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Padrões de Participação em Governos de Esquerda na América Latina: Brasil e Venezuela em Perspectiva Comparada

Standards for Participation among Left-wing Latin American Governments: A Comparative Study between Brazil and Venezuela

Modèles de Participation dans les Gouvernements de Gauche en Amérique Latine: Étude Comparée du Brésil et du Venezuela

Patrones de Participación en Gobiernos de Izquierda en América Latina: Brasil y Venezuela en Perspectiva Comparada

RESUMO

O artigo compara as instituições participativas desenvolvidas pelos governos nacionais de Brasil e Venezuela. Esses governos encontram distintas estruturas de oportunidades que os limitam/autonomizam, assim como recebem heranças institucionais diversas com as quais devem lidar. Há também diferentes abordagens e graus nas propostas de aprofundamento democrático defendidas por essas forças. Instituições distintas derivam dessa gama de diferenças, que são interpretadas a partir da delimitação de três unidades de análise: público-alvo, efetividade e elementos de representação. As características de cada caso são abordadas majoritariamente a partir de revisão da literatura que trata do tema e, secundariamente, através de trabalho de campo para o caso venezuelano. Ao final, apresentam-se dois padrões distintos em cada uma dessas unidades de análise.

democracia participativa; esquerdas; América Latina; instituições participativas; governos progressistas

ABSTRACT

This article compares the participatory institutions developed by the national governments of Brazil and Venezuela. Faced as they are with distinct structures of opportunities that limit or grant them authority, these two governments must also deal with their different institutional legacies. With contrasting approaches in the proposed methods for the strengthening of democracy defended by these forces, a variety of institutions are derived from this range of differences, which are interpreted based on the delimiting of the three units of analysis: target audience, effectiveness, and elements of representation. The characteristics of each case are primarily approached based on a review of literature on the topic, and also considered in light of field work on Venezuela. To conclude, two distinct patterns are outlined for each of the units of analysis.

participatory democracy; left wing; Latin America; participatory institutions; progressive governments

RÉSUMÉ

Cet article a pour but de comparer les institutions participatives mises en ½uvre par les gouvernements du Brésil et du Venezuela. Ceux-ci ont adopté différentes structures permettant de les limiter ou de les rendre plus autonomes, et ont bien évidemment dû compter sur des héritages institutionnels tout aussi divers. Il existe également différentes approches et degrés dans les propositions d’approfondissement démocratique défendues par ces différentes forces. Différentes institutions dérivent donc de cet ensemble de différences et on les étudiera à partir de la délimitation de trois unités d’analyse: leur public cible, leur mise en ½uvre effective et les éléments de représentation. Les caractéristiques de chaque cas seront principalement abordées à partir de la revue de la littérature du domaine, et de manière secondaire, grâce à un travail de terrain au Venezuela. On présentera au final de modèles distincts pour chacune de ces unités d’analyse.

démocratie participative; gauches; Amérique Latine; institutions participatives; gouvernements progressistes

RESUMEN

El artículo compara las instituciones participativas desarrolladas por los gobiernos nacionales de Brasil y Venezuela. Esos gobiernos encuentran distintas estructuras de oportunidades que los limitan/autonomizan, así como reciben diversas herencias institucionales con las cuales deben lidiar. Existen también diferentes abordajes y grados en las propuestas de profundización democrática defendidas por esas fuerzas. Distintas instituciones derivan de esta gama de diferencias, que son interpretadas a partir de la delimitación de tres unidades de análisis: público objetivo, eficacia y elementos de representación. Las características de cada caso son abordadas en su mayoría a partir de la revisión de la literatura existente sobre el tema y, secundariamente, a través del trabajo de campo para el caso de Venezuela.

democracia participativa; izquierdas; América Latina; instituciones participativas; gobiernos progresistas

INTRODUÇÃO

Este artigo compara as instituições participativas (doravante IPs) desenvolvidas pelos dois governos nacionais que são, provavelmente, os mais paradigmáticos na recente onda de governos de esquerda na América Latina: Brasil e Venezuela. Nessa análise serão destacadas as diferenças entre elas. Será apontado que esses governos encontraram distintas heranças e estruturas e receberam heranças institucionais diversas com as quais devem lidar. Esses fatores, em certa medida, delimitaram suas possibilidades. Podem-se apontar também diferenças nas propostas de aprofundamento democrático defendidas por esses governos (o que fica evidente especialmente quanto ao peso que se espera dar à participação em relação à representação). Como se verá, distintas instituições derivam dessa ampla gama de diferenças.

As esquerdas latino-americanas contemporâneas vêm sendo convencionalmente tratadas pela literatura como dois grupos polarizados, que muitas vezes são classificados simplificadamente a partir das oposições “autoritários/democráticos”, “populistas/social-democratas”, “radicais/moderados”. Esse estudo comparativo se justifica de forma exatamente a cotejar casos que, segundo a literatura, são marcadamente distintos. Procura em princípio buscar características de cada um que se tornarão mais visíveis exatamente a partir da comparação de casos diferentes. A escolha dos casos se justifica também na medida em que a literatura especializada tem se dedicado a estudar ambos os casos isoladamente: no Brasil, já vem se constituindo uma tradição de reflexões sobre as IPs desde os anos 1990, algo que é mais tímido na Venezuela (com alguma produção pontual a partir da segunda metade dos anos 1990, seguida de um maior acúmulo de trabalhos desde o final dos anos 2000). No entanto, a comparação da participação entre os dois países é incomum. Este artigo espera avançar por esse caminho pouco explorado, levantando problemas e pistas para futuras investigações.

Desse modo, espera-se contribuir para um debate que vem se aprofundando nas Ciências Sociais nos últimos anos acerca das possibilidades contidas no desenvolvimento de novas possibilidades e espaços para a participação democrática nas sociedades contemporâneas. É razoável supor que tal debate se alimenta de diversas sugestões de parte da literatura de que haveria uma “crise da representação” – ou ao menos de seus instrumentos de mediação por excelência, os partidos (Dalton e Wattemberg, 2000DALTON, Russel J.; WATTEMBERG, Martin P. (eds.). (2000), Parties without Partisans: Political Change in Advanced Industrial Democracies. Oxford, Oxford University Press.). Seja exagerada ou não tal avaliação, a defesa da participação e o desenho de mecanismos para sua efetivação avançaram em diversos países, notadamente latino-americanos (Santos, 2009SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). (2009), Democratizar a Democracia: Os Caminhos da Democracia Participativa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.), embora seu futuro seja incerto no contexto de crise vivido por esses países. Optei aqui por abordar o tema através de um estudo comparado. Para concretizá-lo, as fontes utilizadas são prioritariamente da literatura especializada, da qual se realizou extenso levantamento. Secundariamente, foi realizado trabalho de campo na Venezuela nos anos de 2011 e 2012, do qual também me vali para a redação do artigo.

Metodologicamente, a comparação vai focar especificamente nas IPs desenhadas desde o começo dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003 e de Hugo Chávez em 1999 e será realizada a partir da delimitação de três unidades de análise. São elas: 1) público-alvo: se a participação é coletiva ou individualizada, ou seja, se os atores são chamados a participar em grupos organizados ou como cidadãos comuns; 2) efetividade: se as deliberações das IPs são consultivas ou vinculantes; 3) elementos de representação: se esses mecanismos são baseados no engajamento direto da cidadania ou na escolha de representantes/delegados (assumindo algum formato representativo). Em princípio, é esperado encontrar diferenças entre os dois casos comparados para cada uma das três variáveis. A partir dessas diferenças, espera-se delimitar dois padrões distintos de participação no Brasil e na Venezuela.

O artigo se estrutura da seguinte forma. Uma primeira seção apresenta uma sugestão para entender as diferenças apontadas pela literatura para compreender os dois casos estudados, procurando ao menos complexificar a dicotomia apontada naqueles trabalhos. A seção seguinte faz um breve histórico das IPs nos dois países, antes e depois da chegada ao poder das esquerdas, indicando as heranças distintas e as diferentes estratégias participativas propostas pelos dois governos. A terceira delimita as características da participação nacional nos dois países a partir das três unidades de análise anteriormente definidas. Nas considerações finais, são sugeridas explicações para os padrões destacados ao longo do texto.

DUAS ESQUERDAS?

Uma das características mais constantes nos trabalhos e pesquisas em torno das esquerdas latino-americanas atuais parece ser o desejo de estabelecer tipologias classificatórias. Sem dúvida, a mais comum é a dicotomia que sugere a existência de “duas esquerdas”, uma “social-democrata” ou “democrata” e outra “populista” ou “autoritária”, proposta por alguns estudiosos com intenção quase sempre normativa, em que a primeira tende a ser entendida como uma esquerda “boa” e a outra como “má” (cf. Castañeda, 2006CASTAÑEDA, Jorge. (2006), “Latin America’s Left Turn”. Foreign Affairs, vol. 85, nº 3, pp. 28-43.; Lanzaro, 2009LANZARO, Jorge. (2009), “La Socialdemocracia Criolla”. Análise de Conjuntura OPSA, nº 3, pp. 1-24.; Petkoff, 2005PETKOFF, Teodoro. (2005), Dos Izquierdas. Caracas, Alfadil.; Mires, 2008MIRES, Fernando. (2008), “Socialismo Nacional versus Democracia Social. Una Breve Revisión Histórica”. Nueva Sociedad, nº 217, pp. 59-71.; entre muitos outros). Governos e partidos no poder no Brasil, Chile e Uruguai geralmente são associados à primeira corrente, enquanto os da Venezuela, Bolívia e Equador integram a segunda (com casos como os da Argentina e da Nicarágua por vezes ocupando uma posição intermediária). As dicotomias mais comuns por diversas razões não chegam ao âmago da questão, seja porque suas noções centrais se prestam a todos os casos ou a nenhum deles, seja porque elas carregam grande normatividade ou polissemia.

