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Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da interpretação judicial dominante

The right to health, scarce resources, and equity: inherent risks in the predominant legal interpretation

Droit à la santé, faibles ressources et équité: les risques de l'interprétation judiciaire dominante

Resumos

This article discusses the right to health as provided by the Brazilian Constitution in light of the increasing number of court rulings that order government to supply health products and services that have not been incorporated into public policies by other means. Using the Constitution's concept of health as the point of departure, authors demonstrate that guaranteeing the right to health requires more comprehensive social and economic policies. They argue that scarcity of resources places a limit on the formulation of public policies and that equity should be the underlying principle for orienting resource allocation. The article contends that the interpretation of the right to health as the individual right to unlimited care (the predominant position in the Brazilian Judiciary) is sustained to the detriment of the Constitutional principles of equity and universality, and that this interpretation results in a reversal in the primary objectives of the Unified National Health System (SUS), transforming it into an instrument for the perpetuation of the country's persistently daunting health inequities.

right to health; public policies; Unified National Health System; equity in resource allocation; legal rulings; pharmaceutical services


Dans ce travail, on discute le droit à la santé figurant dans la Constitution brésilienne, à la lumière de nombreuses sentences judiciaires obligeant les pouvoirs publics à offrir des produits et services de santé absents des politiques publiques. On part de la conception de santé établie dans la Constitution pour montrer que sa mise en œuvre dépend d'une action plus globale des politiques sociales et économiques. On constate que le manque de ressources empêche le démarrage de ces politiques, dont le principe capital serait l'équité qui guiderait leur mise en place. On soutient que l'interprétation du droit à la santé comme droit individuel et illimité, tel que le Pouvoir Judiciaire le pratique, est maintenue aux dépens des principes d'équité et d'universalité établis dans la Constitution, interprétation menant à l'inversion des objectifs fondamentaux du Système Unique de Santé (SUS), qui en fait un instrument de perpétuation des iniquités dans le domaine de la santé au Brésil.

droit à la santé; politiques publiques; Système Unique de Santé (SUS); équité dans la mise en place des ressources; décisions judiciaires; assistance pharmaceutique


right to health; public policies; Unified National Health System; equity in resource allocation; legal rulings; pharmaceutical services

droit à la santé; politiques publiques; Système Unique de Santé (SUS); équité dans la mise en place des ressources; décisions judiciaires; assistance pharmaceutique

Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da interpretação judicial dominante

The right to health, scarce resources, and equity: inherent risks in the predominant legal interpretation

Droit à la santé, faibles ressources et équité: les risques de l'interprétation judiciaire dominante

Octávio Luiz Motta Ferraz; Fabiola Sulpino Vieira

ABSTRACT

This article discusses the right to health as provided by the Brazilian Constitution in light of the increasing number of court rulings that order government to supply health products and services that have not been incorporated into public policies by other means. Using the Constitution's concept of health as the point of departure, authors demonstrate that guaranteeing the right to health requires more comprehensive social and economic policies. They argue that scarcity of resources places a limit on the formulation of public policies and that equity should be the underlying principle for orienting resource allocation. The article contends that the interpretation of the right to health as the individual right to unlimited care (the predominant position in the Brazilian Judiciary) is sustained to the detriment of the Constitutional principles of equity and universality, and that this interpretation results in a reversal in the primary objectives of the Unified National Health System (SUS), transforming it into an instrument for the perpetuation of the country's persistently daunting health inequities.

Key words: right to health; public policies; Unified National Health System; equity in resource allocation; legal rulings; pharmaceutical services

RÉSUMÉ

Dans ce travail, on discute le droit à la santé figurant dans la Constitution brésilienne, à la lumière de nombreuses sentences judiciaires obligeant les pouvoirs publics à offrir des produits et services de santé absents des politiques publiques. On part de la conception de santé établie dans la Constitution pour montrer que sa mise en œuvre dépend d'une action plus globale des politiques sociales et économiques. On constate que le manque de ressources empêche le démarrage de ces politiques, dont le principe capital serait l'équité qui guiderait leur mise en place. On soutient que l'interprétation du droit à la santé comme droit individuel et illimité, tel que le Pouvoir Judiciaire le pratique, est maintenue aux dépens des principes d'équité et d'universalité établis dans la Constitution, interprétation menant à l'inversion des objectifs fondamentaux du Système Unique de Santé (SUS), qui en fait un instrument de perpétuation des iniquités dans le domaine de la santé au Brésil.

Mots-clé: droit à la santé; politiques publiques; Système Unique de Santé (SUS); équité dans la mise en place des ressources; décisions judiciaires; assistance pharmaceutique

INTRODUÇÃO

Quando se discutem políticas de saúde no Brasil de hoje, não se podem ignorar os arts. 6º e 196 da Constituição Federal de 1988, que reconhecem a saúde como direito fundamental das pessoas e dever do Estado. Um assunto que até 1988 era primordialmente técnico e político passou a ser também jurídico e de ordem constitucional.

As implicações dessa "juridicização constitucional" das políticas de saúde estão longe de ser triviais. De um lado, tal "juridicização" impõe aos técnicos em saúde pública princípios e limites legais que antes não estavam presentes ou, quando estavam, não se revestiam da força de normas constitucionais. De outro, traz ao seio do mundo jurídico uma das mais complexas áreas de políticas públicas do Estado moderno. Não seria realista esperar que esse embate entre duas áreas técnicas distintas, que operam com conceitos e modelos de racionalidade significativamente diversos, se desse sem maiores choques e conflitos.

A partir do fim da década de 1990, os problemas latentes dessa união inusitada vêm aflorando em milhares de ações judiciais espalhadas pelo país, centenas delas culminando na mais alta corte, o Supremo Tribunal Federal. Percebe-se, nessas ações, um claro descompasso entre o que o Poder Judiciário e o que os técnicos em saúde do Estado vêm entendendo por direito à saúde. De um lado, os especialistas em saúde pública partem da premissa de que os recursos da saúde são necessariamente limitados em relação à demanda. É necessário, por consequência lógica, fazer escolhas sobre a utilização desses recursos. O direito à saúde, nesse contexto, é também necessariamente limitado, e não absoluto. Além disso, é consenso entre os profissionais da área que a saúde das pessoas é determinada por uma série de fatores sociais, econômicos, ambientais e biológicos inter-relacionados, e não exclusivamente pelos cuidados médicos a que têm acesso. A atenção à saúde depende, portanto, de políticas multissetoriais abrangentes que vão muito além dos serviços médicos e do fornecimento de medicamentos. De outro lado, o Judiciário parte da premissa de que a saúde(e aprópria vida) foi (foram) erigida(s) ao status de direitos fundamentais pela Constituição de 1988. Diante da irrefutável importância desses valores e da força normativa que a Constituição lhes empresta, o problema da escassez de recursos é colocado em plano secundário. Trata-se, na visão da maioria dos tribunais, de interesse financeiro do Estado menor, que não pode se sobrepor aos bens maiores da saúde e da vida. Além disso, na maioria das ações que chegam ao Judiciário, o que se pleiteiam são intervenções médicas pontuais e específicas, como a realização de determinada operação ou o fornecimento de certo medicamento. Assim, a saúde é necessariamente isolada de seu contexto socioeconômico ambiental mais amplo e vista do prisma estreito dos cuidados médicos.

