuosas. A moralização do público, acompanhada da moralização do mundo privado, permite a unificação dos bens em termos de valores que sustentem a vida institucional da república, projetando um ideal de bom governo e excelência moral. A crítica republicana ao liberalismo, nesse sentido, pode ser enriquecida se tomar o tema da construção da confiança em instituições como um tema central da estabilidade política e da avaliação das virtudes.

O tema da confiança nas instituições, dessa maneira, permite um aprendizado moral que reproduz suas virtudes, tendo em vista o princípio da publicidade. Mesmo em sociedades marcadas pela pluralidade de doutrinas morais e pela fragmentação, o tema das virtudes pode operar pelo aprendizado moral estabelecido pela maneira como se constrói a confiança nas instituições políticas. A confiança, desse modo, é um elemento central à vida republicana, na medida em que marca a excelência esperada do arcabouço institucional e a maneira como ele protege os segredos da vida privada e atua na base do princípio de publicidade, como apontou Simmel (1977).

Em função do tema da confiança, a questão fundamental na próxima seção é a maneira como vincular à existência da república a existência de um bem comum em sociedades plurais, no sentido de superar uma lógica essencialmente procedimental que caracteriza a vida política moderna. Ou seja, em função do tema da confiança, como se pode construir a idéia de república em sociedades complexas? Argumento que a construção da confiança não se resume a uma lógica procedimental da política, mas a um experimentalismo da vida democrática, que permite um constante aprendizado moral e uma constante reformulação das instituições, conforme a confiança esteja na base da avaliação da sociedade em relação a suas instituições políticas.

A REPÚBLICA, A CONFIANÇA E A DEMOCRACIA

A modernidade moralizou o mundo privado, ensejando o paradigma da representação enquanto mecanismo de agregação da vontade popular. O homem representa a si mesmo enquanto sujeito moral, que, perante seus semelhantes, busca o reconhecimento e a validade de seus interesses (Eisenberg, 2003)5 5 . Para uma análise do problema dos interesses, conferir Eisenberg (2003). . Ao contrário de ser virtuoso, o homem moderno procura preservar seu anonimato e sua intimidade, como vimos anteriormente, transferindo para as instituições do Estado o papel de regular as ações através da contraparte de sua confiança. Isto leva, por outro lado, a uma neutralização moral das instituições políticas em si, cujo telos é apenas garantir a segurança jurídica necessária para que o indivíduo possa fazer-se representar através de seus interesses.

De acordo com Cícero Araújo (2004:7), o problema da república deve ser distinguido em relação ao problema do Estado, porque são duas modulações distintas para se fundar uma boa ordem política. Enquanto a república se funda pelo conflito entre as partes virtuosas do corpo político, o Estado funda-se pelo alargamento da cidadania, tendo em vista a noção de plebeísmo. Enquanto a república exige virtudes de cunho aristocrático, a fundação do Estado exige um processo revolucionário, em que plebeus forçam sua entrada na civitas e exigem a extensão da cidadania. A ascensão da plebe, que muitos autores republica-nos reconhecem como fator da corrupção (Filgueiras, 2005), funda o Estado mediante sua inclusão através da revolução, que, no seu momento inicial, exige alto grau de civismo. Porém, o Estado sobrepõe-se à comunidade de cidadãos, derivando sua autoridade de mecanismos formais do direito, como observou Weber (1999:164), que dão a ele o poder de regular as relações privadas no âmbito da própria comunidade.

O Estado, ao contrário da república, funda-se pela constituição de normas, independentemente de qualquer ato virtuoso por parte dos cidadãos. Basta que sejam formalmente reconhecidos enquanto tal, para que possam buscar o reconhecimento de seus interesses. O Estado é constituído, dessa forma, a partir do modo como personifica um ordenamento jurídico, tornando-se uma pessoa jurídica, capaz de ação e sujeita a direitos e deveres. Esta personificação, por sua vez, permite ao Estado controlar os mecanismos de inclusão ou exclusão da cidadania, uma vez que, para se representar, o cidadão necessita ser formalmente reconhecido enquanto tal, independentemente de seu estado de consciência ou alienação. A fundação do Estado, por sua vez, como observa Araújo (2004:150), acaba por colocar, ontologicamente, a dimensão do procedimento sobreposta à dimensão das substâncias valorativas, as quais estão presentes no tema das virtudes.

