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Preferências e Politização do Judiciário no Brasil Contemporâneo: Uma Análise de Casos de Combate à Corrupção* * Os autores agradecem os comentários dos professores Claudio Couto e Maurício Bugarin, assim como os comentários dos pareceristas anônimos da Revista DADOS. O ponto de partida do presente artigo foi a dissertação de mestrado Pretori d’Assalto: A Racionalidade por Trás da Politização do Judiciário, defendida no programa de Mestrado em Economia do Setor Público da Universidade de Brasília.

Preferences and Politicization of the Judiciary in Contemporary Brazil: An Analysis of Anti-Corruption Cases

Préférences et Politisation du Pouvoir Judiciaire dans le Brésil Contemporain: Une Analyse des Cas de Combat à la Corruption

Preferencias y Politización del Poder Judicial en Brasil Contemporáneo: Un Análisis de Casos de Combate a la Corrupción

RESUMO

O objetivo desse artigo é contribuir para a compreensão do fenômeno da politização do Judiciário a partir da análise da figura do juiz como um agente maximizador de utilidade. Fazendo uso de métodos mistos quantitativos e qualitativos o artigo buscou responder à seguinte questão: Como a popularidade e o prestígio gerados no curso de uma operação judicial contra a corrupção política podem influenciar a forma pela qual um determinado juiz irá executar seu trabalho no Brasil? Os seis casos analisados corroboram as hipóteses do estudo ao revelar que a popularidade, o prestígio e a possibilidade de desenvolvimento de uma autoimagem positiva como agente do combate à corrupção são variáveis-chave na análise do fenômeno da politização do Judiciário. A principal contribuição do artigo reside no aprofundamento do entendimento da politização do Judiciário e dos juízes como atores racionais expostos a determinados incentivos e restrições no cenário brasileiro.

análise econômica do direito; economia política; politização do judiciário, ativismo judicial; Brasil contemporâneo

ABSTRACT

The objective of this article is to contribute to the understanding of the phenomenon of the politicization of the judiciary from the analysis of the figure of the judge as a utility-maximizing agent. The study used a combination of quantitative and qualitative methods to address the following question: How can the popularity and prestige generated in the course of a judicial operation against political corruption influence the way in which a particular judge will perform their work in Brazil? The analysis of six cases corroborated the hypotheses of the study by revealing that popularity, prestige and the possibility of developing a positive self-image as an agent in the fight against corruption are key variables in the analysis of the phenomenon of the politicization of the judiciary. The main contribution of the article lies in deepening the understanding of the politicization of the judiciary and of judges as rational actors exposed to certain incentives and restrictions in the Brazilian scenario.

economic analysis of law; political economy; politicization of the judiciary; judicial activism; contemporary Brazil

RÉSUMÉ

L’objectif de cet article est de contribuer à la compréhension du phénomène de politisation du pouvoir judiciaire à partir de l’analyse de la figure du juge en tant qu’un agent maximateur de l’utilité. Utilisant des méthodes mixtes quantitatives et qualitatives, l’article a cherché à répondre à la question suivante : Comment la popularité et le prestige générés au cours d’une opération judiciaire contre la corruption politique peuvent-ils influencer la manière dont un juge donné effectuera son travail au Brésil ? Les six cas analysés corroborent les hypothèses de l’étude en révélant que la popularité, le prestige et la possibilité de développer une image positive de soi en tant qu’agent anticorruption sont des variables-clés dans l’analyse du phénomène de politisation du pouvoir judiciaire. La principale contribution de l’article réside dans l’approfondissement de la compréhension de la politisation du pouvoir judiciaire et des juges en tant qu’acteurs rationnels exposés à certaines incitations et restrictions dans le scénario brésilien.

analyse économique du droit; économie politique; politisation du pouvoir judiciaire; activisme judiciaire; Brésil contemporain

RESUMEN

El objetivo de este artículo es contribuir a la comprensión del fenómeno de la politización del Poder Judicial a partir del análisis de la figura del juez como un agente maximizador de utilidad. Haciendo uso de métodos mixtos, cuantitativos y cualitativos, el artículo busca responder a la siguiente pregunta: ¿Cómo la popularidad y el prestigio generados en el curso de una operación judicial contra la corrupción política pueden influir la forma por medio de la cual un determinado juez ejecutará su trabajo en Brasil? Los seis casos analizados corroboran las hipótesis de estudio al revelar que la popularidad, el prestigio y la posibilidad de desarrollo de una autoimagen positiva como agente del combate a la corrupción son variables clave en el análisis del fenómeno de la politización del Poder Judicial. La principal contribución del artículo reside en profundizar el entendimiento de la politización del Poder Judicial y de los jueces como actores racionales expuestos a determinados incentivos y restricciones en el escenario brasilero.

análisis económico del derecho; economía política; politización del poder judicial, activismo judicial; Brasil contemporáneo

Introdução

A formulação da hipótese do comportamento racional para juízes não é tarefa trivial. Todo o arcabouço legal desenhado para essas carreiras é pensado em separar a ação jurídica dos incentivos de forma que, não por acaso, parte da literatura na área, da mídia e o senso comum esperam que as decisões de juízes sejam independentes das instituições políticas das quais eles foram indicados. Apesar de todo o esforço empregado pelos legisladores no sentido da elaboração de uma arquitetura institucional que insulasse a ação jurídica de incentivos outros que não o da atuação sub lege o fenômeno da politização do judiciário parece ser uma realidade já discernível por parte considerável do mundo jurídico.

A corrupção política é um termo usado pela Transparência Internacional para definir a corrupção de grande envergadura no sistema político e “se revela na manipulação de políticas públicas, interferência nas instituições e mudanças de regras na alocação de recursos e em linhas de financiamento por parte de autoridades, que abusam de sua posição para ganhar poder, status e dinheiro” (Transparência Internacional, 2020). Operações destinadas a combater casos de corrupção política são aquelas em que vários órgãos do estado como polícia, promotores de justiça e juízes atuam no sentido de desvendar esquemas de corrupção, identificar os envolvidos, reparar, na medida do possível, o estado, e punir os responsáveis1 1 . Para além de operações anticorrupção, já existe literatura sobre o implemento de cortes anticorrupção como mostrado por Madeira e Geliski (2021). .

Em casos mais complexos, envolvendo um grande número de investigados, muitos dos quais com muito poder político ou econômico, e que usam sofisticados esquemas para cometimento de ilícitos, percebe-se uma forte interação entre Ministério Público e Polícia Federal, os quais compartilham responsabilidades de investigação e de provocação do Poder Judiciário. Além disso, essas operações frequentemente envolvem outras estruturas do estado como os órgãos de controle interno e externo, órgãos de inteligência financeira além é claro grandes empresas.

Assim, o presente artigo busca responder à seguinte pergunta: Como a popularidade e prestígio potenciais que podem ser gerados no curso de uma operação judicial contra a corrupção política podem influenciar a forma pela qual um determinado juiz irá executar seu trabalho? Nossa investigação busca entender como o desejo de combater a corrupção, a exposição na mídia, a fama e o prestígio podem influenciar o comportamento dos juízes na qualidade de homo economicus no contexto de operações contra a corrupção política. Nossa hipótese de pesquisa é de que existe uma canalização da publicidade que as ações judiciais geram para juízes os quais se beneficiam direta ou indiretamente delas e que, portanto, têm incentivos para proceder de forma politizada.

Dessa forma, e seguindo o comprometimento da economia com o individualismo metodológico em que fenômenos sociais podem ser explicados em termos de ação individual a qual, por sua vez, deve ser explicada através das motivações individuais (Lawrence, David, 2008), esse estudo busca i) desenvolver um referencial teórico ligando a literatura sobre a racionalidade de juízes à literatura nacional sobre o fenômeno da politização do judiciário; ii) testar a hipótese da canalização de parte do interesse da população nas operações para o juiz responsável pela condução da operação; e iii) testar a hipótese da maior propensão à politização em função do perfil cognitivo do juiz. O escopo de nossa análise compreendeu seis casos de combate à corrupção política ocorridos nas últimas duas décadas que obtiveram significativa exposição na mídia2 2 . Marona e Kerche (2021) apresentam da mesma maneira estudos de casos sobre operações de combate à corrupção no Brasil recente, porém para atingir objetivos distintos dos nossos. .

O que nossa análise demonstrou é que a quantidade de dividendos (em termos de popularidade) que um determinado juiz recebe por sua atuação varia em função do modo como conduz a operação. Essa forma diz respeito ao ativismo judicial empregado e isso parece estar relacionado com seu respectivo perfil cognitivo. As análises foram realizadas por caso e, para cada caso, a hipótese da canalização da popularidade pessoal por conta da atuação no caso foi testada usando dados do Google Trends e de citações ao magistrado em dois dos principais veículos de comunicação nacionais: Folha de S. Paulo e O Globo. Concluindo, o perfil cognitivo do juiz foi sugerido através de uma análise qualitativa de situações emblemáticas ocorridas no bojo da operação. Nessas situações, o comportamento do magistrado foi comparado às descrições que caracterizam os perfis cognitivos a fim de determinar qual seria o perfil cognitivo do juiz.

Elementos da racionalidade de juízes

Ferejohn (2002) alerta que quando juízes trazem para o espaço jurídico uma politização no sentido partidário, as coisas tornam-se mais problemáticas e podem resultar em instabilidade da lei em função da alternância de poder entre partidos. De acordo com Shepsle (2010)Shepsle, Kenneth A. (2010), Analyzing Politics. New York, Norton & Company, Inc., a abordagem dada pela ciência política sobre escolha racional às instituições políticas raramente engloba cortes e juízes. Ainda de acordo com o autor, isso se deve ao fato de que a elaboração da hipótese do comportamento racional para esses atores é mais complexa do que para atores políticos eleitos. Esses buscam claramente o objetivo maior de serem reeleitos e assim obter seu sustento enquanto aqueles não dependem da obtenção de votos para continuar a exercer seu ofício e estão inseridos em um contexto no qual, segundo Posner (1993Posner, Richard. (1993), What Do Judges and Justices Maximize? (The Same Things Everyone Else Does), Sandor Institute for Law & Economics. [S.l.].:1), todo o arcabouço de regras que governam as compensações e condições para o exercício da magistratura é pensado para separar a ação jurídica dos incentivos.