É compreensível a preocupação do Judiciário sobre o risco de os chamados direitos econômicos e sociais garantidos pela Constituição serem negligenciados sob o pretexto de que são normas programáticas, isto é, sem eficácia plena. Porém, isso não justifica descartar o problema da escassez de recursos como se ele fosse ilusório ou secundário.

Neste artigo, sugerimos uma interpretação do direito à saúde com potencial de resolver o atual impasse entre a visão dominante no Judiciário e a visão dos especialistas em saúde pública.

A CONCEPÇÃO DE SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS

A Constituição Federal reconhece, em linha com o pensamento mais atual, que a oferta de serviços e produtos médicos por si só não basta para proteger a saúde da população. Com efeito, no art. 196 da Carta Constitucional, está expressamente previsto que a garantia do correspondente direito à saúde se dá "mediante políticas sociais e econômicas [...] e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços" para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Há claro reconhecimento, portanto, de que a saúde possui determinantes múltiplos e complexos quer e querem a formulação e a implementação, pelo Estado, de políticas públicas abrangentes, isto é, que vão além da garantia de acesso a serviços e produtos médicos. Isso é reforçado pelo art. 200, que estabelece, de forma não exaustiva, as competências do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo: ações de vigilância sanitária e epidemiológica, e de saúde do trabalhador (inciso II); ações de saneamento básico (inciso IV); pesquisa (inciso V); controle de qualidade de alimentos e bebidas (inciso VI); e proteção do meio ambiente (VIII).

A Lei nº8.080/1990, que institucionalizou o SUS à luz dessa concepção ampla do conceito de saúde adotado na Constituição, reafirma em seu art. 3ºque, entre outros, "a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer" determinam significativamente os níveis de saúde da população, e estes, por sua vez, "expressam a organização social e econômica do país".

Um estudo sobre doenças respiratórias agudas em menores de 5 anos, publicado recentemente, revelou, por exemplo, que o risco de mortalidade por pneumonia na região do Butantã, em São Paulo, foi significativamente maior, entre 1991 e 1997, nas crianças com piores condições socioeconômicas, incluindo-se as condições de moradia (Chiesa, Westphal e Akerman, 2008). Estudos como esse, inseridos no campo de pesquisa das iniquidades em saúde, são cada vez mais frequentes e demonstram bem a importância do enfoque abrangente adotado pela Constituição. É claro que serviços de saúde e produtos farmacêuticos são importantes e necessários para promoção e proteção à saúde, mas não são suficientes e, frequentemente, não são nem mesmo o fator mais importante. No estudo mencionado como exemplo, as condições ambientais são tão ou mais importantes para a proteção da saúde das crianças contra doenças respiratórias agudas, que têm uma participação importante na mortalidade infantil no Brasil (representam 10% das mortes entre os menores de 1 ano).

É nesse contexto abrangente e complexo de multidimensionalidade dos determinantes da saúde que se deve interpretar o direito à saúde. Não se trata apenas de determinar se o Estado deveria ou não fornecer determinado medicamento, cirurgia etc., mas sim se as políticas estatais são, em sua totalidade, adequadas para enfrentar os complexos determinantes da saúde da população em geral.

A Escassez de Recursos e o Direito à Saúde

Quando mencionamos anteriormente que a maior parte dos problemas de saúde tem determinantes multidimensionais e complexos e, consequentemente, demandam políticas públicas também complexas e integradas em diversas áreas - cuja escolha, desenho e implementação envolvem importantes dificuldades -, não estávamos pensando apenas em problemas técnicos, como a impossibilidade de se prever resultados ou a dificuldade de se aferir de antemão a efetividade de determinada política. Além dessas dificuldades, significativas, há ainda oproblemada escassez de recursos.

Ainda que soubéssemos exatamente quais políticas são eficazes para garantir o mais alto grau de saúde possível a toda a população, seria impossível implementar todas essas políticas. Isso porque, enquanto as necessidades de saúde são praticamente infinitas, os recursos para atendê-las não o são, e a saúde, apesar de ser um bem fundamental e de especial importância, não é o único bem que uma sociedade tem interesse em usufruir (Newdick, 2005).

Isso aponta para uma importante distinção, quando se pensa em saúde diante da escassez de recursos. Poderíamos expressá-la da seguinte maneira: "escassez relativa" e "escassez absoluta". Por escassez "relativa"indica-se ofatode que os recursos disponíveis ao Estado para investimento não se destinam apenas à saúde. Desse modo, a saúde compete com outras áreas em que o Estado é também obrigado a investir, como educação, segurança pública, esporte, cultura. No caso brasileiro, há, hoje, apesar de passível de regulamentação, um limite mínimo de investimento na saúde determinado constitucionalmente (Emenda nº29), mas tudo o que ultrapassar esse patamar compete com outras áreas (Senado Federal, 2007). Assim, o que se pode e quer gastar em saúdeésempre relativo ao que se pode e quer investir em outras áreas.

Por escassez "absoluta", indica-se o que ocorre em menor ou maior escala em todos os países do mundo, mesmo nos ricos. Por maiores que sejam os recursos destinados exclusivamente à saúde no processo de alocação em que entram as demais áreas, haverá sempre menos recursos disponíveis que os necessários para atender a todas as necessidades de saúde da população. Isso implica, evidentemente, a necessidade de fazer escolhas, muitas vezes difíceis, entre as diversas políticas de saúde possíveis.

O problema da escassez de recursos completa o pano de fundo no qual se deve refletir sobre a complexa tarefa de definir o conteúdo do direito constitucional à saúde. Para resumir, três fatores principais compõem o que poderíamos chamar de contexto necessário do direito à saúde. Em primeiro lugar, deve-se compreender que a saúde não se resume à mera ausência de doença, mas se trata de um conceito multidimensional que engloba determinantes de natureza ambiental, social, econômica e cultural importantes. Em segundo lugar, essa multidimensionalidade do conceito de saúde implica necessariamente complexidades na elaboração e na implementação das medidas que visam à sua proteção, promoção e recuperação, isto é, na chamada política de saúde, ou, mais propriamente, nas chamadas políticas de saúde. Por fim, deve-se lembrar que as necessidades de saúde da população vão sempre muito além dos recursos disponíveis para atendê-las, obrigando-nos a realizar escolhas difíceis sobre como e onde aplicar esses recursos.

