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Para Além do Capitalismo Neoliberal: As Alternativas Políticas

Beyond Neoliberal Capitalism: The Political Alternatives

Au-delà du capitalisme néolibéral: les alternatives politiques

Mas allá del capitalismo neoliberal: las alternativas políticas

RESUMO

O artigo discute a crise do capitalismo neoliberal e as alternativas que se abrem a partir dela. Para tanto, propõe um contraste entre duas formas de coordenar as instituições do capitalismo – o liberalismo econômico e o desenvolvimentismo – e o conceito de “coalizão de classe” para entender os diferentes modos de sua sustentação social e política. Como parte do contraste tem em vista o fato histórico da globalização, o texto submete-o a uma revisão crítica, para acentuar sua dimensão geopolítica. Isso permite analisar, de uma maneira que os autores consideram mais interessante, a crise do capitalismo desenvolvimentista dos “anos dourados” do pós-guerra e as razões do advento do domínio neoliberal. Por fim, levando em conta a emergência de uma alternativa regressiva à crise contemporânea – o chamado “populismo de direita” –, o artigo examina as possibilidades e limites de uma alternativa desenvolvimentista, democrática e social compatível com o processo de globalização.

Liberalismo econômico e desenvolvimentismo; Coalizões de classe; Globalização; Alternativas políticas à crise do neoliberalismo

ABSTRACT

The article discusses the crisis of neoliberal capitalism and the alternatives that open from it. In order to do so, it proposes a contrast between two ways of coordinating the institutions of capitalism - economic liberalism and developmentalism - and the concept of a “class coalition” to understand the different modes of its social and political support. As part of the contrast has in view the historical fact of globalization, the text submits it to a critical revision, to accentuate its geopolitical dimension. This allows us to analyze, in a way that the authors consider more interesting, the crisis of developmental capitalism in the post-war “golden years” and the reasons for the advent of neoliberal rule. Finally, taking into account the emergence of a regressive alternative to the contemporary crisis - the so-called “right populism” - the article examines the possibilities and limits of a developmental, democratic and social alternative compatible with the globalization process.

Economic liberalism and developmentalism; Class coalitions; Globalization; Political alternatives to the crisis of neoliberalism

RÉSUMÉ

L’article est sur la crise du capitalisme néolibéral et des alternatives qui en découlent. Pour ce faire, on propose un contraste entre deux manières de coordonner les institutions du capitalisme – le libéralisme économique et le développementalisme - et le concept de “coalition de classe” pour comprendre les différents modes de son soutien social et politique. Comme la comparaison veut mettre en vue le fait historique de la mondialisation, le texte fait une révision critique pour accentuer sa dimension géopolitique. Cela nous permet d’analyser, d’une manière jugée plus intéressante par les auteurs, la crise du capitalisme développemental dans les “années d’or” de l’après-guerre et les raisons de l’avènement du régime néolibéral. Enfin, prenant en compte l’émergence d’une alternative régressive à la crise contemporaine – le soi-disant “populisme juste” – l’article examine les possibilités et les limites d’une alternative développementale, démocratique et sociale compatible avec le processus de mondialisation.

libéralisme économique et développementalisme; Coalitions de classe; mondialisation; Alternatives politiques à la crise du néolibéralisme

RESUMEN

El artículo discute la crisis del capitalismo neoliberal y las alternativas abiertas por dicha crisis. Para ello, propone un contraste entre dos modos de coordinar las instituciones del capitalismo (el liberalismo económico y el desarrollismo), asi como el concepto de ‘coalición de clase’, para entender los distintos modos de su sustentación social y política. Debido al hecho de que parte del contraste está ligado a la globalización como dato histórico, el texto lo somete a una revisión crítica, para subrayar su dimensión geopolítica. Esto permite analizar, de una manera que los autores consideran más interesante, la crisis del capitalismo desarrollista de los ‘años dorados’ del post guerra y las razones de l avenida del dominio neoliberal. Por fin, teniendo en cuenta la emergencia de una alternativa regresiva a la crisis contemporánea – el llamado ‘populismo de derecha’ –, el artículo examina las posibilidades y límites de una alternativa desarrollista, democrática y social compatible con el proceso de globalización.

liberalismo económico y desarrollismo; coaliciones de clase; globalización; alternativas políticas a la crisis del neoliberalismo

O esvanecimento do projeto socialista como um horizonte radicalmente oposto ao capitalismo trouxe ao primeiro plano a discussão sobre as alternativas dentro da economia capitalista. Como prova sua longa história, o capitalismo não é um regime econômico-social homogêneo, mas comporta uma diversidade de formas, cada qual sustentada por concepções econômicas e projetos políticos concorrentes entre si. Aqui, não é o caso de inventariar todas as diferenças e nuances dessa experiência plural, nem retomar a literatura sobre os modelos ou variedades de capitalismo. Para os propósitos deste artigo, vamos nos limitar a contrastar dois tipos de capitalismo: o liberalismo econômico e o desenvolvimentismo. Por serem “capitalistas”, ambos são constrangidos pelo quadro-limite da reprodução do sistema – o lucro e a acumulação dos detentores de capital –, mas cada qual à sua maneira, uma vez que representam modos distintos de coordenar as duas instituições fundamentais que lhes possibilitam a existência: o Estado e o mercado. A título provisório, essa diferença pode ser formulada da seguinte maneira. Enquanto o liberalismo econômico atribui um papel protagonista ao mercado na produção e distribuição da riqueza, reservando ao Estado o papel subsidiário de garantir as condições para a reprodução estável do primeiro, o desenvolvimentismo atribui, ao contrário, um papel maior do Estado na regulamentação do mercado, no planejamento do setor não-competitivo das economias nacionais, e, principalmente, na garantia de que os cinco preços macroeconômicos (taxa de juros, taxa de câmbio, taxa de salários, taxa de lucro e taxa de inflação) sejam mantidos “certos” – algo que, desta perspectiva, o mercado é incapaz de fazer. Por fim, reserva um papel maior do Estado na distribuição da renda e na proteção do ambiente.1 1 . Os preços macroeconômicos estarão certos se o principal preço de uma economia capitalista, a taxa de lucro das empresas industriais, for “satisfatória” (motivar as empresas a investir), para o que é necessário que o nível da taxa de juros em torno do qual o banco central pratica sua política monetária for baixo, se a taxa de câmbio for competitiva, se a taxa de salários crescer aproximadamente com a produtividade e se a inflação for baixa. Ver Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi (2016).

Cada um desses tipos de capitalismo exibe sua própria história, sua hegemonia (ou perda dela) dentro do sistema, em diferentes épocas. Mas, também neste ponto, vamos restringir o escopo da análise ao capitalismo do pós-guerra e, em especial, seu fluxo contemporâneo, que inicialmente assumiu uma forma desenvolvimentista e social-democrática durante os chamados “anos dourados”, mas, em seguida, constitui-se numa reedição do liberalismo econômico: o “capitalismo neoliberal”.

Pode-se definir o capitalismo neoliberal como a variante do liberalismo econômico na era da globalização. Contudo, a literatura crítica costuma confundir os “anos neoliberais” do capitalismo com globalização, como se fossem uma coisa só. Embora reconheçamos sua concomitância, gostaríamos de tratá-los como fenômenos situados em camadas distintas da experiência social, já que estamos interessados em discutir uma alternativa desenvolvimentista levando em conta essa novidade histórica: ou seja, as possibilidades e os limites de um projeto desenvolvimentista hegemônico na era da globalização.

GLOBALIZAÇÃO E ESTADO-NAÇÃO

A globalização não é um processo situado exclusivamente no plano econômico. Suas dimensões social e política são igualmente relevantes. Além de significar uma integração inédita dos mercados – no espaço planetário, assim como nas modalidades de mercado –, a globalização também se apresenta como um adensamento inédito das interações sociais, uma expansão e multiplicação, em todos os níveis, do contato humano, impulsionada pelo progresso e barateamento das tecnologias de comunicação e dos meios de transporte. E seu impacto cultural é tão ou mais importante que seu impacto econômico. Ao mesmo tempo, não podemos deixar de lado o significado político da globalização. Aqui, igualmente, a literatura crítica se presta a equívocos e confusões. Desde os anos 1990, quando o termo se tornou moeda corrente na opinião pública, a globalização, entendida apenas como integração dos mercados, foi associada (como subproduto dessa compreensão) ao enfraquecimento, até mesmo declínio, dos Estados nacionais. Contudo, na medida em que a geopolítica do processo começou a ser melhor compreendida, essa projeção perdeu força. Assim, muito pelo contrário, a globalização pode ser definida, no plano político, como a culminância da longa trajetória de decantação da forma estado-nação em nível planetário.2 2 . A ênfase nesse aspecto da globalização é muito bem examinada por Gauchet (2017, cap.VI). Em termos espaciais, ela produziu um deslocamento sem precedentes do centro dinâmico do sistema, dos países do Atlântico Norte para os países de industrialização recente da Ásia. Mas eis o ponto: um deslocamento impensável, se não se leva em conta a construção de poderosos Estados nacionais nessa região, que se seguiu ao desmantelamento da segunda vaga imperialista da Europa,3 3 . A primeira vaga corresponde, naturalmente, às chamadas “grandes navegações” (a expansão ultramarina), nos séculos XV e XVI. iniciada no último quartel do século XIX.