Pelo fato de a modernidade efetuar uma moralização do indivíduo, o qual traz consigo todos os segredos de seu anonimato e de sua intimidade (Simmel, 1977), é necessário criar uma esfera de representação capaz de agregar vontades particulares e transformá-las em vontades coletivas. Por abdicar das substâncias valorativas, o Estado termina por legitimar-se na articulação formal dos interesses daqueles que compõem a sociedade, em uma condição civil. Para isso, diferencia estruturas jurídicas com o objetivo de construir, artificialmente, a pessoa do súdito e a pessoa da autoridade política. Por isso, como observa Eisenberg (2003), a linguagem do direito, na modernidade, lida com a idéia de dominium e não com a idéia de imperium. A noção de dominium significa que os sujeitos do direito (o súditoeopróprio Estado) são proprietários de direitos individuais, diferenciados, porém, conforme as coisas que regulamentam6 6 . É interessante pensar o modo como o mundo moderno opera com a questão do direito a partir do dominium e não do imperium, retornando à obra de Locke, que eleva o tema da propriedade como um direito pertencente à natureza humana, que deve ser resguardado pelo Estado. A guinada a esta concepção propiciou a emergência de uma razão liberal, atrelada à noção de proprietários e não-proprietários. A esse respeito, conferir Locke (2001). . Quando regulamentam as coisas particulares, o dominium é privado; por outro lado, quando regulam coisas que dizem respeito a muitos, o dominium é público. Derivando, do ponto de vista lógico, a relação de dominium entre os sujeitos de direito, o Estado só pode ser concebido enquanto dominação, tendo em vista a relação de propriedade, ou seja, entre aqueles que têm e aqueles que não têm (Eisenberg, 2003:164).

Como observa Cícero Araújo (2004), o direito fornece ao Estado uma ordem jurídica, que faz com que as decisões e as regras emanadas de sua vontade se dêem em um plano impessoal. Mediante a impessoalidade das relações privadas e uma moral que não requer um ideal de perfeição, a relação de dominação, ou seja, a relação entre governantes e governados, se dá no plano da representação. Isto impõe, do ponto de vista normativo, como defende o autor, a democracia enquanto mecanismo formal de decisões no governo, canalizando as vontades individuais, no sentido utilitarista da maior felicidade para o maior número. Entretanto, o ideal da representação termina por conter o ideal de civismo, uma vez que não demanda do cidadão uma projeção de excelência de suas ações. Uma vez portadores de direitos da cidadania, os indivíduos modernos participam de uma comunidade política como iguais sujeitos de direitos, tendo em vista a tutela formal do Estado, que personifica o interesse público. Essa igualdade, por sua vez, implica o estabelecimento de identidades coletivas entre os indivíduos e o Estado, rompendo o vínculo patrimonial entre governantes, corporações e famílias, próprio do mundo tradicional. Acomunidade, no mundo moderno, entretanto, é restrita enquanto amálgama do bem comum. Ela é constituída por sujeitos de direitos, que buscam preservar seu dominium reconhecido no âmbito do Estado.

O horizonte do Estado e da cidadania moderna implicou, como mostra Araújo, duas modulações distintas de fundação da boa ordem política. De um lado, a constituição mista plebéia, que busca equilibrar o domínio daqueles que têm sobre aqueles que não têm, gerando laços de solidariedade social entre grupos orgânicos que se identificam mediante a categoria trabalho. E, de outro lado, o Estado democrático, que opera no âmbito das relações associativas sem a morfologia social dos grupos, que polariza a relação de dominação no mundo plebeu. O Estado democrático lida com uma pluralidade de grupos, conforme diferentes aspectos da vida social, centrando o foco de estruturação a partir do indivíduo.

