Acessibilidade / Reportar erro

Nacionalização Imperfeita: o Conceito de Revolução Passiva e a Formação do Estado no Brasil

Imperfect Nationalization: The Concept of Passive Revolution and the Formation of the Brazilian State

Nationalisation Imparfaite : le Concept de Révolution Passive et de Formation de l’État au Brésil

Resumo

O artigo analisa processo de nacionalização do conceito gramsciano de revolução passiva no Brasil entre as décadas de 1970 e 1980. A abordagem articula a história do comunismo internacional com a trajetória do Partido Comunista Brasileiro, partindo da noção de nacionalização de Bernardo Ricupero e Luis Tápia e da história cruzada do comunismo de Serge Wolikow. Ao tratar da produção de intelectuais e militantes gramscianos, fundamentais no que diz respeito à apropriação do conceito de revolução passiva no Brasil no período, demonstra que as leituras são marcadas pela influência do comunismo internacional. A partir dessa constatação, destaca os elementos do conceito de revolução passiva que nos permitem avançar em sua utilização para a análise da formação do Estado brasileiro em sua particularidade, a saber, a condição de periferia dependente e o colonialismo.

Brasil; Colonialismo; revolução passiva; PCB; história do pensamento político (século xx)

Abstract

This article analyzes Brazil’s nationalization process of the Gramscian concept of passive revolution between the 1970s and 1980s. Our approach associates the history of international communism with the Brazilian Communist Party’s (PCB) trajectory: it starts from the notion of nationalization by Bernardo Ricupero and Luis Tápia and Serge Wolikow’s notion of histoires croisées of communism. In tackling the output of Gramscian intellectuals and militants – fundamental to appropriating the concept of passive revolution in Brazil in that period – this article shows that the international communism influences these analyses. From this observation, this article highlights the elements of passive revolution that allow us to employ it to further analyze the singular formation of the Brazilian State - namely, the condition of dependent periphery and colonialism.

Brazil; colonialism; passive revolution; Brazilian Communist Party; history of political thought (20th century)

Résumé

L’article analyse le processus de nationalisation du concept gramscien de révolution passive au Brésil entre les années 1970 et 1980. L’approche articule l’histoire du communisme international avec la trajectoire du Parti Communiste Brésilien (PCB), à partir de la notion de “nationalisation”, de Bernardo Ricupero et Luis Tápia, et de “l’histoire croisée du communisme”, de Serge Wolikow. Lorsqu’il s’agit de la production d’intellectuels et de militants gramsciens (fondamentales quant à l’appropriation du concept de révolution passive au Brésil à cette époque), on démontre que les lectures sont marquées par l’influence du communisme international. À partir de ce constat, on met en évidence les éléments du concept de révolution passive qui permettent d’avancer dans son utilisation pour l’analyse de la formation de l’État brésilien dans sa particularité, à savoir, la condition de périphérie dépendante et le colonialisme.

Brésil; colonialisme; révolution passive; PCB; histoire de la pensée politique (xxe siècle)

Introdução

Os Quaderni del Carcere (1929-1935), de Antonio Gramsci, começaram a ser traduzidos no Brasil pela Editora Civilização Brasileira, sob a direção de Ênio Silveira e de Moacyr Félix, ambos membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB), no final da década de 1960. A partir do final dos anos 1970, isto é, nos últimos anos da ditadura civil-militar no país, a obra como um todo – e especialmente o conceito de revolução passiva – experimentou uma expressiva difusão que, recentemente, tem sido ampliada. O conceito também tem sido utilizado em escala internacional para a leitura de fenômenos sociais e políticos contemporâneos (cf. Del Roio, 2014, 2012; Roberts, 2018Roberts, Philip. (2018), “Gramsci in Brazil: From the PCB to the MST”. Thesis Eleven, v. 147, n. 1, pp. 62-75. ; Roccu, 2017Roccu, Roberto. (2017), “Passive Revolution Revisited: From the Prison Notebooks to Our ‘Great and Terrible World’”. Capital & Class, v. 41, n. 3, pp. 537-559. ; Thomas, 2018Thomas, Peter. (2018), “Gramsci’s Revolutions: Passive and Permanent”, Modern Intellectual History, v. 17, n. 1, pp. 1-30. )1 1 . A recepção do pensamento de Gramsci no Brasil já foi bastante estudada, entre outros, por Bianchi (2018) , Coutinho (1990 ; 2007 ), Dias (1994) e Secco (2002) . Por esta razão não vamos nos deter sobre as particularidades do processo como um todo, mas nos interessa especificamente as formas de apropriação do conceito de revolução passiva pelos intérpretes brasileiros. Propomos abordar essas apropriações como parte do esforço de nacionalização do pensamento de Gramsci. . A formulação original do conceito de revolução passiva por Gramsci vincula-se à análise dos processos de formação dos Estados nacionais europeus como reação à Revolução Francesa e ao seu caráter nacional-popular (Q. 19)2 2 . Adotamos aqui o padrão internacional de citação de Antonio Gramsci nos Quaderni del Cárcere na Edição Crítica organizada por Valentino Gerratana, utilizando a letra “Q” para indicar o caderno, seguida do parágrafo e da página de referência. , trazendo para o primeiro plano a criação dos Estados nacionais em sua relação orgânica com os desenvolvimentos históricos internacionais, assim como sua atenção para uma via de modernização diversa daquela percorrida pela França – que se tornou uma “via clássica”. Por conseguinte, refere-se inicialmente à formação tardia do Estado nacional na Itália e lida com as relações entre centro e periferia, considerando que a partir da Revolução Francesa ocorreram ondas de transformação-reação nos Estados europeus como forma de evitar a réplica dos eventos ocorridos na França. Gramsci questionou se esse “modelo” de formação tardia dos Estados modernos, por meio de revoluções passivas, seria específico da Itália ou se, pelo contrário, “pelo menos em parte, podem ocorrer desenvolvimentos similares” (Q. 10II, § 61:1361), revelando, assim, a hipótese de que o conceito de revolução passiva poderia ser operativo para análise de outros contextos nacionais. Isso porque, de acordo com o autor, uma vez que “em todo acontecimento histórico se verificam quase sempre situações semelhantes, deve-se ver se é possível extrair daí alguns princípios gerais de ciência e de arte política” (Q. 15, § 11:1767). Portanto, embora o conceito tenha sido desenvolvido a partir da análise de uma realidade histórica específica, ele pode lançar luz sobre diversas outras realidades históricas. No caso particular da análise dos países latino-americanos, se levarmos em conta seu caráter periférico e internacionalmente implicado, o conceito pode tornar-se ainda mais valioso – uma vez que originalmente voltou-se especificamente para o estudo da periferia europeia.

No entanto, como procuraremos demonstrar neste artigo, o componente internacional na formação nacional, mesmo quando considerado, foi subvalorizado pelos principais intérpretes do pensamento de Gramsci no Brasil. Desse modo, escapou às análises a particularidade do nosso desenvolvimento histórico e social; isto é, a forma de inserção subalterna do Estado brasileiro nas relações de forças internacionais que se definiram a partir da exploração colonial no passado e da reprodução das relações de subalternidade e dependência externa no presente. Consideramos, assim, que houve uma nacionalização imperfeita do conceito de revolução passiva pelos intérpretes brasileiros. Ao admitir a nacionalização imperfeita do conceito de revolução passiva no Brasil, é possível vislumbrar uma nova agenda de pesquisa que aponta para a necessidade de uma interpretação que conjugue a particularidade nacional do processo de constituição do Estado brasileiro – e mesmo da nação – com a atenção às relações internacionais entre centro e periferia, especialmente à condição colonial compartilhada com os demais países da América Latina.

Para demonstrar essa hipótese será analisada a produção dos intelectuais e militantes gramscianos que foram fundamentais na apropriação do conceito de revolução passiva no Brasil: Carlos Nelson Coutinho e Luiz Werneck Vianna. A produção desses intelectuais já foi objeto de análise de trabalhos anteriores que também se debruçaram sobre a revolução passiva no Brasil nas décadas de 1970 e 1980, embora com um foco diverso do nosso (cf. Góes e Ricupero, 2013Góes, Camila; Ricupero, Bernardo. (2013), “Revolução Passiva no Brasil: Uma Ideia Fora do Lugar?”. Tempo da Ciência, v. 20, n. 40, pp. 161-192. ). Com efeito, Góes e Ricupero identificaram as dificuldades de apropriação de conceitos europeus para a interpretação da realidade latino-americana e trouxeram a lume o risco de que a revolução passiva pudesse se tornar uma “ideia fora de lugar”.

Este artigo busca mostrar que as leituras de Coutinho e Vianna foram marcadas pela influência da noção de via prussiana e, portanto, orientadas pela perspectiva leninista do comunismo internacional. Argumentamos que, ao se voltarem para a análise da formação do Estado no Brasil, os intérpretes dialogaram com o debate comunista internacional colocado a partir dos anos de 1950 e que trouxe ao centro a chamada questão nacional e a atenção à particularidade das formações estatais dos países periféricos. Entretanto, ao fazê-lo, não analisaram o passado colonial e seus desdobramentos posteriores – em especial a condição de periferia dependente. É nesse limite que se fundamenta a nossa formulação de nacionalização incompleta do conceito de revolução passiva por parte dos intérpretes gramscianos da formação do Estado no Brasil.

Universalização e nacionalização das teorias: a atenção às particularidades locais

Como ponto de partida, podemos entender a nacionalização de uma teoria ou conceito como a atividade intelectual de mobilizar formulações elaboradas a partir das condições sociais e históricas de um determinado país para a análise da realidade concreta de outro Estado nacional ( Tápia, 2002Tápia, Luis. (2002), La Producción del Conocimiento Local. La Paz, Muela del Diablo. ; Ricupero; 2000Ricupero, Bernardo. (2000), Caio Prado Jr. e a Nacionalização do Marxismo no Brasil. São Paulo, Editora 34. ). Está vinculada, portanto, ao processo de deslocamento da teoria de um espaço nacional para outro – ainda que nem sempre tal deslocamento resulte na nacionalização da teoria estrangeira.