Cohen (1992)Cohen, Mark. A. (1992), “The Motives of Judges: Empirical Evidence from Antitrust Sentencing”. International Review of Law and Economics, v. 12, n.1, pp. 13-30. argumenta que, apesar do considerável poder discricionário que os juízes têm, pouco foi feito, tanto no campo teórico como empírico, para explicar as motivações e o comportamento de magistrados. Ainda segundo Cohen, do que foi feito na área de Law and Economics, a maior parte trata juízes como se suas decisões fossem independentes das instituições políticas das quais eles foram indicados.

Cohen não deixa de apontar uma notável exceção em Posner (1986)Posner, Richard. (1986), Economic Analysis of Law. New York, Aspen. que concede que a análise econômica do comportamento de magistrados deve partir do princípio que juízes maximizam uma função de utilidade que tem elementos monetários e não monetários (como prestígio, poder e lazer). Cohen então nos apresenta o trabalho de Elder (1987)Elder, Harold W. (1987), “Property Rights Structures and Criminal Courts: An Analysis of State Criminal Courts”. International Review of Law & Economics, v. 7, n. 1, pp. 21-32. no qual, de acordo com suas palavras,

[...] tanto a análise teórica como a análise empírica sugerem que juízes das cortes estaduais não se mostraram “independentes” do processo político do qual resultou suas respectivas nomeações. Dessa forma, o processo de nomeação parece afetar os resultados jurídicos. Por trás do modelo de Elder existe um juiz maximizador de sua utilidade que busca minimizar sua taxa de reversão e sua carga de trabalho. (Cohen, 1992Cohen, Mark. A. (1992), “The Motives of Judges: Empirical Evidence from Antitrust Sentencing”. International Review of Law and Economics, v. 12, n.1, pp. 13-30.).

O trabalho do próprio Cohen encontra significativo poder explicativo nas decisões judiciais nos casos de antitruste em fatores como potencial de promoção para cortes mais altas e na carga de trabalho da corte na qual o juiz atua, indicando assim um comportamento compatível com a hipótese de juiz maximizador de seu descanso e de sua probabilidade de promoção para cortes mais altas.

Ferrão, Ribeiro (2007), ao analisarem a hipótese proposta por vários economistas sobre um possível viés pró-devedor do judiciário como uma das causas das altas taxas de juros praticadas no Brasil por conta da insegurança jurídica a que dão causa, não encontraram evidência empírica que sustentasse tal afirmação, indicando que a cláusula social não teria influência na utilidade do juiz (pelo menos não a nível de alterar significativamente o resultado de suas decisões). Ainda segundo os autores, a forma de seleção de juízes no Brasil via concurso público, que privilegia o conhecimento técnico, pode fazer com que o incentivo dominante seja o de decidir de acordo com a lei em detrimento da vontade de fazer justiça social. Outro incentivo que pode estar operando seria a vontade de evitar reversão de suas decisões, dado que o índice de reversão é critério para promoção de magistrados, bem como o afastamento de trabalho necessário para decidir contra a lei para fazer justiça social, o que demandaria maior trabalho de elaboração de argumentação. Ambos os incentivos não são incompatíveis com elementos achados em Cohen. Tão somente apontam que a causa social não é incentivo suficiente para que magistrados se desviem significativamente das leis ou cláusulas contratuais para tomar um caminho mais trabalhoso em termos retóricos (diminuindo assim seu tempo livre) e se arrisquem em ter decisões revertidas.

Similar pensamento é expresso por Fernandez, Ponzetto (2012). Segundo eles, “juízes no mundo real não necessariamente buscam maximização de bem-estar social; ao contrário, há um crescente consenso que juízes têm preferências e vieses idiossincráticos”. Assim, a evolução da Common Law no longo prazo não é afetada por preferências e vieses de juízes. Por fim, os autores argumentam que as sentenças são formatadas pelo dever de justificá-las e a doutrina dos precedentes vinculantes requer que as justificativas sejam feitas em termos da continuidade da lei. Dessa maneira, a quantidade de esforço retórico necessário para argumentar de forma persuasiva aumenta à medida que a posição defendida pelo magistrado se desvia do precedente.

Da pesquisa até agora explorada, vemos que bem-estar social não representa necessariamente incentivo forte o suficiente para desviar um juiz de decidir de acordo com a lei e precedentes aplicáveis visto que o esforço retórico necessário para sustentar a decisão e o risco de reversão atuam em sentido inverso ao ímpeto dos magistrados de buscarem implementar uma visão divergente do pensamento preponderante. Entretanto, vimos também que itens como a probabilidade de promoção e o contexto político podem ser elementos que influenciam a forma como magistrados decidem (Lima, 2021Lima, Fabiano. (2021), Pretori d’Assalto: A Racionalidade por Trás da Politização do Judiciário. Dissertação (Mestrado em Economia do Setor Público), Universidade de Brasília, Brasília.).

Assim, chegamos ao ponto em que se torna necessário revisar os modelos teóricos de comportamentais de juízes3 3 . Para além da modelagem teórica, análise aplicada sobre o grau de politização do judiciário pode ser encontrada em Oliveira (2017). . Ferreira (2013)Ferreira, Pedro. (2013), Como Decidem os Ministros do STF: Pontos Ideais e Dimensões de Preferências. Tese (Doutorado em Economia), Universidade de Brasília, Brasília. faz uma didática introdução aos modelos de comportamento judicial nos expondo a três modelos. Primeiramente, temos o modelo jurídico segundo o qual a lei e o direito são os determinantes das decisões judiciais, ou seja, o juiz decide única e exclusivamente de acordo com o arcabouço legal aplicável ao caso e os elementos inseridos no processo. Temos também o modelo atitudinal que pretende explicar o voto do juiz simplesmente por sua ideologia. O autor, no entanto, nos alerta que os estudos baseados nesse modelo são majoritariamente focados no sistema Judiciário americano. Assim, as preferências políticas que balizariam a decisão do juiz são classificadas em liberais ou conservadoras. Por fim, Ferreira nos apresenta ao modelo estratégico o qual aprofunda o modelo atitudinal, mas leva em conta restrições que se impõem ao juiz quando decide casos. Assim, o comportamento do juiz é modelado levando em conta não só seus objetivos, mas também os objetivos daqueles com quem ele interage no contexto institucional.

Ferreira (2013)Ferreira, Pedro. (2013), Como Decidem os Ministros do STF: Pontos Ideais e Dimensões de Preferências. Tese (Doutorado em Economia), Universidade de Brasília, Brasília. ainda coloca que os modelos acima variam em função do foco, que pode variar entre mais normativo (modelo jurídico) ou positivo (modelos atitudinal e estratégico). Enquanto modelos com foco normativo discutem “como os juízes deveriam se comportar”, os com foco positivo discutem “como os juízes se comportam”. O autor resume então a questão mostrando que o cerne da diferença entre os modelos está no papel que a política exerce, ou não, nas decisões judiciais. No caso de modelos jurídicos, não há espaço para a política. Já no caso de modelos com foco positivo a política é central.

Dada a multiplicidade de significados do termo “política” e a óbvia inclinação do presente artigo a uma abordagem baseada na teoria da escolha racional do comportamento de juízes no contexto de operações contra a corrupção política, cumpre-nos, de antemão, definir o que se quer dizer por “política” no contexto do modelo de decisão judicial quando exercido no âmbito de operações contra a corrupção política. De fato, essa definição vincula a própria definição do fenômeno da politização do judiciário, uma vez que essa politização é justamente o que é descrito por Ferreira como o cerne da diferença entre os modelos de decisão judicial. Assim, definimos o fenômeno da politização do judiciário como “o aumento do uso pelos agentes do sistema de justiça, nas decisões por eles suscitadas ou proferidas, de critérios politicamente controversos, ou seja, que escapam ao caráter de neutralidade esperado desses atores num Estado democrático de direito” (Couto, Oliveira, 2019:141).

Segundo Ferreira (2013)Ferreira, Pedro. (2013), Como Decidem os Ministros do STF: Pontos Ideais e Dimensões de Preferências. Tese (Doutorado em Economia), Universidade de Brasília, Brasília., os modelos jurídico, atitudinal e estratégico são os principais modelos de comportamento judicial. Entretanto, a abordagem econômica, particularmente aquela que se utiliza da análise microeconômica para analisar as determinantes do comportamento do juiz, também é, como já vimos em Posner (1986)Posner, Richard. (1986), Economic Analysis of Law. New York, Aspen., necessária para a compreensão dos elementos determinantes do comportamento de juízes. Assim, exploraremos duas propostas de modelos teóricos para funções de utilidade para juízes que nos possibilitará formar uma base teórica a qual, por sua vez, nos permitirá empreender a análise da questão que esse artigo se propõe a responder.

Posner (1993)Posner, Richard. (1993), What Do Judges and Justices Maximize? (The Same Things Everyone Else Does), Sandor Institute for Law & Economics. [S.l.]. nos apresenta uma teoria econômica positiva do comportamento de juízes focando especificamente nos juízes de apelação, o que engloba juízes em cortes de apelação ou juízes da Corte Suprema dos Estados Unidos. Em sua teoria, três analogias são utilizadas para embasar a sugestão de um modelo no qual a utilidade de juízes é uma função da renda, descanso e exercício do voto jurídico.