Retornemos agora, então, à nossa questão essencial. Como entender, diante desse contexto extremamente complexo, o direito constitucional à saúde? É possível determinar com precisão o conteúdo do direito à saúde nesse contexto? Como saber se o direito de uma pessoa à saúde foi ou não desrespeitado em determinada situação concreta?

Os céticos em relação aos chamados direitos econômicos e sociais, entre os quais o direito à saúde se enquadra, diriam que é impossível responder às duas últimas perguntas. O direito à saúde, assim como outros direitos sociais (moradia, educação etc.), seria incorrigivelmente vago, impossível de determinar. O máximo que se poderia dizer desses direitos é que são "metadireitos" (Sen, 1984; tradução dos autores), ou seja, são direitos à implementação, pelo Estado, de políticas públicas globais que visem à melhoria da saúde da população, e não direitos individuais à determinada medida ou bem específico, como um determinado tratamento ou medicamento.

Diante das complexidades acima discutidas, percebemos que não se trata de uma posição fácil de rebater. Contudo, aceitá-la equivaleria, na prática, a reconhecer que tais direitos efetivamente não existem, senão como slogans políticos, e que, apesar de estarem expressamente reconhecidos na Constituição, não possuem a força que normalmente se espera das normas constitucionais. Esse é o dilema gerado pela constitucionalização dos chamados direitos econômicos e sociais (Michelman, 2003; Ferraz, 2008), nem sempre reconhecido com a devida importância no mundo jurídico brasileiro, especialmente nos tribunais.

Não ofereceremos, neste artigo, uma solução para o dilema apontado. Nosso objetivo mais modesto é apresentar um caminho possível para a compreensão do direito à saúde que leva em conta o admitidamente complexo, porém necessário, contexto discutido anteriormente. Na seção seguinte, focaremos a discussão no SUS e no problema da escassez de recursos, em particular na assistência farmacêutica, pois esta é hoje uma das áreas mais problemáticas e assíduas no debate sobre o direito àsaúde. Entretanto, não se deve perder de vista que se trata apenas de uma das várias dimensões do problema da saúde, como procuramos mostrar anteriormente.

Escassez de Recursos: Mito ou Realidade?

Quando se insiste na questão da escassez de recursos no contexto dos direitos sociais, como o direito à saúde, corre-se o risco de ser mal interpretado. Há certa antipatia, não totalmente injustificada, com esse tipo de argumento "econômico", principalmente no campo da saúde. Em país tão desigual como o Brasil, e com serviços públicos historicamente negligenciados e subfinanciados, falar em limites financeiros a programas sociais levanta imediatamente a suspeita de que se está apresentando um mero pretexto para justificar a carência de recursos em serviços que beneficiam os desprivilegiados.

Queremos enfatizar, desse modo, que não estamos aqui sustentando que os serviços públicos de saúde no Brasil são adequadamente financiados e não precisam de mais investimentos. Pelo contrário, parece-nos haver argumentos de que o Estado brasileiro, embora esteja investindo mais em saúde, em termos reais, ainda gasta pouco e mal em comparação com outros países. O Gráfico 1 apresenta a evolução do gasto do Ministério da Saúde em nosso país.


Observa-se que, de 2001 a 2006, houve aumento real, da ordem de 7,5%, nos gastos do Ministério da Saúde, e a curva mostra, a partir de 2003, tendência de crescimento. Quando se focalizam o gasto em saúde como percentual do Produto Interno Bruto (PIB)e o gasto em saúde per capita, nota-se que o Brasil gasta mais em saúde que outros países vizinhos com níveis superiores de renda que o nosso (Tabela 1).

Isso poderia gerar a falsa impressão de que estamos investindo suficientemente em saúde para nossas possibilidades econômicas. Entretanto, quando se verificam os indicadores de saúde da população brasileira em relação a esses mesmos países, constata-se que o Brasil, apesar de aparentemente gastar muito per capita ecomopercentualdo PIB, possui os piores indicadores, e por longa margem. A Tabela 1 compara ainda os gastos em saúde ea mortalidade de crianças menores de 5 anos do Brasil e de alguns países, tomando-se os dados mais recentes disponíveis.

Muitos fatores podem explicar essa discrepância entre gastos e resultados. Comparando-se o Brasil com os países desenvolvidos selecionados, percebe-se que ele, apesar de ter gastos similares em termos de percentual do PIB, tem gastos per capita 41% menores que os do Reino Unido e 52% menores que os do Canadá. Em relação aos demais países da América Latina, os dados sugerem que o Brasil pode estar aplicando seus recursos com menos eficiência. Outro fator importante a levar em consideração é que os dados representam apenas um corte do ano de 2004. Não levam em conta, portanto, o histórico em saúde dos países selecionados. Além disso, os dados agregados não revelam a distribuição dos gastos entre a população.

É preciso notar que, do gasto total em saúde no Brasil em 2004, menos da metade (45,9%) se refere a gastos públicos, isto é, do Estado, com a população que usa os serviços públicos de saúde, a maioria no Brasil (quase 80%). Quando se tomam apenas os gastos públicos, o valor per capita cai para US$ 822, e o gasto como percentual do PIB cai para 3,9%. Ou seja, enquanto as necessidades de saúde de 150 milhões de brasileiros, na época, eram enfrentadas com 45,9% dos gastos totais em saúde (equivalentes a 3,9% do PIB), apenas 40 milhões tinham acesso a quase esse mesmo valor (54,1% dos gastos totais, equivalentes a 4,7% do PIB).

Os dados apresentados sugerem que o financiamento do SUS pode estar aquém do necessário e também que o desempenho não tem sido ótimo com a utilização dos recursos disponíveis. Entretanto, para uma avaliação mais conclusiva sobre a eficiência ou sua falta no uso dos recursos públicos e sobre a necessidade de ampliação do financiamento, estudos mais detalhados precisam ser desenvolvidos, capturando várias dimensões do sistema - como a produção, a qualidade e o acesso aos serviços -, considerando que o Brasil está classificado entre os países de maior desigualdade de renda do mundo e que esse fator influencia os níveis de saúde da população geral.

A literatura recente sobre financiamento no Brasil reporta as dificuldades de cumprimento da alocação das alíquotas definidas das receitas dos entes federados em saúde. Ribeiro, Piola e Servo (2006), em seu estudo sobre o Ministério da Saúde, da perspectiva do financiamento e do gasto das políticas sociais, constataram que as participações relativas das diferentes fontes de financiamento apresentaram flutuações entre 1995 e 2000, estabilizando-se apenas a partir de então até 2005, quando as contribuições responderam pela maior fonte de financiamento, com destaque para a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Isso revela a dificuldade de manutenção da estabilidade do financiamento da saúde em âmbito federal.