De acordo com Ricupero (2000)Ricupero, Bernardo. (2000), Caio Prado Jr. e a Nacionalização do Marxismo no Brasil. São Paulo, Editora 34. , pode-se falar de nacionalização quando há mobilização de um modo específico de abordagem ou teoria para a análise de condições históricas e sociais particulares. Porém, sob o risco de ser arbitrária, ou simplesmente descolada da realidade observada, tal mobilização depende do fato de que a teoria em questão possa efetivamente ser generalizada ou universalizada. A universalização, por sua vez, decorreria da capacidade de se “converter em força viva daquela mesma sociedade” ( Ricupero, 2000Ricupero, Bernardo. (2000), Caio Prado Jr. e a Nacionalização do Marxismo no Brasil. São Paulo, Editora 34. , p. 30). Nesse aspecto, para efetivação da nacionalização, faz-se necessário superar a utilização de formulações exógenas, alcançando um tipo de uso da teoria que contenha elementos de originalidade em relação à formulação inicial e que, ao mesmo tempo, dê mostras de sua vitalidade naquela realidade nova onde foi aplicada.

O sociólogo boliviano Luis Tápia (2002)Tápia, Luis. (2002), La Producción del Conocimiento Local. La Paz, Muela del Diablo. também elaborou reflexões acerca do processo de nacionalização de uma teoria. Para ele, trata-se de nacionalização quando há produção de conhecimento local. Em outros termos: a teoria original – composta de generalizações e abstrações teóricas construídas a partir do estudo de uma realidade empírica situada – deve ser relativizada ou revista. Essa relativização decorre do confronto com a realidade em análise, de maneira tal que teríamos como resultado tanto a problematização dessa teoria geral como a análise e explicação da realidade local. Não obstante, a nacionalização pode ser considerada completa se houver, a partir desse confronto, a produção de uma teoria local, isto é, a produção do conhecimento com certa capacidade de generalização e de potencial explicativo para outras realidades locais.

Tápia (2002)Tápia, Luis. (2002), La Producción del Conocimiento Local. La Paz, Muela del Diablo. considera ainda que a nacionalização depende da elaboração de uma teoria com referência à política e ao Estado. Tais elementos são necessários porque permitem compreender a diversidade de formas históricas, não apenas limitada à utilização do desenvolvimento das forças produtivas e da estrutura de classes. Nessa situação em particular, de simples aplicação da teoria, não há produção de teoria local. Nos termos de Tápia:

Considero que en la medida que no se desarrolle una teoría de las superestructuras, para ponerlo en los términos sintéticos tradicionales, es más improbable que se produzca un proceso de nacionalización de la teoría marxista, en la medida en que es a este nivel que se expresa la diversidad del mundo ( Tápia, 2002Tápia, Luis. (2002), La Producción del Conocimiento Local. La Paz, Muela del Diablo.: 331).

Ao referir-se à necessidade de generalização da teoria local, Tápia (2002)Tápia, Luis. (2002), La Producción del Conocimiento Local. La Paz, Muela del Diablo. faz referência a uma ciência social capaz de considerar concomitantemente a causalidade e a questão estrutural, recusando tanto a mera descrição fenomenológica ou aplicação da teoria. Nesse aspecto, Tápia está mais vinculado a uma perspectiva das ciências sociais como estudo das regularidades e de elaboração de macroteorias, enquanto Ricupero destaca que a nacionalização do marxismo dependeria, sobretudo, da atenção à particularidade local, sendo tal particularização o principal produto da investida teórica de nacionalização.

A ideia de nacionalização de Ricupero (2000)Ricupero, Bernardo. (2000), Caio Prado Jr. e a Nacionalização do Marxismo no Brasil. São Paulo, Editora 34. e Tápia (2002)Tápia, Luis. (2002), La Producción del Conocimiento Local. La Paz, Muela del Diablo. coincidem, no entanto, ao identificar que na própria teoria marxista existem elementos que permitem sua nacionalização, como é o caso do pensamento de Gramsci e do conceito de revolução passiva. Isso, em certa medida, relaciona-se com o caráter universalizante do próprio objeto da teoria marxista– o capitalismo. De forma complementar, também refletiram sobre a problemática da utilização de uma elaboração específica, produzida a partir da análise e crítica do capitalismo europeu do século XIX, em uma realidade nacional marcada pelo passado colonial e posição dependente em relação ao capitalismo global.

Para o desenvolvimento do nosso argumento faz-se necessário considerar também as condições sociais e históricas da nacionalização do pensamento, assim como os agentes implicados nesse processo. Nesse sentido, o Partido Comunista no Brasil (PCB) e seus militantes exerceram um papel central na circulação da teoria marxista no país e na difusão do pensamento de Gramsci. Isso implica acrescentar uma dimensão adicional na análise: considerar que o PCB e seus membros compartilhavam uma cultura internacional difundida a partir da Internacional Comunista (IC). Considerar a existência dessa cultura comunista não significa atribuir homogeneidade às abordagens dos diferentes partidos comunistas que integravam a Internacional; mas também é necessário admitir que os debates e a produção da IC não foram meras exterioridades impostas aos partidos nacionais.

Assim, as possibilidades de nacionalização da teoria ocorreram no imbricamento entre o nacional e o internacional. Embora parte significativa dos estudos sobre o comunismo tenha enfatizado o que Wolikow (2010b) chamou de tropismo nacional, um deslocamento importante na abordagem do tema nas últimas décadas foi justamente analisar os aspectos nacionais articulados ao conhecimento mais apurado acerca do papel da URSS e, por consequência, da política adotada pela IC – especialmente a partir da sua stalinização que culminou na derrota de sua função de partido mundial da revolução. E, embora tenha sido dissolvida em 1943, a IC contribuiu para a constituição de um espaço internacional que perdurou, pelo menos, até os anos de 1970 (Wolikow, 2010b:22). Trata-se, assim, de entender o PCB e o processo de nacionalização do pensamento de Gramsci no Brasil como vinculados a essa cultura que teve efeitos

sobre os partidos comunistas, bem como a maneira na qual cada um deles se situou em seu espaço nacional. A dimensão internacional do comunismo não é uma simples exterioridade, antes, os partidos comunistas são parte constituinte de um movimento internacional que permaneceu uma referência compartilhada por mais de meio século (Wolikow, 2010b:22).

Por isso, ao pensar sobre a revolução passiva e a apropriação do conceito no Brasil, deve-se entender que tal movimento de apropriação deu-se na tentativa de encontrar um equilíbrio entre a teoria e a realidade local; mas também na relação dos intelectuais gramscianos com a política e a estratégia do PCB e, ainda, com a dimensão internacional da cultura comunista.

A revolução passiva brasileira: condições políticas para a nacionalização da teoria

Entre os países latino-americanos que recepcionaram as obras gramscianas, a Argentina e o Brasil foram pioneiros: enquanto a Argentina traduziu as primeiras obras (publicação parcial dos Quaderni del Carcere ) entre 1958 e 1962, as primeiras traduções no Brasil foram publicadas entre 1966 e 1968; e, “nesses anos, ambas edições foram as mais numerosas e completas em língua não italiana” ( Aricó, 1988Aricó, José. (1988), La Cola del Diablo: Itinerário de Gramsci na América Latina. Buenos Aires, Punto Sur Editores.: 135, nota 1). É possível, contudo, encontrar menções a Gramsci na América Latina já na década de 1920. No Brasil, isso ocorreu por meio de notícias trazidas por exilados italianos socialistas ( Secco, 2002Secco, Lincoln. (2002), Gramsci e o Brasil: Recepção e Difusão de Suas Ideias. São Paulo, Cortez.: 11-14). E no Peru, em 1921, em artigo escrito no periódico El tempo , de Lima, por J. C. Mariátegui observou que “o Ordine Nuovo é o jornal do Partido Comunista e é dirigido por dois dos mais notáveis intelectuais do partido: Terracini e Gramsci ( Massardo, 1999Massardo, Jaime. (1999), “La Recepción de Gramsci em America Latina: Cuestiones de Orden Teórico y Politico”. International Gramsci Society Newsletter, n. 9. Disponível em: <http://www.internationalgramscisociety.org/igsn/articles/a09_s3.shtml>.
http://www.internationalgramscisociety.o...
: 1).

Entre os anos de 1960 e 1980, como já dissemos, os principais (embora não únicos) sujeitos da difusão das ideias de Gramsci no Brasil foram os intelectuais ligados ao PCB e à Editora Civilização Brasileira. A tradução e publicação das obras foram levadas a cabo num contexto de ruptura da institucionalidade democrática referente aos primeiros anos da ditadura civil-militar, instaurada em 1964, com sua circulação restringida em decorrência desse contexto, a obra passou a circular na clandestinidade. Importante notar, nesse sentido, que Gramsci chegou à América Latina graças à estrutura do Partido Comunista. Contudo, ao mesmo tempo em que o partido tornou possível a difusão das obras do autor, também ofereceu uma interpretação que teve suas linhas gerais definidas no âmbito da IC, de maneira exógena e pouco atenta às diferentes particularidades nacionais da América Latina.

Ao “salientar a dualidade feudalismo-capitalismo na formação social brasileira, que estaria com seu desenvolvimento estagnado com a penetração imperialista apoiada nos setores agrário-feudais”, as interpretações do PCB em grande medida convergiam com a visão dualista difundida nos anos 1950 e 1960 pela Comissão econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) e pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) (cf. Del Roio, 1990Del Roio, Marcos. (1990), A Classe Operária na Revolução Burguesa. A Política de Alianças do PCB: 1928-1935. Belo Horizonte, Oficina de livros.: 9), para os quais o subdesenvolvimento apresentava-se sob forma da problemática coexistência de estruturas atrasadas e modernas. A tese da dualidade entre feudalismo e capitalismo filiava-se, contudo, a uma avaliação anterior, feita pela IC nos anos 1920, segundo a qual os países da América Latina poderiam ser caracterizados em bloco como semicoloniais e semifeudais. Dessa caracterização deduziu-se a tática política da revolução agrária e anti-imperialista a ser viabilizada pela aliança com a burguesia nacional, e contra o imperialismo, para cumprir a etapa da revolução democrático-burguesa (cf. Massardo, 1999Massardo, Jaime. (1999), “La Recepción de Gramsci em America Latina: Cuestiones de Orden Teórico y Politico”. International Gramsci Society Newsletter, n. 9. Disponível em: <http://www.internationalgramscisociety.org/igsn/articles/a09_s3.shtml>.
http://www.internationalgramscisociety.o...
; Del Roio, 1990Del Roio, Marcos. (1990), A Classe Operária na Revolução Burguesa. A Política de Alianças do PCB: 1928-1935. Belo Horizonte, Oficina de livros. ).