São poucos os trabalhos que buscam complexificar a questão, e, nesse sentido, deve-se mencionar o livro coletivo editado por Levitsky e Roberts (2011)LEVITSKY, Steven; ROBERTS, Kenneth (eds.). (2011), The Resurgence of the Latin American Left. Baltimore, The Johns Hopkins University Press.. Os editores apresentam na Introdução uma tipologia das esquerdas com quatro quadrantes: 1) partidos institucionalizados (Brasil, Uruguai e Chile; 2) movimentista (Bolívia); 3) máquinas populistas (Argentina e Nicarágua); e 4) populistas (Venezuela e Equador). Talvez por conta do viés marcadamente institucionalista do argumento, os autores terminam por cair mais uma vez na dicotomia “social-democratas” versus “populistas”, quando reafirmam que as esquerdas do quadrante 1 realizam políticas social-democratas, enquanto as dos quadrantes 2 e 4 produzem políticas populistas (colocando as do 3 numa posição “híbrida”). Tem-se, assim, o mesmo resultado de outras tipologias, com argumentos semelhantes1 1 . Para uma crítica da utilização dos conceitos de “social-democracia” e de “populismo” na análise das esquerdas latino-americanas contemporâneas, conferir Pereira da Silva (2011, capítulo 7). .

Venho sugerindo avaliar as esquerdas latino-americanas enquanto integrantes de um único “conjunto”, mas divididas em dois “subconjuntos”: as “renovadoras” e as “refundadoras”2 2 . Abordagem que se aproxima do proposto em Rouquié (2011). (cf. Pereira da Silva, 2011PEREIRA DA SILVA, Fabricio. (2011), Vitórias na Crise. Trajetórias das Esquerdas Latino-americanas Contemporâneas. Rio de Janeiro, Ponteio.). As primeiras são caracterizadas por um grau maior de institucionalização, maior integração ao sistema político, aceitação das instituições da democracia representativa na forma “realmente existente” em seus países e pela crítica moderada ao neoliberalismo. As segundas são caracterizadas por um nível mais baixo de institucionalização, menor integração ao sistema político, pela integração crítica às instituições da democracia representativa e pela crítica radical ao neoliberalismo. As primeiras pretendem “renovar” a política e o governo de seus países com uma abordagem mais igualitária, estatizante e ética. As segundas propõem “refundar” suas institucionalidades, seus sistemas partidários e o Estado como um todo, superando mais radicalmente o status quo vigente no momento em que chegaram ao poder, associado geralmente a um colapso dos sistemas partidários e institucionais.

É evidente que isso não se explica apenas pelo voluntarismo dos agentes sociais. O que fica claro é que os governos de partidos que se inseriram em contextos relativamente estabilizados tenderam a uma maior institucionalização, a uma moderação e à maior valorização da representação, realizando (num tempo relativamente curto) trajetórias em direção ao centro político para captar votos e apoios. Nos países com sistemas políticos e partidários mais estáveis, nos quais os partidos continuam sendo os condutores dos processos eleitorais, as esquerdas desenvolveram organizações mais estruturadas, competitivas e integradas “de forma a evitar o transbordamento do conflito político e contribuir para a sua moderação” (Anastasia, Ranulfo e Santos, 2004ANASTASIA, Fátima; RANULFO, Carlos; SANTOS, Fabiano. (2004), Governabilidade e Representação Política na América do Sul. Rio de Janeiro, Konrad Adenauer; São Paulo, Unesp.:35). Enquanto isso, em outros casos, partidos e movimentos de curta trajetória emergiram em contextos marcados por sistemas e institucionalidades em colapso e encontraram relativa autonomia para construir maiorias, sem a necessidade ou a possibilidade de encararem um processo de institucionalização, de moderação ou de internalizarem mais fortemente os valores hegemônicos da democracia representativa. Diferenças estruturais e temporalidades distintas são fatores explicativos das diferenças entre essas esquerdas.

Quando se refere aqui a “crise”, remete-se a um processo estrutural, a uma crise “orgânica”, na qual se manifesta uma crise de direção político-social – algo notável na Venezuela. Nesse país, o modelo neoliberal e o bloco de forças que o sustentava foram fortemente contestados. Mas certamente não é somente com o fracasso do modelo neoliberal que essas crises se relacionam, é também com o esgotamento de formas de organização estatal, dominação social, baixa inclusão político-social e monopólio partidário, expressos em mais largas durações e na busca pela refundação da República (construção de uma “V República”). Constata-se uma “crise de hegemonia”, uma “crise do Estado em seu conjunto” (Gramsci, 2002GRAMSCI, Antonio. (2002), Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 6 vols., vol. 3:60), que está longe de ser solucionada, podendo se estender por um longo período. Por outro lado, nos países nos quais os sinais de esgotamento do neoliberalismo se manifestaram com menor intensidade e estiveram descolados de outras desagregações institucionais (como o Brasil), é provável que elementos do paradigma neoliberal permaneçam com mais intensidade e por mais tempo no repertório dos blocos de poder que vão se configurando, mesclados a propostas mais ou menos alternativas e heterodoxas. Esses blocos não se caracterizam como “novos” e potencialmente construtores de uma nova hegemonia, estando bloqueados de diversas maneiras (Domingues, 2009DOMINGUES, José Maurício. (2009), A América Latina e a Modernidade Contemporânea: Uma Interpretação Sociológica. Belo Horizonte, Editora UFMG.:192).

Assim, o chavismo chegou ao poder em meio a uma crise orgânica (com elementos políticos, culturais, sociais, econômicos), de decomposição radical da hegemonia expressada anteriormente e de chegada a uma situação de empate catastrófico – e emergência de uma liderança forte, uma espécie de “cesarismo progressista”. Essa conjuntura específica ofereceria um dado repertório de possibilidades, do qual uma configuração perfeitamente viável é o surgimento de governos com propostas mais radicalizadas, encabeçados por líderes outsiders e grupos excluídos, que procuram ser “refundadores” de suas instituições e, até certo ponto, de suas configurações sociais e econômicas. Por outro lado, o repertório de oportunidades legado a outras conjunturas – como a brasileira, na qual o Partido dos Trabalhadores (PT) chegou ao poder após larga trajetória – é distinto e, num certo sentido, mais restrito, comportando o surgimento de “semialternativas”, os casos mais moderados e limitados que denomino “renovadores”.

Com isso, o contexto legado a um caso e a outro é distinto – crise estrutural ou estabilidade relativa –, e a trajetória também é distinta – emergência num contexto crítico ou longo processo de adaptação ao poder e moderação (Amaral, 2003AMARAL, Oswaldo. (2003), A Estrela Não É mais Vermelha: As Mudanças do Programa Petista nos Anos 90. São Paulo, Garçoni.). Pode-se sugerir que esses fatores relativos ao contexto e à trajetória anteriores à chegada ao poder exercem influência sobre a elaboração de propostas de transformação mais ou menos moderadas (definidos neste estudo como projetos de “renovação” ou “refundação”) – o que, para os interesses deste artigo, se expressa também nas propostas e instituições voltadas para a inovação democrática em particular.

Nesse sentido, para seguir elaborando o argumento aqui desenvolvido, outro dado a ser levado em conta é a institucionalidade democrática e, particularmente, o experimentalismo no campo das IPs anterior à chegada ao poder do chavismo e do petismo. Na sequência, será feito um breve histórico das heranças institucionais recebidas no campo da participação, bem como das inovações levadas a cabo a partir delas em ambos os países. Visando maior clareza, na próxima seção cada caso será abordado separadamente, começando pelo governo que foi instituído primeiro.

HERANÇA E DESENVOLVIMENTO DAS INSTITUIÇÕES PARTICIPATIVAS

Venezuela: Em Busca de um Novo Modelo para Superar o Passado

A Venezuela não apresenta um histórico de IPs desenvolvidas desde o governo nacional, tendo sido introduzidas apenas na Constituição de 1999. Mas o país não era desprovido de mecanismos de participação construídos a partir do poder local. Ao longo dos anos 1990, em meio ao incremento da crise política que culminou na ascensão da V República, uma experiência participativa se notabilizou. Trata-se da administração de Caracas entre 1993 e 1996, encabeçada por Aristóbulo Istúriz, da Causa Radical (La Causa R, ou LCR, partido de esquerda defensor da participação e da “radicalização da democracia”). Há controvérsias na literatura acerca da influência dessa experiência nos desdobramentos posteriores do governo de Hugo Chávez no campo da participação popular (Baggia, 2011BAGGIA, Francesca. (2011), Os Mecanismos Participativos no Governo Chávez: Contribuições e Desafios da Experiência Venezuelana (1999-2010). Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Instituto de Ciências Sociais/Centro de Pesquisas e Pós-Graduação sobre as Américas, Universidade de Brasília, Brasília.), mas deve-se mencionar a implantação de Mesas Técnicas de Água (MTA), estruturadas territorialmente e responsáveis pelo diálogo entre as comunidades e funcionários das empresas prestadoras de serviços de abastecimento de água potável e saneamento (López-Maya, 2008LÓPEZ-MAYA, Margarita. (2008), “Innovaciones Participativas en la Caracas Bolivariana: La MTA de la Pedrera y la OCA de Barrio Unión”. Revista Venezolana de Economía y Ciencias Sociales, vol. 14, nº1, pp. 65-93.).

