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Prefeitos e a Construção do Apoio Legislativo nos Municípios* * Uma versão preliminar do artigo foi apresentada no VI Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política. Agradecemos a Vitor Sandes, ao Grupo de Estudos em Política Brasileira (PolBras) e aos pareceristas anônimos da Revista Dados pelas críticas e sugestões feitas às versões anteriores e ao manuscrito. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) concedeu apoio financeiro (processo 2016/10421-1) para a realização desta pesquisa. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste artigo são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.

Mayors and the Construction of Legislative Support in Brazilian Municipalities

Les Maires et la Construction de l’Appui Législatif dans les Municipalités

Alcaldes y la Construcción del Apoyo Legislativo en los Municipios

RESUMO

Embora o prefeito detenha o cargo eletivo mais importante nos municípios brasileiros, sua função demanda apoio legislativo para implementar sua agenda. Neste artigo, analisamos alguns recursos que as candidaturas dos prefeitos eleitos mobilizam para obter o maior potencial de apoio legislativo possível. Partimos de duas possibilidades: ou o candidato eleito transfere sua popularidade aos seus apoiadores na disputa proporcional; ou se coliga com vários partidos. A primeira opção sustenta-se no efeito coattail; a segunda, nos seguintes aspectos institucionais: fragmentação no Legislativo e concentração de candidatos no Executivo. Amparados por dados municipais de coligação eleitoral, investigamos cinco eleições (2000-2016). Nossos resultados sugerem que tanto a popularidade transferida pelo prefeito eleito, quanto o número de partidos na coligação majoritária impactam positivamente no potencial de apoio legislativo. Por fim, indicam que não há interação entre estes dois efeitos, demonstrando que ambas as estratégias são alternativas entre si.

eleições municipais; Legislativo Municipal; Executivo Municipal; coligações partidárias; efeito coattail

ABSTRACT

Although the mayor holds the most important elective office in Brazilian municipalities, his role requires legislative support to implement its agenda. In this article, we analyze some resources that mayoral candidates who have been elected mobilized to obtain the greatest potential for legislative support. We started from two possibilities: either the elected candidate transfers his popularity to his supporters in the proportional dispute; or if he forms a coalition with several parties. The first option is based on the coattail effect; the second, in the following institutional aspects: fragmentation in the Legislative and concentration of candidates in the Executive. Using municipal electoral coalition data, we investigated five elections (2000-2016). Our results suggest that both the popularity transferred by the elected mayor and the number of parties in the majority coalition positively affect the potential for legislative support. Finally, the data indicate that there is no interaction between these two effects, demonstrating that both strategies are unrelated alternatives.

municipal elections; Municipal Legislative; Municipal Executive; Party coalitions; coattail effect

RÉSUMÉ

Bien que le maire occupe le poste électif le plus important dans les municipalités brésiliennes, son rôle nécessite un soutien législatif pour mettre en œuvre son programme. Dans cet article, on examine certaines ressources que les candidatures des candidats à la mairie mobilisent pour obtenir le plus grand potentiel de soutien législatif possible. On part de deux possibilités: ou le candidat élu transfère sa popularité à ses partisans dans le différend proportionnel; ou il s’associe avec plusieurs partis. La première option est basée sur l’effet coattail; la seconde, sur les aspects institutionnels suivants: fragmentation du législatif et concentration des candidats à l’exécutif. Forts des données des coalitions électorales municipales, nous avons enquêté sur cinq élections (2000-2016). Nos résultats suggèrent que tant la popularité transférée par le maire élu que le nombre de partis de la coalition majoritaire ont un impact positif sur le potentiel de soutien législatif. Enfin, ils indiquent qu’il n’y a pas d’interaction entre ces deux effets, démontrant que les deux stratégies sont des alternatives l’une à l’autre.

élections municipales; Législatif municipal; Exécutif municipal; coalitions de partis; effet coattail

RESUMEN

Aunque el alcalde ostenta el cargo electivo más importante en los municipios brasileños, su función demanda del apoyo legislativo para implementar su agenda. En este artículo, analizamos algunos recursos que movilizan las propuestas de los alcaldes electos para obtener el mayor potencial de apoyo legislativo posible. Partimos de dos posibilidades: o el candidato electo transfiere su popularidad a sus partidarios en la disputa en el sistema proporcional; o se asocia con varios partidos. La primera opción se sustenta en el efecto coattail; la segunda, en los siguientes aspectos institucionales: fragmentación en el Legislativo y concentración de candidatos en el Ejecutivo. Amparados por datos municipales de coalición electoral, investigamos cinco elecciones (2000-2016). Nuestros resultados sugieren que tanto la popularidad transferida por el alcalde electo, como el número de partidos en la coalición mayoritaria impactan positivamente en el potencial de apoyo legislativo. Finalmente, indican que no hay interacción entre estos dos efectos, demostrando que ambas estrategias son alternativas entre sí.

elecciones municipales; Legislativo Municipal; Ejecutivo Municipal; coaliciones partidarias; efecto coattail

INTRODUÇÃO

As eleições municipais são protagonizadas por quem conquista a disputa majoritária (Kerbauy, 2008KERBAUY, Maria Teresa Miceli. (2008), “Legislativo municipal, organização partidária e coligações partidárias”. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, vol. 13, no 53, pp. 65-83.). Porém, mesmo o prefeito tendo o cargo político eletivo mais proeminente de um município, sua função demanda apoio legislativo para governar. Sem o suporte de uma base de vereadores, o chefe do Executivo local não pode decidir sobre liberações de recursos, ou mesmo definir as prioridades de seu mandato. Nesse sentido, ao governar mediante ampla oposição, o prefeito terá que negociar duramente a implementação de sua agenda e lidará com uma considerável chance de fracasso na negociação. Portanto, ainda que não seja possível estabelecer uma porcentagem ideal de cadeiras a garantir boas condições de governabilidade, contar com alguma margem de apoio por parte da vereança é um ponto de partida desejável para qualquer prefeito eleito.

Mas como garantir esse suporte? Quais fatores ajudam um prefeito a iniciar seu mandato com o maior potencial de apoio possível na Câmara de Vereadores?

A base legislativa de um governo começa a se estabelecer antes mesmo de seu início de mandato, já no período eleitoral (Kinzo, 2004KINZO, Maria D’Alva. (2004), “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 19, no 54, pp. 23-40.; Golder, 2005GOLDER, Sona. (2005), “Pre-electoral coalitions in comparative perspective: a test of existing hypotheses”. Electoral Studies, vol. 24, no 4, pp. 643-663.; Carroll e Cox, 2007CARROLL, Royce; COX, Gary W. (2007), “The logic of Gamson’s Law: pre-election coalitions and portfolio allocations”. American Journal of Political Science, vol. 51, no 2, pp. 300-313.). Por isso, um primeiro passo para identificar fatores institucionais que se associam ao apoio legislativo consiste em investigar quais condições das disputas eleitorais interferem nesse aspecto. O objetivo deste artigo é analisar quais estratégias eleitorais caracterizam as candidaturas dos prefeitos eleitos que conquistam o maior potencial de apoio legislativo no plano municipal.

Golder (2005GOLDER, Sona. (2005), “Pre-electoral coalitions in comparative perspective: a test of existing hypotheses”. Electoral Studies, vol. 24, no 4, pp. 643-663.:645) afirma que acordos pré-eleitorais, firmados a partir de coligações, impactam na composição dos governos eleitos, na medida em que tais acordos extrapolam a esfera eleitoral e se estendem à relação governativa entre Executivo e Legislativo. Isso ocorre especialmente em disputas majoritárias de turno único, pois nesse sistema não há margem para um posterior rearranjo eleitoral, que poderia acontecer em caso de segundo turno. No Brasil, as disputas para prefeito são regidas por eleições majoritárias de turno único em todos os municípios com menos de 200 mil eleitores, o que representou pouco mais de 98% do total de cidades em 20161 1 . Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), somente 92 dos 5.568 municípios possuíam mais de 200 mil eleitores em 2016. Em nossa análise, consideramos apenas as eleições para prefeito disputadas dentro da regra majoritária de turno único. , justificando a escolha desses municípios como lócus de nossa análise.