Esses desafios já tinham sido apontados por Marques e Mendes (2005), em seu trabalho sobre os dilemas de financiamento do SUS no contexto da seguridade social. Os autores discutem os constrangimentos econômicos impostos à institucionalização do SUS e suas manifestações, como o desafio da descentralização de ações e serviços de saúde em um momento de corte nos gastos sociais e a luta pela garantia de recursos financeiros para o sistema. Obviamente, esse estudo demonstra que há disputas na arena política que criam obstáculos à estabilidade do financiamento. Considerando que um dos modos mais efetivos para enfraquecer uma política social é minar suas fontes de recursos, infere-se daí a existência de interesses contrários ao do projeto de consolidação do SUS, com seus princípios de universalidade, integralidade e equidade.

Não estamos afirmando que já existem recursos suficientes no SUS. O que defendemos é simplesmente o seguinte: por mais recursos que sejam destinados à saúde, nunca será possível atender a todas as necessidades de saúde de uma população, esteja ela em um país economicamente desenvolvido ou em um país em desenvolvimento, como o Brasil. Sempre haverá a necessidade de se fazer escolhas, e estas são muitas vezes difíceis na área da saúde (Maynard e Bloor, 1998).

Tal constatação, que pode parecer óbvia a economistas e administradores da saúde acostumados a lidar com a escassez de recursos, não é facilmente compreendida pelo público em geral e pelos profissionais do direito em particular. Para estes, prevalece a ideia culturalmente arraigada de que a saúde não tem preço, sendo mesmo uma espécie de ofensa abordar aspectos financeiros quando o que está em jogo é a saúde e a própria vida. Essa postura - compreensível, mas fundamentalmente insustentável - é combinada no Brasil com a opinião consolidada de que os recursos públicos são sempre mal aplicados e frequentemente desviados por corrupção. Nesse clima, surge a sensação de que o problema da saúde e de outros programas sociais não é a escassez de recursos, mas sim a utilização inadequada destes.

Não há dúvidas de que se trata de reivindicações apropriadas e justas no contexto brasileiro. Todavia, mesmo que pudessem ser concretizadas "por decreto", não eliminariam, infelizmente, o problema da escassez de recursos e a necessidade de se fazer escolhas. É importante, desse modo, lutar pela ampliação dos recursos da saúde, seja pela redução de ineficiências e desvios da corrupção, seja pela reivindicação pura e simples de mais recursos que nos aproximem, dentro dos limites do possível, da média de gastos dos países que oferecem um serviço de melhor qualidade à população. Porém, tão importante quanto isso é aplicar os recursos destinados à saúde de maneira adequada, isto é, eficiente e justa. Para tanto, é necessário reconhecer a escassez de recursos como fato inevitável. Ignorá-la não significa apenas um erro conceitual sem repercussões práticas significativas, implica, como veremos abaixo, riscos graves ao objetivo de aplicação adequada dos recursos limitados da saúde, tanto do ponto de vista da eficiência quanto do da justiça.

Um exemplo concreto no campo da assistência farmacêutica ajuda a enxergar a magnitude do problema, pois é nesse setor que a relação de desequilíbrio, destacada anteriormente, entre as necessidades crescentes de saúde e os recursos limitados se mostra com maior clareza. No período de 2002 a 2006, houve crescimento real de 123,9% no valor liquidado de ações do orçamento da União que financiam a aquisição de produtos farmacêuticos, ou seja, mais de 16 vezes superior ao aumento com os gastos totais em saúde (Gráfico 2). Além dessa evolução, o Gráfico 2 apresenta o percentual do gasto em medicamentos como parte do gasto total do Ministério da Saúde.


É importante notar que, nesse período, os medicamentos dobraram sua participação no gasto do Ministério da Saúde, de 5,4% em 2002 para 11% em 2006. Do mesmo modo que para o gasto total em saúde, a inclinação da curva no Gráfico 2 também apresenta tendência de crescimento.

O aumento dos gastos com saúde e, especificamente, com medicamentos não ocorre apenas no SUS. Em muitos países desenvolvidos, por exemplo, o gasto com medicamentos está aumentando de 10 a 18% por ano, muito acima da inflação e do crescimento do PIB (OMS, 2002). Estima-se que nos Estados Unidos os gastos com medicamentos aumentaram em 200% entre 1990 e 2000, representando o segmento de maior inflação do setor (Shah et alii, 2003). No Reino Unido, país que tem modelo de atenção à saúde focado na atenção primária, o gasto com medicamentos nesse nível de complexidade cresceu 10% entre 2001 e 2002, provocando uma crise de financiamento (MacDonald, 2003). Esse mesmo problema foi enfrentado pelo Canadá, que, em 2005, teve 11% de elevação do gasto com medicamentos, constituindo esse gasto a segunda maior despesa do sistema de saúde, atrás apenas do gasto com a atenção hospitalar (CMAJ, 2006).

No caso brasileiro, a inflação do setor saúde, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), para o grupo saúde, no período de 1996 a 2006, foi maior que a inflação geral em sete dos onze anos analisados (Gráfico 3). Mesmo quando o índice do grupo saúde ficou abaixo do índice geral, essa queda não suplantou em magnitude o aumento ocorrido nos sete anos em que ficou acima do índice geral.


Muitas variáveis contribuem para a elevação dos gastos em saúde, como o aumento da esperança de vida e o consequente envelhecimento da população; o avanço técnico e científico, que possibilitou melhora dos meios diagnósticos e terapêuticos, mas com elevação dos custos do cuidado; a medicalização da sociedade; a diminuição do nível de tolerância daspessoas em relaçãoàdoença;o aumento do número de médicos; o aumento dos preços dos bens e serviços oferecidos; o aumento do número de procedimentos consumidos; fatores de mercado e surgimento de novos bens; fatores psicossociais; fatores ligados à seguridade social e à gratuidade da assistência à saúde; fatores epidemiológicos; fatores de regulamentação e culturais (Zucchi, Del Nero e Malik, 2000).

As tecnologias em saúde devem ser destacadas como particularmente relevantes na medida em que são cumulativas e não substitutas, ou seja, não se substitui necessariamente um medicamento porque um novo produtofoi lançado no mercado.Ao contrário, esse último se soma ao arsenal já existente, ampliando-se cada vez mais a oferta e, por consequência, os custos (Castro, 2007). Vale ainda destacar que a incorporação de tecnologias muitas vezes é decidida sem avaliação adequada sobre sua eficácia, segurança e custo-efetividade em relação a outras tecnologias disponíveis. Além disso, grande parte dos estudos realizados para comprovar essa eficácia é financiada pelo fabricante, o que pode trazer algum tipo de prejuízo à validade dos resultados (DeAngelis e Fontanarosa, 2008). Em tais situações, a decisão pela incorporação da tecnologia pode ampliar os custos sem aumento do benefício para a saúde.