Mediante a criação destes equivalentes funcionais no mundo privado, torna-se necessária, como destaca Araújo, a existência de mecanismos de solidariedade, capazes de agregar a plebe em torno da constituição mista, dirimindo as desigualdades reais entre aqueles que têm e aqueles que não têm. Araújo (idem), entretanto, encontra uma modulação distinta de fundação da boa ordem, tendo em vista a noção de um Estado democrático capaz de amalgamar os distintos grupos presentes na arena social, que não se caracterizam por sua vida orgânica, estendendo-se por diferentes aspectos subjetivos dos interesses. Nesta modulação, o público se distingue por uma pluralidade de arenas sociais, que buscam o reconhecimento de seus interesses junto à esfera estatal. A república, de acordo com Araújo, termina por se confundir com o Estado democrático e a maneira como ele promoveu o alargamento da esfera pública, tendo em vista a noção de plebeísmo. O Estado democrático é a expressão de uma vida republicana nas sociedades contemporâneas, visto que não demanda virtudes de seus cidadãos, mas de suas instituições políticas. O Estado democrático, típico de sociedades plurais, é republicano na medida em que representa o resultado de criações institucionais virtuosas. Ao se apresentar em uma lógica procedimental pura, o Estado democrático corre o risco de perder sua base social efetiva, uma vez que depende de uma permanente reprodução de suas instituições e de seus princípios.

O problema da lógica procedimental do Estado democrático e seu teor republicano é que a proteção da autonomia privada do cidadão, portador de segredos e de uma intimidade, traz o permanente efeito de corrosão quando a participação e a base da sociedade deixam de existir para essa vida institucional. Ou seja, o Estado democrático não consegue subsistir sem uma mobilização social e política. Os processos de individuação e de complexificação das sociedades contemporâneas retiraram o indivíduo das comunidades auto-reguladas e exclusivas. Nesse sentido, a lógica procedimental do Estado democrático é necessária à política moderna, apesar de correr o risco de corrosão em função de uma baixa participação da cidadania.

Existe uma modulação do Estado democrático não atentada por Araújo, presente no pragmatismo de John Dewey. A comunidade envolve uma variedade de associações às quais os indivíduos se filiam na busca da satisfação de seus interesses, não envolvendo nenhum tipo de juízo sobre o bem, dado a priori. Um mesmo indivíduo pode pertencer a diferentes associações, fazendo com que os laços de pertencimento se fortaleçam mediante uma forma de socialização secundária, dada pelo Estado. O público, na acepção de Dewey, depende da existência do Estado como mecanismo secundário de associação, capaz de coadunar os diferentes interesses, organizando-os na forma pública através de regulações acima da pluralidade dos grupos. Todavia, a comunidade é a realização de um ideal ético, que torna a democracia uma exigência para a consecução da república, contrabalançando o agonismo dos interesses e das necessidades dos atores políticos (Dewey, 1991).

Se, como apresentei anteriormente, a sociedade moderna perdeu uma característica comunitária que pertencia à tradição, o modo como Dewey (idem) articula a questão permite uma solução de continuidade sem o espírito virtuoso do passado, entendido enquanto ideal de excelência. As pequenas associações reforçam os laços de pertencimento, desde que haja a regulação dada pelo Estado acima delas, congregando os diferentes interesses na forma de soluções cooperativas. O Estado é responsável por dar uma vida moral à vida orgânica das associações, permitindo o engajamento dos indivíduos nos assuntos tidos como públicos. A virtude, como podemos derivar de um viés pragmático como o de Dewey, é uma disposição do cidadão para participar dos assuntos das associações às quais pertence, configurando uma unidade experimentada entre contextos práticos de açãoeoeu moralizado da modernidade. Uma vez que a participação em diferentes associações visa à satisfação dos interesses privados, o engajamento coletivo resulta em uma vida moral que sustenta o Estado democrático, garantindo a virtude de suas instituições e de seus princípios. Essa moral, entretanto, segundo o autor, é contingente e depende de uma experimentação constante por parte dos indivíduos. O indivíduo é cônscio de seus interesses, mas compartilha uma moral independente da pluralidade de doutrinas às quais eles pertençam. Ou seja, as virtudes das instituições são construídas conforme um contexto de aprendizado moral que vem de baixo para cima, conforme uma esfera pública que se amplia pela existência de associações e outros sujeitos coletivos.