Assumindo que as coligações extrapolam a arena eleitoral, tomamos a porcentagem de cadeiras conquistadas pela coligação do prefeito eleito (majoritária) nas disputas para vereador como indicador de potencial2 2 . Não se pode garantir que esses vereadores de fato darão suporte ao prefeito que apoiaram durante as eleições. No entanto, justamente por terem apoiado essa candidatura, é de se supor que, pelo menos a priori, atuarão de forma coordenada com o prefeito recém-empossado. Por isso, consideramos que a porcentagem de cadeiras conquistada pela coligação vencedora da disputa majoritária representa um indicativo adequado do potencial de apoio legislativo com o qual o novo prefeito contará. de suporte governativo. Argumentamos que essas cadeiras tendem a se converter em apoio, a partir dos incentivos e custos oferecidos pelo próprio sistema político para se estabelecer uma coligação. O sistema eleitoral majoritário de turno único, que caracteriza as disputas para prefeito, oferece altos custos para ser cabeça de chapa (Duverger, 1970DUVERGER, Maurice. (1970), Os partidos políticos. Rio de Janeiro: Zahar.; Cox, 1997COX, Gary W. (1997), Making votes count: strategic coordination in the World’s Electoral Systems. Cambridge: Cambridge University Press.), sendo que, em média, menos de três candidatos para prefeito são ofertados nesses municípios (Guarnieri, 2015GUARNIERI, Fernando. (2015), “Voto estratégico e coordenação eleitoral: testando a Lei de Duverger no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 30, no 89, pp. 77-92.; Vasquez, 2016VASQUEZ, Vitor. (2016), Ao vencedor, a Prefeitura: competição em eleições municipais (1996-2012). Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade Estadual de Campinas, Campinas.). Além disso, essas disputas tendem a ser bastante acirradas, com um padrão de pequena margem de votos entre o primeiro e o segundo colocado (Vasquez, 2016VASQUEZ, Vitor. (2016), Ao vencedor, a Prefeitura: competição em eleições municipais (1996-2012). Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade Estadual de Campinas, Campinas.). Esses dois fatores posicionam os apoiadores do prefeito eleito em lado oposto bem definido àqueles que apoiaram seu principal adversário. Já o sistema partidário municipal, marcado pelo crescente acréscimo de partidos e candidatos nas eleições para vereador, aumenta a competição para o Legislativo (oferta eleitoral) e a incerteza quanto ao apoio governativo (resultado eleitoral) (Ibenskas, 2016IBENSKAS, Raimondas. (2016), “Understanding pre-electoral coalitions in Central and Eastern Europe”. British Journal of Political Science, vol. 46, no 4, pp. 743-761.). A combinação desses arranjos incentiva prefeitos e vereadores previamente aliados a estenderem estes acordos para além do momento eleitoral.

Nesse cenário, uma candidatura para prefeito tem um amplo leque de possíveis parceiros, em função da alta oferta partidária. Dentro desse universo, poderá buscar apoio de vários deles por dois motivos. Em primeiro lugar, devido ao elevado número de partidos que conquista cadeiras para vereador; em segundo, por considerar que quem não for seu aliado poderá se coligar a uma candidatura concorrente. A partir disso, construímos a primeira hipótese do artigo: quanto maior o tamanho da coligação majoritária, maior é o potencial de apoio governativo conquistado pelo prefeito eleito. Consequentemente, se tomarmos o partido do vereador como indicador de suas preferências, maior dificuldade o prefeito terá para coordenar o apoio, dada a heterogeneidade de preferências políticas com a qual lidará.

Por outro lado, sempre que possível, prefeitos evitarão coordenar indivíduos com preferências políticas tão heterogêneas. Isso ocorre quando o candidato eleito para o Executivo é capaz de transferir seu sucesso eleitoral a seus parceiros que disputam cargos no Legislativo. Assim, esse tipo de candidato pode evitar que o grupo de vereadores que o apoia tenha preferências políticas muito distintas entre si. Ou seja, um candidato com amplo respaldo por parte dos eleitores pode se valer de sua popularidade para eleger sua base legislativa, não sendo necessário o custo de buscar um número muito elevado de aliados, via coligação. Tal capacidade de angariar votos é conhecida como efeito coattail3 3 . Os estudos sobre o efeito coattail têm origem na Ciência Política norte-americana, com foco sobre a eleição presidencial e no potencial do candidato ao Executivo impulsionar a votação para a Casa legislativa (Press, 1963; Mondak, 1990; Golder, 2006). . Isso posto, formulamos a segunda hipótese do artigo, alternativa à primeira: quanto maior o sucesso eleitoral do prefeito eleito, maior será seu potencial de apoio legislativo.

O federalismo brasileiro por vezes é considerado como um obstáculo para que o efeito coattail ocorra nas disputas no âmbito federal. No entanto, argumentamos que a arena municipal conforma um ambiente favorável ao efeito, tanto por uma questão de tempo quanto de espaço. Em termos temporais, destacamos que as eleições municipais ocorrem separadamente, distantes dois anos das disputas federais e estaduais. Quanto ao espaço, salientamos que o próprio município conforma o distrito eleitoral de prefeito e vereadores. Essas duas características em conjunto facilitam que candidatos para prefeito que gozam de amplo sucesso eleitoral expandam sua popularidade a seus possíveis apoiadores no Legislativo.

Argumentamos, portanto, que o presente artigo apresenta contribuições originais sobre quatro aspectos:

  1. Em relação ao efeito coattail, colaboramos por investigar esse fenômeno numa relação até então inédita, entre prefeito e vereador. Além disso, como argumentamos anteriormente, num âmbito institucionalmente propício para que tal efeito ocorra.

  2. Quanto às coligações eleitorais, mudamos a perspectiva sobre a qual comumente é tratada. Em geral, os estudos sobre coligações partidárias nos municípios as tomam como variável a ser explicada (dependente), seja pelas regras eleitorais (Melo e Soares, 2016MELO, Clóvis A. Vieira de; SOARES, Kelly C. Costa. (2016), “Coligações partidárias em eleições proporcionais municipais: fragmentação e sucesso de candidatos com baixa densidade eleitoral”. Análise Social, no 220, pp. 684-719.; Peixoto, 2010PEIXOTO, Vitor. (2010), “Coligações eleitorais nos municípios brasileiros: competição e estratégia”. In: S. Krause; H. Dantas; L. F. Miguel (orgs.), Coligações partidárias na nova democracia brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer/São Paulo: Editora UNESP, pp. 277-300.), pela ideologia dos partidos (Carreirão, 2006CARREIRÃO, Yan de Souza. (2006), “Ideologia e partidos políticos: um estudo sobre coligações em Santa Catarina”. Opinião Pública, vol. 12, no 1, pp. 136-163.; Dantas e Praça, 2010DANTAS, Humberto; PRAÇA, Sérgio. (2010), “Pequenos partidos no Brasil: uma análise do posicionamento ideológico com base nas coligações municipais de 2000 a 2008”. In: S. Krause; H. Dantas; L. F. Miguel (orgs.), Coligações partidárias na nova democracia brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer/São Paulo: Editora UNESP, pp. 325-343.; Leoni, 2011LEONI, Eduardo L. (2011), “Coligações e ideologia nas eleições para vereadores no Brasil: uma análise econométrica”. In: C. Zucco Jr.; T. J. Power (orgs.), O Congresso por ele mesmo: autopercepções da classe política brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, pp. 105-130.), por influência da esfera estadual (Krause e Paiva, 2000KRAUSE, Silvana; PAIVA, Denise. (2000), “Institucionalização partidária e influência do partido do governo estadual nas eleições para o Executivo Municipal: o padrão das coligações eleitorais no Estado de Goiás”. Anais do XXIV Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Petrópolis, RJ, 23-27 de outubro.; Silva, 2017SILVA, Josimar. (2017), “Estrutura partidária ou força do governador? alianças governistas e oposicionistas em eleições majoritárias municipais”. In: S. Krause; C. Machado; L. F. Miguel (orgs.), Coligações e disputas eleitorais na Nova República: aportes teórico-metodológicos, tendências e estudos de caso. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer/ São Paulo: Editora UNESP, pp. 231-254.) ou pela estratégia partidária (Kerbauy, 2008KERBAUY, Maria Teresa Miceli. (2008), “Legislativo municipal, organização partidária e coligações partidárias”. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, vol. 13, no 53, pp. 65-83.; Miguel e Machado, 2010MIGUEL, Luis Felipe; MACHADO, Carlos. (2010), “De partido de esquerda a partido do governo. O PT e suas coligações para prefeito (2000 a 2008)”. In: S. Krause; H. Dantas; L. F. Miguel (orgs.), Coligações partidárias na nova democracia brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer/São Paulo: Editora UNESP, pp. 345-371.; Peixoto, 2010PEIXOTO, Vitor. (2010), “Coligações eleitorais nos municípios brasileiros: competição e estratégia”. In: S. Krause; H. Dantas; L. F. Miguel (orgs.), Coligações partidárias na nova democracia brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer/São Paulo: Editora UNESP, pp. 277-300.; Silva, 2017SILVA, Josimar. (2017), “Estrutura partidária ou força do governador? alianças governistas e oposicionistas em eleições majoritárias municipais”. In: S. Krause; C. Machado; L. F. Miguel (orgs.), Coligações e disputas eleitorais na Nova República: aportes teórico-metodológicos, tendências e estudos de caso. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer/ São Paulo: Editora UNESP, pp. 231-254.). Entretanto, destacamos que as coligações também geram consequências para o sistema político. Nesse sentido, mobilizamos as coligações partidárias enquanto variável explicativa (independente).

  3. Apesar de impactarem de forma mais direta o âmbito eleitoral, as coligações partidárias geram consequências também no governativo. Contudo, pouco se explora essa faceta das coligações, sobretudo no plano municipal.

  4. Finalmente, justamente por realizarmos a análise nos municípios, nossa pesquisa acrescenta ainda informações ao campo de investigação sobre política local.