A percepção de um enfraquecimento, ou decadência, dos Estados nacionais é a ilusão de ótica que afeta o observador do mundo ocidental, quando abstrai o gradual adensamento de poder estatal em outros confins do planeta, e a consequente perda relativa da capacidade dos países ricos, e que primeiro se industrializaram, de definir, somente eles, os destinos da humanidade. Porém, esse novo poder só se tornou possível porque – reproduzindo de certo modo o padrão de construção do primeiro sistema moderno de Estados soberanos – houve uma convergência entre a construção de autoridade política legítima sobre a população de um território delimitado, e o aparecimento de agentes sociais empenhados em fazer deste território uma plataforma de reprodução e projeção da economia capitalista. Convergência, sem dúvida, nunca dada de antemão – fato de que dão prova as inúmeras experiências fracassadas –, mas batida ao longo de uma trajetória tortuosa, muitas vezes errática e cheia de conflitos, uma vez que se trata de uma combinação de forças de naturezas heterogêneas, mas, ao mesmo tempo, potencialmente complementares. De que se trata? De um lado, as forças do capital, de tendência extraterritorial, mas que acumula seu poder expansivo a partir de um certo espaço, e, de outro, as forças do Estado, cujo poder emana e se reproduz graças a seu vínculo estritamente territorial. Eis que, no entanto, uma relação de interdependência se desenvolve, dado que ordem social legítima e estável, politicamente construída, e acumulação de riqueza são ingredientes indispensáveis a ambas, mas nenhuma é capaz de fornecer consistentemente sozinha, isto é, sem a cooperação da outra.

Essa é uma complementaridade potencial e não uma harmonia sem falhas. Na verdade, ela é profundamente contraditória. Com efeito, os capitalistas – uma pequena fração das populações nacionais – se beneficiam da estabilidade social que as autoridades estatais se encarregam de garantir, estabilidade que não significa apenas proteção da propriedade e dos contratos, mas lealdade, disciplina, treinamento e formação (educação e qualificação técnica) das classes trabalhadoras e dos grupos profissionais. E o Estado (suas classes dirigentes) se beneficia do excedente que a economia capitalista gera, e que em parte se apropria na forma de impostos, tributos e crédito: garantia essencial da manutenção/ampliação do aparato administrativo e coercitivo do poder político; em outras palavras, a potência necessária para reforçar seu domínio interno e projetar influência sobre o ambiente externo. Nisso consiste a interdependência. Mas a história não termina aí. Como indicamos antes, enquanto os capitalistas constituem uma força social bastante móvel, que corresponde à própria mobilidade dos capitais – implicando uma ligação mais circunstancial ao espaço –, o Estado é uma entidade fixada no território, assim como, em maior ou menor grau, todo o aglomerado social, vale dizer, todas as demais frações da população nacional que não as capitalistas, cuja existência depende crucialmente de seus serviços de proteção – e tanto maior quanto mais destituída de recursos próprios (materiais e culturais) estiver. Mobilidade e imobilidade, territorialidade e extraterritorialidade: essa diferença estrutural, precisamente, insinua o lado contraditório, conflituoso da relação que gostaríamos de destacar.

A acrescentar que a forma estado-nação jamais é representada por um exemplar solitário de seu gênero, pois se sua dinâmica de legitimação, ao contrário dos domínios imperiais clássicos, depende do vínculo que estabelece com um território delimitado (um território de fronteiras claramente estabelecidas), é de se esperar que esteja sempre competindo com outras entidades do mesmo gênero – outros Estados nacionais que reivindicam autoridade legítima sobre tantos outros territórios delimitados. Competição, isto é, interdependência e conflito. Por isso, falar de estado-nação significa, ao mesmo tempo, falar de um sistema de Estados soberanos, no interior do qual se estabelecem relações de aliança, relações adversariais e regras de constrangimento – em suma, a política internacional.4 4 . Para uma discussão sobre essa interdependência do nacional com o internacional, intrínseca ao sistema de Estados soberanos, ver Araujo (2013, cap. 3). Esses constrangimentos se fazem sentir mesmo quando levamos em conta a assimetria do sistema – o fato de alguns Estados, a despeito do status jurídico igual reconhecido a todos os membros do sistema, serem mais poderosos que outros –, assimetria que leva a uma projeção desigual de influência na arena internacional, mas que é perfeitamente compatível com a pluralidade de poderes nacionais. Esta arena, na exata medida em que é plural, condiciona o que cada membro, mesmo o mais poderoso, é capaz de fazer com sua capacidade de influência. Justamente nesse interstício, nesse espaço interterritorial gerado pelo sistema de Estados, labora, desde os primórdios da formação do sistema, a economia capitalista no sentido de criar novas oportunidades de ganho. Oportunidades que emergem não pela homogeneidade do sistema, mas por sua heterogeneidade, uma vez que é de sua natureza não admitir uma autoridade política única, que esteja acima das diferentes autoridades estatais-territoriais: é isso que o conceito de “soberania” impõe. Note-se, portanto, que é por dentro dessa diferenciação que os capitais são capazes de se mover. Mesmo que tal mobilidade gere tensões recorrentes com a dinâmica interna de dominação de cada Estado, ela se encaixa muito bem à dinâmica das relações interestatais. A competição intercapitalista tem como correlato a competição interestatal: elas se reforçam mutuamente.5 5 . Nesse aspecto, a História Geral da Economia, de Weber, continua absolutamente atual.

Mas, se essa descrição for correta, não há como esperar uma perfeita continuidade entre oferecer oportunidades ótimas de ganho pacífico às classes capitalistas, e oferecer um ótimo de proteção às demais classes que constituem a população nacional. As duas coisas, simultaneamente, também nunca estão dadas de antemão. Esse é o dilema potencial inscrito nas relações entre Estado e capitalismo – para cuja mediação estão sempre empenhados os grupos governantes – e que define o leque de opções programáticas para as lideranças políticas de um modo geral. Leque que pode ser mais amplo ou mais estreito, dependendo do regime capitalista predominante, dentro e fora de cada território, isto é, dos modos de articulação e coordenação hegemônicos entre as instituições do Estado e do mercado.

Aqui retornamos à questão dos dois tipos a que reduzimos a variedade de capitalismos históricos, no início do artigo: o liberalismo econômico e o desenvolvimentismo (ver Bresser-Pereira, 2017bBRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. (2017b), “The Two Forms of Capitalism: Developmentalism and Economic Liberalism”. Brazilian Journal of Political Economy, vol. 37, no 4, pp. 680-703. <http://dx.doi.org/10.1590/0101-31572017v37n04a02>.
http://dx.doi.org/10.1590/0101-31572017v...
). Se é verdade que a predominância atual da forma neoliberal tem a ver com a globalização, suas razões estão longe de ser aquelas que se costuma aventar. Pois a questão de fundo não é a integração dos mercados ou mesmo, em particular, a abertura e integração dos mercados de capitais, intensamente promovidas ao longo dos anos 1990. Esse processo situa-se mais na ordem dos efeitos do que das causas. De fato, ele é resultado de um outro, mais subjacente e mais estratégico, que remete ao lado político da globalização destacado anteriormente. Resumindo: a partir do momento em que, no período do pós-guerra, imensas regiões do planeta, com destaque para sua porções não-ocidentais, foram convertidas em Estados soberanos – graças aos movimentos de descolonização – e que alguns deles alcançaram poder e sofisticação suficientes para controlar diretamente os recursos naturais de seus territórios (fontes de minérios e energia, água e terras agricultáveis etc.); e, mais importante ainda, disponibilizaram uma nova e imensa fonte de mão de obra para seu emprego na criação e ampliação de capitais; enfim, quando esses dois fatores se combinaram, uma pressão inusitada passou a ser exercida sobre os países avançados do mundo ocidental. Isso acabou afetando, a partir da década de 1970, o modo de legitimação dos Estados sob o chamado “consenso socialdemocrata” dos anos dourados do capitalismo, os quais, após a Segunda Guerra Mundial, puderam oferecer cada vez melhores condições de vida às suas classes médias e populares (então majoritariamente trabalhadoras).

Com as novas condições internacionais amadurecidas, já não era mais possível limitar-se às políticas keynesianas clássicas para remediar as crises cíclicas de reprodução dos capitais, baseadas no estímulo da demanda no mercado interno. A questão central deixava de ser acionar ou não o motor de arranque da economia, uma vez que ela dizia respeito à propulsão do sistema como um todo. Como ficou claro durante a crise do petróleo nos anos 1970, o problema já havia se deslocado para a competição interestatal, à qual, aí sim, se acoplou a competição intercapitalista – em sua busca incessante para minimizar custos e ampliar as margens de lucro. Foi através desse vazio, aberto nos anos de crise, que os epígonos neoliberais, ardentes opositores do status quo de então, puderam ganhar uma nova e crescente audiência e, ao lado de outros atores sociais – partidos, órgãos de imprensa, associações patronais etc. – tecer uma aliança capaz de modificar as condições políticas (o estado de ânimo da opinião pública e dos eleitores) e revolucionar o regime de coordenação vigente.