O Estado é responsável, segundo Dewey (idem), por fundar uma cooperação reflexiva entre os grupos. Por um lado, esta cooperação reflexiva entre os grupos permite limitar a função do Estado na sociedade, contendo sua capacidade opressiva. Por outro, a participação dos grupos de interesse na arena estatal (pública) permite uma representação ampliada, independente da sua forma. A participação dos grupos, nos termos como o pluralismo de Dewey é apresentado, possibilita uma substância democrática, convergindo os diferentes interesses mediante a experimentação. O experimentalismo democrático do autor permite aos indivíduos interagirem com seu contexto e formarem um saber comum, o qual enseja consensos capazes de reproduzir a comunidade auto-regulada e propiciar padrões de sociabilidade que garantam a existência de mecanismos de solidariedade. Ao contrário do pluralismo vazio de conteúdo ético, apresentado por Araújo (2004), Dewey (1991) reforçou a existência moral da comunidade enquanto construção de um saber que perpassa a vida econômica, universalizando as condições para a cidadania política. Esse saber é, fundamentalmente, o valor da democracia enquanto princípio da vida republicana e das virtudes das instituições.

Essa experimentação, contudo, é paralisada em um contexto próprio do início do século XX, em que o público é eclipsado pela degeneração dos laços comunitários originários de uma moral dada pelo Estado. A sociedade tornou-se complexa, exigindo uma administração especializada, em função dos desenvolvimentos em matéria tecnológica e industrial. O Estado deixou de se legitimar pela agregação das vontades privadas das associações e se impôs mediante imperativos técnicos da linguagem científica. O fato, segundo Dewey (idem), é que a "Great Society" invadiu as pequenas comunidades, intensificando um processo de apatia crescente em função da modernização. A complexidade da "Great Society" prejudicou os canais de comunicação no interior da comunidade, impedindo a construção de consensos pragmáticos em torno de uma pluralidade de doutrinas razoáveis. A "Great Society", segundo Dewey (idem), retirou da capacidade humana de experimentação a criação de instituições sociais, jurídicas e políticas, responsivas às demandas do homem comum, criando um contexto de apatia.

A noção de um Estado democrático ou de uma constituição mista plebéia, como apresentada por Araújo (2004), mediante seus mecanismos formais de articulação dos interesses, não dá conta de estabelecer a legitimação de uma boa ordem política, sem as formas pedagógicas que propiciem o pleno exercício da cidadania, no seu formato da busca de uma liberdade positiva, ou republicana. A questão da república assenta-se não meramente em uma reforma moral, como Araújo (idem) é tentado a concluir. Assenta-se, sobretudo, em uma pedagogia que permita ao homem comum criar um saber compartilhado, que transmute as instituições do Estado de uma noção de dominium para uma noção de imperium, capaz de absorver os conflitos e as necessidades da arena social, mediante uma legitimação substantiva em torno de consensos normativos. Saber comum, como mostramos anteriormente, capaz de proporcionar a confiança necessária nas instituições políticas, possibilitando alongar a vida institucional pela participação concreta do homem comum nos negócios públicos. A pedagogia política decorrente da experimentação permite ao homem comum fundar uma nova modulação republicana, ampliando os horizontes da participação no âmbito da esfera pública, tendo em vista os diferentes contextos de uma sociedade plural e complexa, na qual a confiança é fator de primeira ordem para a construção da solidariedade.