Mencionar as MTAs é importante porque elas se assemelham fortemente às IPs que prevaleceram na segunda fase do governo Chávez (a partir de 2006), e posteriormente no governo de Nicolás Maduro. As próprias MTAs, enfraquecidas em Caracas após 1996, foram reeditadas e expandidas a todo o território nacional a partir de 1999, desde o governo central. Outras organizações de participação de base semelhantes a elas foram estruturadas, como os Comitês de Terra Urbana (CTU), dedicados à organização comunitária em torno da posse da terra e reforma urbana (e outras iniciativas similares, como os Comitês de Saúde, de Energia etc.). Trata-se de IPs de base territorial/comunitária, com caráter eminentemente consultivo e de criação não obrigatória em cada município.

Paralelamente a elas, o governo Chávez ensaiou desenvolver mecanismos de participação estruturados de forma a agregar participação ao planejamento governamental nos planos municipal, estadual e nacional, através de conselhos – respectivamente os Conselhos Locais de Planificação Pública (CLPPs), Conselhos Estaduais de Planejamento e Coordenação de Políticas Públicas e o Conselho Federal de Governo3 3 . Esses conselhos seriam transversais, não temáticos – ou seja, um único conselho, em cada unidade administrativa, dedicado a todos os temas do respectivo governo. . Tais conselhos, previstos na Constituição de 1999, assumem um caráter mais representativo da sociedade civil (representantes eleitos pelas organizações de vizinhos e movimentos setoriais), possuem capacidade formal de influir de forma mais concreta na formulação de políticas públicas (especialmente no plano municipal) e têm existência obrigatória por lei. Isso formaria um sistema nacional de planejamento marcado pela participação popular.

Como se verá ao abordar o caso brasileiro, se essa tendência tivesse prevalecido, as IPs venezuelanas apresentariam alguma semelhança com as brasileiras. No entanto, não foi isso o que ocorreu: os conselhos tiveram e vêm tendo pouca existência concreta em âmbito local e estadual:

Ao longo da pesquisa, surgiram várias dúvidas sobre a efetividade das leis dos CLPPs e dos Conselhos Estaduais de Planejamento e Coordenação de Políticas Públicas, pois a maioria dos entrevistados se mostraram céticos sobre sua efetiva existência e funcionamento na maioria dos municípios e estados do país (Baggia, 2011BAGGIA, Francesca. (2011), Os Mecanismos Participativos no Governo Chávez: Contribuições e Desafios da Experiência Venezuelana (1999-2010). Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Instituto de Ciências Sociais/Centro de Pesquisas e Pós-Graduação sobre as Américas, Universidade de Brasília, Brasília.:79; cf. também García-Guadilla, 2009GARCÍA-GUADILLA, María Pilar. (2009), “La Praxis de los Consejos Comunales. ¿Poder Popular o Instancia Clientelar?”, in M. Ayala; P. Quintero (orgs.), Diez Años de Revolución en Venezuela. Historia, Balance y Perspectivas (1999-2009). Ituzaingó, Maipue.).

Sugiro que, grosso modo, se pode falar em dois momentos da participação na V República. O primeiro pode ser caracterizado por maior pluralidade, e nela conviveram as duas tendências mencionadas: os conselhos de planejamento de políticas públicas no plano local e estadual, junto com as organizações temáticas de nível microlocal. O esforço pela construção dos primeiros prevaleceu naquele momento, em âmbito local e estadual4 4 . No plano nacional, apesar de previsto na Constituição, o Conselho Federal de Governo só foi regulamentado por lei a partir de 2010. Com isso, assumiu características da segunda fase da participação na Venezuela: a escolha de seus representantes populares se dá através dos CCs, o conselho é comandado por representantes do Executivo e detém pouco poder vinculante sobre as políticas nacionais. (ao que parece, sem muito sucesso). O segundo é marcado pela ênfase na organização de nível microlocal, não mais temática e sim transversal – e então outras formas de participação antes testadas foram relegadas a segundo plano, abandonadas ou adaptadas à nova fase5 5 . O Conselho Federal de Governo já surgiu adaptado a essa nova fase (cf. nota anterior). Os CLPPs foram reformados, e seus representantes populares passaram a ser obrigatoriamente oriundos dos CCs. .

O ano de 2006 marca a transição entre esses dois momentos, pois desde então foi fomentada a IP que é o marco desse novo período: o Conselho Comunal (CC), estruturado a partir de certo número de famílias organizadas num âmbito espacial microlocal6 6 . Cento e cinquenta a quatrocentas famílias nas áreas urbanas, dez a vinte nas áreas rurais e dez nas comunidades indígenas. . As organizações locais preexistentes (como as MTAs e CTUs) deveriam integrá-las, preservando-se como partes integrantes dos CCs ou subsumindo-se a eles7 7 . Os militantes envolvidos nos CTUs têm resistido à insistência governamental por sua diluição nos CCs. Sua atuação de “apoio crítico” ao governo central e de existência “autônoma” é efetivamente um valor para seus integrantes (como pude constatar in loco na assembleia metropolitana que reúne os CTUs de Caracas), eles se veem hodiernamente como um movimento social, e alguns autores entendem os CTUs mais como movimentos sociais do que propriamente como instituições participativas (por exemplo, Fernández, 2012). . Essas organizações sociais de base microlocais devem formar Comunas (agregados de CCs), que, por sua vez, constituirão Cidades Comunais, Federações e Confederações de Comunas8 8 . Grosso modo, nos espaços urbanos, os CCs se referem a quarteirões, e as Comunas, a bairros ou comunidades. Somente Cidades Comunais poderão se estruturar em dimensões territoriais equivalentes aos atuais municípios. Mas elas ainda são incipientes, havendo alguns poucos casos considerados “experimentais”. , numa organização de base piramidal reunindo democracia direta na base e delegação nas instâncias superiores, muito próxima da tradição “conselhista”, de considerável impacto no socialismo (Martorano, 2011MARTORANO, Luciano Cavini. (2011), Conselhos e Democracia. Em Busca da Participação e da Socialização. São Paulo, Expressão Popular.). Como esse sistema piramidal que vem sendo construído e que tem como base o CC é o modelo que se impôs (há uma década), é ele que será enfatizado a partir de agora em nossa análise e na comparação com o caso brasileiro – deixando a primeira fase de participação no governo Chávez relegada aqui a segundo plano. Sugiro que esse novo modelo já poderia, a essa altura, ser entendido como uma institucionalização da participação popular com certa longevidade, parte da caminhada (algo errática e agora potencialmente bloqueada) do regime chavista no sentido de uma institucionalização alternativa, seguida à desconstrução institucional contida no processo refundador original.

Os CCs chegaram a ser incluídos na legislação em 2002 como parte integrante dos CLPPs (Aduci Mendes, 2013ADUCI MENDES, Valdenésio. (2013), “Democracia e Participação: Os Conselhos Comunais na Venezuela”. Revista Sul-Americana de Ciência Política, vol. 1, nº 1, pp. 14-32.). No entanto, foram decididamente fomentados pelo Estado a partir de 2006 como o mecanismo protagônico de participação popular no desenho, implantação, gestão e controle de políticas públicas, e de maneira geral como meio de construção de uma “democracia revolucionária e socialista” (defendida a partir de então pelo regime, e que englobaria a “democracia participativa e protagônica” consagrada na Constituição de 1999). Desde então, os CCs se espalharam pelo país. Os números são por vezes contraditórios: variam todos os anos e sempre ocorrem divergências entre os cálculos de pesquisadores e os dados oficiais. É razoável supor que havia cerca de 30 mil CCs em 2009, dos quais apenas 12 mil conseguiram renovar-se em 2010 (de acordo com as reformas na legislação realizadas no ano anterior). Em 2012, havia cerca de 40 mil CCs, segundo dados oficiais (Ellner, 2012ELLNER, Steve. (2012), “El Modelo de la Democracia Social Radical en Venezuela: Innovaciones y Limitaciones”. Cuadernos del CENDES, ano 29, nº 79, pp. 107-133.). O Ministério do Poder Popular para as Comunas e os Movimentos Sociais (ente da administração nacional responsável pela estruturação da participação popular), num censo em 2013, contabilizou 1.401 Comunas e 40.035 CCs. Essas IPs vêm atingindo índices notáveis de inclusão popular, chegando a 67% de cidadãos que frequentaram suas atividades ao menos uma vez, sendo que, destes, 18% afirmavam frequentar todas as suas reuniões (Machado, 2009MACHADO, Jesús. (2009), Estudio Cuantitativo de Opinión sobre los Consejos Comunales. Caracas, Fundación Centro Gumilla.; Fernández, 2011FERNÁNDEZ, Beatriz. (2011), “Los Consejos Comunales: Continuidades y Rupturas”. Cuadernos del CENDES, ano 28, nº 78, pp. 35-65.)9 9 . Pesquisas realizadas pelo Latin American Public Opinion Project (LAPOP), sediado na Vanderbilt University, vêm apresentando índices menores (em torno de 30%), mas ainda assim notáveis (www.vanderbilt.edu/lapop). .

A Lei Orgânica dos Conselhos Comunais (de 2006, modificada em 2009) os define como

[...] instâncias de participação, articulação e integração entre os cidadãos, cidadãs e as diversas organizações comunitárias, movimentos sociais e populares, que permitem ao povo organizado exercer o governo comunitário e a gestão direta das políticas públicas e projetos orientados a responder às necessidades, potencialidades e aspirações das comunidades, na construção do novo modelo de sociedade socialista de igualdade, equidade e justiça social (Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela, 2009ASAMBLEA NACIONAL DE LA REPÚBLICA BOLIVARIANA DE VENEZUELA. (2009), Ley Orgánica de los Consejos Comunales. Caracas, s. ed.)10 10 . Todas as citações de textos em espanhol têm tradução livre. .