COALIZÕES DE CLASSE E SUA HISTÓRIA RECENTE

Até aqui mencionamos vagamente a questão das “alianças” que tornam possível e sustentam as diferentes formas de coordenação do capitalismo. Como ela informa parte da análise que segue, cabe uma pequena reflexão mais abstrata sobre o tema. Por “alianças” não se entenda aquelas que costumamos observar nas eleições e nos parlamentos, cujos motivos são de ordem mais conjuntural, ligados à necessidade de os governos democráticos constituírem maiorias institucionais. Antes, estamos nos referindo a acordos de fundo, não necessariamente ostensivos – ao contrário, como regra geral, são acordos tácitos – que ultrapassam os ciclos eleitorais e emprestam um certo padrão, um certo quadro comum às políticas econômicas e sociais dos governos, para além das diferenças programáticas e de estilo dos partidos que disputam entre si a preferência do eleitorado.6 6 . Przeworski (2001) chama esse pano de fundo comum de “policy regime” sem, contudo, valer-se do conceito, aqui fundamental, de coalizão de classe. São acordos que tecem um vínculo de mais longa duração entre os poderes sociais – os grupos e classes que dividem as sociedades modernas – e o poder político. Para evitar confusões, vamos chamá-los de “coalizões de classe”. São elas que informam os divergentes modos de articulação Estado/mercado de que estamos tratando neste artigo.

A suposição subjacente a esse conceito é que nenhum regime capitalista segue seu curso anonimamente, apenas com base em suas regras, procedimentos e princípios substantivos. Na medida em que perseguem seus objetivos, servem a certos interesses em detrimento de outros, afetando diferencialmente as chances de sucesso não só de indivíduos, mas das classes sociais em que se agregam, pela proximidade em termos da posse de bens materiais, bens culturais e simbólicos. Diferentes regimes capitalistas, portanto, aglutinam diferentes coalizões de classe: um não pode subsistir sem o outro. É evidente que a “governança” desse regime no plano das instituições políticas de representação – partidos, eleições, governos, enfim, os poderes constitucionais (e hoje, cada vez mais, o Poder Judiciário) – é decisiva, uma vez que são seus agentes que operam as alavancas estatais que confirmam, modificam e, no limite, repudiam, o regime em vigor. O “consenso socialdemocrata”, a que nos referimos antes, pode ser entendido como uma coalizão de classe, base social de sustentação de uma certa modalidade de regime desenvolvimentista que, como sabemos, informa os “anos dourados” dos países europeus ocidentais no pós-guerra, a despeito das alternâncias dos partidos governantes.

Note-se, de passagem, que as coalizões raramente envolvem apenas um único domínio territorial; dados os laços extraterritoriais do capitalismo e das próprias classes capitalistas, elas tendem a envolver articulações interestatais. Em qualquer regime capitalista robusto, com vocação estratégica e de longa duração, “uma andorinha só não faz verão”.

Por outro lado, coalizões de classe não são idílicos condomínios dos grupos sociais concernentes. Estamos falando de diferentes regimes econômico-sociais sob o capitalismo: as coalizões, portanto, operam sobre e cruzam a estratificação social típica de qualquer regime capitalista – proprietários e não proprietários, assalariados e não assalariados, classes abastadas e classes populares etc. Daí o termo “coalizão”: ela só faz sentido porque engaja classes heterogêneas que, dinamicamente, estabelecem relações de cooperação e conflito entre si. Seu papel não é preservar, por exemplo, o domínio e a abastança de um grupo homogêneo de indivíduos e famílias já dominantes e abastados – para isso, uma certa literatura sociológica clássica, em particular de extração marxista, utiliza o conceito de “classe dominante” – porque, nesse plano, qualquer forma de reprodução do capitalismo sempre o faz privilegiando as classes detentoras de capital. Antes, sua razão de ser é estabelecer e garantir uma orientação para certos modos de reprodução do capitalismo, descartando outros, delimitando um leque de escolhas que, ao fim e ao cabo, afetam não só a forma de apropriação do excedente de riqueza, mas as ambições respectivas dos grupos governantes (logo, do Estado) e dos demais grupos sociais, e, especialmente, os modos ou estilos de vida – o ethos – que os membros das diferentes classes vão eleger como seu “horizonte ideal”. Uma coalizão, por conseguinte, não elimina a heterogeneidade das classes – ainda que possa (ou não) moderar seus conflitos –, mas estabelece princípios e objetivos comuns e um certo padrão de conduta para toda a sociedade. Ou, para vazar o conceito em outros termos: uma coalizão de classe é um bloco social formado a partir de comunidades nacionais, mas tendente (por razões já explicadas) a constituir redes internacionais, que estabelece e sustenta um certo regime de governança hegemônico sob o capitalismo.

Para compreender por que os regimes capitalistas são diversos e, frequentemente, divergentes entre si, há que considerar que a própria complexificação da economia torna insuficiente descrever a divisão da sociedade de modo estritamente dicotômico: capitalistas x assalariados, proprietários x não-proprietários, e assim por diante. Conforme avança a divisão técnica do trabalho e o próprio desenvolvimento tecnológico, as classes trabalhadoras e médias, além da camada de pequenos proprietários, vão sofrendo uma enorme diferenciação interna. Mesmo no interior das classes médias surge um novo grupo, uma classe tecnoburocrática, que passa a gerir as grandes organizações. Em termos de governança do regime, a diferenciação interna dos capitalistas é ainda mais decisiva. A linguagem marxista tradicional fala em “frações de classe”, o que é uma boa aproximação, ressalvado o fato de que não há, por trás desse fracionamento, uma “unidade das classes fundamentais” dada de antemão, apenas por causa dos imperativos incontornáveis do sistema: o lucro, a acumulação de capital e a exploração do trabalho. Exceto em casos especiais – momentos de virtual colapso do sistema, quando a pura e simples necessidade de sobrevivência de cada grupo social define as solidariedades e rivalidades –, via de regra a unidade das classes se dá em torno das frações cujo papel na reprodução do capital é prevalecente em dado regime de coordenação do Estado com o mercado. As demais frações nem por isso deixam de ser importantes, ou vêm a desaparecer, apenas passam a assumir um papel subordinado. A unidade das classes, portanto, é função da capacidade de uma certa coalizão induzir uma hierarquia de papéis para o conjunto dos grupos e subgrupos que dividem a sociedade.

É comum etiquetar o capitalismo neoliberal como “capitalismo financeiro”. A etiqueta é correta parcialmente – como veremos adiante –, mas por ora cabe registrar alguns possíveis mal-entendidos. Qualquer economia capitalista suficientemente madura tende a deixar crescer um setor financeiro especializado, capaz de concentrar capitais em forma líquida para suprir rapidamente necessidades de crédito as mais diversas, especialmente os investimentos de longa maturação. Desde que o capitalismo, como dizia Keynes, é uma “economia monetária de produção”, um complexo industrial robusto, há que ter ao seu lado um sistema financeiro igualmente robusto.7 7 . Para uma iluminadora e bem didática exposição deste ponto, ver Harribey et al. (2018, cap. 2). Na verdade, o ponto que deve merecer atenção crítica não é exatamente esse. O problema é a linha que orienta os subgrupos sociais (as frações) que emergem da divisão de trabalho em torno da gestão dos diferentes destinos dos capitais acumulados. É aqui que um regime capitalista específico exercerá a influência decisiva, determinando quem assumirá papéis preponderantes e subordinados. Isto é, em última instância, quem exercerá as atividades-fim e quem as atividades-meio. É o que definirá, enfim, num mesmo compasso, o padrão de conduta do conjunto das classes capitalistas e suas relações com as demais classes – sua capacidade, maior ou menor, de estabelecer com elas alianças duradouras.

Nesse sentido, o caso do capitalismo neoliberal é historicamente muito curioso, uma vez que pode ser visto como um desdobramento possível das mudanças ocorridas no bojo do capitalismo predominante no período anterior, obviamente produzindo nelas uma torção. Ocorre que ao longo do chamado “capitalismo tecnoburocrático”, ou “capitalismo organizado”, que surge com as grandes corporações industriais, os detentores de capital foram pouco a pouco se afastando da gestão direta da produção, delegando-as a uma classe de profissionais, geralmente oriundas das camadas médias e formadas em escolas técnicas ou superiores, não raro patrocinadas pelo Estado. Mesmo quando o dono do capital, evitando o fracionamento acionário, não renunciava ao clássico papel de “capitão da indústria”, já o fazia compartilhando tarefas centrais de gestão com um grupo de profissionais (os “managers”). No auge dos “anos dourados” essa diferenciação funcionou bem, e até serviu de blindagem para eventuais comportamentos patrimonialistas dos donos do empreendimento, já que os interesses de longo prazo da empresa capitalista, como algo distinto dos interesses mais flutuantes das famílias ou indivíduos detentores de capital, passaram a ser reconhecidos nas decisões estratégicas do negócio.