Se o Estado democrático incorporou os ideais republicanos de alargamento da esfera pública, esse tipo de operação apenas pode ser realizado se suas instituições puderem exercer um permanente processo de aprendizado moral, como demonstra Dewey (1991). É fundamental pensar a idéia de uma democracia do homem comum, tendo em vista a maneira como o alargamento dessa esfera pública ocorre em um contexto de participação ampliada. O experimentalismo de Dewey (idem) é fundamental para a constituição de um pensamento republicano, na medida em que ele está sustentado em um aprendizado moral. Esse aprendizado moral, entretanto, depende de instrumentos de avaliação por parte da sociedade em relação às instituições políticas. Como apresentei na seção anterior, a avaliação das virtudes das instituições pode ser realizada na construção da confiança, visto que ela é um elemento individualizador e que pode garantir o aprendizado moral referido por Dewey (idem), bem como potencializar o experimentalismo democrático no sentido de aperfeiçoamento e busca de um estado ideal de excelência de suas instituições. Como o resgate de uma concepção republicana passa pela superação de uma lógica procedimental da política, é possível imaginar que o conceito de confiança, aliado à idéia de experimentalismo democrático de Dewey, possa contribuir para a construção de um horizonte valorativo para a política, mesmo em sociedades plurais e complexas.

O experimentalismo democrático contém um elemento de aperfeiçoamento permanente das instituições, em contextos de participação e aprendizado moral. Argumento que o tema da confiança, nesse sentido, pode ser um elemento central desse aperfeiçoamento e busca pela excelência das instituições, na chave em que Simmel (1977) e Eisenberg e Feres Júnior (2006) apresentam o tema. Esta concepção permite superar uma leitura procedimental da república, bem como agregar valor à análise de suas instituições, mesmo que se esteja falando de sociedades marcadas por uma pluralidade de doutrinas morais. A construção da confiança, nesse sentido, é fundamental a uma concepção republicana da política, já que ela procura ser a superação de uma leitura política baseada no princípio da neutralidade, ou seja, uma superação da leitura liberal de mundo. Como a confiança nas instituições é construída pela sociedade, ela se torna constitutiva de um aprendizado moral que integra sua excelência em contextos marcados pelo pluralismo.

A confiança nas instituições torna-se um elemento central para a construção de uma referência republicana à existência do Estado democrático. Ela é um elemento individualizador fundamental, como destacou Simmel (1977), bem como é um elemento constituinte que permite à sociedade avaliar, de forma permanente, o mundo dessas instituições, como indicaram Eisenberg e Feres Júnior (2006). As virtudes das instituições dependem de um estado de vigília perene por parte dos cidadãos em relação ao Estado. A vida associativa e a maneira como se constituiu o Estado democrático, de acordo com Dewey (1991), possibilitam um processo de aprendizado moral, em face de instituições virtuosas, porquanto portadoras da confiança do cidadão comum. A república depende, nesse sentido, da existência de uma base social disposta a criar uma esfera pública marcada pela pluralidade, mas que partilha a confiança em uma vida institucional assentada, fundamentalmente, na democracia.

CONCLUSÕES ESPARSAS: REPÚBLICA, CONFIANÇA E INSTITUIÇÕES

O experimentalismo democrático de John Dewey pode fornecer algumas chaves teóricas para a compreensão de uma vida institucional republicana, no contexto de sociedades complexas e plurais. A forma como o pragmatismo propôs o tratamento da questão de uma comunidade auto-regulada, capaz de estabelecer consensos que impliquem na consecução de uma noção de bem, a qual se anteponha à noção de interesses, permite a construção de uma vida institucional efetiva, apta a moldar os padrões de sociabilidade no contorno de uma moralização do público e do privado.