No entanto, no VI Congresso da IC, em 1928, a tática defendida em relação às lutas de libertação nacional começou a ser alterada. Ricardo Paredes, delegado equatoriano do mesmo Congresso, formulou a ideia de que, se era possível falar de países coloniais e semicoloniais, também existiam aqueles que detinham certa dependência política dos EUA e que seriam, portanto, países dependentes ( Ricupero, 2000Ricupero, Bernardo. (2000), Caio Prado Jr. e a Nacionalização do Marxismo no Brasil. São Paulo, Editora 34.: 79). Porém, é importante indicar que desde o início dos anos de 1920 era possível identificar uma reflexão acerca das particularidades da América Latina que estava relacionada à presença de delegados e militantes locais que viajaram a Moscou para participar dos congressos ou das escolas de quadros (Jeifets, Jeifets, 2015:xxxi). No entanto, no programa formulado pelo PCB em seu V Congresso, em 1954, ainda foi proposta uma “frente única anti-imperialista e antifeudal” ( PCB, 1955PCB. (1955), “Programa do Partido Comunista do Brasil”, in: Problemas Revista Mensal de Cultura Política, n. 64, dez. de 1954 a fev. de 1955. Disponível em:<https://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/64/programa.htm. Consultado em 22/06/19>.
https://www.marxists.org/portugues/temat...
), orientada pela definição do Brasil como país semicolonial, ainda que reconhecendo a expansão econômica e militar dos EUA na região3 3 . No pensamento político brasileiro a questão se reflete na polêmica entre Sodré (1978) e Prado Jr (1987) entre a tese da feudalidade do Brasil colônia sustentada pelo primeiro e a colônia desde sempre inserida nas relações capitalistas defendidas pelo segundo. .Contudo, uma profunda crise atingiu o movimento comunista internacional, quando em fevereiro de 1956, ao fim do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Nikita Kruschev divulgou um relatório que denunciava os crimes de Stalin e o culto à personalidade. A partir desse momento, o PCB passou a travar uma luta interna no sentido de sua desestalinização e democratização. Entretanto, encontrou resistência no comitê central do partido. Isso redundou em disputas pela direção que foram encerradas formalmente, em 1957, com a resolução do comitê central Sobre a Unidade do Partido , por meio da qual a direção “retomou as rédeas”. Todavia, essa vitória foi baseada no controle que os grupos mais ligados às antigas lideranças do partido detinham, o que estimulou o enfraquecimento interno do partido, o abandono de parte da militância e a organização de dissidentes fora do PCB na década de 1960 ( Said, 2009Said, Ana Maria. (2009), Uma Estratégia para o Ocidente: o Conceito de Democracia em Gramsci e o PCB. Uberlândia, EDUFU.: 111-112). A dissidência, insatisfeita com a pouca democracia interna, favoreceu a formação de outros movimentos externos ao PCB e, assim, a maior difusão do pensamento de Gramsci.

Carlos Nelson Coutinho, um dos principais responsáveis pela recepção de Gramsci no Brasil e membro do PCB até 1981, reconheceu que houve uma verdadeira “operação Gramsci” presidida pelo Partido. Iniciada na década de 1960 e perdurando até a metade dos anos 1970, essa operação apresentou Gramsci não como o político das ocupações de fábrica e fundador do PCI, mas como o herói da luta antifascista e, principalmente como filósofo e crítico literário ( Coutinho, 2007Coutinho, Carlos Nelson. (2007), “Gramsci no Brasil: Recepção e Usos”, in: Moraes, João Quartim (org.), História do Marxismo no Brasil, v. 3. Campinas, Editora Unicamp.: 153-154). De acordo com Coutinho (2007Coutinho, Carlos Nelson. (2007), “Gramsci no Brasil: Recepção e Usos”, in: Moraes, João Quartim (org.), História do Marxismo no Brasil, v. 3. Campinas, Editora Unicamp.: 155), o fato de Gramsci ter sido apresentado como filósofo da cultura (e, de certo modo, isolado da política partidária) colaborou para que suas obras escapassem da censura da ditadura civil-militar nos anos 1960. Mas, ao mesmo tempo, revelou uma divisão do trabalho no interior do PCB. O autor observou, em artigo publicado em 1990, na Revista Teoria e Debate , que no PCB havia uma “divisão de tarefas” entre intelectuais e direção: enquanto aos primeiros cabiam tarefas culturais de “renovação filosófica e estética do marxismo brasileiro”, à segunda cabia “dar a última palavra nas questões especificamente políticas” ( Coutinho, 1990Coutinho, Carlos Nelson.. (1990), “Cidadão Brasileiro”. Revista Teoria e Debate, v. 9. Disponível em:<https://teoriaedebate.org.br/1990/01/06/cidadao-brasileiro>.
https://teoriaedebate.org.br/1990/01/06/...
: 2), o que desvelava justamente a fratura interna e a pouca democracia na relação entre a direção e os militantes do partido.

Interessante notar que, sendo o principal tradutor e formulador dos prefácios e orelhas das edições que apresentaram Gramsci no Brasil como filósofo da cultura, Coutinho foi um dos agentes dessa “operação Gramsci”. Em resposta ao artigo de Coutinho (1990), Edmundo Dias publicou na mesma revista o texto Gramsci – Rabo Preso 4 4 . O autor se queixa de que esse texto foi publicado pela Revista Teoria e Debates com cortes e alteração no título, sem consulta prévia (cf. DIAS, 1996: 183). Esse texto mais tarde foi republicado como “Gramsci no Brasil: o rabo do Diabo”, capítulo do livro O outro Gramsci (1996). (1991). Para Dias, Coutinho teria amenizado a crítica aos comunistas brasileiros quando reduziu a crise no interior do partido a uma mera “divisão do trabalho” entre intelectuais e direção. O autor teria, assim, ocultado a permanência de uma política autoritária stalinista na direção do PCB (Dias, 1991:184-185). A esses problemas de direção somou-se a atuação dos intelectuais pecebistas – em especial de Coutinho – tradutores das primeiras obras de Gramsci. Diz o autor que “todo o processo de edição da obra gramsciana foi uma maquiagem redutora. E tudo isso marcado pela pequena cultura socialista nacional” (idem, p. 185). Coutinho, assim, teria sido um dos principais responsáveis pelos “abusos” sofridos por Gramsci na recepção brasileira; e só em 1981 teria abandonado a “visão de Gramsci como teórico e filósofo da cultura para trabalhar a política como ‘ponto focal do qual Gramsci analisa a totalidade da vida social’” (idem:188). De todo modo, a maior radicalização da luta contra a ditadura alcançou vastos setores da intelectualidade de esquerda que, paulatinamente, se afastaram do PCB “e da cultura marxista que permanecia sob sua influência” por não reconhecerem aí “uma resposta adequada aos desafios da nova situação” ( Coutinho, 2007Coutinho, Carlos Nelson. (2007), “Gramsci no Brasil: Recepção e Usos”, in: Moraes, João Quartim (org.), História do Marxismo no Brasil, v. 3. Campinas, Editora Unicamp.: 157). Com a ampla rejeição da estratégia do PCB, o pensamento de Gramsci – e o de Lukács – passaram a ser vistos no Brasil como “expressão de uma tendência conservadora e anacrônica” ( Coutinho, 2007Coutinho, Carlos Nelson. (2007), “Gramsci no Brasil: Recepção e Usos”, in: Moraes, João Quartim (org.), História do Marxismo no Brasil, v. 3. Campinas, Editora Unicamp.: 158), fechando o ambiente cultural para a difusão das ideias de Gramsci até a metade dos anos 1970 ( Coutinho, 2007Coutinho, Carlos Nelson. (2007), “Gramsci no Brasil: Recepção e Usos”, in: Moraes, João Quartim (org.), História do Marxismo no Brasil, v. 3. Campinas, Editora Unicamp.: 159). Somente a partir da segunda metade dessa década o esforço teórico e prático para construção de alternativas ao esfacelamento da esquerda foi empreendido por diferentes organizações políticas e movimentos sociais sem ligação política com o PCB. Isso se deu especialmente após 1980, por parte do recém-fundado Partido dos Trabalhadores (PT), ainda que este tenha absorvido “as ideias de Gramsci como fez com outras ideologias: sem compô-las num arcabouço doutrinário coerente”, geralmente sobrepondo os imperativos da luta política imediata à leitura rigorosa do texto ( Secco, 2002Secco, Lincoln. (2002), Gramsci e o Brasil: Recepção e Difusão de Suas Ideias. São Paulo, Cortez.: 73, 82).

Contudo, desde os anos 1950, as direções dos PCs sofreram pressões para que se debruçassem sobre o que se chamou de questão nacional. Os processos de descolonização europeia ocorridos na África e na Ásia, junto ao policentrismo demandado pelo Partido Comunista Chinês, fez emergir o tema do nacionalismo contraposto à noção segundo a qual as regiões “não-europeias” deveriam ser caracterizadas em bloco ( Wolikow, 2010aWolikow, Serge. (2010a), L’Internationale Communiste, 1919-1943: le Komintern ou le Rêve Déchu du Parti Mondial de la Révolution. Paris, Editions de l’Atelier.: 8). Tal nacionalismo encontrou elaborações distintas do nacionalismo de origem europeia, como na ideia de pan-africanismo e a exaltação nacionalista na China. A Revolução Cubana, por sua vez, foi um evento fundamental para as esquerdas latino-americanas. Com a libertação cubana do imperialismo estadunidense, a Revolução impôs a reflexão acerca das possibilidades de conciliação do nacionalismo e socialismo, assim como propôs o guevarismo como uma forma de ação política ( Portantiero, 1989Portantiero, Jose Carlos. (1989), “O Marxismo Latino-Americano”, in: Hobsbawm, E. J. História do Marxismo, v. 11. Rio de Janeiro, Paz e Terra. ; Barão, 2003Barão, Carlos Alberto. (2003), “A Influência da Revolução Cubana sobre a Esquerda Brasileira Nos Anos 1960”, in: Quartim de Moraes, Joãoe Aarão Reis, Daniel (orgs.), História do marxismo no Brasil: o impacto das revoluções. Campinas, Editora Unicamp. ). Tratando especificamente do marxismo na América Latina nos anos de 1960, Portantiero afirmou que

o tema da “nacionalização” da teoria e a consideração da prática socialista como uma continuação-superação da história popular permearam, de modo explícito ou implícito, a produção ideológica continental do período, uma produção que se desenvolveu, de resto, no interior de uma grande ascensão das massas ( Portantiero, 1989Portantiero, Jose Carlos. (1989), “O Marxismo Latino-Americano”, in: Hobsbawm, E. J. História do Marxismo, v. 11. Rio de Janeiro, Paz e Terra.: 334).