Nossa análise englobou cinco eleições, entre 2000 e 20164 4 . O recorte temporal inicia-se em 2000, pois é a partir de quando o TSE disponibilizou os dados mais precisos sobre eleições municipais no Brasil, sobretudo no que diz respeito às coligações. , e todos os municípios nos quais a disputa para prefeito foi regida pelo sistema majoritário de turno único. Nosso primeiro passo foi justificar por que prefeitos, mesmo atuando em Câmaras Municipais com poucos membros, também dependem de cooperação. Argumentamos ainda, que, por isso, prefeitos enfrentam um problema de coordenação e que, uma maneira de atenuá-lo consiste em firmar acordos pré-eleitorais. Isto feito, apresentamos, de forma descritiva, os incentivos e obstáculos conferidos pelo sistema político para a formação de coligações. Assim, exploramos a oferta eleitoral de vereadores, as coligações estabelecidas nas disputas para prefeito, o total de partidos que conquistou cadeiras para vereador e o total de partidos que elegeu vereador num município onde não o fez na eleição anterior. Com isso, demonstramos as consequências do arranjo institucional que abrange nossa pesquisa, marcado por um alto número de possíveis aliados, tanto eleitoral quanto para formar o governo.

Dado este pano de fundo, focamos, ainda descritivamente, na nossa variável dependente, qual seja, a porcentagem de cadeira conquistada pela coligação do prefeito eleito. Em seguida, analisamos os resultados de uma regressão linear multivariada para testar nossas hipóteses. Nessa etapa, utilizamos como variável independente o número de partidos que compôs a coligação do prefeito eleito. Testamos também a possibilidade de o apoio governativo ser conquistado a partir do efeito coattail. Para tanto, consideramos a margem de voto que o prefeito eleito impôs ao segundo colocado5 5 . Vasquez (2016) utilizou essa razão de votação como uma das formas de medir o grau de competitividade da disputa para prefeito. Nesse sentido, assumimos que quanto mais um candidato for competitivo em comparação ao(s) seu(s) adversário(s) nesses termos (consequentemente, quanto menor for a competitividade da disputa), maior deve ser o seu potencial para produzir efeito coattail naquele município. A medida mobilizada é convencionalmente chamada de marginality (Denver, Hands e MacAllister, 2003). também como variável independente. Quanto maior a margem, menos competitiva foi a disputa e, consequentemente, maior é o sucesso eleitoral da candidatura vencedora. Além disso, incluímos como variáveis de controle a força do partido do governador no município e a magnitude do distrito. Para testar se essas duas hipóteses são alternativas entre si, incluímos uma variável de interação entre número de partidos da coligação e margem de voto do prefeito eleito. Por fim, controlamos os efeitos de nossas hipóteses a partir dos prefeitos reeleitos, por representarem um grupo com alto potencial de boa popularidade entre os eleitores. Nesse caso, utilizamos um modelo de regressão linear de dois estágios, assumindo que a margem de voto de um prefeito eleito é impactada pelo fator reeleição.

Os resultados sugerem a confirmação de nossas hipóteses. Em primeiro lugar, o número de partidos coligados impacta de forma significativa o potencial de apoio legislativo obtido. Portanto, coligar-se a vários aliados parece ser uma estratégia reconhecida pelas candidaturas vencedoras do cargo majoritário. Em segundo, destacamos que os prefeitos eleitos com grande margem de voto tendem a conquistar amplo potencial de apoio legislativo. Além disso, ao analisar a interação dessa variável com o número de parceiros presentes na coligação não observamos efeito. Ou seja, combinar as duas características não aumenta a probabilidade de potencial de apoio legislativo para o prefeito eleito. Finalmente, ao instrumentalizar a margem de voto através da variável reeleição, demonstramos que o número de partidos na coligação perde efeito, ficando muito baixo e negativo, e que a margem de voto do prefeito continua tendo impacto sobre o potencial de apoio legislativo conquistado. Portanto, as coligações dos prefeitos eleitos com forte suporte eleitoral tendem a não incluir um número tão elevado de parceiros, ratificando que as duas estratégias são alternativas entre si.

O artigo está estruturado em mais quatro seções além desta. Na que segue, discutimos os problemas de coordenação com os quais os prefeitos lidam, mesmo aqueles que governam nas menores Câmaras. Logo após, abordamos como a literatura discute o impacto do sistema político na formação de coligações e em que medida esses acordos pré-eleitorais podem se estender para a arena governativa. Nessa seção, discutimos também a questão do efeito coattail. Feito isso, apresentamos nossa seção empírica, analisando os resultados nela expostos. Por fim, fazemos algumas considerações finais sobre as consequências de nossos principais resultados, algumas limitações da pesquisa e possibilidades que se abrem a partir da mesma.

PREFEITOS E VEREADORES: COORDENANDO PREFERÊNCIAS

As Câmaras de Vereadores, como qualquer Casa legislativa, consistem em grupos de pessoas. Conforme destacam Shepsle e Bonchek (1997)SHEPSLE, Kenneth A.; BONCHEK, Mark S. (1997), Analyzing politics: rationality, behavior, and institutions. New York: W. W. Norton & Company., mesmo grupos de indivíduos que se reúnem em prol de interesses comuns são compostos por pessoas que não possuem a mesma preferência em todas as questões. Tais diferenças são ainda mais acentuadas em casos como os de Legislativos, pois seus membros não necessariamente se juntam para alcançar interesses compartilhados. Ao invés disso, tendem a representar preferências distintas que refletem a diversidade da população. Isso ocorre mesmo nas menores Câmaras Municipais, uma vez que, entre os vereadores, cada um é motivado por uma combinação particular de objetivos que visam tanto agradar seus apoiadores quanto auxiliar a conquistar suas metas pessoais. Assim, se todo vereador agir individualmente, justamente pela heterogeneidade de objetivos, nenhum deles terá êxito. Afinal, a falta de cooperação gera uma série de entraves para a execução de objetivos individuais como a falta de consenso em torno de prioridades (maiorias cíclicas), conflitos de influência e interesse entre legisladores, dado o papel relativamente igualitário que possuem dentro das Casas municipais e ruídos de informação, graças à falta de incentivo para compartilhar informações privadas ou para não enviesá-las (Shepsle e Bonchek, 1997SHEPSLE, Kenneth A.; BONCHEK, Mark S. (1997), Analyzing politics: rationality, behavior, and institutions. New York: W. W. Norton & Company.). Portanto, cooperação é essencial para que vereadores executem inclusive seus objetivos individuais.

A falta de cooperação dentro de um grupo pode ser solucionada por instituições, liderança e coordenação (Shepsle e Bonchek, 1997SHEPSLE, Kenneth A.; BONCHEK, Mark S. (1997), Analyzing politics: rationality, behavior, and institutions. New York: W. W. Norton & Company.). Nos municípios, dada a relevância do prefeito no que tange às atividades políticas, esse ator detém o posto institucional que fornece condições para que lidere e coordene a Casa legislativa, incentivando a cooperação dos vereadores. Por outro lado, o prefeito, assim como os vereadores, possui seus próprios objetivos e, como depende de cooperação para alcançá-los, mesmo sendo o líder coordenador do município, em última instância, depende dos membros da Casa para implementar sua agenda. Nesse sentido, os vereadores mantêm relativa ascendência sobre o prefeito, pois ele teria enorme dificuldade de agir sem a cooperação dos mesmos. Portanto, se o prefeito não contar com uma maioria de apoiadores, suas ações correm o risco de não serem respaldadas pela vereança. Em casos extremos como a cassação de mandato, a própria posição de prefeito depende desse apoio.

Garcia (2013)GARCIA, Joice Godoi. (2013), Executivo e Legislativo no âmbito municipal: a formação de gabinetes no município de São Paulo (1989-2012). Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo). Fundação Getúlio Vargas, São Paulo. destaca que os vereadores são diretamente responsáveis por atos de legislação, fiscalização, controle, julgamento e administração. Assim, eles atuam em atividades que dizem respeito à agenda do Executivo, ao funcionamento procedimental da Câmara e à própria sobrevivência do prefeito, se considerarmos as funções de fiscalização, controle e julgamento. Pessoa (2019PESSOA, Bruno Martins. (2019), Por que caem? o fenômeno da cassação de prefeitos pelas Câmaras Municipais. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo.:84), ao analisar processos de cassação de mandato de prefeito em municípios paulistas entre 1993 e 2012,6 6 . O autor analisou 335 municípios durante o período descrito. Em 34,3% houve processo de cassação de mandato instaurado e, em 17,3%, o processo resultou em prefeito cassado (Pessoa, 2019:94). demonstra que quanto maior é o apoio legislativo do prefeito, medido através da porcentagem de cadeiras conquistada por vereadores da sua coligação eleitoral, menor é a probabilidade de que sofra um processo de cassação. Além disso, dentre os prefeitos que sofrem processo de cassação, a maior chance de permanecer prefeito, isto é, de que não seja cassado, ocorre dentre aqueles que possuem maior apoio legislativo (Pessoa, 2019PESSOA, Bruno Martins. (2019), Por que caem? o fenômeno da cassação de prefeitos pelas Câmaras Municipais. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo.:88). Em suma, considerando o impacto das atividades rotineiras dos vereadores na agenda do prefeito e a sua importância para a sobrevivência em casos de cassação, fica patente como o prefeito ao mesmo tempo em que lidera e coordena os vereadores, também depende dos mesmos para o sucesso do seu mandato.