Esse estado de coisas, contudo, foi se alterando profundamente, conforme a liderança industrial dos países capitalistas ocidentais mais avançados – inclusive, e principalmente, os Estados Unidos – foi declinando, deixando deslizar a condição de principal “oficina do mundo” para outras regiões do planeta. Mas eis o ponto crítico desse desdobramento: a perda da liderança industrial não significou a perda do controle das principais mediações dos capitais, vale dizer, da gestão financeira. Isso se deu por dois motivos fundamentais: por um lado, os Estados Unidos, líder da recuperação da economia capitalista no pós-guerra e potência política e militar inconteste, é detentor da moeda de curso universal do sistema ou, pelo menos, daquela que denomina as principais transações comerciais e financeiras, além dos fundos e reservas de capitais, em todo o mundo; por outro, os novos países que se tornaram as “oficinas do mundo” tiveram seu crescimento industrial impulsionado pelas exportações para os ricos mercados consumidores ocidentais, cujas reservas acumuladas logo se transformaram em créditos para continuar alimentando a disposição de consumo desses e dos mercados emergentes que, equivocadamente, se endividaram em moeda estrangeira. E, não menos importante, para financiar Estados cada vez mais endividados, em particular o líder industrial de outrora – os Estados Unidos, cuja dívida pública aumentou enormemente. Resultado: abriu-se uma inédita decalagem espacial entre o polo das indústrias e o polo das finanças. Hoje, a uma forte concentração de capital industrial numa região do planeta corresponde uma hipertrofia de capital financeiro em outra. Ainda assim, pelos dois motivos acima destacados, é a velha região do capitalismo original, o Ocidente, e as respectivas sociedades, agora dominadas pelo polo das finanças, que definem, simultaneamente, as políticas internas de seus Estados e a governança hegemônica do sistema como um todo.

Capitalistas Rentistas e Financistas

Quais foram os resultados econômicos do capitalismo neoliberal? Quando comparados aos anos dourados do capitalismo, foram, no lado ocidental, anos de baixo crescimento, alta instabilidade financeira, e forte concentração da renda no 1% mais rico da população. Estes fatos já estão bem documentados.8 8 . Ver, entre outros, Streeck (2013) e Gordon (2014). Contudo, os resultados decepcionantes não impediram a fixação de um bloco social poderoso e duradouro.

Em que consiste o núcleo da coalizão de classe que possibilita, nesse regime, o domínio do polo das finanças? Como já indicado, sua conformação é resultado de um desdobramento possível da governança capitalista que o antecedeu, ainda que ensejando um modo de coordenação Estado/mercado completamente diverso. Com efeito, no período anterior assiste-se a uma ultrapassagem do capitalismo patrimonial graças à gradual profissionalização do governo da empresa, ou seja, a delegação dessa tarefa aos executivos e managers. Essa separação do detentor do capital da gestão dos negócios, radicalizada com o avanço das sociedades anônimas, vai levar a uma importante fragmentação da propriedade da empresa por meio do mercado acionário. Com o tempo, os herdeiros dos antigos empresários – agora proprietários de ações –, aos quais se juntarão novas levas de grandes e pequenos detentores de poupança, vão se desinteressar pelo destino de uma empresa específica. Agora, um próspero acionista é, ele mesmo, proprietário de pedaços de diferentes empresas ou, para usar a terminologia corrente, o detentor de uma “cesta de ativos” consistindo de uma mélange de ações de empresas industriais, bancos, seguradoras, títulos da dívida pública etc. E, tal como havia acontecido com sua espécie ancestral no que respeita à gestão industrial, o acionista, na medida em que a administração de sua “cesta” se torna mais e mais complexa, vai acabar delegando a tarefa a uma classe de profissionais especializados nessa lida. Sua missão: otimizar, não o lucro dessa ou daquela empresa – problema que fora do capitalista-empresário e que agora é dos executivos profissionais –, mas da renda dos capitais, onde quer que sejam aplicados.9 9 . O lucro é a adição ao capital derivada da mediação entre o investimento e a produção/circulação de mercadorias (bens e serviços) realizada pelas empresas; a renda é uma adição ao capital sob a forma de juros, aluguéis e dividendos derivada do capital dos acionistas, dos proprietários de dinheiro para empréstimo e dos proprietários de imóveis colocado à disposição das empresas. Para não haver dupla contagem é necessário excluir do conceito de “lucro restrito” não apenas os juros e os aluguéis pagos, mas toda a renda dos rentistas. Eis que o antigo empresário, mediante metamorfoses sucessivas, acaba se tornando um capitalista-rentista, ao mesmo tempo em que, dentro da classe tecnoburocrática ou dos profissionais (que, obviamente, continuará existindo nas empresas), surge uma fração associada aos capitalistas-rentistas, isto é, os “financistas”. Enquanto os altos executivos das empresas industriais (a fração original mais alta dos grupos tecnoburocráticos) mantêm uma relação difícil, porque relativamente competitiva, com os rentistas, os financistas assumem um papel dominante na nova configuração, porque administram a riqueza dos rentistas, e, mais do que isso, tornam-se seus intelectuais orgânicos.10 10 . Esse ponto, e a respectiva terminologia, foi originalmente proposto e examinado por Bresser-Pereira (2017a, 2018).

No período em que os países ocidentais mais avançados do capitalismo ocupavam o centro das oficinas do mundo, o processo acima descrito permaneceu incipiente e subordinado ao regime desenvolvimentista e social dos anos dourados então em vigor. Porém, no momento em que a divisão do trabalho entre o polo das finanças e o polo industrial se impôs – em primeiro lugar ao longo do espaço mundial –, a coalizão rentista-financista ganha um imenso terreno. A nova divisão do trabalho deixa de ser apenas econômica e espacial, para ganhar uma feição propriamente social, ao conseguir subverter a hierarquia interna das classes capitalistas. Agora sim, pode-se falar de uma autonomização do capital financeiro.

O que isso significa? Em primeiro lugar, transformar um instrumento fundamental do desenvolvimento industrial – a especialização do setor financeiro – de atividade-meio para um fim em si mesmo. Sabemos que o capitalismo já inscreve em sua dinâmica uma tendência à autonomização dos capitais, dada pela cláusula-pétrea do lucro e da acumulação. É, portanto, um sistema econômico-social que só pode encontrar legitimidade se essa dinâmica tiver como subproduto a acumulação de uma riqueza global de tal ordem que traga, além dos óbvios benefícios aos detentores de capital, uma melhoria contínua do padrão de vida de todas as classes, inclusive e especialmente as classes populares. Mas esse resultado é possível apenas sob condições de operação muito determinadas. É neste ponto que ganha relevância a questão do tipo de regime capitalista, a forma de coordenação de suas principais instituições: o Estado e o mercado.

Em sua primeira experimentação, no quadro do capitalismo clássico, o liberalismo econômico mostrou-se capaz de propiciar uma enorme acumulação da riqueza, inclusive em sua forma industrial, na esteira da revolução manchesteriana. No entanto, ao priorizar, em sua governança, o papel do mercado na produção e distribuição da riqueza, e relegar o Estado a um papel subsidiário, de “background” – simplesmente garantir a propriedade e o cumprimento dos contratos –, ela acabou por descurar dos mecanismos perversos do sistema. E o principal deles é a tendência a uma acumulação socialmente regressiva, cujas consequências não tardaram a aparecer. Não havendo nada a contrarrestar a desigualdade cada vez maior da distribuição da riqueza, ela mesma (a desigualdade) foi tornando pouco atrativa a expansão dos investimentos em bens e serviços. O ciclo é bem conhecido: para dar vazão aos capitais estagnados, faz-se a passagem da busca de lucro para a busca de renda; daí à especulação financeira; e, finalmente, a destruição desordenada de todos os capitais.

No experimento desenvolvimentista que aconteceu nos anos dourados, buscou-se retirar o Estado de suas tarefas de background e alçá-lo a um papel protagonista, no mínimo paritário ao do mercado. A governança do regime consistiu basicamente em manter desativado o mecanismo que punha a economia capitalista na rota do colapso cíclico, no limite à sua autodestruição. O que, na esteira da visão keynesiana, implicou políticas estatais agressivas de estabilização da “demanda agregada” que se traduziram na manutenção/ampliação do poder de compra das classes populares, em particular as trabalhadoras. Em termos mais abstratos, a governança desse tipo de regime consistiu no seguinte: sem, é claro, frustrar a expectativa do lucro, a ser obtido na competição regulada do mercado, e sem desprezar o papel fundamental do setor financeiro, tratava-se, mais uma vez em termos keynesianos, de trocar o risco de haraquiri (“suicídio honroso”) do sistema pela “eutanásia do rentista”.

Já discutimos as razões de ordem geopolítica que levaram à crise desse experimento e sua substituição por um liberalismo econômico em novos moldes – o capitalismo neoliberal – que, entre outras peculiaridades, se apropria, submetendo-as a outros propósitos, das inovações gestionárias do “capitalismo organizado” que prevaleceu durante o experimento desenvolvimentista. Contudo, uma apreciação mais interessante dessa novidade requer o exame de sua decantação num plano mais sociológico.