Na primeira analogia, o juiz é analisado sob a ótica da teoria das organizações sem fins lucrativos segundo a qual, para o fornecimento de um serviço em que os compradores não podem observar o resultado, o meio que é mais provável de ser escolhido para prover tal serviço é através de uma organização filantrópica. Essa escolha decorre do fato de que determinado provedor de serviço, ao fornecer um serviço no qual o comprador não observa o resultado, terá um incentivo para aumentar seu lucro provendo uma quantidade menor do serviço (ou uma qualidade inferior) do que a que foi contratada. Dessa maneira, a proibição de obtenção de lucro privado surge como forma de mitigar tal incentivo. Dada a dificuldade que o público em geral teria de avaliar o resultado da administração da justiça aos jurisdicionados, a sociedade vai preferir contratar um sistema de prestação de serviços jurídicos que não seja voltado ao lucro (para eliminar o incentivo à prestação de um nível ou qualidade de serviço inferior ao contratado) e vai automaticamente incorrer nos problemas advindos da solução dada pelas organizações sem fins lucrativos. Na segunda analogia, Posner (1993)Posner, Richard. (1993), What Do Judges and Justices Maximize? (The Same Things Everyone Else Does), Sandor Institute for Law & Economics. [S.l.]. analisa o juiz como um eleitor que vota. Diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos o voto não é obrigatório. O autor argumenta que para muitas pessoas há uma obtenção de valor no exercício do voto e isso não é diferente quando se trata de juízes de apelação. Juízes votam frequentemente e, mesmo que seus votos raramente sejam votos de minerva, possuem impacto muito maior do que o voto de eleitores. Assim, Posner conclui que, se votar é uma fonte de utilidade para eleitores, o mesmo deve ocorrer com juízes. A terceira analogia usada por Posner compara o juiz a um espectador de uma peça teatral. Da mesma forma que um espectador de uma peça teatral obtém valor para si a partir do simples fato de assistir à peça, entrar na vida dos personagens e escolher um lado, o juiz obtém para si utilidade a partir da análise do caso e da formação de convicção a respeito de qual seria o desfecho correto.

Dadas essas três analogias, Posner sugere um modelo formal para utilidade de juízes no qual a utilidade destes agentes públicos será função do número de horas por dia que um juiz devota para praticar o trabalho, do tempo dedicado ao lazer, da renda pecuniária do trabalho como juiz, de sua reputação e, de outras fontes como popularidade, prestígio e não reversão de suas decisões. Posteriormente, uma análise incluindo-se a possibilidade de trabalho remunerado fora da magistratura é considerado. Nesse momento, Posner nos apresenta um modelo no qual a utilidade dos juízes é dada pela renda fixa do cargo de juiz, pela renda variável recebida do trabalho extra, o qual é função do tempo que ele dedica ao trabalho remunerado fora do exercício da magistratura e pelo tempo dedicado à atividade extra (Lima, 2021Lima, Fabiano. (2021), Pretori d’Assalto: A Racionalidade por Trás da Politização do Judiciário. Dissertação (Mestrado em Economia do Setor Público), Universidade de Brasília, Brasília.).

Com base na análise de Posner, Foxall (2004)Foxall, Gordon R. (2004), “What Judges Maximize: Toward an Economic Psychology of the Judicial Utility Function”. Liverpool Law Review, v. 25, n. 3, pp. 177-194. propõe um modelo no qual, ao invés de dividir o tempo do juiz entre lazer, magistratura e atividades extras, o tempo seria dividido simplesmente entre produção e consumo. Essa proposição tem como objetivo abrir espaço a uma inserção de elementos da psicologia para análise do comportamento de juízes. Por produção, Foxall (2004)Foxall, Gordon R. (2004), “What Judges Maximize: Toward an Economic Psychology of the Judicial Utility Function”. Liverpool Law Review, v. 25, n. 3, pp. 177-194. inclui o que Posner (1993)Posner, Richard. (1993), What Do Judges and Justices Maximize? (The Same Things Everyone Else Does), Sandor Institute for Law & Economics. [S.l.]. considera o aspecto laborioso do exercício da magistratura, qual seja, a produção de argumentação, a escrita de votos e o atendimento às partes, de forma que essas atividades competem com o tempo disponível para consumo, que consiste no lazer mas também em alguns aspectos do trabalho jurídico como o de formar convicção (no sentido que Posner identifica como o juiz espectador de uma peça teatral). Por fim, Foxall coloca o que Posner modela como popularidade, prestígio e não reversão de suas decisões bem como sua reputação como consumo. Embora Foxall coloque que essa classificação torne mais tênue a linha que separa as fontes de utilidade para juízes, elas enfatizam que a distinção não está necessariamente entre tempo de trabalho e tempo de lazer, mas sim entre produção e consumo.

Assim, o modelo proposto por Foxall reporta que a utilidade de magistrados é função da renda percebida pelo exercício da magistratura, da renda percebida por trabalhos realizados fora da magistratura, de aspectos de consumo da posição de magistrado, de aspectos de consumo do trabalho fora da magistratura, do consumo realizado através do lazer, do tempo dedicado ao exercício da magistratura, do tempo dedicado ao exercício de funções fora da magistratura e do tempo dedicado ao lazer (Lima, 2021Lima, Fabiano. (2021), Pretori d’Assalto: A Racionalidade por Trás da Politização do Judiciário. Dissertação (Mestrado em Economia do Setor Público), Universidade de Brasília, Brasília.).

Foxall entretanto aponta que essa análise puramente econômica omite diferenças importantes, sobretudo de caráter psicológico, que pode influenciar a utilidade de juízes. Assim, o autor propõe uma análise econômica da psicologia que influencia o comportamento de juízes usando como referência os estilos cognitivos dentro de um espectro em cujos extremos estão adaptadores e inovadores como descritos e analisados por Kirton (1976)Kirton, Michael. (1976), “Adaptors and Innovators: A Description and Measure”. Journal of Applied Psychology, v. 61, n. 5, pp. 622-629..

Dessa forma, Foxall coloca que inovadores, por se entediarem mais facilmente, têm maior propensão a procurarem fontes alternativas de estímulo como escrever livros usando de seu prestígio para divulgar sua visão política. Adaptadores, por outro lado, derivam utilidade da escrita mais detalhada e criteriosa tanto pelo prazer em fazê-lo quanto para evitar crítica. Assim, Foxall conclui que o tempo dedicado à magistratura pode significar mais consumo ou mais produção a depender do estilo cognitivo do magistrado. Cabe lembrar que não necessariamente inovadores terão maior trabalho retórico, visto não serem eles caracterizados pela precisão e rigor técnico, o que faz com que a escolha por maior alocação de tempo em atividades da magistratura não necessariamente reflita maior produção.

Retomando o fato anteriormente colocado, e que configurará o contexto de análise do presente artigo, o processamento de casos de corrupção política pela via penal através do uso de operações com uso intensivo de procedimentos de busca e apreensão, escutas telefônicas, prisões temporárias e preventivas e delações premiadas ocorre paralelamente a um movimento identificado por Arantes como voluntarismo político:

[...] uma ideologia bastante difundida entre operadores do direito, baseada num tripé: enquanto i) as instituições políticas representativas estão corrompidas e ii) a sociedade civil é hipossuficiente, iii) caberia às instituições de justiça preencherem o espaço vazio da representação e atuarem como agentes políticos da lei. (Arantes, 2018Arantes, Rogério B. (2018), “Mensalão, um Crime sem Autor?”, in M. C. Marona; A. D. Rio (eds.), Justiça no Brasil: Às Margens da Democracia. Belo Horizonte, Arraes, pp. 338-389.:343).

É interessante ressaltar como o conceito de voluntarismo político dialoga e, de certa forma, é posicionado dentro do espectro dos juristas proposto por Engelmann (2006)Engelmann, Fabiano (2006), Sociologia do Campo Jurídico: Juristas e Usos do Direito. Porto Alegre, Fabris.. Ao elaborar sua problemática de pesquisa, qual seja, a influência do contexto social na operação do direito por juristas, o autor propõe que o espaço dos juristas teria, em seus polos, juristas de um “segmento tradicional (neutro/conservador/prático) e um diversificado (politizado/crítico/acadêmico)”. Para o autor, a presença de juízes do segmento diversificado na esfera cível e criminal rompe com a “tradição de neutralização do direito e maior afastamento em relação à conjuntura política” e a “fundamentação de suas decisões judiciais, assim como as tomadas de posição públicas desses magistrados, foram fundamentadas fora dos repertórios tradicionais de doutrina jurídica e, em grande medida, contra estes repertórios”. (Engelmann, 2006Engelmann, Fabiano (2006), Sociologia do Campo Jurídico: Juristas e Usos do Direito. Porto Alegre, Fabris.).

O voluntarismo político descrito por Arantes (2018)Arantes, Rogério B. (2018), “Mensalão, um Crime sem Autor?”, in M. C. Marona; A. D. Rio (eds.), Justiça no Brasil: Às Margens da Democracia. Belo Horizonte, Arraes, pp. 338-389. é materializado no conceito de ativismo judicial que, nas palavras de Zanin, Martins e Valim,

[...] consiste na preterição dos textos normativos em favor das convicções pessoais do intérprete – as quais podem assumir diversos rótulos: “senso de justiça”, “voz das ruas”, “bem comum”, “interesse público”, entre outros –, o que representa, por óbvio, uma subversão completa do modelo de democracia constitucional. (2019, s.p.).

Tal definição é corroborada, ainda que sob uma ótica menos crítica, pela definição trazida por Teixeira (2012)Teixeira, Anderson V. (2012), “Ativismo Judicial: Nos Limites entre Racionalidade Jurídica e Decisão Política”. Revista Direito GV, v. 8, n. 1, pp. 37-58. ao afirmar que o ativismo judicial surge da inação do Estado para atender às demandas da população. Nessa linha, Kaluszynski, ao estudar a relação entre poder político e justiça e suas várias fases, identifica, nos anos 1970, um novo movimento de judicialização da política, caracterizado por sua internacionalização e pelo apoio, por parte da população, a juízes que afrontam o poder político (2007).