Os CCs se estruturam a partir da realização periódica de assembleias locais (que são, em última instância, seus espaços decisórios), que estabelecem comitês dirigentes com distintas funções. Dedicam-se prioritariamente à articulação das organizações de base existentes e ao fomento de novas; elaboração de um plano de trabalho; controladoria social sobre projetos públicos; e mesmo ao eventual desenvolvimento e gestão desses projetos. Conjuntamente, são responsáveis pela participação direta nas decisões e na implantação de políticas públicas no plano comunitário e relacionam-se diretamente com o Executivo nacional (Jungemann, 2008JUNGEMANN, Beate. (2008), “Organizaciones Sociales y Anclaje Territorial. Escenarios y Componentes de la Transformación Socio-territorial y Local en Venezuela”. Cuadernos del CENDES, ano 25, nº 67, pp. 1-34.), atualmente através do Ministério do Poder Popular para as Comunas e os Movimentos Sociais. Este, pelo menos no princípio, capacita e forma seus dirigentes (porta-vozes ou voceros), define parâmetros para seu funcionamento, avalia suas atividades, fomenta novos CCs e disponibiliza recursos financeiros e técnicos necessários para a realização de seus projetos, que devem ser aprovados por instâncias superiores11 11 . Os projetos elaborados pelos CCs podem ser apresentados e buscar recursos em instâncias como o Conselho Federal de Governo (formado por membros do governo federal, dos governos subnacionais e dos próprios CCs), bancos estatais, governos estaduais (gobernaciones) e prefeituras (alcaldías). Os recursos são oriundos sobretudo do governo nacional. Eventualmente, na medida em que fundam os chamados “bancos comunais” e administram espaços produtivos próprios, as Comunas podem começar a se autofinanciar. .

Como foi dito, recentemente tem havido um esforço para que, a partir da reunião de vários CCs, se formem instâncias superiores denominadas Comunas (ora consideradas “em construção”), que assumiriam o autogoverno em espaços maiores (mais próximos das dimensões de um bairro ou pequena cidade) e potencialmente assumiriam um caráter mais marcado de poder alternativo – parcialmente sobreposto a instituições de representação municipais. Nesses novos espaços, começam a ser discutidos e articulados mais seriamente projetos produtivos comunitários (alimentícios, têxteis, artesanais etc.), além de meios de transporte e de comunicação alternativa. A Lei Orgânica dos Conselhos Comunais também prevê futuramente a articulação das Comunas em Federações e Confederações de Comunas, o que aponta idealmente para uma construção piramidal potencialmente alternativa à geometria territorial, baseada na mediação e na representação consideradas “tradicionais”, dando origem a um novo “Estado comunal” que, em boa medida, superaria as instituições do Estado anterior.

Ademais, trata-se de participação focada na atuação da cidadania comum ou anteriormente “desorganizada”, apesar da participação de militantes de organizações sociais, de integrantes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) etc. Deve-se notar, entretanto, que a participação não se restringe apenas a esse formato, estendendo-se a discussões mais temáticas para a elaboração e aprovação de políticas públicas importantes (como a Lei de Terras ou a recente Lei Orgânica do Trabalho dos Trabalhadores e Trabalhadoras, LOTTT). Vem sendo aventada também a possibilidade da ampliação da participação no ambiente de trabalho, o que tem sido tentado experimentalmente em empresas recuperadas estatizadas ou autogestionárias através da instituição de comitês de fábrica com participação em decisões.

Desse modo, nota-se uma inflexão de uma participação em órgãos de planificação a uma tentativa de construção do “poder popular”, associado à cúpula estatal. Ainda que de forma inconclusa, um novo poder microlocal alternativo começa a assumir funções de prestação de serviços, atividades públicas e eventuais incursões produtivas – o que se poderia considerar um “conselhismo de base”, incrustado na institucionalidade nacional, remontando às tradições socialistas dos séculos XIX e XX. Nota-se nessa nova fase da participação uma tendência crescente ao predomínio do Poder Executivo (ao qual os CCs se associam diretamente), marcada por restrita influência popular sobre as definições da política e do planejamento nacionais – mas por crescente participação e empoderamento territorial e microlocal. Poderia ser sugerido que as transformações referidas apontam na direção de uma maior interação de um Estado em processo de abertura (ligeiramente mais permeável e penetrado pela cidadania) com a sociedade – relação na qual seus setores populares e organizados têm importante papel a cumprir, agora regulamentado constitucionalmente. Diversos trabalhos sobre os CCs denotam seu incremento organizativo, crescente empoderamento no plano microlocal, participação plural em seu interior e índices notáveis de inclusão popular, chegando a números incomuns de 67% de cidadãos que frequentaram suas atividades ao menos uma vez, como se viu. Adicionalmente, Machado defende categoricamente que os CCs não reforçam

padrões de condutas políticas como o assistencialismo ou o paternalismo, pelo contrário (...), há um processo progressivo de protagonismos e responsabilidade popular na construção de respostas coletivas na busca de um melhor viver (Machado, 2008MACHADO, Jesús. (2008), Estudio de los Consejos Comunales en Venezuela. Caracas, Fundación Centro Gumilla.:6).

No entanto, a questão não é tão simples. Um bom exemplo disso é a análise que García-Guadilla apresenta dos CCs. A autora aponta que os referidos organismos de participação são criados, na sua maioria, de “cima para baixo”; dependem dos recursos oficiais; se prestam mais à execução de benfeitorias locais que ao debate ou ao desenho de políticas públicas mais gerais; dificilmente reúnem setores sociais plurais, além de possuir dificuldades de articulação entre eles; e são acionados pelo regime como apoios em momentos eleitorais. Conclui que

enquanto os objetivos e o discurso presidencial falam de empoderamento, transformação e democratização, as práticas observadas apontam na direção do clientelismo, cooptação, centralização e exclusão devido à polarização política (García-Guadilla, 2009GARCÍA-GUADILLA, María Pilar. (2009), “La Praxis de los Consejos Comunales. ¿Poder Popular o Instancia Clientelar?”, in M. Ayala; P. Quintero (orgs.), Diez Años de Revolución en Venezuela. Historia, Balance y Perspectivas (1999-2009). Ituzaingó, Maipue.:320-321).

Em suma, a literatura sobre os CCs reproduz em grande medida a polarização política (e acadêmica) em torno da Revolução Bolivariana, oscilando entre os que esperam que eles encarnem o aprofundamento da democracia participativa e do poder popular e os que os consideram uma ameaça à democracia representativa e ao Estado de direito, um novo instrumento de controle clientelista sobre a população e de fomento do chavismo. Resumindo, os que entendem os CCs como instrumentos de empoderamento popular (iniciativas desde baixo), e os que os veem como formas de controle do Estado sobre a sociedade (iniciativas desde o alto). Ademais, como uma iniciativa do governo chavista para construir instituições paralelas às instituições representativas municipais e estaduais, sob o comando do Executivo nacional. Nesse sentido, essas IPs estariam contribuindo para a desinstitucionalização de mecanismos representativos em âmbito subnacional, incrementando assim a centralização no Estado nacional (e particularmente no Executivo).

Uma análise que consegue superar essa polarização é a de Goldfrank, que, a partir de revisão da literatura e de pesquisas de opinião, aponta que os CCs não representam uma ameaça à democracia representativa. Pelo contrário, poderiam mesmo servir como contenção da polarização política – esta sim um empecilho à democracia. O autor lembra que a acusação de que a participação ameaça as instituições representativas é recorrente: “quando há uma iniciativa participativa quase sempre há resistências provenientes dos que ocupam cargos nas instituições de democracia representativa” (Goldfrank, 2011GOLDFRANK, Benjamin. (2011), “Los Consejos Comunales: ¿Avance o Retroceso para la Democracia Venezolana?”. Íconos, Revista de Ciencias Sociales, nº 39, pp. 41-55.:50)12 12 . Como exemplo, remeto às críticas de setores do Congresso e da mídia à iniciativa (malograda) do governo Dilma Rousseff de regularizar, mediante lei própria, o sistema de participação nacional (de todo modo já existente). . No entanto, observa que, se os CCs não são uma ameaça à democracia, tampouco podem contribuir muito para seu aprofundamento, devido a seus problemas de desenho e funcionamento – tais como falta de transparência e regras claras de financiamento; duplicação de funções com o governo municipal e organizações sociais preexistentes; falta de capacidade técnica dos porta-vozes; concentração do poder no Executivo nacional; dependência de trabalho voluntário e participação constante; e progressiva multiplicação de funções.

Para tornar o quadro ainda mais complexo, o tema da produção vem sendo enfrentado (ainda que timidamente). Lentamente, vêm sendo propostos e eventualmente testados avanços no campo da autogestão em algumas empresas tornadas “públicas” (estatizadas), ou de propriedade coletiva das Comunas. Como observado por Ellner, a partir de 2006,

Chávez se declarou “marxista” e pela primeira vez insistiu no papel da liderança revolucionária da classe operária. Como resultado, o discurso começou a centrar-se mais nos centros de produção, apesar disso não reduzir a importância da unidade territorial e, especificamente, da comunidade, à qual estão vinculadas as cooperativas, os conselhos comunais e os programas das missões (2012:130).

Esperemos para ver como se desenvolverão essas duas complexas equações: classe e território; e centralização no Executivo e poder popular. Delas dependerá a efetividade e o aprofundamento da participação na Venezuela.