Embora a competição mercantil esteja, de fato, no cerne da economia capitalista, ela está longe de aparentar-se aos modelos mais simplistas da microeconomia neoclássica. Primeiro, porque a competição é sempre constrangida pelos mecanismos oligopolistas que emergem do próprio acirramento da competição. Segundo – e este é o ponto que mais nos interessa –, porque as interações econômicas reais não se restringem à competição. Antes mesmo que sejam enviados à arena mercantil, bens e serviços têm de ser produzidos e se tornar conhecidos pelos consumidores. Por si só, isso já requer uma instância “interna” de solidariedade, não de competição. Sim, uma solidariedade induzida pela hierarquia da empresa, mas que é, de qualquer forma, uma instância que agrega indivíduos e os põe a cooperar. Cooperação dos blue collars no chão da fábrica; cooperação dos white collars nos escritórios da empresa; e cooperação de executivos e altos especialistas no topo da hierarquia. Sem esse momento de articulação social, o momento da competição propriamente dita, oferecido pelo mercado capitalista, não poderia sequer existir.11 11 . Esse aspecto da economia capitalista é destacado, com o brilho usual, por Schumpeter (1942 [2017]). Mas a solidariedade não termina nos muros da empresa. Ela também é estimulada pelo poder público – e isso antes mesmo do advento do Estado de bem-estar – ao regular as relações inter e intraempresariais: coibindo a trapaça na competição, impondo limites legais à jornada de trabalho e proibindo o trabalho infantil, iniciativas que prefiguram o objetivo de equilibrar as relações de força nos contratos laborais. Por fim, uma espécie de solidariedade de segunda ordem vai se constituir quando as empresas passam a se credenciar à disputa de mercados externos, levando o Estado a empregar sua projeção internacional para colocá-las em melhor posição nessa disputa.

Contudo, esse misto de competição e cooperação é sempre relativo, e pode ser fortemente afetado pelo tipo de regime capitalista em vigor. Isso é particularmente relevante no processo de autonomização do capital financeiro, que, como vimos, se dá na esteira do alargamento da camada dos capitalistas-rentistas associada aos financistas. Assim, a nova geopolítica propiciará, especialmente nos países ocidentais, a formação de um interesse mais isolado e próprio dessas camadas, apartado do das demais classes capitalistas, interceptando os fluxos de capitais que, no período anterior, os amarravam ao investimento industrial. No entanto, para alçar-se ao topo da hierarquia de todos os detentores de capital, e então dirigir a conduta das demais frações, o bloco rentista/financista tratará de estabelecer as condições institucionais de sua reprodução enquanto grupo social em pleno direito. O papel dos financistas, nesse sentido, será crucial. Educados não só em escolas de economia – agora controladas pelos apóstolos do liberalismo econômico –, mas também em escolas de engenharia, fonte crescente de recrutamento, graças ao próprio encolhimento do setor industrial, irão se tornar gestores das firmas de administração dos ativos de seus clientes rentistas, nas quais vão se esmerar na contínua criação de engenhosos “pacotes” de produtos financeiros, estes, tanto mais intransparentes quanto mais complexos e mais descolados da chamada “economia real”. Mas não só. Fundamental na decantação das condições institucionais é seu papel enquanto quadros intelectuais e quadros do serviço público.

Esse último desdobramento significa que a apropriação pelo novo regime da estrutura gestionária do “capitalismo organizado” não se limitou ao ambiente das empresas; mais decisivamente ainda, ela se estendeu a toda a estrutura regulatória estatal desenvolvida ao longo do período anterior: o controle da emissão de moeda, a regulação dos bancos, das bolsas de valores, do financiamento da habitação etc. E, justificando essas tarefas com o apoio de um discurso renovado do liberalismo econômico, tratou de modificar o sentido da regulação, ou seja, das políticas emanadas da antiga estrutura.

Obviamente, as virtudes superiores da livre-iniciativa e do mercado serão exaltadas em termos convenientemente abstratos; em sua prática, porém, esse discurso se concretizará na liberdade e expansão de certos mercados, promotores da integração dos novos interesses, ao custo do encolhimento de outros.

Em outras palavras, não foi pelo esvaziamento do Estado, mas, pelo contrário, por uma penetração sistemática nele, que o novo regime foi se impondo, de modo a limpar o terreno para uma coalizão de classe que, apesar das condutas individualistas ou dessolidarizadoras que induz no interior das organizações capitalistas, é dotada de uma urdidura e uma tenacidade que o experimento anterior de liberalismo jamais foi capaz de adquirir. Uma inusitada conexão entre Estado e mercado emerge daí, na qual o primeiro passa a exercer um papel ativo no sentido de renovar o protagonismo do segundo.12 12 . Embora investiguem o assunto de uma perspectiva sociológica mais ampla, Dardot e Laval (2009) chamam a atenção, entre outros, para o fato de, ao contrário da percepção usual, a dominação neoliberal reservar um papel ativo ao Estado no fortalecimento da competição mercantil. O regime em ascensão será até mesmo pródigo na criação de novas “agências regulatórias”, com o detalhe de que serão etiquetadas como “independentes”, isto é, blindadas da influência dos “políticos” (leia-se: o voto popular) e, ao mesmo tempo, disponíveis para estabelecer uma conexão íntima, direta, entre o Estado e os interesses dos detentores de capital.

O curioso dessa configuração é que sua forte presença nas estruturas do Estado nacional – uma forma de poder político, lembremos, fundada no território – estará, contraditoriamente, a serviço de uma intensificação sem precedentes das tendências extraterritoriais do capitalismo. Por um lado, o deslocamento do lucro para a renda do capital como norte da acumulação cortará a mediação clássica desta com a produção/circulação da mercadoria; ou seja, cortará o vínculo entre a acumulação de capital e o trabalho – justamente a principal ancoragem da economia capitalista no território nacional.

Ironia da história: ao contrário das profecias do Manifesto Comunista, as políticas desenvolvimentistas do Estado de bem-estar tornaram os trabalhadores a classe nacional por excelência!

Por outro lado, amplos e crescentes setores das classes capitalistas dos países ocidentais, tornados rentistas, vão, pouco a pouco, se constituir numa “classe ociosa” ou, melhor ainda, além de ociosa, parasitária, desde que parte de suas rendas dependerá da garantia de uma drenagem contínua de impostos e tributos, pagos por outrem, para rolar os títulos da dívida pública, de que são majoritariamente possuidores. Como classe liberada, ela passa a cultivar uma sociabilidade de tipo “cosmopolita” que a própria globalização propicia: bem menos interações diretas com as classes nacionais em proveito de interações mais frequentes com as elites de mesmo gênero em outros países. Ademais, com crescentes incentivos para que seus filhos estudem em escolas de reputação internacional no exterior, essa sociabilidade facilita, por meio de casamentos territorialmente exógenos, não obstante sua óbvia endogenia em termos de classe social, alianças entre famílias “internacionalizadas”. Algo como uma nova classe de “sangue azul” emerge dessa disponibilidade no plano do estilo de vida, de certo modo lembrando as alianças dinásticas da aristocracia europeia que, no passado, também se esmerou na reprodução de uma espécie de classe internacional – por isso mesmo evocando, durante guerras e revoluções, suspeitas populares a respeito de suas lealdades nacionais.13 13 . Suspeitas que, fundadas ou não, dão ensejo a estereótipos e preconceitos que, ontem como hoje, fornecem farto material aos movimentos ultranacionalistas e xenófobos. Sua agitação simplista, mas altamente eficaz, consiste em evitar a crítica da hierarquia social repulsiva que um e outro estado de coisas produz, em favor do enfoque nas origens étnicas recorrentes desse ou daquele membro de uma classe essencialmente plurinacional, e então fazer uma generalização tosca, cujo resultado é a discriminação racial. Sabemos como os judeus europeus foram, tipicamente, alvo privilegiado dessa generalização – Arendt (1951) nos deixou uma análise definitiva a esse respeito –, mas não apenas eles. Diga-se de passagem, diversos grupos judeus tenderam a adquirir uma cultura cosmopolita não pelas mesmas razões aqui expostas, mas porque, entre outros motivos, fugindo das frequentes perseguições de que eram vítimas, foram obrigados a sucessivas mudanças de país.

Experiência semelhante incidirá sobre a camada dos financistas. Contudo, não por sua ociosidade, mas pela natureza mesma de seu trabalho, engajada na administração tanto dos circuitos nacionais quanto internacionais dos capitais sob sua responsabilidade. Tornar-se-ão, nesse sentido, quadros itinerantes, disponíveis para viver certo tempo num centro financeiro europeu, outro tempo num centro na América, no Oriente Médio, na Ásia, e assim por diante. Contudo, detalhe nada desprezível, disponíveis para trocar, conforme a necessidade do momento, o serviço privado pelo serviço público, desta vez em seu Estado nacional de origem, mas carregando a marca indelével da promiscuidade entre os dois setores. Difícil esperar que esse modus operandi não afete, de algum modo e negativamente, a solidariedade de segunda ordem – aquela que se dá entre empresas e Estado nacional – destacada acima. De qualquer forma, é o que permitirá uma captura mais orgânica das alavancas estatais para firmar o novo regime capitalista no âmbito das instituições e, graças à instrumentação do poder de projeção internacional dos Estados mais poderosos, estabelecer-se como o atual regime hegemônico da era da globalização.