Assim, resgatando o conceito do fenômeno da politização do judiciário como “o aumento do uso pelos agentes do sistema de justiça, nas decisões por eles suscitadas ou proferidas, de critérios politicamente controversos, ou seja, que escapam ao caráter de neutralidade esperado desses atores num Estado democrático de direito” (Couto, Oliveira, 2019:141), podemos inferir que ele ocorre como resultado do ativismo judicial o qual, por sua vez é uma materialização do voluntarismo político.

Streck nos dá a seguinte explicação sobre a gênesis do ativismo judicial: de acordo com o autor, o ativismo judicial é gestado no interior da própria sistemática jurídica e consiste num ato de vontade daquele que julga (Streck apud Zanin, Martins e Valim, 2019).

Ora, nosso compromisso com a análise sob o prisma da racionalidade nos impõe uma restrição na interpretação do termo “vontade” usado por Streck: ele deve ser fruto de um agente racional maximizando sua função utilidade. Essa interpretação stricto sensu nos fornece a primeira chave de acoplamento do fenômeno analisado à hipótese da racionalidade proposta por Foxall (2004)Foxall, Gordon R. (2004), “What Judges Maximize: Toward an Economic Psychology of the Judicial Utility Function”. Liverpool Law Review, v. 25, n. 3, pp. 177-194.. Nesse caso, a vontade seria fruto da maximização de aspectos de consumo do trabalho judicial. É mister detalhar o papel que o perfil cognitivo tem na função utilidade para melhor compreender essa relação.

Foxall já nos alerta para o fato de que agentes jurídicos com perfil inovador normalmente obtêm para si mais consumo a partir do trabalho judicial. Resgatando duas das descrições propostas por Kirton (1976)Kirton, Michael. (1976), “Adaptors and Innovators: A Description and Measure”. Journal of Applied Psychology, v. 61, n. 5, pp. 622-629.: na busca por objetivos, tratam meios aceitos com pouca consideração, parecem indisciplinados, pensam tangencialmente e abordam problemas sob ângulos inéditos e, muitas vezes desafiam as regras, têm pouco respeito pelos costumes do passado. Vemos assim que há um alto grau de aderência à descrição do fenômeno do ativismo judiciário na forma proposta por Streck (2019), o que nos leva a inferir que agentes jurídicos com perfil inovador têm maior propensão a trabalhar com ativismo.

Em contrapartida adaptadores, dadas características como: desafiam regras raramente, com cautela, quando há garantia de um forte apoio; buscam solução para problemas de formas já consolidadas e bem compreendidas; e são caracterizados pela metodicidade, prudência, e conformidade, nos levam a crer que sua propensão em preterir textos normativos por convicções pessoais deve ser muito menor que a de inovadores (Lima, 2021Lima, Fabiano. (2021), Pretori d’Assalto: A Racionalidade por Trás da Politização do Judiciário. Dissertação (Mestrado em Economia do Setor Público), Universidade de Brasília, Brasília.).

Outro aspecto em favor da hipótese da maior propensão ao ativismo judicial por parte de inovadores reside na comparação da descrição “parecem ter baixo nível de dúvidas sobre si mesmos ao gerar ideias, não necessitando de consenso para manter a certeza diante de oposições” com a visão que desenvolvem a respeito de si mesmos dado o contexto de percepção de corrupção e deslegitimidade do poder constituído na forma democrática.

Num cenário de descrença da sociedade com respeito ao Executivo e ao Legislativo, a politização da justiça faz com que juízes e promotores sejam vistos (e vejam a si mesmos) como uma alternativa para a defesa “legítima” dos interesses públicos, combatendo diversos males sociais e convertendo-se numa espécie de heróis dos anseios populares por justiça. (Couto, Oliveira, 2019).

Mais uma vez, temos aqui aspectos de consumo que são captados na função utilidade de atores jurídicos pela formação dessa autoimagem nesses termos.

Em contrapartida, adaptadores são descritos como agentes que “tendem a ter muitas dúvidas sobre si mesmos. Reagem a críticas demonstrando maior conformidade. Vulneráveis à pressão social e autoridade; voltados à conformidade”. Dessa forma, fica claro que teriam menor propensão à formação da autoimagem heroica no contexto em análise.

Sintetizando as diferenças entre inovadores e adaptadores e, para um mesmo nível de ativismo judicial, dado um ator jurídico com perfil adaptador e outro com perfil inovador, e dada uma determinada operação de corrupção política, temos que os aspectos de consumo da posição de magistrado dos adaptadores são menores que os dos inovadores Além disso, é de se esperar que os aspectos de consumo realizados através do lazer em adaptadores também são menores do que os observados em inovadores, refletindo o fato de que o benefício de se trabalhar com ativismo para um ator jurídico com perfil adaptador é mais trabalhoso, o que lhe retiraria tempo para lazer e, consequentemente, diminuiria aspectos de consumo do lazer (Lima, 2021Lima, Fabiano. (2021), Pretori d’Assalto: A Racionalidade por Trás da Politização do Judiciário. Dissertação (Mestrado em Economia do Setor Público), Universidade de Brasília, Brasília.).

As constatações do parágrafo anterior nos levam à conclusão de que se a politização do judiciário é realidade, ela certamente vem através de atores jurídicos com perfil inovador. Resgatando a definição do fenômeno em estudo como “o aumento do uso pelos agentes do sistema de justiça, nas decisões por eles suscitadas ou proferidas, de critérios politicamente controversos, ou seja, que escapam ao caráter de neutralidade esperado desses atores num Estado democrático de direito” (Couto, Oliveira, 2019:141), vemos que as características desse fenômeno são claramente mais afeitas ao perfil inovador.

Construindo uma teoria baseada em escolhas racionais sobre perfis cognitivos e ativismo judicial

O termo “vontade” como usado por Streck ao detalhar a gênesis do ativismo judicial pode ser modelado especialmente pelos aspectos de consumo do trabalho judicial explicados por Foxall. Atores jurídicos motivados pelo desejo legítimo de combater a corrupção política (voluntarismo) e cujo perfil cognitivo aceita um modo de trabalho mais heterodoxo e disruptivo (ativismo judicial) estão, ao adotarem uma agenda própria de correção dos desvios cometidos por agentes políticos (politização), maximizando sua função utilidade através do consumo do trabalho judicial.

A atuação com ativismo pode também afetar positivamente a remuneração percebida pelo trabalho fora da magistratura. Nesse ponto, uma pequena adição deve ser feita ao modelo. Em nossa análise, consideraremos que tal remuneração é função também da popularidade e prestígio. Isso reflete a ideia de que quanto mais prestigiado e popular é o ator jurídico, maior será o valor que poderá ser cobrado por ele para ministrar palestras e exercer a docência em instituições de ensino. A alta exposição midiática a que são submetidos atores jurídicos com perfil inovador trabalhando nessas operações é função da quantidade de ações judiciais divulgadas pela mídia no curso de um processo.

É interessante notar que a popularidade pode também potencializar os aspectos de consumo do trabalho extrajurídico, e pode ser usado quando da promoção de visões políticas. A popularidade constitui um poderoso instrumento para influenciar, por exemplo, legisladores tanto no sentido de conceder mais poder para a carreira quanto para barrar projetos que pretendam coibir abusos além de ser bastante efetivo para influenciar o próprio processo eleitoral em um sentido que lhe seja favorável. Por essa razão, podemos considerar que a popularidade capitalizada pelos atores jurídicos agindo com ativismo constitui a segunda chave de acoplamento do fenômeno da politização do judiciário à hipótese da racionalidade dos atores jurídicos.

Da análise até aqui explicitada, restou evidente que a ação jurídica pode resultar em utilidade para os atores de duas formas: via aspectos do consumo do trabalho judicial, e pela via da renda, a qual é função da popularidade e reputação dos atores. O ganho pela via do trabalho judicial está intimamente ligado à percepção que o ator jurídico tem a respeito de sua função no processo e nos resultados que ele obtém. Já o ganho pela via da renda e pela via dos aspectos relacionados ao consumo do trabalho extrajudicial (ambos função da popularidade e prestígio) pode se dar como um subproduto dos meios empregados para a obtenção dos resultados (atuação politizada). Quando esses ganhos se tornam evidentes para os próprios atores está posto o incentivo para que eles intensifiquem o ativismo judicial, já que esses meios entregariam mais resultados e mais popularidade e prestígio. Assim, o que se entende por politização do judiciário na forma colocada por Couto e Oliveira (2019)Couto, Claudio G.; Oliveira, Vanessa E. (2019), “Politização da Justiça: Atores Judiciais têm Agendas Próprias”. Cadernos Adenauer, v. XX, n. 1, pp. 139-162. pode ser lido sob a ótica da racionalidade com um resultado consistente dados os incentivos aos quais os agentes são expostos.

O desenvolvimento teórico aqui construído desembarca então nas duas hipóteses que serão testadas neste estudo:

Hipótese 1: A atuação com ativismo judicial, no contexto das operações em análise, rende dividendos para a pessoa do juiz em termos de popularidade.

Hipótese 2: Juízes dos casos em que se identifica o fenômeno do ativismo judicial tendem a estar mais para inovadores em termos de perfil cognitivo.

Metodologia

A metodologia empregada é mista: análise econométrica e estudos de caso para seis situações nas quais magistrados foram observados ao longo do processo de julgamento de casos de corrupção política no Brasil.

Aqui temos outro ponto que pesa pela escolha do método, qual seja, a questão das variáveis de interesse e dos pontos de dados. Dado o contexto selecionado para análise (operações contra a corrupção política) e a complexidade para determinação da nossa principal variável de interesse (perfil cognitivo como função de comportamentos exibidos), torna-se fundamental estabelecer um conjunto de conexões entre realidades que serão analisadas com múltiplas fontes de informação e o embasamento teórico aqui exposto de forma tal que o uso exclusivo de um modelo estatístico sem a complementação dos casos torna-se uma opção menos adequada.