O modo como o pragmatismo de Dewey articulou a questão de um saber comum constituído pela comunidade dos intérpretes permite a consecução de uma arena pública, independente de estados de consciência. A premissa é a capacidade de o homem comum fomentar padrões de sociabilidade que permitam a livre participação em contextos de necessidades práticas, articulando interesses, com o intuito da satisfação dos desejos. A constituição deste conhecimento comum possibilita a moralização do público, refundindo o corpo social e político mediante uma esfera pública ativa, a qual seja capaz de mediar e reaproximar o indivíduo das instituições. Padrões de confiança nas instituições, tal como tratamos na segunda parte deste artigo, torna-se possível mediante o resgate de relações comunitárias no âmbito de sociedades complexas, possibilitando a constituição de valores no âmbito de instituições, as quais são constantemente interpretadas e reformuladas, conforme contextos de ação prática, sem abdicar do processo de individuação, típico da modernidade. Não significa, portanto, recuperar um período romântico da política, mas pensar a república em estados práticos da razão.

Além disso, a possibilidade aberta pelo experimentalismo democrático possibilita transcender os mecanismos formais do Estado de direito, atrelado à noção de dominium, para uma noção de imperium, uma vez que as normas e os costumes são derivados não por instrumentos formais da razão, mas pelo constante experimentar, de forma que absorva forças emancipatórias da sociedade. Como chama a atenção Eisenberg (2003), o experimentalismo democrático propicia superar a crise da razão liberal, fomentando um novo contexto de liberdades republicanas. De outro lado, o experimentalismo democrático, como observam Werneck Vianna e Carvalho (2004), possibilita resgatar o tema da pedagogia cívica exercida pelo direito e suas instituições. A Constituição passa a ser uma construção aberta por parte da sociedade, derivando princípios fundamentais capazes de generalizar a participação mediante formas organizadas, não orgânicas, presentes na arena social (Buttle, 2001).

Estes princípios fundamentais, dados pela refundação do corpo político, no sentido republicano, permitem a efetivação de substâncias valorativas que sustentem o aparato formal do Estado, em consonância com uma vida moral passível de interpretação por parte da sociedade, ganhando textura concreta no âmbito da sua aplicação prática. A nervura do aparato institucional, dado pela experimentação, torna possível a existência de contextos de confiança ampliada, protegendo tanto o indivíduo – portador de segredos –, quanto a comunidade – local da publicidade. O essencial é essa vida institucional refutar qualquer forma de ignorância ou indiferença – apatia. O experimentalismo democrático possibilita o constante agir político, tendo em vista o horizonte do princípio republicano como motor do corpo político e de suas virtudes, sendo a solidariedade social derivada da confiança como guia de uma vida institucional.

A experimentação democrática possibilita uma vida moral, uma vez que a participação ampliada e a pedagogia cívica permanente ensejam um contexto de virtudes capazes de assegurar, intersubjetivamente, normas de convivência no interior da comunidade. A experimentação, portanto, permite a compatibilização da moral do mundo privado com a moralização necessária do público, coibindo contextos de apatia ou ignorância por parte dos cidadãos. Contudo, o experimentalismo democrático não exige virtudes cívicas típicas do mundo tradicional. Não significa, para qualquer concepção republicana, simplesmente resgatar a existência de uma comunidade assentada no mundo aristocrático, que a todo tempo avalia a virtude dos cidadãos. As sociedades complexas e plurais do mundo contemporâneo operam em contextos políticos assentados no mundo privado e na confiança em instituições. É a construção dessa confiança que representa o elemento estabilizador para a vida republicana, tendo em vista seu poder mediador da relação entre o público e o privado, como observou Simmel (1977). Instituições virtuosas de uma república são aquelas que procuram sustentar uma relação de confiança com a sociedade.

A construção dessa confiança só pode ocorrer em contextos efetivamente democráticos, tendo em vista os termos da liberdade positiva e a maneira como os cidadãos participam no âmbito da esfera pública. A república deve absorver essa idéia de confiança como um elemento central para sua construção, no âmbito de sociedades plurais e complexas. A idéia da confiança nas instituições pode ser um elemento unificador das práticas plurais construídas na esfera pública contemporânea, tornando-se um elemento central de reprodução e aprendizado das próprias instituições e de seus valores.