Assim, a questão nacional conjugou-se com um momento de renovação do marxismo que impactou, mais tarde, na apropriação de Gramsci no Brasil e na utilização do conceito de revolução passiva. Na segunda metade da década de 1970 é possível, de fato, perceber uma retomada dos estudos gramscianos no país5 5 . Até 1975 foram registrados 16 ensaios sobre Gramsci no Brasil, publicados no eixo São Paulo-Rio de Janeiro. Entre 1975 e 1984 registrou-se mais de 200 títulos, expandindo-se da região Sudeste para região Sul e Nordeste ( Secco, 2002 , p. 46-47). . Entre os elementos facilitadores desta retomada – para além da valorização do tema da nacionalização da teoria na prática socialista como expusemos acima –, pode-se citar o início do processo de abertura política, o crescimento da resistência democrática no Brasil, o fortalecimento do PCI com a experiência eurocomunista e a publicação, na Itália, da edição crítica dos Quaderni del Carcere organizada por Valentino Gerratana (1975)6 6 . A edição incluiu todas as notas feitas por Gramsci nos 29 cadernos de tipo escolar, escritos na prisão, excluindo apenas os cadernos de traduções ( Gerratana, 2007 ) e é fundamental para o estudo filológico rigoroso de Gramsci ( Liguori, Voza, 2017 ). (cf. Del Roio, 2011:128; Coutinho, 2007Coutinho, Carlos Nelson. (2007), “Gramsci no Brasil: Recepção e Usos”, in: Moraes, João Quartim (org.), História do Marxismo no Brasil, v. 3. Campinas, Editora Unicamp.: 160-161). Paralelamente, o pensamento de Gramsci passou a ter maior abertura nas universidades e na sociedade. A partir dos anos 1970, ele se tornou “um dos autores estrangeiros mais lidos e discutidos no Brasil – não apenas por marxistas” ( Coutinho, 2007Coutinho, Carlos Nelson. (2007), “Gramsci no Brasil: Recepção e Usos”, in: Moraes, João Quartim (org.), História do Marxismo no Brasil, v. 3. Campinas, Editora Unicamp.: 153). De acordo com Coutinho (1990Coutinho, Carlos Nelson.. (1990), “Cidadão Brasileiro”. Revista Teoria e Debate, v. 9. Disponível em:<https://teoriaedebate.org.br/1990/01/06/cidadao-brasileiro>.
https://teoriaedebate.org.br/1990/01/06/...
: 4), desde 1975 encontram-se pesquisas universitárias sob a influência de categorias ou de problemáticas gramscianas, tanto na antropologia, quanto na sociologia e na ciência política. O aumento da influência de Gramsci sobre os intelectuais e sobre as Ciências Sociais na América Latina foi também assinalada por Aricó (1988)Aricó, José. (1988), La Cola del Diablo: Itinerário de Gramsci na América Latina. Buenos Aires, Punto Sur Editores. e Secco (2002Secco, Lincoln. (2002), Gramsci e o Brasil: Recepção e Difusão de Suas Ideias. São Paulo, Cortez.: 52), que chamou atenção para o interesse em Gramsci por parte da grande imprensa paulista e carioca, quando Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e Isto é publicaram pequenos artigos sobre o autor.

Após 1980, com a fundação do PT, a difusão no âmbito imediatamente político tornou-se significativa. Os gramscianos egressos do PCB se filiaram, para além do PT, a diferentes partidos políticos, como o Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Partido Popular Socialista (PPS) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) ( Coutinho, 2007Coutinho, Carlos Nelson. (2007), “Gramsci no Brasil: Recepção e Usos”, in: Moraes, João Quartim (org.), História do Marxismo no Brasil, v. 3. Campinas, Editora Unicamp.: 164; Secco, 2006Secco, Lincoln. (2006), Gramsci e a Revolução. São Paulo, Alameda.: 142). Contudo, nesse movimento de difusão, os usos de Gramsci se multiplicaram, tornando-se, “no interior da prática política, outros conceitos, traduzidos e até instrumentalizados para as finalidades imediatas de diversos agrupamentos políticos” ( Secco, 2006Secco, Lincoln. (2006), Gramsci e a Revolução. São Paulo, Alameda.: 147).

A apropriação do conceito de revolução passiva no Brasil nos anos 1970 e 1980

No momento em que as interpretações dos PCs mostraram concretamente seus limites de interpretação na América Latina e que novos paradigmas explicativos para a realidade social brasileira foram desenvolvidos nas universidades, o conceito de revolução passiva tornou-se central nas pesquisas gramscianas nas décadas 1970 e 1980. Esse processo de nacionalização e renovação teórica foi conduzido justamente pelos intelectuais que haviam integrado as fileiras do PCB: Carlos Nelson Coutinho, Luiz Werneck Vianna e Marco Aurélio Nogueira. Enquanto Nogueira (1988, 1998) tratou do conceito de revolução passiva como “modernização conservadora”, Coutinho e Vianna buscaram definir a revolução passiva brasileira em associação ao conceito de via prussiana, elaborado por Lênin em O programa agrário da Social-democracia (1907).

Segundo Carlos Nelson Coutinho, a via prussiana pode ser definida como a

Conciliação entre as frações das classes dominantes, de medidas aplicadas de cima para baixo, com a conservação de traços essenciais das relações de produção atrasadas (o latifúndio) e com a reprodução (ampliada) da dependência ao capitalismo internacional ( Coutinho, 1980Coutinho, Carlos Nelson. (1980), A Democracia Como Valor Universal. São Paulo, Editora Ciências Humanas.: 32).

O termo via prussiana foi difundido entre os comunistas brasileiros pela mediação da recepção de György Lukács a partir de 1959; isto é, em meio ao processo de desestalinização dos PCs. E ocorreu, sobretudo, pelas publicações da revista Problemas de Paz e do Socialismo e da revista Estudos Sociais, dirigida por Astrogildo Pereira7 7 . Ver Coutinho (1980 , nota 13, p. 71) sobre o uso do termo por Lukács. . De fato, Lukács antecedeu Gramsci na formação intelectual da esquerda brasileira; e no caso de Coutinho, serviu como uma espécie de complemento para suprir o que o autor considerava limitado conceitualmente nas formulações de Gramsci. Em 1974, Carlos Nelson Coutinho escreveu o ensaio O Significado de Lima Barreto na Literatura Brasileira ( Coutinho, 2011bCoutinho, Carlos Nelson. (2011b), “O Significado de Lima Barreto na Literatura Brasileira”, in: Coutinho, Carlos Nelson, Cultura e Sociedade no Brasil: ensaio sobre ideias e formas. São Paulo, Expressão Popular. ), onde concentrou-se mais especificamente em mostrar como a estagnação social relacionada à via prussiana de desenvolvimento capitalista no Brasil dificultou a criação de autênticas obras estéticas de vertente realista (cf. Coutinho, 2011bCoutinho, Carlos Nelson. (2011b), “O Significado de Lima Barreto na Literatura Brasileira”, in: Coutinho, Carlos Nelson, Cultura e Sociedade no Brasil: ensaio sobre ideias e formas. São Paulo, Expressão Popular.: 95).

A revolução passiva na interpretação de Carlos Nelson Coutinho

O conceito gramsciano de revolução passiva começou a ser mobilizado por Coutinho na análise do desenvolvimento brasileiro somente após seu exílio na Europa, no início da década de 1970, quando estabeleceu um contato próximo com o Partido Comunista Italiano (PCI). Posteriormente, em 1975, Coutinho teve acesso à edição crítica dos Quaderni del Carcere , organizada por Valentino Gerratana, que disponibilizou todas as notas dispostas cronologicamente e acompanhadas por um aparato crítico que permitiu um verdadeiro salto qualitativo em suas pesquisas. Assim, o autor releu Gramsci extraindo “implicações e consequências que iam além do alcance das interpretações feitas na época em que o havia traduzido para o português” ( Konder, 1991Konder, Leandro. (1991), “Carlos Nelson Coutinho (N. em 1943)”, in: Konder, Leandro, Intelectuais Brasileiros & Marxismo. Belo Horizonte, Oficina de Livros.: 122), justamente no momento em que desenvolvia sua atividade intelectual no interior do PCB e participava da divisão do trabalho interno.

Coutinho voltou ao Brasil em 1979 e imediatamente lançou o ensaio A Democracia como valor universal . O texto trazia o mesmo título do discurso feito em 1977, em Moscou, por Enrico Berlinguer, então secretário-geral do PCI, que consolidou a expressão “eurocomunismo” como uma nova via, de caráter democrático, para o socialismo. Segundo Coutinho, Berlinguer teria apresentado para muitos intelectuais brasileiros “o ponto da definitiva ruptura com o marxismo-leninismo” ( Coutinho, 2007Coutinho, Carlos Nelson. (2007), “Gramsci no Brasil: Recepção e Usos”, in: Moraes, João Quartim (org.), História do Marxismo no Brasil, v. 3. Campinas, Editora Unicamp.: 161). De fato, a análise da produção de Coutinho desde a década de 1960 até 1980 deixa transparecer a influência do comunismo internacional, primeiro de Lênin e depois do eurocomunismo. Como ressalta Portantiero (1988)Portantiero, Jose Carlos. (1988), Los Usos de Gramsci. Colección el Tempo de la Politica. México, Folios Edicciones. , Gramsci foi apresentado pelo PCI na América Latina de forma “ortodoxamente leninista”, na década de 1950. Isso, contudo, não se deveu a um estudo profundo das notas do autor, mas ao temor de que a crítica das condições que tornaram possível a ditadura burocrática stalinista pudessem tornar Gramsci um fundamento do stalinismo e uma alternativa ao leninismo. Uma década depois, contudo, Gramsci foi apresentado como uma forma de precursor de vastas alianças democráticas. O que variou, portanto, foram “as necessidades políticas conjunturais do grupo dirigente do PCI” ( Portantiero, 1988Portantiero, Jose Carlos. (1988), Los Usos de Gramsci. Colección el Tempo de la Politica. México, Folios Edicciones.: 69).

Em 1981, Coutinho deixou o PCB e, em 1988, filiou-se ao PT, onde permaneceu até a criação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em 2004, do qual foi fundador. A ruptura com o PCB foi, de fato, a culminância de conflitos existentes desde a década de 1960, que se aprofundaram após sua estadia na Europa e o estreitamento dos vínculos com o comunismo italiano. De acordo com o autor, o ensaio “A democracia como valor universal” havia sido um limitado e ambíguo acerto de contas com a tradição terceiro-internacionalista que Coutinho procurou “corrigir” em “Democracia e Socialismo: questões de princípio”, publicado originalmente em 1989 (cf. Coutinho, 2008Coutinho, Carlos Nelson. (2008), “Democracia e Socialismo: Questões de Princípio”, in: Coutinho, Carlos Nelson, Contra a Corrente: Ensaios Sobre Democracia e Socialismo. São Paulo, Cortez.: 15).