Brasil: Aprofundamento do já Existente

Em comparação com a Venezuela, o Brasil tem mais longa tradição de IPs, tanto no plano local quanto no nacional. Em nível local, a partir dos anos 1980 foram instituídos pioneiramente alguns conselhos locais no bojo do processo de transição à democracia, geralmente capitaneados por alas progressistas do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), e principalmente pelo PT. Este último aprofundou as experiências participativas locais, organizando orçamentos participativos (OPs) em centenas de municípios e apresentando-os ao longo dos anos 1990 como parte do “modo petista de governar”. Adotada por diversos partidos, a experiência dos OPs se espalhou pelo Brasil e pelo mundo (Santos, 2009SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). (2009), Democratizar a Democracia: Os Caminhos da Democracia Participativa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.; Silva e Cunha, 2010SILVA, Eduardo Moreira da; CUNHA, Eleonora S. Martins (orgs.). (2010), Experiências Internacionais de Participação. São Paulo, Cortez.), assim como os conselhos locais tratando dos mais variados temas.

No plano nacional, também nos anos 1980 foram institucionalizados mecanismos de participação, a partir da Constituição de 1988. O texto constitucional não regulamentava IPs específicas, mas em diversos artigos determinava a consulta à cidadania para a elaboração de políticas (além de prever mecanismos de democracia direta), como ponto culminante das mobilizações populares naquela década13 13 . O movimento pela reforma da saúde foi provavelmente o que mais insistiu (e com maior sucesso) na inscrição da participação popular no texto constitucional – tendo garantido a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS) descentralizado e com participação popular através de Conselho e Conferência, bem como a inscrição do direito à saúde na Carta (Abreu et al., 2009). – que refluiriam nas décadas seguintes. A previsão de participação nacional pela Constituição ofereceu interstícios à reprodução de espaços participativos nos anos seguintes, aproveitando-se de mecanismos que haviam sido eventualmente testados antes com caráter mais de descentralização que propriamente de participação14 14 . Como as Conferências na área da saúde, que vinham ocorrendo desde o governo Vargas. . Entre eles, as duas principais IPs brasileiras, que marcam a participação em âmbito nacional: os Conselhos, que são órgãos gestores e de consulta acerca de políticas públicas específicas; e as Conferências, organizadas esporadicamente como encontros por todo o território nacional, desde o plano local até o nacional, para elaboração de propostas de políticas públicas e consulta à cidadania15 15 . Outras IPs vêm sendo instituídas no plano nacional, como as ouvidorias e as reuniões de consulta mais ou menos formalizadas. No entanto, seu impacto e extensão são menores e vêm recebendo bem menos atenção da literatura especializada. Por isso, aqui, deixaremos essas experiências de lado, destacando apenas os Conselhos e Conferências. .

Quando o PT chegou ao governo nacional, esperava-se que experiências de participação consolidadas em âmbito local (como os OPs) fossem testadas no plano nacional e que, de modo geral, a participação popular fosse enfatizada pelo novo governo. Não foi o que ocorreu, na medida em que o partido, no longo processo de chegada ao poder, terminou por

enfraquecer os ideais embrionários participacionistas ou simplesmente adaptá-los às concepções liberais, ou seja, torná-los mais restritivos, formalizados e regulados (...). O PT não abandonou as políticas participativas no governo federal, mas imprimiu a elas contornos mais restritivos, como uma forma de aprimoramento da democracia representativa, uma vez que a legenda passou a priorizar a estabilidade econômica e as coalizões governamentais como estratégias políticas (Souza, 2012SOUZA, Clóvis Henrique Leite de. (2012), “A que Vieram as Conferências Nacionais? Uma Análise dos Objetivos dos Processos Realizados entre 2003 e 2010”. Texto para Discussão IPEA, nº 1718.:18-19).

O que se deu, efetivamente, foi um aprofundamento das IPs já existentes em nível nacional, ou seja, uma ampliação do número e regularidade dos Conselhos e Conferências. Difícil afirmar que a participação popular constituiu uma prioridade da administração federal desde 2003. Mas pode-se constatar que ela é mais recorrente do que nos governos anteriores. Num total de 115 Conferências Nacionais ocorridas até 2010, 74 se deram durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Nesse período, delas participou aproximadamente 6,5% da população brasileira (Avritzer, 2012AVRITZER, Leonardo. (2012), “Conferências Nacionais: Ampliando e Redefinindo os Padrões de Participação Social no Brasil”. Texto para Discussão IPEA, nº 1.739.). O número de conselhos federais contabilizados diverge bastante de acordo com o pesquisador (de algo em torno de 40 a mais de 70 em alguns estudos) – sendo que 18 foram criados e diversos foram reformulados durante o governo Lula da Silva16 16 . Esses números sempre divergem, pois em cada trabalho os pesquisadores adotam diferentes definições e “características mínimas” das Conferências e Conselhos, por vezes excluindo de suas contagens (por não reunir as características mínimas) diversas instituições que a Secretaria Geral da Presidência da República (órgão da administração federal responsável pela articulação entre governo e sociedade civil) considera oficialmente como Conferências e Conselhos. (Abers, Serafim e Tatagiba, 2014ABERS, Rebecca; SERAFIM, Lizandra; TATAGIBA, Luciana. (2014), “Repertórios de Interação Estado-Sociedade em um Estado Heterogêneo: A Experiência na Era Lula”. DADOS, vol. 57, nº 2, pp. 325-357.). Havia razões para se considerar que a tendência de fortalecimento das IPs seguia vigente, vide a iniciativa (bloqueada no Congresso) do governo de Dilma Rousseff, em 2014, de sistematizar, mediante decreto, a participação num sistema nacional, de modo a procurar preservá-la ao longo do tempo e dar-lhe maior coerência e efetividade. No entanto, com a derrubada do governo em 2016 mediante golpe parlamentar, pode-se temer pela continuidade dessa tendência. Vejamos a seguir quais são as principais características dos Conselhos e Conferências, bem como as diferenças entre eles.

Os Conselhos se constituíram como mecanismos que, quanto à forma, são híbridos, algo que não é exatamente sociedade civil nem administração pública (como definido em Avritzer e Pereira, 2005AVRITZER, Leonardo; PEREIRA, Maria de Lourdes D. (2005), “Democracia, Participação e Instituições Híbridas”. Teoria & Sociedade, número especial, pp. 16-41.), pois reúnem setores da sociedade e do governo federal, geralmente com ligeira predominância dos primeiros ou com paridade; temáticos, na medida em que se restringem aos temas tratados pelo ministério ou política nacional com os quais se relacionam; e sistemáticos, quer dizer, se reproduzem no tempo, têm existência continuada e seus integrantes assumem mandatos definidos. Quanto ao público-alvo, efetividade e elementos de representação, eles enfatizam a cidadania organizada, pois somente se prevê a participação de representantes de organizações sociais (muitas vezes já previamente definidas) ou de especialistas, não havendo formas do cidadão comum, não organizado, acessar esses espaços; são majoritariamente capacitados a expressar posicionamentos, mas sem caráter vinculante, ou seja, na maioria das vezes, elaboram e propõem políticas, mas os órgãos competentes não necessariamente são obrigados a cumpri-las; e são representativos, constituídos por representantes seja da sociedade civil (eleitos, indicados ou selecionados por organizações sociais, ou mesmo nomeados pelo Executivo), seja da administração federal.

Já as Conferências assumem as seguintes características formais: são híbridas, mas nesse caso os integrantes da sociedade civil são mais numerosos; temáticas; e temporárias, desenhadas como eventos especiais (em muitos casos não se prevendo se serão eventos isolados ou se terão regularidade). Quanto a características referentes a público-alvo, efetividade e elementos de representação, elas são abertas a distintas formas de atuação, pois o cidadão comum pode participar (em tese, em igualdade de condições com os representantes da sociedade civil e das administrações) das conferências em nível local e ser eleito representante nos planos superiores; na maioria das vezes, possuem a faculdade de deliberar sobre as políticas da área, mas, geralmente, tais deliberações não são vinculantes, assim como nos Conselhos; e são diretas em nível local e representativas no plano estadual e nacional, com representantes eleitos pelas bases.

Provavelmente, pela maior tradição e experimentação de IPs no Brasil, a literatura sobre a participação brasileira (por parte de pesquisadores brasileiros e estrangeiros) é mais antiga e sistemática que a venezuelana, tendo se iniciado no final dos anos 1980 e se tornado volumosa nos anos 1990 e 2000. Ela geralmente se concentrou na participação local. Só recentemente (fim dos anos 2000) começou a surgir uma produção mais numerosa sobre a participação no governo federal, na medida em que esta se aprofunda17 17 . Nesse ponto, devem ser mencionados em especial os trabalhos realizados no âmbito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão ligado ao governo federal que vem fomentando pesquisas acerca da efetividade das IPs brasileiras. . Essa literatura tem destacado e debatido alguns pontos que revisaremos rapidamente aqui.