Seguindo a linha de Yin (2015)Yin, Robert K. (2015), Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Porto Alegre, Bookman., a seleção dos casos se deu com uma lógica de replicação. Assim, foram selecionados casos de corrupção política que tiveram grande repercussão em âmbito nacional nas últimas duas décadas e cujos personagens ainda fazem parte da paisagem política contemporânea. Os casos foram caracterizados pela combinação magistrado-caso.

Para cada caso em análise, elaboramos um estudo quantitativo para verificar a capitalização da popularidade pelo ator jurídico do caso sob sua condução. Para medir a popularidade, estimamos a seguinte equação:

populâridade = β 0 + β 1 interessenaoperação + β 2 citaçõesindependentes + γ a n o + μ Equação 1

Em que:

  • popularidade é a variável dependente obtida através da quantidade de menções observadas no Google Trends tendo como base o interesse no magistrado;

  • β0 é a constante;

  • interessenaoperação é a variável de interesse obtida através da quantidade de menções observadas no Google Trends tendo como base o interesse na operação;

  • citaçõesindependentes é a variável de controle mensurando a quantidade de páginas dos veículos Folha de S. Paulo e O Globo que citam ator jurídico sem citar a operação em análise. Dessa forma, foi possível controlar a parte do interesse no magistrado que possivelmente não tem relação com a operação em análise;

  • ano são dummies de efeitos fixos anuais;

  • μ é o termo de erro.

Para popularidade e interessenaoperação, é importante salientar que o Google Trends reconhece o termo dentro de um contexto. Por exemplo: ao se digitar o termo “lava jato”, a plataforma pergunta ao utilizador se o que se pretende é obter dados a respeito do termo “lava jato”, o assunto lava jato, ou se o interesse é na Operação Lava Jato, o que nos permite retirar da análise o interesse no negócio de lava jato. Outro ponto importante é que os termos foram pesquisados conjuntamente de forma que a ferramenta faz a normalização com base na soma total das pesquisas de ambos os termos. O processo de normalização é realizado dividindo-se o total de pesquisas realizadas para cada ponto de dado pelo total de pesquisas para todo o período. O dado é então normalizado em intervalo que vai de 0 a 100.

As citações independentes foram obtidas usando-se uma busca que contivesse todos os termos do nome pelo qual os juízes são reconhecidos na imprensa e a negativa de todos os termos do nome da operação. As pesquisas retornam as páginas dos jornais com suas respectivas datas. Assim, usando-se o critério retromencionado, temos a informação de que o nome do juiz apareceu em determinada página do jornal sem que a operação tenha sido citada. As páginas foram então totalizadas por semana para que pudessem ser alinhadas com a informação do Google Trends. É possível que em alguns casos, a matéria tenha ocupado duas páginas e o nome do juiz e da operação não foram citados na mesma página. Em que pese a possibilidade dessa opção, assumimos que essa situação seria marginal e não influenciaria nos resultados.

Por fim, para a verificação do perfil cognitivo dos juízes, utilizou-se pesquisa documental a fim de levantar situações emblemáticas ocorridas no contexto da operação que pudessem ser usadas para caracterização do perfil cognitivo do magistrado em análise.

É importante salientar que o critério para seleção de casos foi a relevância do caso no cenário nacional, bem como sua janela temporal, elementos esses que condicionam a devida caracterização do nome da operação no Google Trends. Não se levou em conta, como critério para seleção de casos, a existência ou não do nome do juiz devidamente reconhecido pelo Google Trends, justamente porque esse é o coeficiente de interesse. Para determinação se o magistrado agiu ou não com ativismo levou-se em conta se a forma como a figura do juiz foi exposta pela imprensa carregava a ideia do juiz em contraposição ao poder político. Aqui, cabe uma ressalva. Um juiz que atue em apoio ou defesa do poder político, também caracterizaria um afastamento dos aspectos de neutralidade. Entretanto, essa posição estaria fora do conceito do ativismo justamente por não se encaixar na ideia de voluntarismo político, conforme definido por Arantes (2018)Arantes, Rogério B. (2018), “Mensalão, um Crime sem Autor?”, in M. C. Marona; A. D. Rio (eds.), Justiça no Brasil: Às Margens da Democracia. Belo Horizonte, Arraes, pp. 338-389. nem na própria definição de ativismo judicial aqui utilizada, visto que a própria concepção do fenômeno exige a existência de um poder político corrompido, uma sociedade que demanda justiça e um juiz disposto a preencher essa lacuna. Assim, se o juiz não foi devidamente apresentado como preenchendo essa lacuna, assume-se que ele se comportou de forma menos interessada no caso.

Casos de corrupção no Brasil contemporâneo

A partir deste ponto, apresentaremos os casos selecionados para os testes das duas hipóteses colocadas anteriormente.

Caso 1: Sérgio Moro e Lava Jato

Iniciada em 2014, a Operação Lava Jato começou como uma operação para investigação de crime de lavagem de dinheiro e, por conta de uma conexão identificada entre o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, a operação começou a investigar contratos da estatal. O juiz Sérgio Moro, então responsável pela sua condução, fortemente inspirado na operação Mani Pulite, ganhou ampla notoriedade na condução da operação. A operação dentre aquelas estudadas no presente artigo foi a que mais despertou o interesse do público por mais tempo consecutivamente.

O período de análise vai de 17 de março de 2014 a 31 de outubro de 2018. Esse corte se justifica pois, em novembro de 2018, o então juiz aceitou o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro para assumir o cargo de ministro da Justiça e deixou de ser o juiz da operação.

Abaixo, podemos ver o interesse relativo na operação e no magistrado no decorrer do tempo analisado.

Gráfico 1
: Interesse ao longo do tempo (Caso 1)

Um item importante a se analisar é que no primeiro semestre de 2016 ocorre o pico de interesse da série. A semana exata em que esse pico ocorre é a que vai de 13 a 19 de março de 2016, que compreende o dia em que o magistrado sob análise levantou sigilo de uma ligação entre a então presidente da República Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula; sendo uma das mais polêmicas decisões do magistrado em análise.

Em termos de citações, a pesquisa nos veículos revela os seguintes dados:

Os dados da Tabela 2 nos revelam que o magistrado foi exposto em 25% das páginas que citam a operação e somente 17% das vezes que ele foi citado ocorreram em páginas sem referência à operação.

Tabela 2
: Resumo citações imprensa (Caso 1)

A regressão do interesse no magistrado em função do interesse na operação controlado por citações do magistrado fora do contexto da operação pelos veículos acima tem os seguintes resultados:

Tabela 3
: Capitalização de interesse pelo magistrado (Caso 1)

Conforme podemos ver nos resultados reportados, sobretudo no modelo com maior poder explicativo (modelo 3), para cada busca pela operação houve 0,94 buscas pelo magistrado. Foi uma relação quase um para um. Levando em conta que ele obteve um nível de exposição pela imprensa de 25% e somente 17% de citações à sua pessoa eram independentes da operação (Tabela 2), não surpreende que ele tenha despertado tamanho interesse em função do interesse da população na operação.

Uma vez estabelecida a questão do ganho de popularidade em função de sua atuação na operação, cumpre-nos analisar o perfil cognitivo do magistrado.

Para empreendermos essa análise, usaremos como ponto o artigo de Sérgio Moro “Considerações sobre a operação Mani Pulite” (2004), bem como a série de reportagens veiculadas pelo The Intercept e órgãos de imprensa parceiros durante o ano de 2019 sob o título “Vaza Jato”. Esse conjunto de documentos nos permite estudar se, e como os incentivos até aqui descritos estavam disponíveis e foram explorados pelo juiz.

Um ponto de partida para entender como o juiz se via no contexto de processos contra a corrupção política se encontra na seguinte definição que o magistrado toma emprestado de Porta e Vannucci (1999)Porta, Donatella della; VANNUCCI, Alberto. (1999), Corrupt Exchanges: Actors, Resources, and Mechanisms of Political Corruption. New York, Aldine de Gruyter. para o termo italiano Pretori D’Assalto:

No sistema judicial, os assim chamados “pretori d’assalto” (“juízes de ataque”, i. e., juízes que tomam uma postura ativa, usando a lei para reduzir a injustiça social) tomam frequentemente posturas antigovernamentais em matéria de trabalho e de Direito Ambiental. Ao mesmo tempo, especialmente na luta contra o terrorismo e a Máfia, a magistratura exercita um poder pró-ativo, em substituição a um poder político impotente. A coragem de muitos juízes, que ocasionalmente pagaram com suas vidas para a defesa da democracia italiana, era contrastado com as conspirações de uma classe política dividida e a magistratura ganhou uma espécie de legitimidade direta da opinião pública. (Porta, Vannucci, 1999 apud Moro, 2004Moro, Sérgio F. (2004), “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Revista do Centro de Estudos Judiciários, v. 8, n. 26, pp. 56-62.)

O magistrado escreve com respeito aos Pretori d’Assalto de forma elogiosa e parece ter sido muito inspirado por esse conceito de “substituir um poder político impotente”. Essa noção parece ser corroborada inclusive entre os atores jurídicos envolvidos. Isso fica claro quando o procurador Deltan Dallagnol, em conversa com o então juiz da operação sobre o destaque que o magistrado teria tido nos protestos de março de 2016 coloca:

Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (ainda que isso não tenha sido buscado). Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. Sei que vê isso como uma grande responsabilidade e fico contente porque todos conhecemos sua competência, equilíbrio e dedicação4 4 . Disponível em https://theintercept.com/2019/06/12/chat-sergio-moro-deltan-dallagnol-lavajato/. Acesso em 29/8/2020. (The Intercept Brasil, 2019The Intercept Brasil. (2019), “As Mensagens Secretas da Lava Jato”. The Intercept Brasil. Disponível em: https://theintercept.com/series/mensagens-LavaJato/. Acesso em: 29/8/2020.
https://theintercept.com/series/mensagen...
).