Uma Forma Superior de Capitalismo

Diante desse quadro, resta a questão: haveria uma alternativa política, realista e democrática, ao regime capitalista em vigor? Ou, para colocar mais claramente nos termos com que iniciamos a presente exposição: quais as possibilidades (e limites) de substituir esse capitalismo neoliberal por uma alternativa ainda dentro dos marcos do capitalismo, mas democrática e desenvolvimentista – que gere mais riqueza com mais estabilidade e que a distribua melhor num ambiente de amplas liberdades, individuais e coletivas?

O pano de fundo desta pergunta é a constatação de uma profunda crise de legitimidade do regime que acabamos de examinar. Crise econômica, desencadeada pelo colapso financeiro de 2008 que evoluiu para uma crise política, patenteada em 2016 com a saída da Grã-Bretanha da União Europeia (o Brexit) e, logo em seguida, a vitória de Donald Trump nas presidenciais norte-americanas – fatos associados ao baixo crescimento, à estagnação dos salários dos mais pobres, ao aumento da desigualdade e à instabilidade financeira, sinais claríssimos da crescente insatisfação popular com a governança neoliberal, mas também de setores das classes privilegiadas. A guerra comercial que os Estados Unidos estão promovendo, o aumento de tarifas aduaneiras em todo o mundo, e a redução relativa do comércio e mesmo dos fluxos de capitais internacionais são também evidências de um processo de desglobalização, que não pode ser atribuído apenas às idiossincrasias do presidente americano.

Não há, porém, indícios de mudança, seja rumo a uma política econômica desenvolvimentista, seja para uma política democrática e social de mais distribuição da riqueza. A reação populista ao neoliberalismo é real no plano externo, porque ataca de frente a globalização, mas nisto e em tudo o mais é um retrocesso maior, porque privilegia os ricos e engana os pobres. Ela aponta para um horizonte cinzento que, mantido o quadro como está, só poderá resultar num regresso civilizatório mais profundo do que já vimos testemunhando.

A questão das chances de uma alternativa que seja capaz de bloquear essa regressão, tem, evidentemente, uma dimensão teórica – para a qual este artigo pretende ser uma contribuição –, mas é, acima de tudo, prática, pois sobre ela pesam fatores imponderáveis e muita capacidade de improvisação, em vista da variedade das circunstâncias. De qualquer modo, a alternativa que está na mira da presente reflexão não coloca em xeque a globalização, mas o neoliberalismo. Seu desafio é pensar de que maneira uma alternativa desenvolvimentista se coaduna com ela. O pressuposto é o de que o desenvolvimentismo é uma forma de organização do capitalismo superior ao liberalismo econômico – capaz de lograr melhores resultados econômicos e sociais se conseguir formar governos competentes, que não se deixem levar pela irresponsabilidade fiscal e cambial nem pela austeridade neoliberal, conduzindo uma política macroeconômica adequada e uma política industrial estratégica, e que seja capaz de planejar o setor não-competitivo da economia.

Do ponto de vista histórico, a globalização e a transformação do capitalismo num capitalismo financeiro-rentista são os dois fatos novos; elas constituem a diferença fundamental entre as circunstâncias do desenvolvimentismo contemporâneo e as de seu antecessor. Por isso mesmo, e numa escala tal que este nunca precisou se engajar, a alternativa em tela terá de ser gestada em duas frentes simultâneas: a nacional e a internacional. É preciso derrotar a governança neoliberal dentro de cada Estado; é preciso que mais países se tornem capazes de realizar uma integração competitiva no sistema global, como fazem os países do Leste da Ásia, ao invés de uma integração subordinada, tal como a propõem os Estados Unidos. Mas a tarefa só será completa e assegurada se atingir sua articulação de conjunto, a governança do sistema.

O desafio é formidável em vista de dois obstáculos de fundo e um problema político emergente. Primeiro obstáculo: a resiliência do “antigo” regime. Ao contrário do que aconteceu durante a Grande Depressão desencadeada pela crise de 1929, quando, em curto espaço de tempo, a governança liberal foi sendo desmantelada (a começar na principal potência industrial, os Estados Unidos) e seus quadros, tanto no serviço público quanto no serviço privado, substituídos por uma nova liderança – aliás, tanto para o bem quanto, infelizmente, também para o mal...; ao contrário dessa experiência pregressa, dizíamos, o que assistimos hoje é a uma perigosa disposição e capacidade de entrincheiramento. Isso, sem dúvida, é revelador do grau de clausura em que se meteu o topo da hierarquia social do regime agora em declínio, traduzido numa indiferença notável aos abalos do mundo ao seu redor. Mas essa indiferença também deriva da falsa segurança que o controle das alavancas econômicas do Estado (tão desprezadas no discurso neoliberal) lhe oferecera, controle este que possibilitou, num primeiro momento, “apagar o incêndio” na fase mais aguda da crise de 2008.14 14 . Há uma fartura de relatos disponíveis sobre o evento e seus antecedentes, entre livros, documentários e filmes de ficção baseados nos fatos. Ver McLean e Nocera (2010), para uma narrativa bem construída a partir do testemunho de CEOs e gerentes das principais firmas e “agências de rating” norte-americanas, diretamente implicadas na trama. A narrativa deixa muito claro quão nocivo e contraproducente tornou-se o padrão de conduta pouco cooperativa que o ethos rentista-financista introduziu no interior das próprias firmas de gestão de ativos financeiros. Essa iniciativa consistiu em improvisar um remédio keynesiano para, no limite, salvar o que poderia ter sido um derretimento completo dos alicerces da própria economia capitalista; mas, de quebra, ela garantiu também uma sobrevida ao regime, permitindo, com ajustes marginais, relançá-lo em seguida. Assim, aproveitando-se da blindagem contra o voto popular nas instâncias estatais relevantes que as democracias liberais promovem, o que tivemos foi pouca re-regulamentação financeira, nada de desmantelamento do sistema de poder, nada de substituição de quadros dirigentes e nada de alteração fundamental das políticas.

O segundo obstáculo é, talvez, ainda maior. Trata-se da fina urdidura da coalizão de classe financeiro-rentista reinante, costurada ao longo de vários anos e consolidada no mesmo compasso em que, institucionalmente, a governança neoliberal tecia suas malhas sobre o Estado e o mercado. É evidente que seu fôlego teria sido muito pequeno se ela se limitasse ao bloco rentista-financista, mas como coalizão dominante foi além, conquistando, nos planos material e simbólico, outras classes estratégicas e, eventualmente, numerosas. Foi assim que cooptou amplas parcelas das classes empresariais, anestesiando seus “espíritos animais” graças à alteração, em favor de arranjos puramente financeiros – embora camuflados pela galopante valorização das ações das empresas nas bolsas de valores – dos portfólios de seus investimentos. Mais importante ainda, do ângulo de sua legitimação: a capilarização social de um estilo de vida e um padrão de conduta que seduziram faixas numerosas das classes médias, especialmente as dos países mais ricos (mas não só). Isso, do ponto de vista material, graças à canalização de suas poupanças, maiores ou menores, aos afluentes financeiros que, em função do progresso tecnológico, tornaram-se cada vez mais acessíveis. A sedução envolveu até mesmo parte nada insignificante do movimento sindical dos assalariados – trabalhadores do setor público e privado – ao lhes oferecer a esperança de remuneração rápida e exponencial de seus graúdos fundos de aposentadoria. Sem deixar de ser uma coalizão de natureza profundamente oligárquica em seus objetivos e modus operandi, ela revelou-se astuta suficiente para criar vasos comunicantes e laços de interdependência com todas as classes sociais.

Quanto a esse último aspecto (a interdependência), é importante salientar sua extensão para o âmbito das relações entre os estados-nação. Decisivo, nesse sentido, foi a integração dos países de industrialização recente ao sistema, principalmente os países do Leste da Ásia que se tornaram a “oficina do mundo” e continuam realizando com êxito o catching up. Esta se baseou essencialmente numa política macroeconômica que garantiu a correção dos cinco preços macroeconômicos, particularmente da taxa de câmbio, articulada com uma política industrial estratégica, e no aproveitamento de sua mão de obra barata, que tornaram esses países grandes exportadores de bens manufaturados, ao mesmo tempo em que propiciaram a abertura de seus mercados domésticos para a competição internacional. Embora, para crescer como cresceram, suas políticas internas tenham divergido das imperantes no ambiente externo,15 15 . Esse é o caso paradigmático da China. As marcas desse desenvolvimentismo, porém, não são das mais inspiradoras: isso se faz no quadro de um regime com instituições políticas autoritárias e, via de regra, um padrão manchesteriano de tratamento de suas classes trabalhadoras. isso se fez mediante um habilidoso movimento de adaptação à governança do sistema – do qual, à sua maneira, se beneficiaram largamente: de fato, enquanto nações, foram as que melhor souberam aproveitar os impulsos da globalização.