Se, num primeiro momento, a literatura destacava e valorizava o incremento de participação nas políticas governamentais do governo federal, mais recentemente começou a reconhecer e destacar que boa parte dessa participação é efetivamente uma forma de representação política – parcialmente nas Conferências, integralmente nos Conselhos. E uma forma eminentemente não eleitoral – mesmo nas Conferências, nas quais parte dos participantes de seus níveis estaduais e nacional é “nata” (os conselheiros) ou “indicada” (pelo governo e organizações sociais). Pode-se perguntar, então, até que ponto essa representação é democrática, na medida em que esses representantes não são eleitos (no máximo escolhidos por alguns grupos, mas também muitas vezes nomeados ou selecionados). Se o elemento democrático aqui não se dá mediante eleição – que de acordo com a visão elitista-pluralista da representação democrática garantiria, ao mesmo tempo, autorização e accountability, argumento que mesmo Pitkin (1967)PITKIN, Hanna. (1967), The Concept of Representation. Berkeley, LA, University of California Press. em boa medida referenda –, teria que se apresentar em algum outro momento. Para alguns autores, a introdução de interesses, opiniões, grupos, perspectivas e argumentos distintos (dependendo da origem teórica da qual se parte), ou a afinidade temática, proximidade com os representados ou expertise em relação aos temas tratados, já seriam em si suficientes para tornar essa pluralização de espaços e entrada de novos atores na arena política democrática em si mesma, e produziriam decisões mais justas, legítimas ou de melhor qualidade (Avritzer, 2007AVRITZER, Leonardo. (2007), “Sociedade Civil, Instituições Participativas e Representação: Da Autorização à Legitimidade da Ação”. DADOS – Revista de Ciências Sociais, vol. 50, nº 3, pp. 443-464.; Lavalle, Houtzager e Castello, 2006LAVALLE, Adrián Gurza; HOUTZAGER, Peter; CASTELLO, Graziela. (2006), “Democracia, Pluralização da Representação e Sociedade Civil”. Lua Nova, nº 67, pp. 49-103.). Para outros, isso não é suficiente: a relação com os representados depende ainda da boa vontade dos representantes. Se a autorização, nesses casos, emana do governo federal ou de organizações sociais previamente definidas, urge desenvolver ao menos mecanismos de controle e acompanhamento distintos para democratizar esses espaços (Miguel, 2014MIGUEL, Luis Felipe. (2014), Democracia e Representação: Territórios em Disputa. São Paulo, Ed. Unesp.; Almeida, 2008ALMEIDA, Débora Cristina R. de. (2008), Representação Política: Reflexões a partir da Prática da Sociedade Civil nos Conselhos de Políticas. Trabalho apresentado no 32º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 27-31 de outubro.).

O problema se complica quando se reconhece tratar-se de representação que se dá principalmente através de membros da sociedade civil e da própria administração federal (seu já mencionado caráter híbrido) – mais uma vez, parcialmente nas Conferências, integralmente nos Conselhos. Aí surgiriam vários problemas potenciais, tais como: a dificuldade do cidadão comum, não militante de alguma organização social, em se fazer ouvir nas IPs brasileiras; a forma de escolha desses representantes da sociedade civil e da administração federal, em boa medida, por nomeação; a valorização da expertise na participação, que poderia assumir formatos neocorporativos; a seleção das próprias organizações sociais que podem aceder às IPs, na medida em que, diversas vezes, o governo federal tem a primazia de selecionar previamente quais organizações podem participar (potencialmente favorecendo movimentos sociais aliados); o fato de a própria participação, mediante representação, favorecer as organizações sociais mais estruturadas, “que dispõem de uma estrutura organizacional mínima, que lhes permita arcar com os custos da representação” (Abers, Serafim e Tatagiba, 2014ABERS, Rebecca; SERAFIM, Lizandra; TATAGIBA, Luciana. (2014), “Repertórios de Interação Estado-Sociedade em um Estado Heterogêneo: A Experiência na Era Lula”. DADOS, vol. 57, nº 2, pp. 325-357.); para citar apenas as dificuldades mais evidentes. Tudo isso leva alguns autores a concluir “que, além de conselhos e conferências possuírem baixo vínculo entre representantes e representados, há pequena garantia da presença de múltiplas vozes no debate, em especial pela ausência de grupos comumente excluídos dos espaços decisórios” (Lima, Teixeira e Souza, 2012LIMA, Paula Pompeu Fiuza de; TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves; SOUZA, Clóvis Henrique Leite de. (2012), “Contrastes entre Alterações Institucionais nos Conselhos e Propostas de Conferências Nacionais”. Argumentum, vol. 4, nº 1, pp. 152-172.:169).

Adicionalmente, vem sendo destacado que a participação nacional é fragmentada (através dos vários órgãos do governo federal, reproduzindo a fragmentação administrativa), deixando a desejar em termos de conexão entre as diversas IPs e dificultando a abordagem de problemas transversais. Nesse contexto, percebe-se uma ênfase participativa nas áreas social, de garantia de direitos das minorias e ambiental, com pouca entrada nas áreas econômica e estratégica (Abers, Serafim e Tatagiba, 2014ABERS, Rebecca; SERAFIM, Lizandra; TATAGIBA, Luciana. (2014), “Repertórios de Interação Estado-Sociedade em um Estado Heterogêneo: A Experiência na Era Lula”. DADOS, vol. 57, nº 2, pp. 325-357.). Isso reflete a mobilização, desde os anos 1980, de movimentos sociais em torno do incremento da participação para a expansão e garantia de direitos sociais e representação das minorias. Mas, evidentemente, também se dá pela resistência de atores governamentais e elites socioeconômicas em tolerar a participação popular em áreas-chave.

Finalmente, essas instâncias assumem formalmente, com muita frequência, um caráter deliberativo (ou seja, não existem apenas para divulgar programas, promover encontros, construir redes ou controlar políticas), mas suas deliberações não são vinculantes, ou seja, obrigatórias para os órgãos da administração federal vinculados a elas. Alguns autores defendem haver efetividade em sua atuação, pautando a produção legislativa do Congresso (Pogrebinschi e Santos, 2011POGREBINSCHI, Thamy; SANTOS, Fabiano. (2011), “Participação como Representação: O Impacto das Conferências Nacionais de Políticas Públicas no Congresso Nacional”. DADOS – Revista de Ciências Sociais, vol. 54, nº 3, pp. 259-305.) ou as prioridades de ministérios com os quais se relacionam (Avritzer, 2012AVRITZER, Leonardo. (2012), “Conferências Nacionais: Ampliando e Redefinindo os Padrões de Participação Social no Brasil”. Texto para Discussão IPEA, nº 1.739.). Enquanto isso, outros apontam sua pouca efetividade, devido

à frágil ancoragem institucional e societária dessas instâncias. (...) as disputas travadas no interior dos conselhos parecem ter dificuldades de extrapolar suas fronteiras e repercutir no ambiente político-societal e político-institucional de forma mais ampla, o que limita seu poder na conformação das políticas setoriais, com impactos sensíveis sobre sua capacidade de democratizar as políticas públicas (Almeida e Tatagiba, 2012ALMEIDA, Carla; TATAGIBA, Luciana. (2012), “Os Conselhos Gestores sob o Crivo da Política: Balanços e Perspectivas”. Serviço Social & Sociedade, nº 109, pp. 68-92.:71, ênfases no original).

Comparando IPs: Público-alvo, Efetividade e Elementos de Representação

Como forma de avançar na comparação, deve-se proceder agora à delimitação das características dos dois casos analisados quanto aos três fatores selecionados: público-alvo, efetividade e elementos de representação na participação.

Público-alvo

As IPs venezuelanas têm como público preferencial o cidadão comum. Estruturam-se a partir de uma segmentação territorializada, preferencialmente nos barrios (como são conhecidas as comunidades populares na Venezuela), seguindo a tradição de engajamento e organização das últimas décadas naquele país – estruturada territorialmente, não em parâmetros classistas, por exemplo. Tal estrutura permite que a comunidade aborde quase a totalidade de issues transversalmente, mas de forma restrita ao (micro)local, de maneira que grandes problemas podem ser enfrentados de forma limitada. Essa tendência vem se aprofundando com a criação de Comunas, afastando ainda mais o padrão participativo dos conselhos de elaboração de políticas públicas previstos na Constituição de 1999 e experimentados em nível local e estadual nos primeiros anos de administração chavista. Busca-se uma incorporação de organizações sociais afins e de IPs mais antigas, de forma subordinada (por vezes circulam entre o chavismo propostas e apelos para a diluição nos CCs de movimentos sociais mais ou menos autônomos). Admite-se a participação de cidadãos não alinhados aos chavistas (especialmente os chamados “ninis”, que escapam à polarização entre governo e oposição). Efetivamente, há pesquisas que apontam a participação de ninis e opositores, sobretudo nos primeiros anos de criação dos CCs (cf., por exemplo, Machado, 2009MACHADO, Jesús. (2009), Estudio Cuantitativo de Opinión sobre los Consejos Comunales. Caracas, Fundación Centro Gumilla., que indica níveis de participação superiores a qualquer votação chavista), mas com peso minoritário.

No Brasil, a ênfase está posta nas organizações sociais, com poucos espaços instituídos para a participação e consulta do cidadão comum, não organizado. Este pode atuar principalmente no plano municipal das Conferências e, eventualmente, ser eleito para instâncias superiores. A observação das organizações sociais que participam das Conferências e Conselhos parece indicar sua pluralidade, com ampla participação de setores empresariais, trabalhadores, religiosos, minorias, ciência e tecnologia etc. Provavelmente, um espectro mais amplo que os potenciais apoiadores do governo federal. Adicionalmente, a participação se estrutura em issues, sendo, desse modo, fragmentada, e se concentra na promoção de políticas sociais e de direitos de minorias, estando afastada dos espaços decisórios relacionados com economia e infraestrutura. Nisso se diferencia do caso venezuelano, no qual a participação se dá transversalmente (ainda que majoritariamente no plano barrial). No caso brasileiro, o que se vê são IPs temáticas acopladas à estrutura governamental em seus diferentes níveis; no venezuelano, elas são territorializadas.