NOTAS

(Recebido para publicação em julho de 2006)

(Versão definitiva em setembro de 2007)

Fernando Filgueiras é doutor em Ciência Política no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro — Iuperj e pesquisador do Centro de Referência do Interesse Público da Universidade Federal de Minas Gerais — UFMG. Áreas de interesse: teoria política, corrupção, república, teoria democrática. É autor de artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais sobre o tema da corrupção na política (E-mail: fernandofilgueiras@hotmail.com).

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  • 1
    . Isaiah Berlin distingue dois tipos de liberdade, a positiva e a negativa. A liberdade positiva é aquela, segundo Berlin, em que o homem nutre uma vontade de ser seu próprio senhor, de decidir sem que os outros decidam por ele. Por outro lado, a liberdade negativa é aquela que consiste no impedimento, por parte de outros homens, de escolher como um indivíduo deve agir. A liberdade negativa demanda a criação de mecanismos coercitivos, via direito, que protejam o indivíduo de seus semelhantes. A posição de Berlin é a defesa do modelo negativo de liberdade, referendando uma posição já clássica nas filosofias de Platão e Hegel, em que o modelo positivo de liberdade pode tornar o homem escravo da natureza ou de suas paixões, devido ao fato de ainda não terem se tornado conscientes de sua ontologia. Aliberdade positiva em uma sociedade massificada, tal como a sociedade moderna, pode tornar o homem escravo de seus interesses, resultando na degeneração de qualquer forma de organização da política. A esse respeito, conferir Berlin (2002).
  • 2
    . Maquiavel direciona sua crítica a toda filosofia de teor neoplatônico, ligada especialmente a narrativas cristãs do mundo. A política, nos termos apresentados por Maquiavel, é independente de qualquer estado ou situação de consciência por parte dos agentes políticos. É neste sentido que Maquiavel irá recuperar os grandes historiadores da tradição helênica e romana, entre eles, especialmente, Heródoto, Homero, Políbio e Tito Lívio.
  • 3
    . Apesar de Bellah não citar a obra de Carl Schmitt, é interessante o modo como este autor articula o conceito de representação com o catolicismo romano e sua defesa do homem natural. A formalidade, segundo Schmitt, das instituições de tradição católica assenta-se no rigor desempenhado pelo princípio de representação da Igreja perante Deus. A esse respeito, conferir Schmitt (1998).
  • 4
    . O conceito de capital social diz respeito a um conjunto de valores ou normas informais, os quais permitem aos membros de um determinado grupo cooperarem entre si. O capital social pode ser considerado como um estoque de normas cooperativas, tais como reciprocidade, honestidade e altruísmo, que cada sociedade constrói em sua história cultural. O capital social propaga-se conforme externalidades positivas, em seu sentido econômico, fazendo com que os indivíduos sejam socializados no conjunto destas normas e reproduzam suas funções no interior da sociedade. A esse respeito, ver Putnam (1993) e Fukuyama (2002).
  • 5
    . Para uma análise do problema dos interesses, conferir Eisenberg (2003).
  • 6
    . É interessante pensar o modo como o mundo moderno opera com a questão do direito a partir do
    dominium e não do
    imperium, retornando à obra de Locke, que eleva o tema da propriedade como um direito pertencente à natureza humana, que deve ser resguardado pelo Estado. A guinada a esta concepção propiciou a emergência de uma razão liberal, atrelada à noção de proprietários e não-proprietários. A esse respeito, conferir Locke (2001).
  • *
    Agradeço aos professores Luiz Werneck Vianna e Maria Alice Rezende de Carvalho pelos comentários sobre este estudo. Do mesmo modo, agradeço os comentários dos pareceristas anônimos de
    DADOS, que muito contribuíram para a construção do argumento final deste artigo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      Set 2007
    • Recebido
      Jun 2006
    Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) R. da Matriz, 82, Botafogo, 22260-100 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel. (55 21) 2266-8300, Fax: (55 21) 2266-8345 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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