O problema político emergente tem a ver com o estrago que a crise de 2008, e a longa estagnação que a seguiu, provocou nos países ocidentais. Isso abriu espaço para o surgimento de uma alternativa política, mas uma alternativa tão ou mais regressiva do que a que aparentemente pretende substituir. A imprensa e a literatura acadêmica a têm chamado de “populismo de direita” ou, simplesmente, “populismo”. O termo é suficiente para descrever as características de forma e estilo dos movimentos que abarca e suas lideranças, mas ao preço de jogar na sombra sua substância, o que leva a colocar num mesmo pacote discursos e plataformas programáticas que, nesse plano, são muito divergentes entre si. Em que, então, consiste a nocividade dessa alternativa? É que ela foi capaz de se apropriar da imensa insatisfação contemporânea com a governança neoliberal, mas o fez colocando em xeque os valores mais generosos e universalistas dos regimes democráticos. Esse populismo de direita é regressivo no estilo e na forma degradada de fazer política; mas é principalmente regressivo na arena social, na medida em que explora as tensões internas das classes médias e populares, graças a um discurso e uma prática identitários e xenófobos. Trata-se, portanto, de uma perspectiva de coalizão de classe ainda mais deletéria do que a neoliberal e que, mesmo tendo forte coloração popular, não será algo muito diferente de um apartheid. O perfil de seu programa econômico tem demonstrado até aqui ser ambivalente. Nos países mais avançados e poderosos, parece combinar um forte antiliberalismo no âmbito externo, por conta de políticas protecionistas, com neoliberalismo as usual no âmbito doméstico, sempre buscando poupar os mais ricos dos custos da crise social, ao mesmo tempo em que prometendo ao povo trabalhador os empregos, atuais e futuros, que forem retirados dos imigrantes. Em países como a Hungria e a Polônia, onde os Estados não têm o mesmo poder de fogo, afora a apaixonada xenofobia e um ataque mais eficaz às instituições democráticas, assistimos, no essencial, à mesma cumplicidade de sempre com a governança global predominante.

Uma Nova Coalizão de Classes?

Ficamos, portanto, com a questão: como pensar em uma coalizão de classes democrática, desenvolvimentista e social? Que objetivos comuns deveriam orientar sua formação?

O primeiro eixo dessa alternativa, nos parece, é o imperativo de resgatar, em sua plenitude, a autoridade democrática. Vale dizer: romper a couraça oligárquica com a qual o regime atual revestiu as instâncias estatais de decisão econômica: os bancos centrais, as agências reguladoras, as câmaras setoriais etc. Embora devolver à representação política o poder de influenciar programaticamente suas decisões seja um passo importante – evitando, ao mesmo tempo, as injunções clientelísticas que tanto desgaste tem infligido aos partidos –, o passo principal é restabelecer a unidade e integridade do Poder Executivo, na figura dos governantes eleitos pelo voto popular.

O segundo eixo é o econômico. Só faz sentido prever que a crise do capitalismo neoliberal evoluirá para uma forma desenvolvimentista de capitalismo se esta for mais eficiente, isto é, se ela produzir mais crescimento com mais estabilidade do que a liberal. Não temos dúvida a respeito deste ponto. O desenvolvimentismo aproveita todas as virtualidades do mercado, aproveita a criatividade e a capacidade de inovação dos empresários que prosperam em mercados competitivos, e se beneficia da intervenção moderada no Estado: no plano microeconômico, naqueles espaços nos quais não há realmente competição, ou seja, no setor de infraestrutura, de insumos básicos, e no dos grandes bancos (“too big to fail”); e no plano macroeconômico, cujos preços os agentes do mercado, por si sós, já demonstraram serem incapazes de administrar. Os economistas liberais afirmam que se o governo garantir o equilíbrio da conta fiscal estaremos “no melhor dos mundos possíveis”, mas eles sabem que isto não é verdade, desde que cada país necessita de um banco central para coordenar a taxa de juros, a taxa de inflação, e, indiretamente, a taxa de câmbio. Mas é preciso adicionalmente garantir o equilíbrio das contas externas. Se déficits públicos, que resultam da conta fiscal, constituem um mal quando não são contracíclicos (quando não refletem uma política fiscal expansionista em momento de desemprego cíclico), os déficits em conta-corrente são, em quase todas as circunstâncias, um mal, a não ser para países emissores de moeda de reserva como os Estados Unidos.

Mas não basta manter as duas contas equilibradas. São necessárias, ainda, políticas para cada um dos cinco preços: a de juros, a cambial, a salarial, a relativa à inflação e a de lucro. O Estado, seu ministério das finanças e seu banco central, precisam praticar políticas para manter um nível de taxa de juros baixo (em torno do qual o banco central realiza sua política) e manter os salários crescendo na medida do crescimento da produtividade, porque assim será facilitada a política cambial visando a tornar a moeda nacional competitiva. Finalmente, como consequência da boa administração destes três preços, que a taxa de inflação seja baixa e a taxa de lucro esperada pelas empresas, satisfatória, motivando-as a investir.

O conjunto dessas iniciativas um governo desenvolvimentista é capaz de fazer, se for prudente no dia a dia e firme na consecução de seu projeto de longo prazo. Mas esse jamais será o caso dos governos liberais, que se limitam a defender uma política fiscal e a praticam não de maneira responsável, mas de maneira “austera”. Quando uma economia entra em crise ou em desarranjo macroeconômico, eles praticam um ajuste fiscal “austero” porque cortam não apenas as despesas correntes, mas também os investimentos públicos, quando deveriam cortar apenas os primeiros, e porque não promovem ao mesmo tempo a depreciação cambial. Dessa forma, o ajuste é incompleto, e todo o seu custo é incorrido pelos assalariados, que perdem seus empregos e têm seus salários rebaixados, enquanto os capitalistas rentistas (que recebem juros, dividendos e aluguéis) nada perdem, porque não há diminuição da taxa de juros e não há desvalorização da moeda – as duas coisas que, conjuntamente com o aumento da inflação, poderiam fazer com que os rentistas e os financistas também pagassem o custo do ajustamento macroeconômico.

Em segundo lugar, é preciso saber se esse governo logrará reduzir as desigualdades, não apenas as econômicas, mas de todos os tipos, e se saberá proteger o ambiente. Não é fácil compatibilizar essas metas com o desenvolvimento econômico, mas governos social-democráticos do passado já mostraram que isto é possível. Para avançar nessa direção, porém, o problema da separação funcional e regional a que vimos assistindo há décadas, entre um polo industrial numa parte do mundo e um polo das finanças em outra parte, terá de ser atacado. Enquanto essa polarização persistir, os países ricos continuarão a se sentir ameaçados pelas exportações de bens manufaturados dos países em desenvolvimento que têm a vantagem de uma mão de obra mais barata. E continuarão a pressionar os salários diretos e indiretos dos seus trabalhadores para terem assegurada a competitividade de suas empresas. A única solução estrutural para isto é o desenvolvimento mais rápido dos países em desenvolvimento e o consequente aumento de seus salários, como vem acontecendo na China. Mas esse é um problema que não terá solução no curto prazo. Poderá, inclusive, se agravar, se mais países seguirem o caminho da China e, mais recentemente, o da Índia, e afirmarem sua autonomia nacional, adotando políticas desenvolvimentistas. Não há solução simples para esse imbróglio. O máximo que podemos afirmar a esse respeito é que uma saída coordenada requer, no plano internacional, menos uma OMC (a Organização Mundial do Comércio) do que a construção de algo como uma “organização mundial da produção e do trabalho industriais”, que defina condições mais equilibradas para a competição dos bens manufaturados. Enquanto esse nó não for desatado, no entanto, um eixo transitório terá de ser construído. E sua orientação fundamental será restabelecer a hegemonia do capital industrial na hierarquia dos capitais. Neste caso, a tarefa é potencialmente menos desafiante nos países ocidentais mais avançados, uma vez que preservaram a iniciativa nos setores tecnológicos de ponta, ainda que bem menos intensivos em mão de obra. Quanto aos países em desenvolvimento que, diferentemente dos asiáticos, têm sofrido grave desindustrialização (como é o caso dos países latino-americanos exceto o México) e baixas taxas de crescimento (inclusive o México),16 16 . No México não houve desindustrialização, mas transformação da indústria mexicana em uma “indústria maquiladora” – que se limita a executar as tarefas de baixa complexidade e baixo valor adicionado per capita, ficando as atividades sofisticadas por conta dos Estados Unidos. o desafio é sem dúvida, bem maior, pois envolve o problema da baixa autoestima das elites locais, que se traduz numa atitude de pouca independência em relação aos países mais poderosos, e à teoria econômica nesses ensinada que ignora a tendência à sobre apreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio que caracteriza, em particular, os Estados Unidos.