Essa situação apresenta um dilema ao prefeito. Por um lado, precisa direcionar a sua agenda a fim de promover suas próprias preferências. Por outro, precisa do apoio de vereadores para essa implementação, os quais não necessariamente possuem os mesmos interesses que o líder do Executivo. Consequentemente, o prefeito precisa dar especial atenção à distribuição de preferências entre seus aliados. Quanto mais as preferências forem próximas à dele, melhor. Ainda, quanto menos distintas as preferências forem entre o grupo de vereadores aliados, menor será o esforço de negociação de conquista de apoio e manutenção deste suporte. Dado esse arranjo, duas situações podem favorecer o prefeito no processo de liderança e coordenação. Em primeiro lugar, o prefeito contar com vereadores com os quais já firmou um acordo de cooperação anteriormente. Como a coligação é um acordo oficial, espera-se que isso ocorra majoritariamente com aqueles que compuseram sua base formal de apoio eleitoral. Em segundo, dentre os seus apoiadores, é preferível que o prefeito lide com a menor variação de preferências possível. Tomando o partido do vereador como indicativo de sua preferência, para reduzir desgastes de negociação na implementação de sua agenda, o prefeito estará mais confortável quanto menor for o número de partidos que compõe a sua base aliada.

COLIGAÇÃO PARA PREFEITO E POTENCIAL DE APOIO DOS VEREADORES

Um prefeito eleito almeja que seu apoio legislativo seja constituído por vereadores cuja preferência política seja a mais próxima possível à sua e não tão variada entre eles. Portanto, um cenário ideal é conformado quando seu próprio partido é capaz de constituir seu apoio legislativo. Contudo, essa configuração é rara em ambientes fragmentados como as Câmaras de Vereadores brasileiras. Por isso, os prefeitos recorrem a vereadores de outros partidos, cujas preferências tendem a ser distintas das dele e entre si, na medida em que mais partidos o apoiam. Cientes dessa condição desde o momento eleitoral, os candidatos a chefe do Executivo costuram esses acordos já nessa etapa, através de coligações. Afinal, dado que, se eleito, se relacionará com um Legislativo fragmentado, é interessante ter seus acordos minimamente estabelecidos assim que iniciar seu mandato.

Nessa dinâmica, dois eventos se combinam: a competição pela vereança e a disputa para prefeito. No primeiro, a fragmentação no Legislativo é gerada; no segundo, estabelecem-se os primeiros passos para que o Executivo coordene o governo diante da fragmentação gerada no anterior. Portanto, ainda que sejam fenômenos separados e que estabelecem mandatários de cargo público para dois poderes distintos, eles se interseccionam na medida em que o prefeito eleito almeja que seus aliados no majoritário obtenham o maior sucesso possível na disputa proporcional. Ou seja, a relação entre os partidos coligados na disputa majoritária não se encerra no momento eleitoral, pois a fragmentação gerada no Legislativo impacta na forma como o prefeito eleito coordenará seu governo. Consequentemente, as alianças eleitorais impactarão, em última instância, na própria agenda implementada pela gestão eleita (Ibenskas, 2016IBENSKAS, Raimondas. (2016), “Understanding pre-electoral coalitions in Central and Eastern Europe”. British Journal of Political Science, vol. 46, no 4, pp. 743-761.:743).

Além de se interseccionarem, através de seus resultados, as regras estabelecidas para as duas disputas nos municípios brasileiros (majoritário de turno único para prefeito e proporcional de lista aberta com possibilidade de coligação para vereador) retroalimentam o arranjo. A eleição majoritária, caracterizada pela sua desproporcionalidade, tem potencial para aumentar os incentivos para a formação de coligações. No entanto, ela não é uma condição suficiente. Para que efetive sua potencialidade, é preciso que haja um número satisfatoriamente alto de partidos disponíveis para se coligar (Golder, 2005GOLDER, Sona. (2005), “Pre-electoral coalitions in comparative perspective: a test of existing hypotheses”. Electoral Studies, vol. 24, no 4, pp. 643-663.:649). Tal condição é garantida pela disputa proporcional, ao propiciar uma quantidade elevada de possíveis parceiros (Kinzo, 2004KINZO, Maria D’Alva. (2004), “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 19, no 54, pp. 23-40.:33).

O incentivo gerado pela desproporcionalidade é especialmente sensível no sistema majoritário de turno único, no qual poucos candidatos participam das disputas (Duverger, 1970DUVERGER, Maurice. (1970), Os partidos políticos. Rio de Janeiro: Zahar.; Cox, 1997COX, Gary W. (1997), Making votes count: strategic coordination in the World’s Electoral Systems. Cambridge: Cambridge University Press.). Pela regra da maioria simples, cada eleitor deposita um único voto e o candidato com mais voto vence o pleito. Nesse tipo de disputa, do ponto de vista do resultado eleitoral, existem duas maneiras de se desperdiçar um voto: votando em algum candidato sem nenhuma chance ou votando em um candidato superfavorito. Esses votos são considerados um “desperdício”, pois nenhum deles é capaz de alterar o vencedor do pleito. Uma vez que os eleitores medianos buscam evitar esse desperdício (Cox, 1997COX, Gary W. (1997), Making votes count: strategic coordination in the World’s Electoral Systems. Cambridge: Cambridge University Press.:32), geralmente, nenhum candidato recebe a ampla maioria dos votos e tampouco um terceiro candidato é competitivo. Isso incentiva a presença de somente dois candidatos viáveis nesse sistema. Isto é, os partidos respondem ao obstáculo não apresentando candidatos onde não se consideram suficientemente competitivos.

O sistema majoritário de turno único reduziria o número de partidos no sistema como um todo, não fosse a possibilidade de competir para outros cargos eletivos. Nos municípios brasileiros, isso se concretiza nas disputas para vereador. Segundo Kinzo (2004KINZO, Maria D’Alva. (2004), “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 19, no 54, pp. 23-40.:33), ao combinar sistema proporcional de lista aberta e possibilidade de coligação, essas eleições geram fortes incentivos à fragmentação legislativa7 7 . Peres e Lenine (2017:66) argumentam que “a fragmentação partidária não é provocada apenas pelas coligações eleitorais, mas também por outros dispositivos do sistema eleitoral, como a facilidade de se criarem partidos, a permissão para migração de políticos entre os partidos sem perda de mandato quando se trata da adesão a uma nova legenda, a concessão de proporções do fundo partidário e do tempo eleitoral na mídia”. . A autora argumenta que partidos grandes se coligam em eleições majoritárias para ampliar sua chance de sucesso eleitoral. Em contrapartida, cedem espaço aos partidos pequenos em coligações formadas em eleições proporcionais, o que torna as disputas mais competitivas, inclusive para o próprio partido grande, resultando em alta fragmentação (Kinzo, 2004KINZO, Maria D’Alva. (2004), “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 19, no 54, pp. 23-40.:33).

Como resultado, cada candidatura para prefeito tem um amplo portfólio de possíveis parceiros, em função da alta oferta partidária no Legislativo. A combinação entre a regra da maioria simples e o sistema proporcional de lista aberta com possibilidade de coligação faz com que poucos partidos disputem a prefeitura, mas que vários concorram à vereança. Dentro desse universo, candidatos à prefeitura buscam apoio de vários partidos por dois motivos. Em primeiro lugar, devido ao elevado número de partidos que conquista cadeiras para vereador; em segundo, por considerar que, quem não for seu aliado, poderá se coligar com uma candidatura concorrente. Desse modo, a fragmentação aumenta a competição no Legislativo e também a incerteza quanto à formação do possível governo (Ibenskas, 2016IBENSKAS, Raimondas. (2016), “Understanding pre-electoral coalitions in Central and Eastern Europe”. British Journal of Political Science, vol. 46, no 4, pp. 743-761.). Isso nos leva à seguinte hipótese: quanto maior for a coligação majoritária do prefeito eleito, maior será o seu potencial de apoio legislativo.

Contudo, a opção de se coligar com muitos parceiros tende a aumentar a dificuldade de coordenação para o prefeito. Assim, sempre que possível, candidaturas para prefeito adotarão outra estratégia, que não necessariamente demande acordo com um número tão variado de preferências políticas. Diante disso, uma possível solução se configura quando a candidatura do prefeito conta com amplo suporte eleitoral. Candidatos fortes eleitoralmente na eleição para o Executivo podem trazer votos para seus parceiros na disputa legislativa e, desse modo, conquistar apoio na Câmara, sem necessariamente se coligar com um número elevado de partidos. Esse fenômeno de transferência de votos configura o efeito coattail8 8 . O termo coattail refere-se às abas traseiras de um fraque que, por serem compridas, acabam por levar objetos ao se mover (Soares, 2013:434). , isto é, quando um candidato ao Executivo é capaz de influenciar eleitoralmente o desempenho de seus apoiadores que disputam vaga no Legislativo.