Efetividade

A literatura especializada tem sugerido que as IPs venezuelanas geram um efetivo empoderamento (micro)local (por exemplo, Machado, 2008MACHADO, Jesús. (2008), Estudio de los Consejos Comunales en Venezuela. Caracas, Fundación Centro Gumilla. e 2009). Os CCs e Comunas têm, entre suas atribuições, a definição de prioridades para a comunidade, a gestão direta de programas do governo nacional, o planejamento e a realização de obras públicas18 18 . Os CCs e Comunas prestam contas de suas atividades, especialmente quando recebem orçamento público para a realização de suas benfeitorias. A efetividade de muitas delas pode ser mapeada a partir dessas prestações de contas. Em trabalho de campo realizado na Venezuela, pude acessar diversos desses balanços, além de observar diversas obras públicas, pequenos negócios e espaços comunitários propostos e administrados por essas IPs. . As Comunas podem controlar setores da economia (“comunal”) local como transporte, produção de alimentos, comércio e pequenas fábricas19 19 . Deve-se mencionar aqui que, preliminarmente, algumas empresas estatizadas (e outras “recuperadas”, agora reorganizadas como propriedade coletiva) vêm se abrindo à participação de seus trabalhadores. A “economia comunal” e essa referida abertura poderiam ser o germe de um empoderamento da participação popular num campo geralmente vedado a ela: a gestão de meios de produção (Pateman, 1992). . Pode-se considerar que há uma relativa autonomia de atuação nesses espaços, o que é sugerido por diversas pesquisas empíricas (Fernández, 2011FERNÁNDEZ, Beatriz. (2011), “Los Consejos Comunales: Continuidades y Rupturas”. Cuadernos del CENDES, ano 28, nº 78, pp. 35-65.; Machado, 2009MACHADO, Jesús. (2009), Estudio Cuantitativo de Opinión sobre los Consejos Comunales. Caracas, Fundación Centro Gumilla., 2008MACHADO, Jesús. (2008), Estudio de los Consejos Comunales en Venezuela. Caracas, Fundación Centro Gumilla.; Ellner, 2012ELLNER, Steve. (2012), “El Modelo de la Democracia Social Radical en Venezuela: Innovaciones y Limitaciones”. Cuadernos del CENDES, ano 29, nº 79, pp. 107-133.) e foi afirmado seguidas vezes ao autor por participantes dos CCs e Comunas entrevistados em trabalho de campo. Por outro lado, pode-se sugerir influência estatal visto que as IPs dependem, em grande medida, de recursos e de assessoria por parte da administração nacional, que, ademais, realiza repetidas campanhas de fomento desses espaços.

Adicionalmente, essas IPs não possuem qualquer influência legal sobre as políticas nacionais. Simplesmente não há canais formais que permitam emanar decisões do microlocal ao nacional, “de baixo para cima”, uma vez que a sugerida “pirâmide” não se completou. O único mecanismo que poderia exercê-la (o Conselho Federal de Governo) foi criado recentemente com um desenho limitado – em relação aos temas sobre os quais tem incidência, ao poder dos representantes populares em seu interior e em seu relacionamento com o Executivo. Eventualmente, representantes dos CCs, Comunas e organizações sociais são chamados a participar da deliberação em torno de algum projeto de lei de envergadura20 20 . Como no caso da já mencionada LOTTT, promulgada em 2012 e com participação popular em debates para sua elaboração. .

Quanto à relação dessas IPs com o sistema representativo, como foi dito, haveria a possibilidade de que, em longo prazo, elas assumissem funções dos governos locais – na medida em que avançassem para além de sua estruturação atual, ao nível de quarteirões e bairros. Isso constitui uma aposta arriscada: poder-se-ia tanto produzir mais democratização e empoderamento popular, quanto enfraquecer instituições representativas “clássicas” (com seus mecanismos tradicionais de accountability horizontal e vertical) em favor de outras que ainda estão por consolidar e comprovar sua representatividade e formas de controle. Em suma, para além da possibilidade de se configurar uma situação de “duplo poder”, isso poderia aprofundar a desinstitucionalização dos mecanismos de representação (sem qualquer garantia de que tal estratégia fosse resultar em maior democratização, ou mesmo em preservação da democracia).

Por outro lado, as IPs brasileiras possuem uma relativa influência sobre políticas nacionais do Executivo – ainda que pulverizada através de issues e restrita a certos espaços da administração (sem entrada na área econômica, de defesa, relações exteriores etc.). Adquiriram também, ao que parece, alguma capacidade de pautar o Legislativo, igualmente de forma pulverizada e restrita a temas que não são o core issue do Congresso (Pogrebinschi e Santos, 2011POGREBINSCHI, Thamy; SANTOS, Fabiano. (2011), “Participação como Representação: O Impacto das Conferências Nacionais de Políticas Públicas no Congresso Nacional”. DADOS – Revista de Ciências Sociais, vol. 54, nº 3, pp. 259-305.; Pogrebinschi e Samuels, 2014POGREBINSCHI, Thamy; SAMUELS, David. (2014), “The Impact of Participatory Democracy: Evidence from Brazil’s National Public Policy Conferences”. Comparative Politics, vol. 46, nº 3, pp. 313-332.). No entanto, deve-se recordar que essas IPs, majoritariamente, carecem de poder vinculante, salvo exceções. De todo modo, é notável que o Estado brasileiro tenha de alguma forma se tornado mais permeável à participação social em âmbito nacional, ao contrário do venezuelano, que vem concentrando a participação no plano local (ainda que mais poderosa nesse âmbito). Desse modo, em relação ao sistema representativo vigente, essas IPs assumem uma posição complementar e secundária, não constituindo qualquer possibilidade de “duplo poder”. Seu papel tem sido o de incrementar os contatos com a sociedade civil e alimentar o Executivo de insumos para decisões em algumas das questões com as quais este deve lidar (e, eventualmente, também o Legislativo).

Elementos de Representação

Na Venezuela, dado o foco microlocal e local, nota-se uma presença considerável de participação direta, confirmada por dados notáveis de frequência popular às IPs. Os elementos representativos nesse caso se dão mediante eleições pelas bases de seus porta-vozes (voceros) e comitês executivos, que devem levar a cabo as políticas acordadas nos CCs, e de delegados dos CCs para as Comunas. Nota-se que, em certa medida, essa representação assume (especialmente no interior dos CCs) um caráter delegativo, com mandatos imperativos e possibilidade contínua de derrogação. Deve-se recordar que essa modalidade ultrapassa os limites da tradição liberal de representação – aproximando-se da tradição conselhista. Restaria saber até que ponto tal delegação ocorre efetivamente, ou se é substituída na prática pela autonomização das lideranças em relação ao controle das bases. O caso brasileiro apresenta uma predominância de formas de representação (com abertura à participação direta apenas em nível local, nas Conferências).

Em muitos casos ocorre a nomeação de representantes (pela administração federal ou desde as organizações sociais), ou a determinação prévia por parte do governo federal de quais são as organizações que podem participar da escolha de representantes. Adicionalmente, pairam dúvidas acerca das formas de eleição de representantes (quando elas ocorrem). Como foi dito, dada a falta de clareza no processo de seleção desses representantes e a inexistência de mecanismos alternativos de accountability por parte das bases, para parte da literatura se poderia até mesmo questionar o caráter democrático das formas de representação dessas IPs (Miguel, 2014MIGUEL, Luis Felipe. (2014), Democracia e Representação: Territórios em Disputa. São Paulo, Ed. Unesp.). O Quadro 1 resume as características principais da participação na Venezuela e no Brasil.

Quadro 1
Comparando IPs

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de conclusão, algumas reflexões gerais serão apresentadas, de modo a sugerir explicações para os padrões destacados anteriormente. Tais sugestões evidentemente não serão testadas: servem de argumentos que devem ser mais bem desenvolvidos em trabalhos posteriores.

Como se viu, o desenho das IPs quanto aos atores que delas podem participar reflete, em certa medida, as tradições organizativas e participativas de cada país. Na Venezuela, o padrão da participação nas últimas décadas tem sido territorial (com as limitações da mobilização classista num país rentista, e principalmente a partir da associação dos sindicatos com os partidos chamados “tradicionais”). Os barrios se tornam o epicentro da participação e da organização. A ênfase se coloca no território, no cidadão pobre deslocado de instâncias muito estruturadas e reconhecidas pelo Estado, e em movimentos populares igualmente territorializados. Estes se tornam a base fluida de sustentação do chavismo, da relação líder/massas, da sustentação do processo refundacional – agora progressivamente através de canais mais institucionalizados, dos quais constituem a base majoritária. Já no Brasil, a participação tradicionalmente vem se sustentando em organizações da sociedade civil. No auge de sua mobilização, nos anos 1980, os legisladores inscreveram a participação na Constituição de 1988 e regulamentaram IPs. Com a chegada de um partido de esquerda ao poder (detentor de relações originais com o sindicalismo progressista e diversas organizações sociais), porém num momento de refluxo das mobilizações e de atuação defensiva do sindicalismo, pôde-se expandir e melhor estruturar aquelas instituições, ou seja, renová-las – preservando uma ênfase em organizações constituídas a partir de lógica classista e burocrática (empresários, trabalhadores, especialistas e técnicos), e secundariamente de defesa das minorias (com razoável aumento de representação da sociedade civil). Mas não se pôde avançar em novos modelos.