Ainda nesse mesmo diálogo, Moro responde que desconfiava da capacidade que tinham de “limpar o congresso”5 5 . Disponível em https://theintercept.com/2019/06/12/chat-sergio-moro-deltan-dallagnol-lavajato/. Acesso em 29/8/2020. .

Dessa forma, parece claro que existia um aspecto de consumo a partir de seu trabalho jurídico que advinha da autopercepção de líder da causa do combate à corrupção política. Esse seria um primeiro indicativo de um perfil inovador na forma definida por Foxall. Alguns outros comportamentos merecem análise: em comparação com as definições da Tabela 1, a noção de que o magistrado talvez tivesse a capacidade de “limpar o congresso”, remete claramente à ideia de “assumir o controle em situações não estruturadas”. Há também uma clara remissão à ideia de “fornecer uma dinâmica para provocar mudança radical” e a constatação bastante clara sobre “o baixo nível de dúvidas que tinha sobre si mesmo” dado o tamanho do empreendimento que cogitava realizar.

Tabela 1
: Descrições de comportamento de adaptadores e inovadores

Outra conduta elogiada pelo juiz diz respeito à adoção de estratégias para que investigados colaborem com a justiça. Essas estratégias envolviam o uso de teoria dos jogos com ações de contrainteligência (disseminação de informações com o objetivo de manipular o investigado) e em articulação com prisões com o objetivo claro de manter o investigado “no escuro”.

Tais estratégias, segundo Couto e Oliveira, foram também empregadas no contexto da Lava Jato: “o fato é que tanto em seu artigo, como na prática jurisdicional efetiva, o que se identifica é a utilidade das brechas legais que possibilitam a prisão preventiva como estímulo aos detidos para colaborar” (2019:155).

Em outro trecho, o juiz toma emprestado de Gilbert (1995)Gilbert, Mark. (1995), The Italian Revolution: The end of Politics, Italian style? Colorado, Westview Press. o relato da instrumentalização da imprensa para ajudar a manter o engajamento da população bem como aprofundar a deslegitimação da classe política.

[...] os responsáveis pela operação mani pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: Para o desgosto dos líderes do PSI, [...] a investigação da mani pulite vazava como uma peneira. [...] A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados (Gilbert, 1995Gilbert, Mark. (1995), The Italian Revolution: The end of Politics, Italian style? Colorado, Westview Press.apudMoro, 2004Moro, Sérgio F. (2004), “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Revista do Centro de Estudos Judiciários, v. 8, n. 26, pp. 56-62.).

Couto e Oliveira nos alertam para o uso da estratégia de instrumentação da imprensa também no caso Lava Jato. Segundo os autores:

De fato, a ampla publicidade – em boa parte motivada por vazamentos seletivos de delações, gravações e documentos – tornou a Lava Jato um sucesso junto à opinião popular e Moro, mais até do que os procuradores, uma espécie de herói justiceiro. (2019:156)

A percepção de Couto e Oliveira foi objeto de matéria do veículo The Intercept Brasil a qual revelou como os procuradores traçavam estratégias de vazamento de informações de investigação para pressionar investigados e manter o engajamento da população6 6 . Reportagem disponível em https://theintercept.com/2019/08/29/Lava Jato-vazamentos-imprensa/. Acessado em 9/1/2020. .

Por fim, segundo Moro (2004Moro, Sérgio F. (2004), “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Revista do Centro de Estudos Judiciários, v. 8, n. 26, pp. 56-62.:57), a articulação das estratégias acima produziu um sistema de retroalimentação. A publicização de denúncias e prisões alimentava o processo de deslegitimação da classe política que, por sua vez, dava força aos processos judiciais em curso, os quais produziam mais denúncias e prisões para publicização. Moro pareceu explorar conscientemente o efeito que a deflagração de operações com destaque na mídia produzia nesse ciclo. Em mensagem ao chefe da força-tarefa, Deltan, Moro pergunta: “não é muito tempo sem operação?7 7 . Disponível em https://theintercept.com/2019/06/12/chat-sergio-moro-deltan-dallagnol-lavajato/. Acesso em 29/8/2020. ”.

Agregando a visão de Couto e Oliveira (2019)Couto, Claudio G.; Oliveira, Vanessa E. (2019), “Politização da Justiça: Atores Judiciais têm Agendas Próprias”. Cadernos Adenauer, v. XX, n. 1, pp. 139-162., o empoderamento dos responsáveis pela condução da operação é um dos componentes desse sistema. No contexto da Lava Jato, esse empoderamento atingiu um nível tal que

[...] mudou a forma como os tribunais superiores passaram a lidar com o processo, mantendo a esmagadora maioria das suas decisões e hesitando bastante em repreender Moro ou os promotores, mesmo quando esses pareciam extrapolar daquilo que podem ser consideradas práticas judiciais ortodoxas. (2019:156).

Aqui parece haver uma adesão bastante forte a algumas descrições que caracterizam o perfil inovador como “na busca por objetivos, tratam meios aceitos com pouca consideração” e ainda “desafiam as regras e tem pouco respeito pelos costumes do passado”, “vistos como indisciplinados, pensando tangencialmente, abordando tarefas sob ângulos inéditos” e “fornecem a dinâmica para provocar mudanças radicais periódicas, sem as quais as instituições tendem a se ossificar” (Tabela 1).

Assim, temos, no que tange à análise do perfil cognitivo, um posicionamento mais para inovador e, no que concerne à obtenção de popularidade, a clara indicação que a participação do juiz logrou um ganho de popularidade em função da operação.

Caso 2: Fausto de Sanctis e Satiagraha

A operação Satiagraha foi fruto de uma investigação feita pela Polícia Federal tratando de um suposto esquema de desvio de verbas públicas comandado por duas organizações que teriam cometido crimes de lavagem de dinheiro, corrupção, evasão de divisas, sonegação fiscal e formação de quadrilha. A operação ganhou muito destaque na mídia em função das prisões de Daniel Dantas, do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e Naji Nahas, ocorridas em 8 de julho de 2008.

Abaixo, podemos verificar o interesse tanto no magistrado como na operação da forma medida pelo Google Trends:

Gráfico 2
: Interesse ao longo do tempo (Caso 2)

O período temporal escolhido vai de junho de 2008, mês em que a operação começa a ser noticiada pela mídia, sobretudo em função das várias prisões efetuadas e se estende até junho de 2011, mês em que a operação é anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em razão de ilegalidades.

A tabela abaixo demonstra a quantidade de citações para a operação e para o magistrado no período analisado.

Abaixo, podemos conferir os resultados da regressão do interesse no magistrado em função do interesse na operação.

Tabela 5
: Capitalização de interesse pelo magistrado (Caso 2)

Conforme se vê, a cada busca pela operação houve 0,21 buscas pelo magistrado de acordo com o modelo com maior R2 2 . Marona e Kerche (2021) apresentam da mesma maneira estudos de casos sobre operações de combate à corrupção no Brasil recente, porém para atingir objetivos distintos dos nossos. ajustado.

Elencar elementos que posicionem o magistrado em análise no espectro adaptador-inovador não é tarefa fácil, uma vez que há muito menos material a seu respeito em relação ao juiz analisado no Caso 1 (conforme se vê comparando as tabelas 2 e 4), entretanto, alguns elementos nos dão indicativos importantes.

Tabela 4
: Resumo citações imprensa (Caso 2)

O magistrado foi pioneiro na realização de delações premiadas, destinação de recursos a entidades filantrópicas recebidos em delações, doação de obras de arte para entidades culturais e destinação a praças públicas. Em outra situação, 10 horas depois de Daniel Dantas ter sido liberado da prisão decretada pelo juiz sob análise em função de habeas corpus acatado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, o juiz do caso decretou novamente a prisão do banqueiro. Tal fato foi encarado pelo ministro da suprema corte como tentativa de desrespeitar sua decisão. Esses dois fatos parecem dialogar com a descrição da Tabela 1: “vistos como indisciplinados, pensando tangencialmente, abordando tarefas sob ângulos inéditos”. No primeiro caso pelo pensamento tangencial e ineditismo na abordagem de problemas e, no segundo, pela aparente indisciplina.

Outro fato que chama a atenção é que, caso não tivesse sido promovido a desembargador, o magistrado teria sofrido pena de censura por “se negar a prestar informações pedidas pelo Supremo e por driblar a decisão do então presidente do STF, ministro Gilmar Mendes”8 8 . Disponível em https://www.conjur.com.br/2011-jun-07/promocao-salva-desembargador-fausto-sanctis-punicao. Acesso em 6/10/2020. . Aqui podemos elencar duas descrições de Kirton (1976)Kirton, Michael. (1976), “Adaptors and Innovators: A Description and Measure”. Journal of Applied Psychology, v. 61, n. 5, pp. 622-629. bastante aplicáveis ao caso: “muitas vezes desafiam as regras, tem pouco respeito pelos costumes do passado” e “na busca por objetivos, tratam meios aceitos com pouca consideração”.

Caso 3: Fausto de Sanctis e Castelo de Areia

A operação Castelo de Areia foi deflagrada em março de 2009 e investigou crimes financeiros e de lavagem de dinheiro. A tese era de que um grupo empresarial do setor de construção pesada mantinha pagamentos de propinas para autoridades com o objetivo de conseguir benefícios em licitações. Os pagamentos frequentemente tomavam a forma de doações irregulares para campanhas políticas. A operação teve início com base em uma denúncia anônima que embasou pedidos de interceptações telefônicas, as quais serviram de base para o oferecimento de denúncia. A operação foi anulada pelo STJ e STF na alegação de que denúncia anônima não pode ser o único elemento para embasar quebra de sigilo telefônico de cidadãos9 9 . Para maiores detalhes, ver https://www.conjur.com.br/2011-abr-05/stj-decide-operacao-castelo-areia-foi-ilegal. Acesso em 17/10/2020. .