Para que o efeito coattail ocorra, a disputa para o cargo do Executivo deve ser a mais relevante do contexto, pois a transferência de voto ocorre a partir desta eleição em direção à disputa para o Legislativo. Além disso, é preciso que haja um candidato eleitoralmente forte disputando o cargo do Executivo. Ou seja, alguém capaz de angariar muito mais votos do que seus adversários. Paralelamente, os aliados desse candidato, ao concorrerem na arena legislativa, precisam ser capazes de associar suas imagens à dele9 9 . Tal prática é inclusive reconhecida por políticos. Em entrevista concedida para Samuels (2000), por exemplo, André Franco Montoro afirmou que “[um] deputado tende a querer se inserir em algo maior, além de associar-se à uma campanha eleitoral para o cargo Executivo”, São Paulo, 13/3/1997 (Samuels, 2000:242; tradução nossa). . Por fim, dado que o cargo do Executivo é o principal na eleição, que existe um candidato forte nessa disputa e que seus parceiros se associaram à sua imagem ao concorrerem para o Legislativo, os eleitores precisam de incentivos para captar essa associação e utilizá-la como atalho informacional ao decidirem seus votos (Samuels, 2000SAMUELS, David. (2000), “The gubernatorial coattails effect: federalism and congressional elections in Brazil”. The Journal of Politics, vol. 62, no 1, pp. 240-253.).

No Brasil, as eleições para cargos no Executivo mobilizam maiores recursos e apresentam-se com projeção e interesse maiores frente ao eleitorado, quando comparadas às competições aos cargos legislativos (Soares, 2013SOARES, Márcia Miranda. (2013), “Influência majoritária em eleições proporcionais: os efeitos presidenciais e governatoriais sobre as eleições para a Câmara dos Deputados Brasileira (1994-2010)”. DADOS – Revista de Ciências Sociais, vol. 56, no 2, pp. 413-437.). Tal fator torna-se ainda mais pronunciado nas disputas municipais, uma vez que ocorrem em data distinta às eleições estaduais e nacionais. Portanto, há apenas um cargo Executivo em disputa capaz de exercer o efeito coattail para o Legislativo municipal. Conforme destaca Shugart (1995)SHUGART, Matthew Soberg. (1995), “The electoral cycle and institutional sources of divided presidential government”. American Political Science Review, vol. 89, no 2, pp. 327-343., o efeito coattail tende a ser mais significativo em eleições com datas semelhantes. Mais: é o próprio município que delimita seu distrito eleitoral, o que aumenta a probabilidade de os candidatos a prefeito influenciarem seus eleitores também na disputa legislativa10 10 . Alguns estudos destacam a maior importância dos candidatos a governadores frente aos seus eleitores, em comparação aos candidatos à Presidência, justamente porque o governador é reconhecido como uma figura mais local e, portanto, de maior influência sobre o eleitor (Abrucio, 1998; Samuels, 2000, 2003). O mesmo paralelo pode ser feito aos candidatos à prefeito, isto num cenário ainda mais local do que o estadual. .

Por fim, dada a alta fragmentação da disputa legislativa, o eleitor buscará atalhos informacionais para decidir seu voto. Kinzo (2004)KINZO, Maria D’Alva. (2004), “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 19, no 54, pp. 23-40. destaca que a alta fragmentação partidária no Brasil vem acompanhada de uma baixa inteligibilidade do sistema partidário por parte do eleitor. Segundo a autora: “torna-se difícil para o eleitor identificar e distinguir os partidos em disputa: são muitos os partidos, muitas as alianças eleitorais, cuja composição varia de um lugar para o outro e de uma eleição para outra” (Kinzo, 2004KINZO, Maria D’Alva. (2004), “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 19, no 54, pp. 23-40.:33). Nesses cenários de pouca inteligibilidade, atalhos informacionais podem ser ainda mais preponderantes na decisão do eleitor do que em contextos nos quais a diferenciação partidária é mais nítida. Afinal, diante de um universo de opções cujas diferenciações não são óbvias, é razoável que o eleitor opte por um candidato no Legislativo cuja imagem esteja associada a alguém que ele conhece melhor na disputa do Executivo. Esta sim, com bem menos opções e, consequentemente, mais nítida.

Em suma, o cargo do Executivo prevalece nas eleições brasileiras como o mais relevante e seu potencial de influenciar a disputa para o Legislativo encontra um arranjo favorável nas eleições municipais. Ao mesmo tempo, dada a baixa nitidez das disputas legislativas, o eleitor tenderá a mobilizar atalhos informacionais para decidir seu voto nas eleições. Assim, o próprio arranjo das eleições municipais configura um terreno fértil para que o efeito coattail ocorra. A partir disto, formulamos a nossa hipótese alternativa: quanto melhor for o desempenho eleitoral da candidatura eleita para prefeito, maior tende a ser seu potencial de apoio legislativo.

FRAGMENTAÇÃO LEGISLATIVA E SUCESSO ELEITORAL DA COLIGAÇÃO MAJORITÁRIA

Nossa primeira tarefa nesta seção é demonstrar empiricamente o arranjo que descrevemos anteriormente. Para tanto, mostraremos que há muitos partidos disputando as vagas para vereador e, em alguma medida, conquistando cadeiras. Apontaremos também que isso ocorre paralelamente à presença de vários partidos nas coligações majoritárias. Os dados, obtidos no Repositório Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), abrangem as eleições municipais ocorridas entre 2000 e 2016 e todos os municípios nos quais as disputas para prefeito ocorreram obrigatoriamente em turno único.

Ao longo dos anos, as disputas para vereador nos municípios brasileiros passaram a contar com candidatos oriundos de um número cada vez maior de partidos. O aumento no número de partidos competidores conforma o primeiro passo para o aumento da fragmentação nas Câmaras Municipais. Afinal, se os novos competidores forem viáveis, isto é, se forem capazes de competir de fato pelo voto dos eleitores, a tendência é que, em eleições proporcionais, mais partidos conquistem cadeiras. Para demonstrar a ampla participação dos partidos nas disputas legislativas municipais, além de seu crescimento ao longo do tempo, elaboramos o Gráfico 1. Nele é possível observar o comportamento agregado da quantidade de partidos que apresentaram candidato a vereador no município.

Gráfico 1
Box-plot, no de partidos com candidato a vereador por município (2000-2016)

Conforme pode ser visto no Gráfico 1, desde o começo da série analisada, sempre houve um número alto de partidos disputando as eleições proporcionais locais. Mais do que isso, entre 2000 e 2016 ocorreu um aumento agregado a cada eleição. Máximos, mínimos e medianas subiram durante toda a série, o que demonstra que cada vez mais partidos apresentaram candidatos para vereador nos municípios. Isso demonstra que essas disputas sempre tiveram um potencial alto de competitividade eleitoral e que essa característica se tornou mais acentuada ao longo do tempo.

Para verificar em que medida essa potencial competitividade se efetivou na composição das Câmaras de Vereadores, investigamos também o mesmo comportamento em termos de resultado eleitoral. Isso nos forneceu um primeiro olhar sobre o grau de fragmentação do Legislativo municipal, uma das principais características institucionais a estruturar o nosso argumento. Para aferir tal informação, analisamos quantos partidos elegeram vereador nos municípios. Assim, o Gráfico 2 apresenta o comportamento agregado dos municípios brasileiros em termos de quantidade de partidos que elegeu pelo menos um de seus candidatos na disputa para vereador.

Gráfico 2
Box-plot, no de partidos com vereador eleito por município (2000-2016)

Mantivemos a mesma escala do gráfico anterior11 11 . Adotamos a mesma estratégia para o Gráfico 4. , para chamar atenção ao fato de que o número de partidos que disputa a eleição é bem superior ao que se elege. No entanto, mesmo isso não impede um cenário de avanço de fragmentação. O perfil do Gráfico 2 é semelhante ao observado no Gráfico 1, mas com tendência de aumento mais suavizada. Nesse sentido, de 2000 a 2016, houve acréscimo agregado pleito a pleito, e desde a primeira eleição da série há fragmentação nos Legislativos municipais. As informações fornecidas pelos gráficos 1 e 2 demonstram que há um elevado número de partidos nas eleições proporcionais locais e que essa quantidade se eleva ano após ano. Esse aumento ocorre com a entrada de alguns competidores viáveis, acarretando também um acréscimo no número de partidos com vereadores eleitos nos municípios e, consequentemente, na fragmentação partidária nas Câmaras de Vereadores.

Para ratificar que esse arranjo gera um aumento na competição eleitoral, analisamos em que medida partidos que não elegeram vereador em uma dada eleição conquistaram alguma cadeira na disputa seguinte. De acordo com Caramani (2003)CARAMANI, Daniele. (2003), “The end of silent elections: the birth of electoral competition, 1832-1915”. Party Politics, vol. 9, no 4, pp. 411-443., a alternância partidária no poder é uma das formas de se verificar o quão aberta é uma eleição, isto é, o quão competitiva é a disputa. Afinal, quanto mais partidos forem capazes de oferecer candidaturas viáveis, mais competitivas tendem a ser as eleições. Para esta análise, comparamos os partidos dos vereadores eleitos entre os pares eleitorais. Assim, comparamos 2004 com 2000, 2008 com 2004, 2012 com 2008 e 2016 com 2008. Os resultados de entrada na Câmara de partidos que não elegeram vereador na eleição anterior estão expostos no Gráfico 3 a seguir.