No ensaio de 1979, como naquele de 1989, tratava de esclarecer os vínculos entre a democracia e o socialismo a partir da superação da interpretação dogmática do marxismo, o “marxismo-leninismo” do regime soviético sob o governo de Stálin. Na interpretação do PCUS, a democracia não seria mais do que uma etapa no caminho para o socialismo, algo provisório e descartável no período da “ditadura do proletariado” (cf. Coutinho, 2008Coutinho, Carlos Nelson. (2008), “Democracia e Socialismo: Questões de Princípio”, in: Coutinho, Carlos Nelson, Contra a Corrente: Ensaios Sobre Democracia e Socialismo. São Paulo, Cortez.: 19). A proposta de Coutinho, em 1979, que o autor buscou esclarecer uma década depois, baseava-se nos vínculos inelimináveis entre democracia e socialismo; ou, pode-se dizer, na complementaridade das duas formas políticas.

Os debates desenvolvidos no interior do PCB desde a sua criação foram, em grande medida, definidos pelas problemáticas sobre a caracterização do capitalismo brasileiro e sobre os caminhos para a revolução socialista diante de uma aparente dualidade estrutural composta por relações arcaicas e modernas (cf. Del Roio, 1990Del Roio, Marcos. (1990), A Classe Operária na Revolução Burguesa. A Política de Alianças do PCB: 1928-1935. Belo Horizonte, Oficina de livros. ). Nesse sentido, os processos de modernização a partir da conciliação entre as frações das classes dominantes para a manutenção do latifúndio na sociedade capitalista, trazidos a lume a partir do conceito de via prussiana, tornaram-se centrais na reflexão de Coutinho na segunda metade dos anos 1970. Após seu retorno ao Brasil, no entanto, o autor integrou o conceito de revolução passiva à análise.

No ensaio “Gramsci e nós” (1980) Coutinho propôs uma diferenciação importante entre os conceitos de via prussiana e revolução passiva: enquanto Gramsci definiria as implicações superestruturais da modernização capitalista, a via prussiana trataria das “raízes econômicas da modernização capitalista” ( Coutinho, 1980Coutinho, Carlos Nelson. (1980), A Democracia Como Valor Universal. São Paulo, Editora Ciências Humanas.: 57). Posteriormente, o autor pareceu inverter sutilmente a ordem de importância no uso dos dois conceitos: a revolução passiva alcançou o primeiro plano na análise; contudo, manteve a relação de complementaridade. Em As categorias de Gramsci e a realidade brasileira , de 1985, Coutinho afirmou a insuficiência do conceito de Lênin para “compreender plenamente as características supra-estruturais ”, devendo, por isto, ser “complementado” pela noção gramsciana de revolução passiva ( Coutinho, 1988Coutinho, Carlos Nelson. (1988), “As Categorias de Gramsci e a Realidade Brasileira”, in: Coutinho, Carlos Nelson; Nogueira, Marco Aurélio (orgs.), Gramsci e a América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra.: 107).

Por essa via o autor alcançou uma formulação capaz de superar a dualidade estrutural entre o arcaico e o moderno, que caracterizou décadas de debates do PCB, apontando para a especificidade do capitalismo brasileiro: na revolução passiva brasileira, o latifúndio e a dependência do imperialismo não precisaram ser superados para a instalação do capitalismo. Ao contrário, os estamentos e as relações tradicionais de poder foram absorvidos no interior do movimento de modernização presidido pelo Estado. Deste modo,

as opções concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou indiretamente ligadas à transição para o capitalismo [...] encontraram uma solução “pelo alto”, ou seja, elitista e antipopular ( Coutinho, 1988Coutinho, Carlos Nelson. (1988), “As Categorias de Gramsci e a Realidade Brasileira”, in: Coutinho, Carlos Nelson; Nogueira, Marco Aurélio (orgs.), Gramsci e a América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra.: 106-107).

Para Carlos Nelson Coutinho (2011aCoutinho, Carlos Nelson. (2011a), “Marxismo e ‘Imagem do Brasil’ em Florestan Fernandes”, in: Coutinho, Carlos Nelson, Cultura e Sociedade no Brasil: Ensaio sobre Ideias e Formas. São Paulo, Expressão Popular.: 231-232), no entanto, o que especificaria a revolução passiva brasileira seria o desenvolvimento capitalista nacional e não a dependência externa. Baseado na articulação entre via prussiana e revolução passiva, o autor entendeu que o elemento “decisivo” da via “não clássica” seria um fator interno – a questão agrária não resolvida –, de modo que a dependência externa não se caracterizava como especificidade central desta via. Desse modo, perdeu-se de vista a íntima articulação entre dominação externa e manutenção do latifúndio, da economia agrário-exportadora e do poder das oligarquias rurais como estruturas coloniais. Em outros termos, a leitura de Coutinho, ao tratar as questões internas como autônomas às relações externas, deixou de perceber no conjunto as especificidades do processo de formação do Estado nacional; isto é, a reprodução reiterada das relações de dependência externa e a permanência de estruturas coloniais internas.

A revolução passiva na interpretação de Luiz Werneck Vianna

A trajetória de Luiz Werneck Vianna foi fortemente marcada pela sua militância no PCB entre os anos de 1960, quando se filiou ao partido, até 1981, quando deixou de pertencer aos seus quadros. Vianna não se reconhecia entre os militantes de “ultraesquerda”, principalmente entre aqueles que aderiram à luta armada. Sua atuação definia-se mais especificamente pelo trabalho nos Centros Populares de Cultura (CPCs), da União Nacional dos Estudantes (UNE), pelos debates nos ambientes intelectuais universitários e, posteriormente, no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) (cf. Vianna, 2008Vianna, Luiz Werneck. (2008). “Entrevista com Werneck Vianna” (por Maria Alice R. de Carvalho). Gramsci e o Brasil. Disponível em: <https://www.acessa.com/gramsci/texto_impressao.php?id=1001>.
https://www.acessa.com/gramsci/texto_imp...
; 2013Vianna, Luiz Werneck. (2013), Luiz Jorge Werneck Vianna (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV; LAU/IFCS/UFRJ; ISCTE/IUL; IIAM. ). No entanto, esse traço pessoal do autor não o isentou da perseguição política pela ditadura nos anos 1970, justamente nos anos em que desenvolvia sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo, sobre o processo de modernização brasileira frente aos entraves sociais, políticos e institucionais para a ampliação do liberalismo, publicada depois com o título Liberalismo e Sindicato no Brasil .

Nesse período, Vianna esteve na URSS com outros universitários militantes do PCB pertencentes ao grupo de estudos d’ O Capital , do qual participava também Carlos Nelson Coutinho. Essa oportunidade abriu caminho para a leitura dos textos de Lênin sobre a questão agrária e de Gramsci sobre o fordismo, que, segundo o autor, foram fundamentais para o desenvolvimento dos argumentos principais de sua tese. De acordo com Vianna:

Eu tinha dominado as linhas gerais do argumento, tinha lido muita coisa sobre o período Vargas, eu dava cursos sobre o período, mas não era capaz de produzir uma explicação sobre o que tinha sido aquele período. Então, essas leituras contribuíram para que as coisas fossem fazendo sentido: O capital , os textos agrários do Lenin e, finalmente, a leitura do Gramsci, que foi uma leitura da minha geração. Gramsci começa a existir no Brasil a partir da minha geração e, para mim, seu texto mais influente foi Americanismo e Fordismo, uma reflexão sobre o corporativismo na Itália, que acabou entrando como um fiat lux na minha tese. A partir daí, eu me tornei capaz de falar sobre o período Vargas com propriedade ( Vianna, 2008Vianna, Luiz Werneck. (2008). “Entrevista com Werneck Vianna” (por Maria Alice R. de Carvalho). Gramsci e o Brasil. Disponível em: <https://www.acessa.com/gramsci/texto_impressao.php?id=1001>.
https://www.acessa.com/gramsci/texto_imp...
: 6).

Em Liberalismo e Sindicato no Brasil , o conceito leninista de via prussiana estruturou a argumentação principal sobre o processo de modernização por meio de uma “revolução pelo alto”. Para Vianna, assim como para Coutinho, enquanto a via prussiana seria uma forma econômica de modernização, a revolução passiva seria o seu correspondente político ( Vianna, 1976Vianna, Luiz Werneck. (1976), Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra.: 126 e 141). Por outro lado, os conceitos gramscianos de hegemonia, Estado integral, sociedade civil, bom senso e classes subalternas (mobilizados por Gramsci principalmente no Q. 22, A mericanismo e Fordismo ) estruturam a pesquisa de Vianna sobre o desenvolvimento do liberalismo em países hegemônicos, como a América do Norte ( Vianna, 1976Vianna, Luiz Werneck. (1976), Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra. ). A revolução “pelo alto” no Brasil então:

corresponderia à situação em que a modernização e o capitalismo transformam a economia feudal [...] tendo como agente decisivo a grande propriedade de renda da terra, [deste modo], a liquidação das antigas relações de propriedade no campo não se faz num só processo, mas por uma adaptação progressiva, mais lenta nuns casos do que noutros, ao capitalismo [...]. Mas se a modernização “pelo alto” consiste numa forma de induzir a modernização econômica através da intervenção política, implica de outro lado, numa “conservação” do sistema político [...]. Num certo sentido, toda revolução “pelo alto” assume a configuração particular de uma “revolução passiva”, como Gramsci descreveu no Risorgimento , isto é, de uma revolução sem revolução, se bem que a recíproca não seja verdadeira, como ilustra o caso inglês ( Vianna, 1976Vianna, Luiz Werneck. (1976), Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra.: 128; 141).

A revolução pelo alto seria concretizada, portanto, a partir de dois processos de modernização que ocorrem de forma articulada no âmbito econômico e político no Brasil. Assim, a via prussiana caracterizaria o processo de desenvolvimento socioeconômico cujo principal elemento seria a “adaptação progressiva” às estruturas do capitalismo sem que fossem eliminadas completamente as relações de produção baseadas na grande propriedade. Por outro lado, o problema do Estado e da modernização das relações políticas, enfrentados a partir do conceito de revolução passiva (ou da revolução sem revolução), concentrar-se-iam na “intervenção política” garantidora da conservação, ou, pode-se dizer, da face autoritária das instituições de Estado que absorveram o sindicalismo nas décadas de 1930 e 1940. Desse modo, a revolução pelo alto e a revolução sem revolução não identificar-se-iam necessariamente, mas, ao contrário disso, seriam processos históricos que poderiam ou não ser concomitantes em diferentes contextos nacionais.