O descompasso entre as necessidades de saúde da população, sempre crescentes, e os custos para atendê-las, cada vez maiores, torna o problema da escassez de recursos ainda mais complexo e difícil e a determinação do conteúdo do direito à saúde mais delicada. Como bem apontou um estudioso anglo-saxão, "oferta e demanda em saúde nunca chegarão a um equilíbrio; ao contrário, a demanda continuará a exceder a oferta e o debate sobre direitos a cuidados de saúde se intensificará" (Newdick, 2005; tradução dos autores). Isso tudo em um contexto de medicalização da sociedade e consumição da saúde, no qual "médicos e 'consumidores' estão ficando prisioneiros de uma fantasia na qual todos têm algo de errado e todos e tudo podem ser curados" (Porter, 1997; tradução dos autores).

A magnitude do problema pode ser ilustrada com o seguinte exemplo. Tomem-se apenas as seguintes doenças: hepatite viral crônica C e artrite reumatoide. Imaginemos que o SUS, em vez de oferecer, como faz hoje, uma lista de medicamentos escolhidos por seu perfil de segurança, eficácia (faz o que se propõe a fazer em condições controladas) e custo-efetividade (faz o que se propõe a fazerem condições reais e no menor custo), mediante protocolo, resolvesse oferecer a todos os cidadãos portadores dessas duas doenças, conforme prevalência estimada1 1 . Disponível na base de dados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS): http://www.datasus.gov.br. , os medicamentos mais recentes disponíveis no mercado: Interferon Peguilado para a hepatite viral crônica C e Infliximabe, Etanercepte e Adalimumabe para a artrite reumatoide.

Vejamos quanto custaria ao SUS adotar essa política. O Quadro 1 apresenta a estimativa do total de recursos financeiros, em reais (R$), necessários para o atendimento a todos os pacientes portadores dessas duas doenças, estimados em 1,9 milhão pessoas, com base nos dados epidemiológicos disponíveis.


O total é de 99,5 bilhões de reais! Para se ter a dimensão exata de tais gastos, é preciso analisá-los no contexto dos gastos totais do governo em saúde e no da economiado Brasil. O PIB do país apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2006 foi de 2,3 trilhões de reais (IPEA, 2007). Os gastos necessários para tratar apenas duas doenças com as tecnologias (medicamentos) citadas consumiriam, portanto, nada menos que 4,32% do PIB brasileiro. Para se ter uma dimensão ainda mais clara de quanto isso representa, observe-se que, em 2004, as despesas totais com ações e serviços públicos de saúde2 2 . As despesas com ações e serviços de saúde diferem das despesas totais com saúde divulgadas pela OMS e usadas anteriormente, na medida em que as primeiras incluem apenas gasto com "pessoal ativo e outras despesas de custeio e de capital, financiadas pelas três esferas de governo, conforme o disposto nos arts. 196 e 198, § 2º,da Constituição Federal e na Lei nº8.080/1990, relacionadas a programas finalísticos e de apoio, inclusive administrativos, que atendam, simultaneamente, aos seguintes critérios: I - sejam destinadas às ações e serviços de acesso universal, igualitário e gratuito; II - estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente federativo; III - sejam de responsabilidade específica do setor de saúde, não se confundindo com despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que com reflexos sobre as condições de saúde". Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº322, de 8 de maio de 2003. Disponível em http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2005/resolucao322.htm. financiadas com recursos próprios de municípios, estados e União totalizaram 3,69% do PIB (SIOPS, 2007). Se aplicarmos esse percentual ao PIB de 2006, teremos um valor aproximado de gasto público total com ações e serviços de saúde de 85,7 bilhões de reais nesse ano.

Conclui-se, assim, que os recursos financeiros necessários (99,5 bilhões de reais) para implementar essa política de assistência terapêutica a apenas 1% da população e em relação a apenas duas doenças seriam superiores ao gasto total de todas as esferas de governo com o conjunto de ações e serviços de saúde (85,7 bilhões de reais). Ou seja,para fornecer apenas quatro medicamentos para tratar duas doenças, cobrindo 1% da população, gastar-se-ia mais que o que é atualmente gasto com todo o atendimento feito pelo SUS com internação, diagnóstico, tratamento, cirurgias, ações de educação em saúde, vigilância sanitária e epidemiológica, entre outras3 3 . Os medicamentos referidos neste exemplo são atualmente fornecidos pelo SUS, mas suas condições de uso e os critérios para que os pacientes os recebam estão previstos em protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. São os medicamentos mais novos para tratamento dessas duas doenças, mas não são os únicos; outros medicamentos são fornecidos pelo SUS. Para o caso da hepatite viral crônica C, ver http://dtr2001.saude.gov.br/sas/dsra/protocolos/do_h23_01.pdf. No caso de artrite reumatoide, ver http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/pcdt_artrite_reumatoide_2006.pdf. . Esse simples exemplo, que pode parecer extremo, é bastante ilustrativo do problema da escassez de recursos.

Dentro do contexto que procuramos ilustrar até aqui, com apoio em dados empíricos, voltamos à questão principal deste artigo: como entender o direito à saúde reconhecido na Constituição?

Equidade como Princípio Fundamental

É, sem dúvida, difícil ter de reconhecer que mesmo a saúde, um dos bens mais importantes na vida das pessoas, tem preço e, portanto, limites. Por isso mesmo, é imprescindível adotar critérios para determinar de forma eficiente e justa a alocação dos recursos escassos em saúde. Duas questões importantes, relacionadas aos conceitos de escassez relativa e absoluta, explicitados anteriormente, devem ser diferenciadas neste ponto. Em primeiro lugar, deve-se determinar quanto deve ser alocado à saúde em relação às outras áreas em que o Estado deve investir (escassez relativa). Tomada essa decisão, deve-se determinar como os recursos destinados exclusivamente à saúde devem ser alocados para atender às diversas necessidades de saúde da população (escassez absoluta). A primeira questão implica a valoração da saúde em relação a outros interesses que uma sociedade geralmente também valoriza, como educação, esporte, lazer, meio ambiente, cultura, segurança interna e externa etc. A segunda requer a identificação de prioridades dentro da área da saúde entre diversas necessidades de saúde e distintas possibilidades de ação (políticas de saúde). Ambas as decisões envolvem complexos argumentos de justiça distributiva e importantes dificuldades políticas.

Quanto o Estado pode gastar em saúde e em outras finalidades depende, obviamente, dos recursos que ele pode levantar com impostos e outras receitas. Depende, logo, de quanto é justo (e politicamente realista) retirar da sociedade civil em recursos por meio de tributos (Murphy e Nagel, 2002; Dworkin, 2000; Ferraz, 2007).

No Brasil, contudo, a complexidade dessa questão é, de certa maneira, mitigada, pois a própria Constituição estabelece recursos mínimos para a saúde. A segunda questão, como gastar os recursos da saúde, é a que pretendemos aprofundar aqui. Trata-se, também, de questão das mais complexas, mas existem princípios gerais também estabelecidos na Constituição que dão os parâmetros dentro dos quais o intérprete deve se movimentar.