Gráfico 3
Box-plot, no de partidos com vereador eleito por município que não conquistou vaga na disputa anterior (2000-2004 a 2008-2016)

O Gráfico 3 permite afirmar que a entrada de partidos que não tinham conquistado cadeira na eleição anterior aumentou com o passar do tempo, mais especificamente, em 2012 e 2016. Destacamos que, em 2012, há um aumento no terceiro quartil entre esses valores nos municípios e, em 2016, cresce o valor da mediana. Isso aponta para disputas para vereadores cada vez mais competitivas, nas quais o total de partidos que conquista pelo menos uma vaga nos municípios aumentou com o passar das eleições. Ou seja, apesar do aumento da fragmentação das Câmaras não ter a mesma proporção do aumento da fragmentação em termos de candidaturas, o mesmo ocorre e com tendência de ampliação ao longo dos anos, como sugerem os gráficos 2 e 3.

O aumento da fragmentação num dado município pode interferir na estratégia partidária em dois âmbitos: eleitoral e governativo. Do ponto de vista eleitoral, a interferência afeta não só a estratégia dos partidos nas disputas legislativas em si, mas, como argumentamos na seção anterior, extrapola as disputas majoritárias. Um partido que oferece candidato para prefeito pode fazê-lo se coligando a outros partidos. Assim, quanto mais partidos estiverem presentes no município, maiores serão as opções de parceiros para quem for concorrer à prefeitura. Para verificar, em termos agregados, como a alta fragmentação, bem como seu aumento, se reflete nas coligações para prefeito, analisamos o tamanho das coligações firmadas por todos os partidos que conquistaram prefeitura em municípios regidos por turno único no Brasil entre 2000 e 2016. Para tanto, elaboramos o Gráfico 4, no qual é possível observar o comportamento agregado de todas as coligações dos prefeitos eleitos em termos de quantidade de partidos que firmaram o acordo pré-eleitoral.

Gráfico 4
Box-plot, no de partidos nas coligações dos prefeitos eleitos (2000-2016)

Pelo Gráfico 4, observa-se que, desde o início da série, montar coligação é a estratégia dominante das candidaturas que elegem prefeito. Além disso, entre 2000 e 2012, houve um aumento agregado, a cada eleição, no número de partidos que compunham as coligações majoritárias vencedoras. Por outro lado, cabe destacar que o perfil das eleições de 2012 e 2016 é muito semelhante, sugerindo um possível esgotamento de incrementos nos tamanhos das coligações. Porém, apesar da estagnação entre 2012 e 2016, observa-se, até o período, um aumento nas medianas e nos quartis superiores. Isso demonstra que, em geral, as coligações que elegem os prefeitos no Brasil foram compostas por um número cada vez maior de partidos. A tendência ocorre ao mesmo tempo em que aumenta a fragmentação dos Legislativos municipais. Uma possível explicação para essa correspondência é que, com mais partidos elegendo vereadores, talvez seja necessário negociar com cada vez mais preferências distintas para viabilizar um governo, ainda que um limite parece ter se estabelecido em 2012.

Ao se fechar acordo com um número maior de partidos, o grau de heterogeneidade em termos de preferência política da coligação tende a ser cada vez maior. A situação oferece um dilema entre viabilizar a eleição (maior facilidade com mais parceiros eleitorais) e viabilizar o governo (maior dificuldade de coordenar o grupo de vereadores apoiadores). Porém, se pelo menos a maioria legislativa essas alianças garantirem ao prefeito, um primeiro passo importante para tocar a sua agenda terá sido dado. A partir disso, apresentamos nossa variável dependente. Como citado, tomamos como indicador de potencial de apoio legislativo nos municípios brasileiros, cujas eleições para prefeito são obrigatoriamente decididas em turno único, a porcentagem de vereadores que a coligação majoritária vencedora conquistou. Para descrevermos o comportamento agregado dessa variável, recorremos novamente ao box-plot, apresentado no Gráfico 5, em que distribuímos a porcentagem de cadeiras que a coligação do prefeito eleito conquistou ao longo da série analisada.

Gráfico 5
Box-plot, Porcentagem de cadeiras conquistada pela coligação dos prefeitos eleitos (2000-2016)

Em todas as eleições analisadas no Gráfico 5, a distribuição do apoio legislativo se concentra acima de 40% e abaixo de 70%. A maior parte dos casos se estabelece acima de 50%, caracterizando maioria entre os vereadores eleitos. Chama atenção a estabilidade do perfil agregado ao longo dos pleitos. Quartis, medianas, máximos, mínimos, enfim, praticamente todas as medidas-resumo permanecem estáveis nas cinco disputas. Isso ocorre ao mesmo tempo em que há um aumento de partidos concorrendo à vereança, conquistando cadeiras nos Legislativos locais e participando das coligações dos prefeitos eleitos. Ou seja, a manutenção de padrão observado no referido gráfico ocorre simultaneamente a um aumento do número de partidos como um todo na esfera proporcional, sugerindo que as candidaturas dos prefeitos precisam recorrer a um número de preferências políticas cada vez mais distintas para vencer as eleições e construir apoio legislativo.

Os dados descritivos sugerem um pragmatismo das candidaturas que elegem prefeitos no Brasil. Para essas candidaturas, o custo de se coligar com um número alto de partidos compensaria em função da dificuldade de se estabelecer apoio legislativo diante da fragmentação resultante da disputa proporcional. Por outro lado, o custo pode ser reduzido quando o próprio prefeito eleito é capaz de proporcionar parte do seu suporte legislativo através do efeito coattail. Em busca de ratificar esse argumento, precisamos verificar quais variáveis têm a maior probabilidade de impactar no apoio legislativo que o prefeito eleito recebe logo ao iniciar o seu mandato. Para tanto, mobilizamos uma regressão linear com as variáveis detalhadas na sequência. Os resultados da regressão seguem na tabela após a apresentação das variáveis.

Variável dependente: potencial_apoio_legislativo – porcentagem de cadeiras conquistada pelos partidos presentes na coligação majoritária que elegeu o prefeito no município;

potencial_apoio_legislativo = 100 ( n cadeiras obtidas pela coligaça majoritária n 0 cadeiras disponivel no municipio )

Variável independente: partidos_coligação – quantidade de partidos que compôs a coligação majoritária que elegeu o prefeito no município. Dada a competitividade das eleições proporcionais e a fragmentação que se origina dela, as candidaturas dos prefeitos eleitos se coligam com um número alto de partidos em busca de sucesso eleitoral, mas também de apoio legislativo para um futuro governo (Ibenskas, 2016IBENSKAS, Raimondas. (2016), “Understanding pre-electoral coalitions in Central and Eastern Europe”. British Journal of Political Science, vol. 46, no 4, pp. 743-761.);

Variável independente alternativa: margem_voto – assumimos que quanto menos competitiva tiver sido a disputa para prefeito, maior será a probabilidade do efeito coattail ocorrer naquele município. Assim, quanto maior for a diferença de votos, menor será a razão entre a votação do segundo e o primeiro colocado. Consequentemente, maior será o resultado da equação a seguir, que pode variar entre valores de 0 a 100;

margem_voto = 100 ( 1 total de votos 2 colocado total de votos 1 colocado )

Variável interacional: coligação_x_margem – obtida a partir da multiplicação das duas variáveis independentes anteriores. Visa verificar se candidatos que acumulam muitos parceiros na coligação e amplo sucesso eleitoral têm ainda maior possibilidade de conquistar alto potencial de apoio legislativo;

Variável controle 1: governador – dividida em quatro dummies categóricas, estabelecidas em função do partido do governador: (1) apoia uma candidatura derrotada na disputa para prefeito; (2) é cabeça de chapa de uma candidatura derrotada; (3) apoia a candidatura vencedora; e (4) encabeça a candidatura vencedora. As categorias têm como referência quando o partido do governador não está envolvido na disputa. Segundo Dantas (2007)DANTAS, Humberto. (2007), Coligações em Eleições Majoritárias Municipais: A Lógica do Alinhamento dos Partidos Políticos Brasileiros nas Disputas de 2000 e 2004. Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo., o Executivo nacional e estadual influenciam nas candidaturas locais, através de recursos que transferem aos municípios. Desse modo, as candidaturas vinculadas ao partido do governador têm maior chance de sucesso eleitoral;

Variável controle 2: magnitude – número de cadeiras para vereador em disputa no município no qual a coligação majoritária elegeu o prefeito. Conforme Nicolau (1996)NICOLAU, Jairo. (1996), Multipartidarismo e democracia: um estudo sobre o sistema partidário brasileiro, 1985-94. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas., a magnitude do distrito é uma das principais determinantes para um partido se coligar ou não12 12 . A outra determinante seria o porte do partido, sendo que a classificação de grande ou pequeno se estabelece pelo alto ou baixo potencial de se atingir o quociente eleitoral a fim de conquistar uma cadeira legislativa. .