Nos anos 1980, após sua saída do PCB, Vianna passou a desenvolver diferentes projetos editoriais de intervenção na conjuntura. Entre eles, a criação da revista Presença , cujo primeiro volume foi publicado em 1983. De acordo com o autor, Presenç a foi uma “tentativa de reordenação da ideia de comunismo no Brasil” ( Vianna, 2013Vianna, Luiz Werneck. (2013), Luiz Jorge Werneck Vianna (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV; LAU/IFCS/UFRJ; ISCTE/IUL; IIAM.: 34). Nos ensaios publicados na revista é possível encontrar conceitos de Gramsci e Lênin mobilizados conjuntamente ( Vianna, 1983Vianna, Luiz Werneck. (1983), “Problemas de Política e Organização dos Intelectuais”. Presença, n. 1, pp. 137-151. ), tanto quanto a utilização de termos como “modernização autoritária” sem menção a nenhum dos referidos autores ( Vianna, 1987Vianna, Luiz Werneck. (1987), “A Esquerda do PMDB e a Solução Democrática da Transição”. Presença, n. 9, pp. 06-17. ).

No entanto, em 1997 Vianna publicou A revolução passiva, iberismo e americanismo no Brasil , obra que reúne uma série de ensaios escritos ao longo da década de 1990. Nesse livro, o conceito de revolução passiva constitui o núcleo central de uma análise sobre o Brasil que evidencia o total afastamento do projeto intelectual de vertente comunista. De acordo com Maria Alice Rezende de Carvalho, o interlocutor oculto nessa obra seria o PT, entendido como decisivo no processo de liberalização política em curso nos anos 1980 e 1990. A intenção de Vianna seria então “afirmar a democracia como núcleo de interpretação da esquerda brasileira acerca da sua própria forma de inserção na revolução passiva” ( Carvalho, 1997Carvalho, Maria Alice. (1997), “Prefácio”, in: Vianna, Luiz Werneck, A Revolução Passiva: Iberismo e Americanismo no Brasil. Rio de Janeiro, Revan.: 29).

No entanto, diferente do eurocomunismo, não pretendia refundar o Estado a partir do socialismo ou do comunismo, mas da constituição de uma república liberal. Em outros termos, para Vianna, tratava-se não de refundar revolucionariamente a ordem social, mas de erodir as bases de legitimação do poder autoritário ( Carvalho, 1997Carvalho, Maria Alice. (1997), “Prefácio”, in: Vianna, Luiz Werneck, A Revolução Passiva: Iberismo e Americanismo no Brasil. Rio de Janeiro, Revan.: 8). Sendo assim, a revolução passiva deveria evoluir de uma forma histórica de constituição do Estado a uma estratégia de transformação política, operando uma espécie de positivação no conceito. Dito de outro modo, Vianna propunha a revolução passiva como programa de ação das classes subalternas que deveriam “opor sua guerra de posição à guerra de posição da burguesia” ( Vianna, 1997Vianna, Luiz Werneck. (1997), A Revolução Passiva: Iberismo e Americanismo no Brasil. Rio de Janeiro, Revan.: 76).

Destarte, como procuramos demonstrar, entre 1970 e 1980 Coutinho e Vianna percorreram caminhos bastante similares na definição da revolução passiva como forma política da modernização capitalista brasileira. Ambos diferenciaram os processos políticos e econômicos de modernização a partir do uso conjunto dos conceitos de via prussiana e de revolução passiva e convergiram no enfoque da questão agrária não resolvida como principal característica da modernização capitalista brasileira.

A distinção entre os dois conceitos, no entanto, opera um corte estanque entre processos econômicos e políticos definidores da revolução passiva, obstruindo a análise do impacto econômico das relações entre centro e periferia que o conceito poderia iluminar. De acordo com José Aricó (1988)Aricó, José. (1988), La Cola del Diablo: Itinerário de Gramsci na América Latina. Buenos Aires, Punto Sur Editores. , esse uso complementar dos conceitos de Lenin e de Gramsci anularia a potencialidade analítica da categoria gramsciana, reduzindo o conceito de revolução passiva “a uma forma de coroamento superestrutural de um modelo factível de ser aplicado a certas realidades latino-americanas” ( Aricó, 1988Aricó, José. (1988), La Cola del Diablo: Itinerário de Gramsci na América Latina. Buenos Aires, Punto Sur Editores.: 156, nota 98). De acordo com o autor, a categoria de via prussiana teria sido aplicada à América Latina de forma indevida e sem um prévio reconhecimento do terreno nacional específico, posto que se orientava por esquemas abstratos que a aproximavam do modo impróprio da realidade russa ( Aricó, 1988Aricó, José. (1988), La Cola del Diablo: Itinerário de Gramsci na América Latina. Buenos Aires, Punto Sur Editores.: 157).

Do mesmo modo, a abordagem superestrutural do conceito de revolução passiva impossibilitava sua completa nacionalização na medida em que obstruía o avanço da análise para as condições locais; ou seja, para o estudo das estruturas específicas da colônia. Como já observou Francisco de Oliveira (2003Oliveira, Francisco. (2003), Crítica à Razão Dualista: o Ornitorrinco. São Paulo, Boitempo.: 126-127), há uma lacuna na análise do subdesenvolvimento latino-americano “como um caso da ‘revolução passiva’, que é a opção de Carlos Nelson Coutinho e Luís Werneck Vianna”, que consiste justamente na ausência de um tratamento adequado “do estatuto de ex-colônias, que lhe dá a especificidade política”. Essa observação de Oliveira é pertinente na medida em que as condições específicas da colônia brasileira – a escravidão e a economia voltada para fora, que lhe imprimiram características dependentes desde sua formação – estão ausentes da produção desses autores.

Como se vê, embora no Brasil a tradução do conceito de revolução passiva tenha avançado nos anos 1970 e 1980, ela ainda apresentava dificuldades na apropriação e recriação do conceito nas condições específicas da América Latina. Deve-se destacar, em particular, que o esforço de nacionalização do conceito de revolução passiva, ao aproximar-se demasiadamente da elaboração de via prussiana, aplicava na análise do Brasil elementos formulados a partir de um país agrário e periférico (a Rússia), tal como o Brasil. Porém, a relação da periferia latino-americana com o centro capitalista possui especificidades históricas, políticas e econômicas – principalmente no que se refere à colonização – que não poderiam ser negligenciadas. Na análise da revolução passiva brasileira o estudo do desenvolvimento econômico precisa estar conectado ao desenvolvimento político. Do mesmo modo, a investigação das condições nacionais não pode ser apartada das relações internacionais, da relação entre centro e periferia, sem que se perca de vista o objeto de análise. Outrossim, pode-se afirmar que a utilização da via prussiana para a interpretação do Brasil, sem mediações, resultaria em uma abordagem de tipo generalizante ou sociológico, existente, por exemplo, na elaboração de Moore (1975)Moore Junior, Barrington. (1975), As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia: Senhores e Camponeses na Construção do Mundo Moderno. São Paulo, Martins Fontes. acerca do papel das elites agrárias no processo de modernização – bastante diferente da orientação gramsciana de atenção às particularidades históricas e de recusa à padronização teórica.

Revolução passiva na periferia da periferia: dependência e colonialismo

Pode-se dizer que a revolução passiva constituiu a forma concreta de expansão das revoluções burguesas numa época de restaurações conservadoras; ou seja, após o primeiro período da Revolução Francesa (1789-1815). A partir disto, Gramsci indicou a importância dos fatores internacionais para a análise do desenvolvimento nacional na Itália8 8 . Ver Q. 8, § 36; Q. 8, §39, texto A (retomado junto com o Q. 8 § 25 no Q. 10II, § 41.XIV); Q. 8, § 51; Q10II, § 61; Q15, §§ 11 e 25. . Desse modo, na formação dos Estados europeus, a Revolução Francesa atuou ao mesmo tempo como propulsora e limitadora do desenvolvimento capitalista e da democracia liberal, fixando as fronteiras do desenvolvimento no interior das relações entre centro e periferia capitalista. Enquanto no centro do sistema em formação as revoluções nacionais tiveram seu núcleo dinâmico na sociedade civil, entre os grupos até então subalternos que constituíam a nascente burguesia, na periferia o processo de modernização foi presidido pelo alto, pelo Estado, com a absorção molecular das lideranças das classes subalternas no interior do aparelho estatal e definindo um modelo restrito de liberalismo. Esse processo resultou no maior protagonismo dos intelectuais que dirigem o aparelho de Estado e na menor organização das classes sociais subalternas. Como disse Gramsci:

quando o impulso para o progresso não é estreitamente ligado a um amplo desenvolvimento local que é artificialmente limitado e reprimido, mas é reflexo do desenvolvimento internacional que envia para a periferia suas correntes ideológicas, nascidas com base no desenvolvimento produtivo dos países mais evoluídos – o grupo portador de novas ideias não é o grupo econômico, mas a camada dos intelectuais [...] (Q.10, § 61:1360, grifos nossos).

Gramsci chamou a atenção, portanto, para o caráter simultaneamente limitado e externamente impulsionador do desenvolvimento capitalista na periferia. Mais especificamente, o desenvolvimento da periferia foi definido como reflexo do desenvolvimento internacional. Na América Latina, periferia da periferia, os problemas dos limites do desenvolvimento econômico e político constituíram-se no processo de exploração colonial no passado e vêm sendo permanentemente repostos pelas relações de subalternidade e dependência externa no presente. Desse modo, na América Latina, tornou-se possível “ocorrer uma modernização capitalista sem que o latifúndio pré-capitalista e a dependência do imperialismo sejam obstáculos intransponíveis” ( Aricó, 1988Aricó, José. (1988), La Cola del Diablo: Itinerário de Gramsci na América Latina. Buenos Aires, Punto Sur Editores.: 108).

No processo de formação do Estado nacional brasileiro, portanto, o estatuto colonial foi superado em seu status jurídico-político sem que o seu substrato material, social e moral tenha sido alterado estruturalmente. A permanência da escravidão, da grande lavoura e da mineração como principais fontes de acumulação de capital impuseram a perpetuação das estruturas do mundo colonial como suporte para a construção da sociedade nacional. Como observou Florestan Fernandes (1975)Fernandes, Florestan. (1975), Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América latina. Rio de Janeiro, Zahar editores. , a implementação do liberalismo no país prosperou num caráter meramente instrumental, mantendo a íntima articulação entre o latifúndio, a economia agrário-exportadora e o poder das oligarquias rurais, cuja atividade e sentido estiveram desde o início voltados para fora. Destarte, a constituição do Estado-nação não rompeu com as relações de subordinação externa. Ao contrário, deslocaram-na do estatuto colonial para as relações comerciais, reelaborando os vínculos de subalternidade e exploração externa em bases dependentes modernas. Neste sentido, a nacionalização do conceito de revolução passiva no Brasil tornou-se incompleta na medida em que não assimilou as particularidades da formação do Estado na periferia da periferia.