Gráfico 3
: Interesse ao longo do tempo (Caso 3)

A tabela abaixo resume a cobertura que os dois veículos de imprensa usados no contexto desse estudo deram ao caso.

Tabela 6
: Resumo citações imprensa (Caso 3)

Abaixo, podemos conferir os resultados da regressão do interesse no magistrado em função do interesse na operação.

Tabela 7
: Capitalização de interesse pelo magistrado (Caso 3)

Os resultados são plenamente consistentes com o nível de exposição do magistrado pela imprensa. O baixo coeficiente de buscas para cada busca pela operação (Interesse na Operação) e a não significância estatística em todos os modelos apontam no sentido de que o interesse na operação não se converteu em interesse para o magistrado sob análise.

Parte da explicação para essa baixa capitalização pode ter sido em função da adoção de uma postura diferente daquela adotada pelo mesmo juiz na operação Satiagraha. De fato, conforme matéria publicada no veículo Folha de S. Paulo sob o título “Após Satiagraha, PF e juiz mudam estilo na Camargo Corrêa”, o juiz “adotou um estilo mais cauteloso e preocupado diante de eventuais repercussões da operação”10 10 . Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2009/03/540796-apos-satiagraha-pf-e-juiz-mudam-estilo-na-camargo-correa.shtml. Acesso em 18/10/2020. . Esse fato é bastante interessante e nos dá uma pista de que o nível de exposição do juiz no contexto de uma operação é, ao menos em parte, uma escolha do juiz. Com efeito, o juiz foi significativamente menos exposto no contexto dessa operação do que em relação à sua exposição na operação Satiagraha (35% na Satiagraha, 10% na Castelo de Areia).

Para nossa análise, esse comportamento mais cauteloso significa um deslocamento, no espectro adaptador-inovador, à esquerda (adaptador) dadas as repercussões negativas na mídia por conta da atuação do magistrado na operação anterior, a Satiagraha. Particularmente, na Castelo de Areia a atitude parece aderir bem às descrições “caracterizados pela [...] prudência, disciplina, conformidade”, “buscam solução para problemas de formas já consolidadas e bem compreendidas”, e “[...] reagem às críticas demonstrando maior conformidade [...]”. Ressalte-se ainda que este deslocamento de perfil cognitivo abre uma futura agenda de pesquisa no sentido de se explorar quão estáveis tais perfis são e quais variáveis são capazes de induzir um magistrado a uma mudança de adaptador a inovador e vice-versa. Outra linha de pesquisa que pode ser explorada é a mudança comportamental em função do aprendizado organizacional no contexto em estudo. O estudo desse processo de evolução organizacional e até mesmo reinvenção da própria razão de ser do Poder Judiciário, como consequência de uma construção jurídica e política fruto de múltiplos movimentos  por vezes erráticos, é objeto de análise em Vauchez (2004)Vauchez, Antonie. (2004), L’Institution Judiciaire Remotivée: Le Processus d’Institutionnalisation d’une “Nouvelle Justice” en Italie. Paris, LGDJ. especificamente para o caso da Itália, e Rodrigues (2019) no caso específico da Lava Jato.

Caso 4: Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e o Mensalão

Arantes narra a gênese do escândalo do mensalão como tendo se dado no contexto de uma denúncia de esquema de corrupção nos Correios, aparentemente comandado pelo então deputado federal Roberto Jefferson (Partido Trabalhista Brasileiro PTB) o qual, “após ser envolvido na denúncia, transfere ao Partido dos Trabalhadores (PT) a responsabilidade, acusando o partido de abastecer mensalmente contas de parlamentares aliados para que votassem favoravelmente ao governo, alcunhando assim o termo ‘mensalão’”. Embora o escândalo tenha se iniciado em 2005, Arantes nos informa que a fase propriamente judicial se iniciou em 2006 com o oferecimento da denúncia ao STF pelo então Procurador-Geral da República Antônio Fernando de Souza, a qual foi aceita em agosto de 2007 sob relatoria do ministro Joaquim Barbosa. Arantes ainda pontua que

[...] a cobertura da mídia resultou em muita pressão sobre os ministros e o julgamento foi disputado dentro e fora dos limites da corte. Brigas frequentes entre o ministro relator Joaquim Barbosa e o ministro revisor Ricardo Lewandowski eram televisionadas ao vivo e por vezes afetaram negativamente a imagem do tribunal (Arantes, 2018Arantes, Rogério B. (2018), “Mensalão, um Crime sem Autor?”, in M. C. Marona; A. D. Rio (eds.), Justiça no Brasil: Às Margens da Democracia. Belo Horizonte, Arraes, pp. 338-389.).

O julgamento propriamente dito começou no dia 2 de agosto de 2012. A expectativa em torno do julgamento, que seria televisionado, foi tamanha que, nos três dias que antecederam o seu início, o Jornal Nacional, da emissora de TV Rede Globo, levou ao ar reportagens especiais que ajudariam o telespectador a entender as acusações, os argumentos dos advogados de defesa dos réus e os votos de cada ministro11 11 . Disponível em https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/coberturas/mensalao/julgamento/. Acesso em 12/10/2020. . O STF concluiu o julgamento do Mensalão no dia 13 de março de 2014. Esta será nossa janela temporal.

Devido a essa polarização entre o relator da ação e o revisor, os dois magistrados serão analisados conjuntamente para verificar como a atuação de cada um influenciou na popularidade obtida pelos magistrados. Abaixo, podemos ver os dados de interesse na operação em conjunto com o interesse nos magistrados envolvidos.

Gráfico 4
: Interesse ao longo do tempo (Caso 4)

As citações ao Ministro Relator e ao Ministro Revisor do caso estão sintetizadas na tabela a seguir.

Tabela 8
: Resumo citações imprensa ministros (Caso 4)

Dessa forma, vemos que o foco dos veículos de imprensa analisados ao falar da operação foi 2,4 vezes maior no relator em relação ao revisor. Se o interesse do público em determinado ministro seguisse o nível de exposição dado a ele pela imprensa, seria de se esperar que o relator obtivesse em torno de 2,4 vezes mais pontos de interesse do que o revisor. Entretanto, as regressões representadas na Tabela 9 mostram uma realidade bastante diversa.

Tabela 9
: Capitalização de interesse nos ministros (Caso 4)

Nos chama a atenção a diferença nas proporções de exposição do ministro pelos veículos de imprensa e de buscas pelos ministros. O relator foi citado em 26% das reportagens que citavam a operação, enquanto que o revisor, 11%. Assim, pode-se dizer que o revisor teve 40% da exposição que teve o relator. Se o interesse demonstrado através de buscas no mecanismo Google seguisse lógica similar, era de se esperar certa coerência na proporção do interesse pelos magistrados em análise. Não é o caso. A Tabela 9 mostra que para cada busca pela operação houve 0,3 busca pelo relator e 0,03 busca pelo revisor. Assim, o revisor teve 10% do interesse do relator. Outros fatores podem ser elencados para explicar o maior interesse no relator e, em nossa análise, isso tem a ver com o posicionamento adotado durante o julgamento o que, também de acordo com nossa análise, pode ser parcialmente explicado pelo seu perfil cognitivo.

Os dois magistrados sob análise protagonizaram brigas frequentes em função de seus posicionamentos durante o julgamento e alguns dos motivos dessas brigas podem nos dar elementos para nos ajudar a caracterizar os respectivos perfis cognitivos.

Arantes (2018Arantes, Rogério B. (2018), “Mensalão, um Crime sem Autor?”, in M. C. Marona; A. D. Rio (eds.), Justiça no Brasil: Às Margens da Democracia. Belo Horizonte, Arraes, pp. 338-389.:349) nos mostra que a denúncia oferecida pelo então Procurador-Geral da República (PGR) Antônio Fernando de Souza versava sobre um crime para o qual não há exatamente uma tipificação penal. A ideia era de que estava em andamento um crime politicamente orientado de projeto de poder via compra de apoio político usando recursos advindos dos crimes de corrupção. A denúncia partia do crime principal e ia sendo paulatinamente detalhada até chegar aos crimes de suporte. Além disso, para fins didáticos junto à opinião pública, o PGR agrupou os acusados em núcleos de forma a “dar sustentação à narrativa de uma organização criminosa estruturada para a prática de um crime politicamente orientado”.

Ainda segundo Arantes (2018Arantes, Rogério B. (2018), “Mensalão, um Crime sem Autor?”, in M. C. Marona; A. D. Rio (eds.), Justiça no Brasil: Às Margens da Democracia. Belo Horizonte, Arraes, pp. 338-389.:354), um primeiro ponto de discordância entre os dois ministros sob análise foi a questão do desmembramento do processo. Vários dos réus sem direito ao foro privilegiado solicitaram que seus respectivos processos fossem julgados por instâncias inferiores. Adotando posição diversa à do relator, o revisor se posicionou a favor da questão se apoiando em “inúmeros votos dos próprios colegas em favor do desmembramento em situações semelhantes anteriormente enfrentadas pelo tribunal”. Aqui podemos já verificar a contraposição de dois estilos cognitivos (Tabela 1), o do revisor, parece se conformar às descrições “caracterizados pela precisão, confiabilidade, eficiência, metodicidade, prudência, disciplina e conformidade”, “buscam solução para problemas de formas já consolidadas e bem compreendidas”, “fazem dos meios a meta” em contraposição ao do relator, que parece se conformar mais com as descrições “pensando tangencialmente, abordando tarefas sob ângulos inéditos”, “na busca por objetivos, tratam meios aceitos com pouca consideração”, “fornecem a dinâmica para provocar mudanças radicais periódicas” e “muitas vezes desafiam regras, têm pouco respeito pelos costumes do passado”.