Universalidade, Igualdade e Equidade

De acordo com a Constituição, o Estado deve adotar políticas sociais e econômicas e ações e serviços de saúde de "acesso universal e igualitário" (art. 196). Ou seja, os serviços e as ações de saúde promovidos pelo Estado devem ser acessíveis a todos os cidadãos e estrangeiros residentes no país em condições de igualdade (Senado Federal, 2007).

A universalidade trouxe para o SUS a noção de cidadania como elemento norteador da política de saúde. Quebrou-se a lógica do seguro-saúde existente até então, em que o direito ao acesso a serviços de saúde estava vinculado à contribuição previdenciária dos indivíduos, passando-se para a lógica de seguridade social. A cidadania passou a ser requisito exclusivo para o acesso e, assim, todos os cidadãos que estavam à margem do sistema de saúde passaram a fazer jus a ele, o que faz do SUS uma das maiores políticas de inclusão social do país.

No entanto, a ideia de universalidade só faz sentido à luz do princípio da igualdade. O que justifica a inclusão de todos, sem qualquer distinção, nas políticas de saúde do Estado é o reconhecimento de que todos são iguais, ou seja, todos merecem igualdade de respeito e consideração do Estado quando este elabora e implementa as políticas de saúde (Dworkin, 2000). Não haveria sentido falar em universalidade (acesso para todos) sem o reconhecimento de que todos são iguais. O oposto da universalidade (a restrição a alguns, o privilégio) nada mais é que a negação da igualdade.

Não é simples determinar, em situações concretas, o que os princípios abstratos de universalidade e igualdade requerem. Há, é claro, casos bem evidentes, como a proibição de discriminação. Nenhuma interpretação possível desses princípios justificaria, por exemplo, a exclusão de pessoas de determinada raça, etnia ou sexo de serviços ou ações de saúde. Entretanto, para além desses casos claros, é extremamente complexo especificar com precisão o que a igualdade e a universalidade requerem, e o principal fator complicador é sem dúvida a escassez de recursos levantada anteriormente. Se os recursos fossem infinitos, como popularmente se pensa que sejam, o princípio do acesso universal igualitário poderia ser facilmente concretizado pela alocação de recursos de acordo com as necessidades de saúdedecadaum4 4 . O princípio alocativo "a cada um de acordo com suas necessidades" só pode ser implementado em um contexto de abundância, como bem apontou Marx, em "Crítica ao Programa de Gotha", de 1875. .Contudo, em face da escassez de recursos, a necessidade individual é claramente insuficiente como critério alocativo. Outros critérios são necessários para determinar quais, entre os inúmeros indivíduos necessitados dos recursos escassos, terão suas necessidades atendidas e quais não terão, o que, muitas vezes, apresenta consequências fatais.

Administradores na área da saúde, médicos e outros profissionais do setor se deparam com esse trágico dilema diariamente. Aque pacientes alocar os órgãos escassos do sistema nacional de transplantes? A quem dar prioridade de acesso às vagas limitadas de hemodiálise ou aos leitos do centro de terapia intensiva? Como distribuir o orçamento limitado na aquisição de medicamentos cada vez mais abundantes e caros? Há diversas teoriasdealocaçãoderecursosemsaúde que buscam encontrar uma resposta para tais dilemas com fundamento em princípios de justiça distributiva (Newdick, 2005; Dworkin, 2000; Anand, Peter e Sen, 2005; Porto, 2002; Giraldes, 2002). Porém, a realidade é que nenhuma delas alcançou ainda o grau de especificidade e o nível de consenso necessários para nos fornecer um paradigma a partir do qual possamos determinar seas decisões alocativas tomadas pelas instituições incumbidas das mesmas estão corretas.

Nesse campo, o trabalho do sociólogo Jon Elster e de seus colaboradores, nas diversas ramificações do projeto Local Justice (Justiça Local)5 5 . O projeto Local Justice, realizado por Elster na Universidade de Chicago, resultou em diversas publicações e seminários, entre os quais o livro Local Justice (Elster, 2000a) e La Ética de las Decisiones Médicas (Elster e Herpin, 2000). , é particularmente importante. Ele mostra como as instituições que determinam "quem obtém o quê, quando e como", em diversas áreas que envolvem a distribuição de recursos escassos, adotam modelos alocativos que não seguem uma teoria global de justiça distributiva (Elster, 2000). Pelo contrário, o que os estudos empíricos demonstram é que essas instituições geralmente adotam uma mistura de princípios nem sempre coerentes entre si. Ademais, os procedimentos alocativos dessas instituições variam não só de país para país mas também dentro do mesmo país.

Elster procura explicar esses achados como decorrência inevitável do jogo político de barganha e conflito entre os diversos atores que influenciam a elaboração de procedimentos alocativos. Como esses atores - os políticos ("atores de primeira ordem"), os técnicos da administração ("atores de segunda ordem"), os indivíduos ("atores de terceira ordem") e a opinião pública - tendem a favorecer princípios alocativos diversos (respectivamente: eficiência global, eficiência local, interesse individual e justiça), não surpreende que o modelo alocativo final seja um acordo que costure diversos princípios alocativos favorecidos pelos diversos atores, na medida de seu poder de barganha e influência (ibidem).

Os estudos empíricos de Elster e outros que o antecederam (Calabresi e Bobbit, 1978) não podem, é óbvio, ser transpostos automaticamente para o contexto brasileiro. Pelo contrário, os próprios autores reconhecem, como vimos acima, que a escolha e a implementação de princípios alocativos variam de país para país, e mesmo dentro de um único país, dependendo da área em questão. Desse modo, seria necessário e importante um estudo similar ao realizado por Elster especificamente sobre o Brasil ou comparando o Brasil com outros países da América Latina ou do mundo em desenvolvimento. O que os estudos de Elster e outros nos oferecem de mais importante, em nossa opinião, é a constatação de que nenhuma das sociedades modernas estudadas foi ainda capaz de engendrar um consenso estável sobre o princípio (ou combinação de princípios) substantivo que deve reger a alocação de recursos escassos, seja em saúde, seja em outras áreas. Essa constatação, parece-nos, emergiria certamente de estudos realizados no Brasil e em outros países, pois se trata de um problema de natureza moral de caráter mais universal, afetando similarmente ao menos o mundo ocidentalizado.