A questão de fundo, no entanto, e que cria efetivamente as condições para a rodagem dos eixos acima propostos, diz respeito ao caráter da coalizão de classe que deve ancorar essa modalidade renovada de desenvolvimentismo. A tarefa é longa e, ao mesmo tempo, extremamente delicada. Por isso mesmo, política acima de tudo. Seu ponto crítico é encontrar a mediação adequada entre os interesses das classes empresariais – cujo centro é a garantia de uma taxa de lucro razoável – e os das classes médias assalariadas e as classes trabalhadoras. Estes últimos estão centrados nas possibilidades de a economia oferecer uma melhora contínua do padrão de vida – via emprego e salário –, combinada com uma ação estatal que, remunerando razoavelmente seus servidores, ofereça políticas sociais amplas e de qualidade, especialmente no campo da educação e da saúde.

Porém, insistimos, tudo isso depende de um robusto e contínuo crescimento econômico. Sem ele, o jogo será de soma zero e sua consequência será ou o veto do mundo do trabalho, ou o veto do mundo do capital. Em ambos os casos, o jogo de soma zero invariavelmente se deslocará para o de soma negativa. Para sua resolução positiva, portanto, um deslocamento, nada simples em vista da longa inércia produzida pela governança atual, do foco na regulação para o foco na indução ativa do desenvolvimento se faz necessário. Mas ela não poderá se limitar a uma política de alimentação do mercado consumidor doméstico, por meio do clássico estímulo keynesiano à demanda. Isso é importante, mas insuficiente, pelas razões antes apontadas neste artigo. Sem a recuperação da indústria nacional, tal política poderá até mesmo ser contraproducente, pela potencial vulnerabilidade que gera nas contas externas. Assim, há que se recuperar os instrumentos, em particular os de política macroeconômica, que permitam à indústria do país competir de igual para igual com seus concorrentes, especialmente no que diz respeito à exportação. Uma nova ênfase na qualificação das empresas para a competição internacional significa, em suma, que em vez de sua rejeição tout court, o desafio maior do desenvolvimentismo contemporâneo é que cada país possa conquistar uma inserção soberana na era da globalização.

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  • WEBER, Max. (1924 [2006]), História Geral da Economia Trad. Klaus von Puschen. São Paulo, Centauro (Edição original alemã, 1924, póstuma).
  • 1
    . Os preços macroeconômicos estarão certos se o principal preço de uma economia capitalista, a taxa de lucro das empresas industriais, for “satisfatória” (motivar as empresas a investir), para o que é necessário que o nível da taxa de juros em torno do qual o banco central pratica sua política monetária for baixo, se a taxa de câmbio for competitiva, se a taxa de salários crescer aproximadamente com a produtividade e se a inflação for baixa. Ver Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi (2016)BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; OREIRO, José Luis e MARCONI, Nelson. (2016), Macroeconomia Desenvolvimentista. Rio de Janeiro, Elsevier..
  • 2
    . A ênfase nesse aspecto da globalização é muito bem examinada por Gauchet (2017GAUCHET, Marcel. (2017), L’Avènement de la Démocratie IV: Le Nouveau Monde. Paris, Gallimard., cap.VI).
  • 3
    . A primeira vaga corresponde, naturalmente, às chamadas “grandes navegações” (a expansão ultramarina), nos séculos XV e XVI.
  • 4
    . Para uma discussão sobre essa interdependência do nacional com o internacional, intrínseca ao sistema de Estados soberanos, ver Araujo (2013ARAUJO, Cicero. (2013), A Forma da República: da Constituição Mista ao Estado. São Paulo, Martins Fontes., cap. 3).
  • 5
    . Nesse aspecto, a História Geral da Economia, de Weber, continua absolutamente atual.
  • 6
    . Przeworski (2001)PRZEWORSKI, Adam. (2001), “How Many Ways Can Be Third?”, in A. Glyn (ed.). Social Democracy in Neoliberal Times. Oxford, Oxford University Press, pp. 312-333. chama esse pano de fundo comum de “policy regime” sem, contudo, valer-se do conceito, aqui fundamental, de coalizão de classe.
  • 7
    . Para uma iluminadora e bem didática exposição deste ponto, ver Harribey et al. (2018HARRIBEY, Jean-Marie; JEFFERS, Esther; MARIE, Jonathan; PLIHON, Dominique e PONSOT, Jean-François. (2018), La Monnaie: Un Enjeu Politique. Paris, Seuil., cap. 2).
  • 8
    . Ver, entre outros, Streeck (2013)STREECK, Wolfgang. (2013), Buying Time: The Delayed Crisis of Democratic Capitalism, Londres, Verso. e Gordon (2014).
  • 9
    . O lucro é a adição ao capital derivada da mediação entre o investimento e a produção/circulação de mercadorias (bens e serviços) realizada pelas empresas; a renda é uma adição ao capital sob a forma de juros, aluguéis e dividendos derivada do capital dos acionistas, dos proprietários de dinheiro para empréstimo e dos proprietários de imóveis colocado à disposição das empresas. Para não haver dupla contagem é necessário excluir do conceito de “lucro restrito” não apenas os juros e os aluguéis pagos, mas toda a renda dos rentistas.
  • 10
    . Esse ponto, e a respectiva terminologia, foi originalmente proposto e examinado por Bresser-Pereira (2017aBRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. (2017a), “Depois do Capitalismo Financeiro-Rentista, Mudança Estrutural à Vista?”. Novos Estudos Cebrap, vol. 107, no 36 (1), pp. 136-151. <http://dx.doi.org/10.25091/S0101-3300201700010007>.
    http://dx.doi.org/10.25091/S0101-3300201...
    , 2018BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. (2018), “Capitalismo Financeiro-Rentista”. Estudos Avançados, vol. 32(92), pp. 17-29. <https://dx.doi.org/10.5935/0103-4014.20180003>.
    https://dx.doi.org/10.5935/0103-4014.201...
    ).
  • 11
    . Esse aspecto da economia capitalista é destacado, com o brilho usual, por Schumpeter (1942 [2017]SCHUMPETER, Joseph. (1942 [2017]), Capitalismo, Socialismo e Democracia. Trad. Luis Antônio de Araújo. São Paulo, Edunesp (Edição original inglesa, 1942).).
  • 12
    . Embora investiguem o assunto de uma perspectiva sociológica mais ampla, Dardot e Laval (2009)DARDOT, Pierre e LAVAL, Christian. (2009 [2016]), A Nova Razão do Mundo: Ensaio sobre a Sociedade Neoliberal. Trad. Mariana Echalar. São Paulo, Boitempo Editorial. chamam a atenção, entre outros, para o fato de, ao contrário da percepção usual, a dominação neoliberal reservar um papel ativo ao Estado no fortalecimento da competição mercantil.
  • 13
    . Suspeitas que, fundadas ou não, dão ensejo a estereótipos e preconceitos que, ontem como hoje, fornecem farto material aos movimentos ultranacionalistas e xenófobos. Sua agitação simplista, mas altamente eficaz, consiste em evitar a crítica da hierarquia social repulsiva que um e outro estado de coisas produz, em favor do enfoque nas origens étnicas recorrentes desse ou daquele membro de uma classe essencialmente plurinacional, e então fazer uma generalização tosca, cujo resultado é a discriminação racial. Sabemos como os judeus europeus foram, tipicamente, alvo privilegiado dessa generalização – Arendt (1951ARENDT, Hannah. (1951 [2012]), Origens do Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo, Companhia das Letras.) nos deixou uma análise definitiva a esse respeito –, mas não apenas eles. Diga-se de passagem, diversos grupos judeus tenderam a adquirir uma cultura cosmopolita não pelas mesmas razões aqui expostas, mas porque, entre outros motivos, fugindo das frequentes perseguições de que eram vítimas, foram obrigados a sucessivas mudanças de país.
  • 14
    . Há uma fartura de relatos disponíveis sobre o evento e seus antecedentes, entre livros, documentários e filmes de ficção baseados nos fatos. Ver McLean e Nocera (2010)MCLEAN, Bethany e NOCERA, Joe. (2010), All the Devils are Here: The Hidden History of the Financial Crisis. Londres/Nova York: Penguin., para uma narrativa bem construída a partir do testemunho de CEOs e gerentes das principais firmas e “agências de rating” norte-americanas, diretamente implicadas na trama. A narrativa deixa muito claro quão nocivo e contraproducente tornou-se o padrão de conduta pouco cooperativa que o ethos rentista-financista introduziu no interior das próprias firmas de gestão de ativos financeiros.
  • 15
    . Esse é o caso paradigmático da China. As marcas desse desenvolvimentismo, porém, não são das mais inspiradoras: isso se faz no quadro de um regime com instituições políticas autoritárias e, via de regra, um padrão manchesteriano de tratamento de suas classes trabalhadoras.
  • 16
    . No México não houve desindustrialização, mas transformação da indústria mexicana em uma “indústria maquiladora” – que se limita a executar as tarefas de baixa complexidade e baixo valor adicionado per capita, ficando as atividades sofisticadas por conta dos Estados Unidos.
  • Errata

    No artigo "Para Além do Capitalismo Neoliberal:As Alternativas Políticas", com número de DOI 10.1590/001152582018167, publicado em DADOS - Revista de Ciências Sociais, vol. 61 no 3, pp.551-579, na página 551:
    Onde se lia:
    http://dx.doi.org/10.1590/001152582018153
    Leia-se:
    http://dx.doi.org/10.1590/001152582018167

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2018
  • Aceito
    4 Dez 2018
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