Os resultados apresentados na Tabela 1 apontam para a ratificação de nossas hipóteses, pois o coeficiente do número de partidos na coligação e da margem de votos do prefeito eleito, que representa o efeito coattail, são estatisticamente significativos e positivos. Além disso, os coeficientes gerados pela regressão para as variáveis de controle também são significativos, considerado um intervalo de confiança de 95%. A magnitude do distrito dificulta a conquista do potencial de apoio legislativo, ou seja, quanto maior a magnitude, menor tende a ser o tamanho do potencial de suporte. Além disso, ter o partido do governador na chapa do prefeito eleito, como cabeça ou apoiador, aumenta o tamanho do potencial de apoio legislativo.

Tabela 1
Regressão Linear Multivariada – apoio legislativo

Como as medidas-resumo de nossas variáveis independentes são bastante distintas13 13 . Para se ter uma ideia da diferença, basta compararmos os máximos e os mínimos das variáveis independentes mobilizadas: partidos_coligação varia entre 1 e 23 e margem_voto, entre 0 e 100. , não basta comparar o valor dos coeficientes para concluir sobre o grau de seus impactos. Nesse sentido, precisamos analisar o impacto das duas variáveis independentes no apoio legislativo e interpretar os resultados. Para cumprir esse objetivo, elaboramos mais dois gráficos, nos quais estimamos os valores preditos da variável dependente, alterando apenas os valores das duas variáveis independentes, uma em cada gráfico, mantendo as demais variáveis fixas em suas médias.

Gráfico 6
Valores preditos do potencial de apoio legislativo, variável partidos_coligação: 10o percentil, 1o quartil, mediana, 3o quartil e 90o percentil

Os dados indicam que os valores sobem de 49% de potencial de apoio legislativo para números pequenos de partidos nas coligações majoritárias vencedoras na disputa para prefeito para 57%, quando consideramos o 3o quartil. Considerando que a maioria da Câmara seria conquistado com mais de 50% das vagas, as parcerias nas coligações podem ser fundamentais para conquistar essa margem. Afinal, não conquistar esses assentos indica que a oposição os conquistou, gerando obstáculos para a implementação da agenda do prefeito. Por outro lado, quantos mais parceiros o prefeito tiver, mais preferências distintas ele coordenará. Uma forma de facilitar a coordenação, seria o prefeito eleito ser capaz de aumentar o potencial de apoio legislativo contando com o efeito coattail, a partir de sua popularidade eleitoral. Isso pode ser observado no Gráfico 7 a seguir.

Gráfico 7
Valores preditos do potencial de apoio legislativo, variável margem_voto: 10o percentil, 1o quartil, mediana, 3o quartil e 90o percentil

A partir desses resultados, observamos que prefeitos eleitos com margem de voto ampla, na ordem de 6014 14 . Para atingir o valor de 60, a votação do primeiro colocado precisa ser 2,5 vezes maior do que a do segundo. Por exemplo, um prefeito hipotético eleito com 250 votos, veria o segundo colocado sucumbir com somente 100 votos. Conforme demonstrado por Vasquez (2016), estas situações são minoritárias nas disputas para prefeito no Brasil que, via de regra, são bastante acirradas. , assumem valores preditos de potencial de apoio legislativo na casa de 63%. No entanto, deve-se ressaltar que poucas candidaturas conseguem tal feito, pois o valor demarca o 90o percentil da amostra. Inclusive, há um salto de praticamente 40 para 60 no valor de margem_voto entre o 3o quartil (25% maiores resultados da amostra) para o 90o percentil (10% maiores resultados). Isso, ratificado pelo aumento das inclinações das retas com o passar dos intervalos, indica que, embora haja impacto da margem_voto no potencial de apoio legislativo, são poucas as candidaturas que podem gozar de valores altos nesse quesito.

Confirmadas as duas hipóteses, resta demonstrar que ambas conformam estratégias alternativas entre si. Nessa direção, destacamos, inicialmente, que o coeficiente da variável interacional não possui significância estatística – considerando intervalo de confiança de 95% – e tem valor negativo e muito próximo a zero. Isto é, um candidato coligado a vários partidos e que possui grande sucesso eleitoral não aumenta suas chances de ter um maior potencial de apoio legislativo se comparado a algum que possua somente um dos dois atributos. Contudo, para ratificar essa dinâmica, devemos demonstrar que candidatos cientes de sua força eleitoral optam majoritariamente pela estratégia do efeito coattail. Nosso argumento é que, com a proximidade dos candidatos a prefeito com os eleitores de seus distritos, eles conseguem ter uma boa dimensão de sua popularidade já no momento em que estabelecem a candidatura. Um grupo que possui essa informação de forma privilegiada são os prefeitos reeleitos, pois já estavam nessa condição institucional no momento da disputa e podem utilizar a avaliação, mesmo que informal, de seu governo para aferir o tamanho de sua popularidade. Portanto, para testar nosso argumento, controlamos a margem de voto do prefeito eleito a partir da situação de ser ou não reeleito.

Para tanto, consideramos que a condição de reeleito é uma variável que interfere na margem de voto que o primeiro colocado impõe ao segundo, isto é, prefeitos reeleitos tendem a vencer a eleição com margem de voto superior quando comparado aos demais. Com isso em tela, elaboramos uma regressão linear de dois estágios. No primeiro, regredimos a variável margem_voto em função da variável reeleito15 15 . Para definir os reeleitos, tomamos como referência o título de eleitor do prefeito e o município para o qual foi eleito. Quando os dois dados se repetiam de uma eleição para outra, definia-se um prefeito reeleito. Como não temos os dados da eleição de 1996, desconsideramos, nesta análise, todos os prefeitos eleitos em 2000, pois não tínhamos como definir qual era reeleito ou não. , que assume valor 1 quando o prefeito foi reeleito e 0 quando não foi o caso. No segundo estágio, os valores preditos de potencial_apoio_legislativo foram calculados em função das variáveis partidos_coligação e margem_voto, a última já instrumentalizada no primeiro estágio. Apresentamos, na sequência, as equações de cada estágio, uma tabela com os resultados do modelo e uma figura contendo um gráfico com valores preditos do potencial de apoio legislativo do prefeito eleito para cada variável independente do último estágio.

margem_voto i = π 0 + π 1 , reeleito i + v i ( 1 ) potencial_apoio_legislativo i = β 0 + β 1 , margem_voto i + β 2 , partidos_coligação + μ i ( 2 )

Figura 1
Valores preditos do potencial de apoio legislativo a partir da regressão linear de dois estágios, margem_voto e partidos_coligação: 20o, 40o, 60o e 80o percentis

Antes de nos determos nos gráficos, cabe destacar que, conforme informam os resultados do 1o estágio, a variável reeleito impacta positivamente na margem de voto entre primeiro e segundo colocados. Afinal, conforme a Tabela 2, seu coeficiente é igual a 6,469 e possui significância estatística, considerando um intervalo de confiança de 95%. Esse efeito é essencial para a adequação de nosso modelo, pois confirma nossa premissa de que candidatos reeleitos tendem a ter maior margem de voto do que os demais. Quanto aos gráficos, confirmam que se coligar com muitos partidos ou apostar na transferência de votos a partir de sua popularidade são realmente estratégias alternativas entre os prefeitos eleitos. Afinal, quando controlamos por candidatos reeleitos, percebemos que a margem de voto continua impactando o potencial de apoio eleitoral conquistado pelo prefeito. Por outro lado, isso não ocorre em relação ao número de partidos da coligação. Esse fator apresenta efeito pequeno, com muita intersecção entre os intervalos de confiança dos valores preditos e com coeficiente negativo. Isto é, ainda que de forma muito suave e com sobreposição dos intervalos, ao levarmos em conta a situação dos prefeitos reeleitos, as menores coligações tendem a apresentar os maiores valores de potencial de apoio legislativo. Desse modo, é revelador que, dentre um grupo que tem condições privilegiadas de medir sua popularidade e de estimar tanto seu desempenho eleitoral quanto sua capacidade de transferência de voto para o Legislativo, a estratégia que prevalece é a de optar por essa transferência, ao invés de se aliar a um número elevado de partidos.

Tabela 2
Regressão linear de dois estágios

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo abordou as estratégias mobilizadas pelas candidaturas dos prefeitos eleitos para a obtenção de apoio legislativo nas Câmaras Municipais. A combinação da disputa local, que envolve a competição pelas cadeiras do Legislativo e a disputa majoritária em turno único para o cargo de prefeito, nos traz, no primeiro caso, a fragmentação partidária e, no segundo, o modo como as alianças são construídas para viabilizar o novo mandato. Dessa forma, assumimos que a relação entre partidos coligados e prefeito não tem limite eleitoral, tendendo a se estender para o exercício do governo.

Nossos resultados sugerem que o número de partidos coligados impacta de forma significativa o potencial de apoio legislativo obtido e que coligar-se com vários aliados é uma estratégia reconhecida pelas candidaturas vencedoras do cargo do Executivo. Mesmo com o aumento no número de partidos disputando e, em menor medida, conquistando os cargos de vereança, a proporção de potencial de apoio permanece quase a mesma durante todo o período analisado, sugerindo ser preciso se coligar com um número cada vez maior de partidos para se conquistar o mesmo potencial de apoio legislativo com o passar do tempo. A necessidade de se aliar a um número grande de partidos implica em coordenar preferências políticas heterogêneas entre si. Ou seja, os partidos que elegem prefeitos nos municípios brasileiros tendem a governar negociando com aliados cujas preferências são distintas, tornando mais difícil a coordenação dessas Câmaras.