Um dos poucos autores que abordou a perspectiva nacional-internacional para definição da revolução passiva, considerando o imperialismo e a dependência, ainda que não tenha avançado para a análise do colonialismo, foi Burity (1988)Burity, Joanildo. (1988), “Estado e Capitalismo na Revolução Passiva Brasileira”. Cadernos de Estudos Sociais, v. 4, n. 2, pp. 175-93. . O autor sublinhou a fundamental distinção entre o padrão de desenvolvimento capitalista latino-americano e aquele que caracteriza os países europeus. Burity coloca em primeiro plano a influência do imperialismo na formação do capitalismo tardio brasileiro e a constituição das relações de dependência. Desse modo, o autor relacionou de modo eficiente o “atraso” no desenvolvimento industrial e a realização de uma estratégia estatista e autoritária de modernização capitalista.

Digno de nota, na bibliografia mais recente, é o artigo de Marcos Del Roio, Translating passive revolution in Brazil (2012). Em um esforço de tradução da revolução passiva para o Brasil, embora o autor tenha avaliado que as “noções de desenvolvimento por associação dependente” fossem de pouca ajuda, considerou central a ação do imperialismo norte-americano como força restauradora responsável por bloquear as revoluções democráticas na América latina. Neste contexto de análise, como mostra Del Roio, o sistema colonial se tornou objeto de interesse para a definição da revolução burguesa no Brasil pelas diferentes correntes interpretativas do pensamento marxista entre as décadas de 1960 e 1980, em especial Caio Prado Jr., Jacob Gorender e Nelson W. Sodré – todos intelectuais vinculados ao PCB. Esses debates intelectuais no campo marxista se concentraram, sobretudo, na definição do sistema colonial e sobre a tese da feudalidade brasileira, sustentada por Sodré (1978), cujas lentes nacionais serviram de base para a tradução proposta por Del Roio. A ênfase dessas análises recaiu, portanto, sobre a caracterização do capitalismo brasileiro – de cuja definição dependia, entre os anos 1960 e 1970, da estratégia de organização do PCB – e não propriamente sobre o colonialismo e sua perpetuação na esfera social, política e cultural.

Logo, as interpretações do Brasil no âmbito do PCB, ou de intelectuais oriundos dele, que ora cindiram a análise entre o nacional e o internacional e ora deixaram escapar o nexo imperialismo, dependência e colonialismo, parecem corroborar a hipótese proposta por Ballestrin (2017Ballestrin, Luciana. (2017), “Modernidade/Colonialidade Sem ‘Imperialidade’? O Elo Perdido do Giro Decolonial”. DADOS, v. 60, n. 2, pp. 505-540.: 506), segundo a qual constituiu-se uma “divisão do trabalho teórico” entre o marxismo e o pós-colonialismo. Enquanto o primeiro se encarregou do estudo de processos que foram delimitados à esfera socioeconômica, como o imperialismo, ao segundo coube a análise do colonialismo (implicado na esfera cultural). Segundo a autora, essa divisão do trabalho teórico redundou em prejuízos para ambos os campos na medida em que tratou de maneira autônoma dois fenômenos imbricados e relacionados.

Diante disto, Ballestrin questiona às teorias pós-coloniais se “o colonialismo poderia sobreviver e ser reproduzido sem o imperialismo” ( Ballestrin, 2017Ballestrin, Luciana. (2017), “Modernidade/Colonialidade Sem ‘Imperialidade’? O Elo Perdido do Giro Decolonial”. DADOS, v. 60, n. 2, pp. 505-540.: 506-507). Do mesmo modo, pode-se inquirir às análises marxistas sobre a possibilidade da constituição e consolidação do imperialismo sem a dependência e o colonialismo. Torna-se evidente, deste modo, que o problema da relação nacional-internacional, indicado por Gramsci no cárcere para a definição da revolução passiva, ainda não foi suficientemente explorado, indicando um campo de estudos a ser investigado.

Considerações finais

A existência de uma cultura intelectual comunista, com certas referências compartilhadas, é um ponto de partida essencial para a compreensão e apropriação do conceito de revolução passiva no Brasil. É preciso considerar que essa cultura foi estabelecida com a constituição dos PCs, que criaram um conjunto de iniciativas para a produção e circulação de ideias. Se, por um lado, tais iniciativas fizeram com que se difundisse um marxismo vulgarizado, convertido em instrumento de defesa internacional da linha política do comunismo soviético, por outro, fez com que a cultura comunista tivesse um caráter internacional ( Wolikow, 2010bWolikow, Serge. (2010b), “Problèmes Méthodologiques et Perspectives Historiographiques de l’Histoire Comparée du Communisme”, Cahiers d’histoire. Revue d’histoire critique, 112-113, pp. 19-24. ). Nos anos 1950, a cultura comunista internacional passou a contar com iniciativas políticas de grupos que lutavam contra a dominação e exploração colonial, de modo que emergiu com centralidade o que se chamou de questão nacional. Esse movimento político teve como consequência as iniciativas de renovação também da teoria política marxista e de sua nacionalização.

A partir dos anos de 1970-1980, o conceito de revolução passiva foi mobilizado para a interpretação do Brasil com ênfase nos elementos superestruturais e na aproximação, ou quase assimilação, do conceito de via prussiana. A ênfase nos aspectos internos da revolução passiva teve como consequência o abandono da atenção às relações com os países centrais do capitalismo e, consequentemente, da colonização e da dependência como traços distintivos de nossa formação social. A particularidade latino-americana da revolução pelo alto, do protagonismo do Estado e dos seus intelectuais – determinada pela inserção tardia no sistema capitalista internacional, que define a problemática da dependência e do colonialismo – foi, como procuramos mostrar, por muito tempo subsumida por interpretações que tornavam o desenvolvimento europeu padrão único e universal de desenvolvimento capitalista. A partir dessa particularidade são as classes, e não o Estado, as protagonistas principais do desenvolvimento capitalista também na América Latina. No Brasil, quando finalmente houve maior abertura para a interpretação particular da periferia nas décadas de 1970 e 1980, o conceito de revolução passiva, atado àquele de via prussiana e limitado a efeitos superestruturais, permaneceu fragilizado e impedido de dar mostras de sua potencialidade explicativa, definindo o que chamamos aqui de uma nacionalização imperfeita.