Não há espaço aqui para oferecermos uma teoria de justiça distributiva para a concretização do princípio de equidade em saúde, nem é isso que objetivamos. Nosso objetivo, muito mais modesto, é simplesmente sugerir que, diante do contexto jurídico efático no qual essas decisões devem ser tomadas, o princípio da equidade tem de ocupar posição central em qualquer interpretação adequada do direito constitucional à saúde. Na literatura podem ser encontradas algumas definições de equidade. Aqui, empregamos aquela abordada por Viana, Fausto e Lima (2003:59), em 1991, a qual foi baseada no conceito discutido por Alfred Whitehead: "A questão central a ser tratada pelas políticas que almejam equidade em saúde é a redução ou a eliminação das diferenças que advêm de fatores considerados evitáveis e injustos, criando, desse modo, igual oportunidade em saúde e reduzindo as diferenças injustas tanto quanto possível".

Esse entendimento converge com o do Comitê de Especialistas das Nações Unidas para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ao interpretar o art. 12 do Pacto Internacional sobre tais direitos, ratificado pelo Brasil, que também reconhece o direito à saúde. O Comitê sustenta que"o direito à saúde não deve ser entendido como direito aestar sempre saudável", mas sim como o direito "a um sistema de proteção à saúde que dá oportunidades iguais para as pessoas alcançarem os mais altos níveis de saúde possíveis"6 6 . Committee on Economic, Social and Cultural Rights (CESCR). E/C.12/2000/4, General Comment nº14. Disponível em http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/ (symbol)/E. C. 12. 2000. 4.En. (tradução dos autores).

Há uma posição bastante disseminada no meio jurídico brasileiro, porém, que enxerga o direito à saúde como um direito a atendimento à saúde, terapêutico e farmacêutico ilimitado. Com base nesse entendimento, aceito quase que unanimemente pelo Supremo Tribunal Federal e por juízes de todo o sistema Judiciário brasileiro, milhares de ações vêm sendo acolhidas contra o Estado para obrigar o SUS a cobrir tratamentos e medicamentos não contemplados pela política de saúde estabelecida pelas respectivas Secretarias de Saúde ou pelo Ministério da Saúde (Messeder, Osorio-de-Castro e Luiza, 2005; Vieira e Zucchi, 2007). Não é possível analisar aqui, caso a caso, cada uma dessas decisões, mas é possível estabelecer uma linha de premissas comuns, discerníveis na maioria dos casos julgados.

Nelas, a saúde é vista como um conceito unidimensional (de mera ausência de doença); as políticas de saúde são reduzidas a apenas um de seus aspectos (o atendimento médico); e é ignorado o fato de que, no mundo real, não haveria e provavelmente jamais haverá recursos suficientes para implementar universalmente (isto é, para todos)um direito à assistência à saúde ilimitado. Portanto, a posição dominante em nossos tribunais desconsidera os três fatores que defendemos como contexto necessário para a correta interpretação do direito à saúde.

Essa visão é claramente discernível no seguinte trecho de decisão do Supremo Tribunal Federal, em caso que se tornou paradigmático e é frequentemente repetido com aprovação em decisões posteriores:

Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida7 7 . Recurso Extraordinário nº 271.286-Agência Reguladora/RS; relator: ministro Celso de Mello. Disponível em http://www.stf.gov.br/. .

Os argumentos desenvolvidos nas seções anteriores deste artigo nos parecem suficientes para demonstrar que essa interpretação do direito à saúde não é sustentável. Está claro que uma interpretação do direito à saúde como direito ilimitado ao consumo de tecnologias em saúde, por ser faticamente impossível, pode ser alcançado apenas ao custo da universalidade e, consequentemente, da equidade de todo o sistema de saúde. Como não se pode dar tudo a todos,dá-se tudo a alguns e, necessariamente, menos,ou nada, a outros. Se todos os portadores de ambas as doenças mencionadas anteriormente ajuizassem ao mesmo tempo ações para receber os medicamentos citados e obtivessem êxito, como se tornou regra, literalmente todo o orçamento do SUS teria ser transferido para 1% da população (ou 1,9 milhão litigantes) para o cumprimento das ordens judiciais.

Equidade duplamente sacrificada

No espaço que nos resta, queremos apenas destacar outra consequência, menos evidente, mas particularmente grave, que a desconsideração do fator da escassez de recursos pode gerar em relação à equidade do sistema. Arealocação judicial dos recursos da saúde não é totalmente aleatória, mas obedece, muitas vezes, ainda que não deliberadamente, a uma lógica perversa de transferência de recursos,dos mais necessitados aos mais privilegiados na sociedade.

Esse resultado se explica da seguinte maneira. A saúde é determinada, em grande medida, como vimos no início deste artigo, por fatores socioeconômicos e biológicos diversos, como acesso à informação, escolaridade, condições de habitação (geográficas e de infraestrutura), trabalho, renda, etnia, sexo, idade, deficiências etc. Desigualdades em qualquer um desses âmbitos são frequentemente reproduzidas nas condições de saúde da população. A pronunciada desigualdade de renda e suas consequências mais diretas, por exemplo, têm um claro, embora subestudado reflexo nas condições de saúde desiguais da população no Brasil.

Não é necessário repetir aqui os dados conhecidos sobre as significativas desigualdades econômicas no Brasil. No entanto, vale a pena citar alguns achados dos ainda poucos estudos sobre os determinantes socioeconômicos da saúde no país. Em estudo com dados de 1996, por exemplo, constatou-se que a probabilidade de uma criança menor de 5 anos morrer a cada mil nascidos vivos no Brasil era 33 vezes maior no quintil de menor renda em relação ao de maior renda (WHO, 2007). Outro estudo, que analisou a associação entre fatores socioeconômicos e a mortalidade de adultos por doenças cardiovasculares, constatou que essa mortalidade é mais frequente nas populações menos privilegiadas socioeconomicamente. A associação direta observada entre essas doenças e a taxa de pobreza, segundo os autores, pode estar relacionada ao acesso aos serviços, devido à relação negativa entre o número de médicos por habitante e a taxa de pobreza (Ishitani et alii, 2006).

Em relação à mortalidade materna, há consenso de que as mulheres que vêm a óbito são as que têm menor escolaridade e renda. As mulheres negras se encontram em situação desfavorável quanto a esses aspectos sociais quando comparadas às brancas. A análise das razões de mortalidade materna segundo o quesito cor evidencia que o risco de as mulheres negras morrerem em relação às brancas é maior: 3,7 vezes no estado da Bahia e 8,2 vezes no Paraná. Na média, esse risco aumenta para 18,2 vezes quando são acometidas por hipertensão arterial sistêmica (Martins, 2006).

Essa constatação pode ser justificada, em parte, pelo grau de acesso à assistência pré-natal. Uma mãe com filho de cor negra teve chance 65% maior de ter recebido pré-natal inadequado, ou seja, menos de sete consultas durante a gestação, no período de 2002 a 2004. O risco de receber pré-natal inapropriado é três vezes maior para nascidos vivos negros que para brancos, revelando que a existência de maior vulnerabilidade social determinou o recebimento de atenção pré-natal deficiente (Ministério da Saúde, 2006).