O (parcialmente) “novo Estado venezuelano” transfere poder e diversas de suas funções de realização de obras públicas e administração de serviços básicos às IPs em nível (micro)local, mas não se apresenta tão permeável à participação nacional, à interferência nas principais políticas e no planejamento governamental. Ou seja, redistribui funções num sentido que em longo prazo poderia enfraquecer o poder representativo local, não tocando no centro decisório do poder estatal. Isso guardaria relação com o decisionismo da liderança, a centralização do poder no Executivo, a seguida desconstrução e reconstrução institucional – traços de um processo refundacional calcado num fenômeno de cesarismo progressista, para utilizar um conceito gramsciano (cf. Pereira da Silva, 2015PEREIRA DA SILVA, Fabricio. (2015), Democracias Errantes. Reflexões sobre Experiências Participativas na América Latina. Rio de Janeiro, Ponteio.). No que aparentemente é uma contradição, o Estado venezuelano mais “decisionista”, com maior iniciativa em relação à sociedade, radicaliza as IPs, em tese proporcionando maior poder para o cidadão comum. Mas as IPs oferecem poder apenas ao nível do desenho e gestão de políticas e serviços microlocais, adicionalmente centralizando a cidadania numa estrutura piramidal, que culmina, em última instância, no Executivo. Já o Estado brasileiro vem apresentando maior abertura à consulta, ao debate de políticas públicas, e com razoável pluralidade dos partícipes (ainda que previamente organizados e definidos). No entanto, restringe a interferência em temas estratégicos (como na área econômica, de planejamento, defesa e relações internacionais), mantendo-os pouco permeáveis à intervenção pública. Isso se relacionaria com os limites desse processo de renovação, politicamente calcada num longo movimento de moderação do PT e de necessidade de ampla coalizão a garantir-lhe governabilidade.

Finalmente, quanto aos elementos de representação, nas IPs venezuelanas ela é restrita e eminentemente delegativa, elemento que pode ser relacionado com a tradição conselhista de base que vem sendo reativada pelo chavismo, inserida em esforços teóricos e práticos para a superação do (neo)liberalismo – o que parece se confirmar a partir dos primeiros experimentos de administração comunal de atividades produtivas. Na prática, a ênfase na organização conselhista e piramidal das IPs possibilita estruturar a mobilização de bases populares em defesa do projeto chavista quando ameaçado, e fomentar progressivamente um “duplo poder”, ao menos no plano local, que pode se contrapor a alcaldías oposicionistas e mesmo a governos locais chavistas mais avessos à participação e à mobilização popular – mas potencialmente aumentando os riscos de desinstitucionalização. Já nas IPs brasileiras, a representação é mais recorrente (e com déficits variados). Isso poderia sugerir eventualmente uma lógica liberal-pluralista prevalecente: mas ao menos não liberal em suas concepções de democracia elitistas (schumpeterianas) e procedimentais, pois se almeja a participação social entre uma eleição e outra e se privilegiam atores coletivos.

Desse modo, confirmam-se a ocorrência de dois padrões participativos na Venezuela e no Brasil. Procurou-se explicá-los a partir de diferentes tradições participativas e de mobilização social, e do argumento da constituição de governos progressistas com limites estruturais e metas distintas. Tudo isso deriva em IPs com diversos públicos, efetividade e articulação entre participação e representação – apesar do tom comum na necessidade de ampliar a participação e superar concepções elitistas de democracia. No campo da participação, estamos efetivamente diante de duas esquerdas. Porém, malgrado os problemas sugeridos ao longo deste artigo, temos duas esquerdas que, nesse aspecto, propugnam uma maior articulação entre Estado e sociedade, menos apatia e mais mobilização popular. Caberá observar agora a capacidade de resiliência dessas IPs diante das crises e esgotamento dos ciclos progressistas vivenciados pelos dois países.

Com o fim já consumado do governo petista e a provável conclusão do chavista, pode-se esperar ao menos um redirecionamento e eventual redesenho da participação nesses países. No entanto, é de se supor que, se esses fins de ciclo desaguarem em derivas autoritárias (como se configura no Brasil e se apresenta enquanto possibilidade concreta na Venezuela), a participação popular será uma das primeiras vítimas.

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  • 1
    . Para uma crítica da utilização dos conceitos de “social-democracia” e de “populismo” na análise das esquerdas latino-americanas contemporâneas, conferir Pereira da Silva (2011PEREIRA DA SILVA, Fabricio. (2011), Vitórias na Crise. Trajetórias das Esquerdas Latino-americanas Contemporâneas. Rio de Janeiro, Ponteio., capítulo 7).
  • 2
    . Abordagem que se aproxima do proposto em Rouquié (2011)ROUQUIÉ, Alain. (2011), A la Sombra de las Dictaduras: La Democracia en América Latina. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica..
  • 3
    . Esses conselhos seriam transversais, não temáticos – ou seja, um único conselho, em cada unidade administrativa, dedicado a todos os temas do respectivo governo.
  • 4
    . No plano nacional, apesar de previsto na Constituição, o Conselho Federal de Governo só foi regulamentado por lei a partir de 2010. Com isso, assumiu características da segunda fase da participação na Venezuela: a escolha de seus representantes populares se dá através dos CCs, o conselho é comandado por representantes do Executivo e detém pouco poder vinculante sobre as políticas nacionais.
  • 5
    . O Conselho Federal de Governo já surgiu adaptado a essa nova fase (cf. nota anterior). Os CLPPs foram reformados, e seus representantes populares passaram a ser obrigatoriamente oriundos dos CCs.
  • 6
    . Cento e cinquenta a quatrocentas famílias nas áreas urbanas, dez a vinte nas áreas rurais e dez nas comunidades indígenas.
  • 7
    . Os militantes envolvidos nos CTUs têm resistido à insistência governamental por sua diluição nos CCs. Sua atuação de “apoio crítico” ao governo central e de existência “autônoma” é efetivamente um valor para seus integrantes (como pude constatar in loco na assembleia metropolitana que reúne os CTUs de Caracas), eles se veem hodiernamente como um movimento social, e alguns autores entendem os CTUs mais como movimentos sociais do que propriamente como instituições participativas (por exemplo, Fernández, 2012FERNÁNDEZ, Beatriz. (2012), “Territorialidad, Sujetos Populares y Nuevas Resistencias. A Propósito de los Comités de Tierras Urbanas Venezolanos”. Cuadernos del CENDES, ano 29, nº 81, pp. 49-78.).
  • 8
    . Grosso modo, nos espaços urbanos, os CCs se referem a quarteirões, e as Comunas, a bairros ou comunidades. Somente Cidades Comunais poderão se estruturar em dimensões territoriais equivalentes aos atuais municípios. Mas elas ainda são incipientes, havendo alguns poucos casos considerados “experimentais”.
  • 9
    . Pesquisas realizadas pelo Latin American Public Opinion Project (LAPOP), sediado na Vanderbilt University, vêm apresentando índices menores (em torno de 30%), mas ainda assim notáveis (www.vanderbilt.edu/lapop).
  • 10
    . Todas as citações de textos em espanhol têm tradução livre.
  • 11
    . Os projetos elaborados pelos CCs podem ser apresentados e buscar recursos em instâncias como o Conselho Federal de Governo (formado por membros do governo federal, dos governos subnacionais e dos próprios CCs), bancos estatais, governos estaduais (gobernaciones) e prefeituras (alcaldías). Os recursos são oriundos sobretudo do governo nacional. Eventualmente, na medida em que fundam os chamados “bancos comunais” e administram espaços produtivos próprios, as Comunas podem começar a se autofinanciar.
  • 12
    . Como exemplo, remeto às críticas de setores do Congresso e da mídia à iniciativa (malograda) do governo Dilma Rousseff de regularizar, mediante lei própria, o sistema de participação nacional (de todo modo já existente).
  • 13
    . O movimento pela reforma da saúde foi provavelmente o que mais insistiu (e com maior sucesso) na inscrição da participação popular no texto constitucional – tendo garantido a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS) descentralizado e com participação popular através de Conselho e Conferência, bem como a inscrição do direito à saúde na Carta (Abreu et al., 2009ABREU, Regina et al. (2009), Arouca, meu Irmão: Uma Trajetória a Favor da Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, Contracapa/Faperj.).
  • 14
    . Como as Conferências na área da saúde, que vinham ocorrendo desde o governo Vargas.
  • 15
    . Outras IPs vêm sendo instituídas no plano nacional, como as ouvidorias e as reuniões de consulta mais ou menos formalizadas. No entanto, seu impacto e extensão são menores e vêm recebendo bem menos atenção da literatura especializada. Por isso, aqui, deixaremos essas experiências de lado, destacando apenas os Conselhos e Conferências.
  • 16
    . Esses números sempre divergem, pois em cada trabalho os pesquisadores adotam diferentes definições e “características mínimas” das Conferências e Conselhos, por vezes excluindo de suas contagens (por não reunir as características mínimas) diversas instituições que a Secretaria Geral da Presidência da República (órgão da administração federal responsável pela articulação entre governo e sociedade civil) considera oficialmente como Conferências e Conselhos.
  • 17
    . Nesse ponto, devem ser mencionados em especial os trabalhos realizados no âmbito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão ligado ao governo federal que vem fomentando pesquisas acerca da efetividade das IPs brasileiras.
  • 18
    . Os CCs e Comunas prestam contas de suas atividades, especialmente quando recebem orçamento público para a realização de suas benfeitorias. A efetividade de muitas delas pode ser mapeada a partir dessas prestações de contas. Em trabalho de campo realizado na Venezuela, pude acessar diversos desses balanços, além de observar diversas obras públicas, pequenos negócios e espaços comunitários propostos e administrados por essas IPs.
  • 19
    . Deve-se mencionar aqui que, preliminarmente, algumas empresas estatizadas (e outras “recuperadas”, agora reorganizadas como propriedade coletiva) vêm se abrindo à participação de seus trabalhadores. A “economia comunal” e essa referida abertura poderiam ser o germe de um empoderamento da participação popular num campo geralmente vedado a ela: a gestão de meios de produção (Pateman, 1992PATEMAN, Carole. (1992), Participação e Teoria Democrática. Rio de Janeiro, Paz e Terra.).
  • 20
    . Como no caso da já mencionada LOTTT, promulgada em 2012 e com participação popular em debates para sua elaboração.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    Jul 2014
  • Revisado
    Nov 2014
  • Aceito
    Set 2016
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