Por outro lado, isso não precisa ser levado a cabo, caso o próprio candidato para prefeito seja capaz de conquistar parte do apoio legislativo através do efeito coattail. Interessante notar que isso ocorre a despeito do tamanho da coligação da qual o prefeito fez parte, conforme demonstramos controlando as análises a partir dos reeleitos, isto é, candidatos que possuem melhores informações sobre sua popularidade e sua capacidade de transferência de voto. Portanto, trata-se de maneiras alternativas de se obter apoio legislativo nos municípios.

Nosso artigo deu uma contribuição inicial para compreender quais fatores auxiliam o prefeito a governar com apoio legislativo, destacando o número de partidos na coligação majoritária e o efeito coattail como as principais características eleitorais que influenciam os primeiros passos da relação Executivo-Legislativo em âmbito municipal. Assim, colocamos em diálogo duas literaturas essenciais para nossa pergunta de partida: força eleitoral do prefeito, analisada pelo efeito coattail, e o impacto de regras eleitorais na formação de coligações no âmbito local. Ao fazer isso, colaboramos para uma agenda de pesquisa sobre o tema, que ainda é incipiente na Ciência Política brasileira. Analisar a continuidade de coligações ao longo do tempo, em que medida as coligações majoritárias de fato se consolidam como apoio legislativo e refinar a compreensão dos fatores que marcam a relação entre prefeitos e vereadores são tarefas que se abrem no horizonte.

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NOTAS

  • 1
    . Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), somente 92 dos 5.568 municípios possuíam mais de 200 mil eleitores em 2016. Em nossa análise, consideramos apenas as eleições para prefeito disputadas dentro da regra majoritária de turno único.
  • 2
    . Não se pode garantir que esses vereadores de fato darão suporte ao prefeito que apoiaram durante as eleições. No entanto, justamente por terem apoiado essa candidatura, é de se supor que, pelo menos a priori, atuarão de forma coordenada com o prefeito recém-empossado. Por isso, consideramos que a porcentagem de cadeiras conquistada pela coligação vencedora da disputa majoritária representa um indicativo adequado do potencial de apoio legislativo com o qual o novo prefeito contará.
  • 3
    . Os estudos sobre o efeito coattail têm origem na Ciência Política norte-americana, com foco sobre a eleição presidencial e no potencial do candidato ao Executivo impulsionar a votação para a Casa legislativa (Press, 1963PRESS, Charles. (1963), “Presidential coattails and party cohesion”. Midwest Journal of Political Science, vol. 7, no 4, pp. 320-335.; Mondak, 1990MONDAK, Jeffery J. (1990), “Determinants of coattail voting”. Political Behavior, vol. 12, no 3, pp. 265-288.; Golder, 2006GOLDER, Matt. (2006), “Presidential Coattails and Legislative Fragmentation”. American Journal of Political Science, vol. 50, no 1, pp. 34-48.).
  • 4
    . O recorte temporal inicia-se em 2000, pois é a partir de quando o TSE disponibilizou os dados mais precisos sobre eleições municipais no Brasil, sobretudo no que diz respeito às coligações.
  • 5
    . Vasquez (2016)VASQUEZ, Vitor. (2016), Ao vencedor, a Prefeitura: competição em eleições municipais (1996-2012). Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade Estadual de Campinas, Campinas. utilizou essa razão de votação como uma das formas de medir o grau de competitividade da disputa para prefeito. Nesse sentido, assumimos que quanto mais um candidato for competitivo em comparação ao(s) seu(s) adversário(s) nesses termos (consequentemente, quanto menor for a competitividade da disputa), maior deve ser o seu potencial para produzir efeito coattail naquele município. A medida mobilizada é convencionalmente chamada de marginality (Denver, Hands e MacAllister, 2003).
  • 6
    . O autor analisou 335 municípios durante o período descrito. Em 34,3% houve processo de cassação de mandato instaurado e, em 17,3%, o processo resultou em prefeito cassado (Pessoa, 2019PESSOA, Bruno Martins. (2019), Por que caem? o fenômeno da cassação de prefeitos pelas Câmaras Municipais. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo.:94).
  • 7
    . Peres e Lenine (2017PERES, Paulo; LENINE, Enzo. (2017), “Uma abordagem ecológica das coligações eleitorais”. In: S. Krause; C. Machado; L. F. Miguel (orgs.), Coligações e disputas eleitorais na Nova República: aportes teórico-metodológicos, tendências e estudos de caso. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer/São Paulo: Editora UNESP, pp. 61-92.:66) argumentam que “a fragmentação partidária não é provocada apenas pelas coligações eleitorais, mas também por outros dispositivos do sistema eleitoral, como a facilidade de se criarem partidos, a permissão para migração de políticos entre os partidos sem perda de mandato quando se trata da adesão a uma nova legenda, a concessão de proporções do fundo partidário e do tempo eleitoral na mídia”.
  • 8
    . O termo coattail refere-se às abas traseiras de um fraque que, por serem compridas, acabam por levar objetos ao se mover (Soares, 2013SOARES, Márcia Miranda. (2013), “Influência majoritária em eleições proporcionais: os efeitos presidenciais e governatoriais sobre as eleições para a Câmara dos Deputados Brasileira (1994-2010)”. DADOS – Revista de Ciências Sociais, vol. 56, no 2, pp. 413-437.:434).
  • 9
    . Tal prática é inclusive reconhecida por políticos. Em entrevista concedida para Samuels (2000)SAMUELS, David. (2000), “The gubernatorial coattails effect: federalism and congressional elections in Brazil”. The Journal of Politics, vol. 62, no 1, pp. 240-253., por exemplo, André Franco Montoro afirmou que “[um] deputado tende a querer se inserir em algo maior, além de associar-se à uma campanha eleitoral para o cargo Executivo”, São Paulo, 13/3/1997 (Samuels, 2000SAMUELS, David. (2000), “The gubernatorial coattails effect: federalism and congressional elections in Brazil”. The Journal of Politics, vol. 62, no 1, pp. 240-253.:242; tradução nossa).
  • 10
    . Alguns estudos destacam a maior importância dos candidatos a governadores frente aos seus eleitores, em comparação aos candidatos à Presidência, justamente porque o governador é reconhecido como uma figura mais local e, portanto, de maior influência sobre o eleitor (Abrucio, 1998ABRUCIO, Fernando Luiz. (1998), Os Barões da Federação: Os governadores e a Redemocratização Brasileira. São Paulo: Hucitec.; Samuels, 2000SAMUELS, David. (2000), “The gubernatorial coattails effect: federalism and congressional elections in Brazil”. The Journal of Politics, vol. 62, no 1, pp. 240-253., 2003SAMUELS, David. (2003), Ambition, federalism, and legislative politics in Brazil. Cambridge: Cambridge University Press.). O mesmo paralelo pode ser feito aos candidatos à prefeito, isto num cenário ainda mais local do que o estadual.
  • 11
    . Adotamos a mesma estratégia para o Gráfico 4.
  • 12
    . A outra determinante seria o porte do partido, sendo que a classificação de grande ou pequeno se estabelece pelo alto ou baixo potencial de se atingir o quociente eleitoral a fim de conquistar uma cadeira legislativa.
  • 13
    . Para se ter uma ideia da diferença, basta compararmos os máximos e os mínimos das variáveis independentes mobilizadas: partidos_coligação varia entre 1 e 23 e margem_voto, entre 0 e 100.
  • 14
    . Para atingir o valor de 60, a votação do primeiro colocado precisa ser 2,5 vezes maior do que a do segundo. Por exemplo, um prefeito hipotético eleito com 250 votos, veria o segundo colocado sucumbir com somente 100 votos. Conforme demonstrado por Vasquez (2016)VASQUEZ, Vitor. (2016), Ao vencedor, a Prefeitura: competição em eleições municipais (1996-2012). Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade Estadual de Campinas, Campinas., estas situações são minoritárias nas disputas para prefeito no Brasil que, via de regra, são bastante acirradas.
  • 15
    . Para definir os reeleitos, tomamos como referência o título de eleitor do prefeito e o município para o qual foi eleito. Quando os dois dados se repetiam de uma eleição para outra, definia-se um prefeito reeleito. Como não temos os dados da eleição de 1996, desconsideramos, nesta análise, todos os prefeitos eleitos em 2000, pois não tínhamos como definir qual era reeleito ou não.
  • *
    Uma versão preliminar do artigo foi apresentada no VI Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política. Agradecemos a Vitor Sandes, ao Grupo de Estudos em Política Brasileira (PolBras) e aos pareceristas anônimos da Revista Dados pelas críticas e sugestões feitas às versões anteriores e ao manuscrito. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) concedeu apoio financeiro (processo 2016/10421-1) para a realização desta pesquisa. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste artigo são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2019
  • Revisado
    29 Abr 2020
  • Aceito
    9 Maio 2020
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