Outra pesquisa verificou o acesso a serviços de saúde na região metropolitana de São Paulo para dois grupos, os detentores de planos ou seguros-saúde e os que dependem exclusivamente do SUS. As conclusões do trabalho são as de que as desigualdades na posse de planos, segundo o acesso a serviços, tempo de espera para atendimento e tipo de coberturas em anifestam de acordo com o quintil de renda e a faixa etária, mostrando que a população com menor renda e sem plano de saúde procura menos os serviços, espera mais para o atendimento e, quando os utiliza, procura mais os de urgência/emergência (Pessoto et alii, 2007).

Esses dados e estudos mostram como o alcance do ideal de equidade em saúde no Brasil, mais que em outros países, não depende somente da disponibilização universal e integrada de serviços na rede pública. É preciso ainda modelar as políticas e os programas de saúde, embasados em informações sobre determinantes sociais em saúde, a fim de que atinjam prioritariamente as pessoas que efetivamente mais precisam das ações do Estado (Buss e Pellegrini Filho, 2006).

As consequências da interpretação judicial dominante do direito à saúde não se limitam, portanto, à distorção marginal de um sistema que é essencialmente justo. O que ocorre, em verdade, é a sobreposição de duas iniquidades: em um sistema já iníquo em virtude de desigualdades socioeconômicas pronunciadas, adiciona-se novo fator de iniquidade. Como o acesso ao Judiciário é ainda bastante restrito a grandes parcelas da população, o uso da via judicial como meio para alocar recursos escassos da saúde favorece automaticamente aqueles que têm maior facilidade de acesso a essa via, geralmente provenientes das camadas mais favorecidas da população (Vieira e Zucchi, 2007).

Nesse contexto, há um duplo sacrifício aos princípios da universalidade e equidade em saúde. Os que já possuem condições de saúde comparativamente melhores em virtude de suas condições socioeconômicas avantajadas são beneficiados ainda mais por conta de seu acesso mais fácil ao Judiciário. De política pública universal e igualitária, tendente a minimizar as desigualdades de saúde decorrentes das desigualdades sociais, o SUS se transforma, por meio das ações judiciais, em perpetuador e contribuinte do já elevado déficit de equidade em saúde do país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos demonstrar, neste trabalho interdisciplinar, que uma interpretação adequada do direito à saúde deve estar centrada nos princípios de equidade e universalidade, entendidos como igualdade de acesso a serviços e a ações de saúde necessariamente limitados por recursos escassos. Nesse contexto, no qual é simplesmente impossível dar atendimento ilimitado a todos, o princípio da equidade exige que os recursos escassos sejam distribuídos a fim de priorizar a redução ou a eliminação de diferenças entre indivíduos que advêm de fatores evitáveis e injustos.

Não oferecemos, neste artigo, uma especificação detalhada de como esse princípio admitidamente amplo de equidade deve ser implementado na interpretação do direito à saúde. Trata-se de uma das questões mais complexas e controvertidas do campo genericamente denominado justiça distributiva. No âmbito prático, como estudos sociológicos vêm demonstrando, essas "escolhas trágicas" são realizadas mediante uma combinação de princípios distributivos nem sempre coerentes, implementados por mecanismos institucionais envolvendo atores políticos e técnicos, pressionados pelos indivíduos potencialmente beneficiários e pela opinião pública.

No Brasil e em outros países, há cada vez mais ingerência de um outro ator institucional nessa ingrata tarefa, o Poder Judiciário, acionado geralmente pelos "perdedores" das decisões alocativas realizadas no âmbito político-técnico. Também não foi nosso objetivo contribuir para o importante debate sobre a propriedade e a desejabilidade dessa "judicialização da saúde" no Brasil e alhures. O que buscamos defender foi apenas que a interpretação atualmente dominante no Judiciário brasileiro, segundo a qual o direito à saúde é um direito individual a atendimento médico ilimitado, é sustentável apenas à custa dos princípios de equidade e universalidade estabelecidos na Constituição. Ou seja, para dar atendimento ilimitado a alguns, diminuem-se necessariamente os serviços e ações que beneficiam a outros.

Buscamos demonstrar ainda que essa interpretação tem um enorme potencial negativo que alguns estudos já começam a confirmar. Como o acesso efetivo ao Judiciáriono Brasil, assim como a outros serviços essenciais, é mais fácil às pessoas de condições socioeconômicas mais avantajadas, o resultado da "judicialização da saúde", nos termos atualmente em vigor, é uma inversão perversa dos objetivos primordiais do SUS. De política minimizadora das desigualdades em saúde que espelham as iniquidades sociais, ele se transforma em instrumento auxiliar da perpetuação dessas iniquidades.

NOTAS

(Recebido para publicação em maio de 2008)

(Versão definitiva em fevereiro de 2009)

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  • 1
    . Disponível na base de dados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS):
  • 2
    . As despesas com ações e serviços de saúde diferem das despesas totais com saúde divulgadas pela OMS e usadas anteriormente, na medida em que as primeiras incluem apenas gasto com "pessoal ativo e outras despesas de custeio e de capital, financiadas pelas três esferas de governo, conforme o disposto nos arts. 196 e 198, § 2º,da Constituição Federal e na Lei nº8.080/1990, relacionadas a programas finalísticos e de apoio, inclusive administrativos, que atendam, simultaneamente, aos seguintes critérios: I - sejam destinadas às ações e serviços de acesso universal, igualitário e gratuito; II - estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente federativo; III - sejam de responsabilidade específica do setor de saúde, não se confundindo com despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que com reflexos sobre as condições de saúde". Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº322, de 8 de maio de 2003. Disponível em
  • 3
    . Os medicamentos referidos neste exemplo são atualmente fornecidos pelo SUS, mas suas condições de uso e os critérios para que os pacientes os recebam estão previstos em protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. São os medicamentos mais novos para tratamento dessas duas doenças, mas não são os únicos; outros medicamentos são fornecidos pelo SUS. Para o caso da hepatite viral crônica C, ver
  • 4
    . O princípio alocativo "a cada um de acordo com suas necessidades" só pode ser implementado em um contexto de abundância, como bem apontou Marx, em "Crítica ao Programa de Gotha", de 1875.
  • 5
    . O projeto
    Local Justice, realizado por Elster na Universidade de Chicago, resultou em diversas publicações e seminários, entre os quais o livro
    Local Justice (Elster, 2000a) e
    La Ética de las Decisiones Médicas (Elster e Herpin, 2000).
  • 6
    . Committee on Economic, Social and Cultural Rights (CESCR). E/C.12/2000/4, General Comment nº14. Disponível em
    http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/ (symbol)/E. C. 12. 2000. 4.En.
  • 7
    . Recurso Extraordinário nº 271.286-Agência Reguladora/RS; relator: ministro Celso de Mello. Disponível em
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2009
    • Recebido
      Maio 2008
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