Referências

  • Aricó, José. (1988), La Cola del Diablo: Itinerário de Gramsci na América Latina. Buenos Aires, Punto Sur Editores.
  • Ballestrin, Luciana. (2017), “Modernidade/Colonialidade Sem ‘Imperialidade’? O Elo Perdido do Giro Decolonial”. DADOS, v. 60, n. 2, pp. 505-540.
  • Barão, Carlos Alberto. (2003), “A Influência da Revolução Cubana sobre a Esquerda Brasileira Nos Anos 1960”, in: Quartim de Moraes, Joãoe Aarão Reis, Daniel (orgs.), História do marxismo no Brasil: o impacto das revoluções. Campinas, Editora Unicamp.
  • Bianchi, Alvaro. (2018), O Laboratório de Gramsci: Filosofia, História e Política. Porto Alegre, Zouk.
  • Burity, Joanildo. (1988), “Estado e Capitalismo na Revolução Passiva Brasileira”. Cadernos de Estudos Sociais, v. 4, n. 2, pp. 175-93.
  • Carvalho, Maria Alice. (1997), “Prefácio”, in: Vianna, Luiz Werneck, A Revolução Passiva: Iberismo e Americanismo no Brasil. Rio de Janeiro, Revan.
  • Coutinho, Carlos Nelson. (1980), A Democracia Como Valor Universal. São Paulo, Editora Ciências Humanas.
  • Coutinho, Carlos Nelson. (1988), “As Categorias de Gramsci e a Realidade Brasileira”, in: Coutinho, Carlos Nelson; Nogueira, Marco Aurélio (orgs.), Gramsci e a América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
  • Coutinho, Carlos Nelson.. (1990), “Cidadão Brasileiro”. Revista Teoria e Debate, v. 9. Disponível em:<https://teoriaedebate.org.br/1990/01/06/cidadao-brasileiro>.
    » https://teoriaedebate.org.br/1990/01/06/cidadao-brasileiro>
  • Coutinho, Carlos Nelson. (2007), “Gramsci no Brasil: Recepção e Usos”, in: Moraes, João Quartim (org.), História do Marxismo no Brasil, v. 3. Campinas, Editora Unicamp.
  • Coutinho, Carlos Nelson. (2008), “Democracia e Socialismo: Questões de Princípio”, in: Coutinho, Carlos Nelson, Contra a Corrente: Ensaios Sobre Democracia e Socialismo. São Paulo, Cortez.
  • Coutinho, Carlos Nelson. (2011a), “Marxismo e ‘Imagem do Brasil’ em Florestan Fernandes”, in: Coutinho, Carlos Nelson, Cultura e Sociedade no Brasil: Ensaio sobre Ideias e Formas. São Paulo, Expressão Popular.
  • Coutinho, Carlos Nelson. (2011b), “O Significado de Lima Barreto na Literatura Brasileira”, in: Coutinho, Carlos Nelson, Cultura e Sociedade no Brasil: ensaio sobre ideias e formas. São Paulo, Expressão Popular.
  • Del Roio, Marcos. (1990), A Classe Operária na Revolução Burguesa. A Política de Alianças do PCB: 1928-1935. Belo Horizonte, Oficina de livros.
  • Coutinho, Carlos Nelson. (2011), “Notas sobre a Trajetória de Gramsci na América Latina”. Revista Crítica Marxista, n. 33, pp. 127-130.
  • Coutinho, Carlos Nelson. (2012), “Translating Passive Revolution in Brazil”. Capital & Class, v. 36, n. 2, pp. 215-234. Disponível em<https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0309816812437920>.
    » https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0309816812437920>
  • Dias, Edmundo Fernandes. (1991), “Gramsci: Rabo Preso”. Revista Teoria e Debate, n. 14. Disponível em: <https://teoriaedebate.org.br/1991/06/09/gramsci-rabo-preso/>.
    » https://teoriaedebate.org.br/1991/06/09/gramsci-rabo-preso/>
  • Dias, Edmundo Fernandes. (1996), O outro Gramsci. São Paulo, Xamã.
  • Dias, Edmundo Fernandes. (1994). “Sobre a Leitura dos Textos Gramscianos: Usos e Abusos”. Revista Ideias, n. 1, ano 1, pp. 111-138.
  • Fernandes, Florestan. (1975), Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América latina. Rio de Janeiro, Zahar editores.
  • Gerratana, Valentino. (2007), “Apparato Critico”, in: Gramsci, Antônio, Quaderni del Carcere, v. 4. Torino, Einaudi.
  • Góes, Camila; Ricupero, Bernardo. (2013), “Revolução Passiva no Brasil: Uma Ideia Fora do Lugar?”. Tempo da Ciência, v. 20, n. 40, pp. 161-192.
  • Gramsci, Antonio. (2007), Quaderni del Carcere: Edizione Critica dell’Istituto Gramsci a Cura di Valentino Gerratana. Torino, Einaudi.
  • Jeifets, Víctor; Jeifets, Lazar. (2015), América Latina en la Internacional Comunista 1919-1943: Diccionario Biográfico. Santiago, Ariadna Ediciones.
  • Konder, Leandro. (1991), “Carlos Nelson Coutinho (N. em 1943)”, in: Konder, Leandro, Intelectuais Brasileiros & Marxismo. Belo Horizonte, Oficina de Livros.
  • Liguori, Guido; Voza, Pasquale. (2017), Dicionário Gramsciano (1926-1937). São Paulo, Boitempo.
  • Massardo, Jaime. (1999), “La Recepción de Gramsci em America Latina: Cuestiones de Orden Teórico y Politico”. International Gramsci Society Newsletter, n. 9. Disponível em: <http://www.internationalgramscisociety.org/igsn/articles/a09_s3.shtml>.
    » http://www.internationalgramscisociety.org/igsn/articles/a09_s3.shtml>
  • Moore Junior, Barrington. (1975), As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia: Senhores e Camponeses na Construção do Mundo Moderno. São Paulo, Martins Fontes.
  • Nogueira, Marco Aurélio. (1988), “Gramsci, a Questão Democrática e a Esquerda no Brasil”, in Coutinho, Carlos Nelson; Nogueira, Marco Aurélio (orgs.), Gramsci e a América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
  • Nogueira, Marco Aurélio. (1998), As Possibilidades da Política: Ideias para a Reforma Democrática do Estado. São Paulo, Paz e Terra.
  • Oliveira, Francisco. (2003), Crítica à Razão Dualista: o Ornitorrinco. São Paulo, Boitempo.
  • PCB. (1955), “Programa do Partido Comunista do Brasil”, in: Problemas Revista Mensal de Cultura Política, n. 64, dez. de 1954 a fev. de 1955. Disponível em:<https://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/64/programa.htm Consultado em 22/06/19>.
    » https://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/64/programa.htm
  • Portantiero, Jose Carlos. (1988), Los Usos de Gramsci. Colección el Tempo de la Politica. México, Folios Edicciones.
  • Portantiero, Jose Carlos. (1989), “O Marxismo Latino-Americano”, in: Hobsbawm, E. J. História do Marxismo, v. 11. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
  • Prado Júnior, Caio. (1987), A Revolução Brasileira. São Paulo, Brasiliense.
  • Ricupero, Bernardo. (2000), Caio Prado Jr. e a Nacionalização do Marxismo no Brasil. São Paulo, Editora 34.
  • Roberts, Philip. (2018), “Gramsci in Brazil: From the PCB to the MST”. Thesis Eleven, v. 147, n. 1, pp. 62-75.
  • Roccu, Roberto. (2017), “Passive Revolution Revisited: From the Prison Notebooks to Our ‘Great and Terrible World’”. Capital & Class, v. 41, n. 3, pp. 537-559.
  • Said, Ana Maria. (2009), Uma Estratégia para o Ocidente: o Conceito de Democracia em Gramsci e o PCB. Uberlândia, EDUFU.
  • Secco, Lincoln. (2002), Gramsci e o Brasil: Recepção e Difusão de Suas Ideias. São Paulo, Cortez.
  • Secco, Lincoln. (2006), Gramsci e a Revolução. São Paulo, Alameda.
  • Sodré, Nelson Werneck. (1978), Introdução à Revolução Brasileira. São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas Ltda.
  • Tápia, Luis. (2002), La Producción del Conocimiento Local. La Paz, Muela del Diablo.
  • Thomas, Peter. (2018), “Gramsci’s Revolutions: Passive and Permanent”, Modern Intellectual History, v. 17, n. 1, pp. 1-30.
  • Vianna, Luiz Werneck. (1976), Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
  • Vianna, Luiz Werneck. (1983), “Problemas de Política e Organização dos Intelectuais”. Presença, n. 1, pp. 137-151.
  • Vianna, Luiz Werneck. (1987), “A Esquerda do PMDB e a Solução Democrática da Transição”. Presença, n. 9, pp. 06-17.
  • Vianna, Luiz Werneck. (1997), A Revolução Passiva: Iberismo e Americanismo no Brasil. Rio de Janeiro, Revan.
  • Vianna, Luiz Werneck. (2008). “Entrevista com Werneck Vianna” (por Maria Alice R. de Carvalho). Gramsci e o Brasil. Disponível em: <https://www.acessa.com/gramsci/texto_impressao.php?id=1001>.
    » https://www.acessa.com/gramsci/texto_impressao.php?id=1001>
  • Vianna, Luiz Werneck. (2013), Luiz Jorge Werneck Vianna (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV; LAU/IFCS/UFRJ; ISCTE/IUL; IIAM.
  • Wolikow, Serge. (2010a), L’Internationale Communiste, 1919-1943: le Komintern ou le Rêve Déchu du Parti Mondial de la Révolution. Paris, Editions de l’Atelier.
  • Wolikow, Serge. (2010b), “Problèmes Méthodologiques et Perspectives Historiographiques de l’Histoire Comparée du Communisme”, Cahiers d’histoire. Revue d’histoire critique, 112-113, pp. 19-24.

Notas

  • 1
    . A recepção do pensamento de Gramsci no Brasil já foi bastante estudada, entre outros, por Bianchi (2018)Bianchi, Alvaro. (2018), O Laboratório de Gramsci: Filosofia, História e Política. Porto Alegre, Zouk. , Coutinho (1990Coutinho, Carlos Nelson.. (1990), “Cidadão Brasileiro”. Revista Teoria e Debate, v. 9. Disponível em:<https://teoriaedebate.org.br/1990/01/06/cidadao-brasileiro>.
    https://teoriaedebate.org.br/1990/01/06/...
    ; 2007Coutinho, Carlos Nelson. (2007), “Gramsci no Brasil: Recepção e Usos”, in: Moraes, João Quartim (org.), História do Marxismo no Brasil, v. 3. Campinas, Editora Unicamp. ), Dias (1994)Dias, Edmundo Fernandes. (1994). “Sobre a Leitura dos Textos Gramscianos: Usos e Abusos”. Revista Ideias, n. 1, ano 1, pp. 111-138. e Secco (2002)Secco, Lincoln. (2002), Gramsci e o Brasil: Recepção e Difusão de Suas Ideias. São Paulo, Cortez. . Por esta razão não vamos nos deter sobre as particularidades do processo como um todo, mas nos interessa especificamente as formas de apropriação do conceito de revolução passiva pelos intérpretes brasileiros. Propomos abordar essas apropriações como parte do esforço de nacionalização do pensamento de Gramsci.
  • 2
    . Adotamos aqui o padrão internacional de citação de Antonio Gramsci nos Quaderni del Cárcere na Edição Crítica organizada por Valentino Gerratana, utilizando a letra “Q” para indicar o caderno, seguida do parágrafo e da página de referência.
  • 3
    . No pensamento político brasileiro a questão se reflete na polêmica entre Sodré (1978)Sodré, Nelson Werneck. (1978), Introdução à Revolução Brasileira. São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas Ltda. e Prado Jr (1987)Prado Júnior, Caio. (1987), A Revolução Brasileira. São Paulo, Brasiliense. entre a tese da feudalidade do Brasil colônia sustentada pelo primeiro e a colônia desde sempre inserida nas relações capitalistas defendidas pelo segundo.
  • 4
    . O autor se queixa de que esse texto foi publicado pela Revista Teoria e Debates com cortes e alteração no título, sem consulta prévia (cf. DIAS, 1996Dias, Edmundo Fernandes. (1996), O outro Gramsci. São Paulo, Xamã.: 183). Esse texto mais tarde foi republicado como “Gramsci no Brasil: o rabo do Diabo”, capítulo do livro O outro Gramsci (1996).
  • 5
    . Até 1975 foram registrados 16 ensaios sobre Gramsci no Brasil, publicados no eixo São Paulo-Rio de Janeiro. Entre 1975 e 1984 registrou-se mais de 200 títulos, expandindo-se da região Sudeste para região Sul e Nordeste ( Secco, 2002Secco, Lincoln. (2002), Gramsci e o Brasil: Recepção e Difusão de Suas Ideias. São Paulo, Cortez. , p. 46-47).
  • 6
    . A edição incluiu todas as notas feitas por Gramsci nos 29 cadernos de tipo escolar, escritos na prisão, excluindo apenas os cadernos de traduções ( Gerratana, 2007Gerratana, Valentino. (2007), “Apparato Critico”, in: Gramsci, Antônio, Quaderni del Carcere, v. 4. Torino, Einaudi. ) e é fundamental para o estudo filológico rigoroso de Gramsci ( Liguori, Voza, 2017Liguori, Guido; Voza, Pasquale. (2017), Dicionário Gramsciano (1926-1937). São Paulo, Boitempo. ).
  • 7
    . Ver Coutinho (1980Coutinho, Carlos Nelson. (1980), A Democracia Como Valor Universal. São Paulo, Editora Ciências Humanas. , nota 13, p. 71) sobre o uso do termo por Lukács.
  • 8
    . Ver Q. 8, § 36; Q. 8, §39, texto A (retomado junto com o Q. 8 § 25 no Q. 10II, § 41.XIV); Q. 8, § 51; Q10II, § 61; Q15, §§ 11 e 25.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2020
  • Revisado
    17 Dez 2021
  • Revisado
    11 Mar 2022
  • Aceito
    15 Mar 2022
Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) R. da Matriz, 82, Botafogo, 22260-100 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel. (55 21) 2266-8300, Fax: (55 21) 2266-8345 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: dados@iesp.uerj.br