A contraposição entre esses dois estilos parece ter sido manifesta também na inversão da ordem dos itens da denúncia provocados pelo relator o qual, “talhado profissionalmente na arte de acusar percebeu a fragilidade da sequência dos itens da denúncia apresentada pelo PGR” conforme nos informa Arantes (2018Arantes, Rogério B. (2018), “Mensalão, um Crime sem Autor?”, in M. C. Marona; A. D. Rio (eds.), Justiça no Brasil: Às Margens da Democracia. Belo Horizonte, Arraes, pp. 338-389.:355-356). Chama a atenção como tal situação dialoga com a descrição “pensando tangencialmente, abordando tarefas sob ângulos inéditos” e “questionam hipóteses dos problemas, manipulam problemas”. Nessa questão, novamente o revisor se colocou contra, inclusive quanto à adoção da ideia de núcleos proposta pelo PGR. Segundo o revisor, a adoção de votações por núcleos já estaria enviesada, uma vez que adota a ótica do Ministério Público. O revisor prossegue:

[...] eu, nos últimos meses, dediquei-me a estudar profundamente este processo [...], examinando a conduta de cada réu per si, de modo a não apenas individualizar a conduta de cada réu, mas também, depois, consequentemente, de fazer a individualização da pena, como manda a Constituição, o Código Penal e o Código de Processo Penal (Lewandowski apud Arantes, 2018Arantes, Rogério B. (2018), “Mensalão, um Crime sem Autor?”, in M. C. Marona; A. D. Rio (eds.), Justiça no Brasil: Às Margens da Democracia. Belo Horizonte, Arraes, pp. 338-389.:357-358).

Não há como não verificar a aderência de tal atitude com a descrição “parecem imunes ao tédio, capazes de manter alta precisão em longos períodos de trabalho detalhado” e “caracterizados pela precisão, confiabilidade, eficiência, metodicidade, prudência, disciplina e conformidade”.

As duas situações expostas acima mostram um conflito que perdurou durante todo o julgamento. De um lado, o relator que, desde o início, segundo nos revela Arantes (2018Arantes, Rogério B. (2018), “Mensalão, um Crime sem Autor?”, in M. C. Marona; A. D. Rio (eds.), Justiça no Brasil: Às Margens da Democracia. Belo Horizonte, Arraes, pp. 338-389.:350) recebeu bem a acusação e até a aperfeiçoou e um revisor que examinou profundamente o processo para elaborar um voto que não adotasse necessariamente a ótica do órgão acusador.

Em nossa análise, os fatos aqui nos dão elementos para identificar o relator como tendo um perfil mais inovador e o revisor, como adaptador. O posicionamento pró denúncia do relator pode ter sido definitivo para a maior popularidade por ele obtida em função da operação em análise.

Caso 5: Lava Jato e Marcelo Bretas

O juiz Marcelo Bretas começou a atuar na Lava Jato quando uma decisão do ministro Teori Zavascki tirou do juiz Sérgio Moro denúncias relacionadas com a Eletronuclear e as enviou para o Rio de Janeiro.

Entretanto, o período de maior exposição do magistrado associado à operação Lava Jato viria a ocorrer com a decretação da prisão do ex-presidente Michel Temer, ocorrida em 21 de março de 2019. Assim, limitaremos nossa análise ao período compreendido entre 2019 e o primeiro semestre de 2020.

Abaixo, podemos ver o interesse no juiz e na operação ao longo do período analisado.

Gráfico 5
: Interesse ao longo do tempo (Caso 5)

A tabela seguinte resume as citações à operação e ao magistrado no período analisado.

Tabela 10
: Resumo citações (Caso 5)

Dada a importância da operação no cenário nacional e as menções à operação no contexto de outras varas, o denominador da estatística “% Exposição Magistrado” acaba aumentando muito, o que faz com que o percentual seja baixo.

Na tabela seguinte, podemos ver o interesse no magistrado como função do interesse na operação.

Tabela 11
: Capitalização de interesse no magistrado (Caso 5)

Conforme vemos na tabela acima, o magistrado capitalizou 10% da popularidade da operação no período analisado (modelo 3). Nos parece então inequívoco o ganho de popularidade obtido pelo juiz por sua atuação no curso da operação Lava Jato.

Com respeito ao perfil cognitivo do magistrado em análise, talvez em função da exposição que promove de si mesmo em suas redes sociais, seja dos que mais nos fornece elementos para a caracterização.

Em reportagem de março de 2019 no veículo Terra12 12 . Disponível em https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/Lava Jato/sem-moro-bretas-assume-protagonismo-na-Lava Jato,9b8f3ef3225609785f9a6bbd32fb214e6rvu0b9v.html. Acesso em 18/10/2020. , Bretas é retratado como o principal nome da Lava Jato e é classificado como mais midiático que Moro, participando da cerimônia de posse presidencial, utilizando suas redes sociais para comentar assuntos do dia, e tendo já divulgado foto sua segurando um fuzil, o que indica um possível alinhamento político. Essas características dialogam bastante com as descrições “na busca por objetivos, tratam meios aceitos com pouca consideração”, “parecem ter baixo nível de dúvidas sobre si mesmos ao gerar ideias, não necessitando de consenso para manter a certeza diante de oposições” e “muitas vezes desafiam as regras, têm pouco respeito pelos costumes do passado”.

A decisão proferida pelo magistrado com respeito ao presidente Michel Temer também foi muito criticada pela comunidade jurídica. Nela, o juiz manda recados ao STF por conta da abertura de ofício do inquérito das Fake News afirmando de antemão não haver elementos que indiquem a existência de crimes eleitorais, numa clara iniciativa para que o processo não fosse para a justiça eleitoral, conforme o STF havia decidido13 13 . Ver https://www.bol.uol.com.br/noticias/2019/03/21/juiz-bretas-manda-recados-da-Lava Jato-ao-stf-em-decisao-contra-temer.htm. Acesso em 18/10/2020. . Aqui, vemos claramente comportamentos condizentes com as descrições “Tendem a assumir o controle em situações não estruturadas” e “Muitas vezes desafiam as regras, têm pouco respeito pelos costumes do passado” entre outras.

Dessa forma, nos parece razoável classificar o comportamento do juiz, no contexto analisado, como característico de um magistrado com perfil cognitivo eminentemente inovador.

Caso 6: Sanguessugas e Jefferson Schneider

O caso das sanguessugas foi um escândalo de corrupção política no qual recursos públicos para compras de ambulâncias eram desviados. A operação prendeu, entre outros, dois ex-deputados federais e deu origem à uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional que investigou um total de 90 parlamentares. Em seu relatório final, foi recomendada a abertura de processo de cassação de 72 deles.

Abaixo, comparamos a popularidade da operação em relação a das operações Satiagraha e Castelo de Areia.

De acordo com o exposto no Gráfico 6, vemos que a operação foi a que despertou maior interesse no público. Entretanto, conforme mostramos na tabela abaixo, foi a operação (das três) que a cobertura da imprensa menos expôs o magistrado.

Gráfico 6
: Interesse ao longo do tempo (Caso 6)

De fato, é bastante difícil encontrar informações sobre o magistrado responsável pela condução da operação. Das raríssimas menções ao seu perfil encontradas, no blog do jornalista Reinaldo Azevedo, pode-se extrair os seguintes comentários a respeito do magistrado:

Os jornalistas com bom texto estão nos devendo um perfil do juiz Jefferson Schneider, da 2ª Vara Federal de Cuiabá. Ele e o procurador Mário Lucio Avelar têm sido implacáveis, vejam só, no cumprimento da lei e de suas funções, evitando procrastinações na investigação do escândalo dos Sanguessugas. Quem são estes senhores? De onde vieram? Qual a sua formação? O que pensam do mundo? Schneider, que se move numa cadeira de rodas, tem um perfil discretíssimo. Detesta aparecer. Mas é possível saber sobre ele mais do que sabemos até agora: quase nada (Azevedo, 2006Azevedo, Reinaldo. (2006), “Blog do Jornalista Reinaldo Azevedo”. Revista Veja. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/pauta-2-8211-quem-e-o-juiz-jefferson-schneider/>. Acesso em: 18/10/2020.
https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/...
).

O Google Trends não fornece dados sobre o magistrado, nem mesmo na pesquisa não contextualizada, inviabilizando assim a estimação dos modelos econométricos neste caso. É bem provável que isso tenha ocorrido mais em função do perfil do magistrado do que por uma particularidade dessa operação. Assim, segundo os critérios adotados nesse estudo, o magistrado em análise não capitalizou nenhum ponto de interesse em função da operação. Em pesquisas no Google não é possível achar nenhum texto que discorra sobre possível decisão polêmica proferida pelo magistrado sob análise no contexto do escândalo das Sanguessugas. Parece que o magistrado não atuou com ativismo judicial no caso em questão e, caso o tenha feito, isso não resultou em benefício próprio em termos de popularidade.

Ao se analisar as descrições usadas como base para nos informar a respeito do perfil cognitivo dos magistrados, nos parece bastante razoável que as características atribuídas ao perfil adaptador despertem um menor nível de interesse por parte da população em geral. Nos parece natural haver maior propensão, por parte da população, a se interessar mais por pessoas com perfil disruptivo e que, consequentemente, são mais propensas a “fornecer a dinâmica para provocar mudanças radicais periódicas, sem as quais as instituições tendem a se ossificar” (Tabela 1). Nessa linha, seria natural associar algumas das características de adaptadores à falta de interesse da população e da imprensa em geral. Como exemplo temos “caracterizados pela precisão, confiabilidade, eficiência, metodicidade, prudência, disciplina e conformidade”, ou ainda “reduzem problemas através de melhoria e maior eficiência com máxima continuidade e estabilidade”, ou ainda, “são essenciais para o funcionamento contínuo da instituição, mas ocasionalmente precisam ser ‘desenterrados’ de seus sistemas”. Essas não são características que renderiam manchetes e biografias particularmente interessantes. Talvez isso explique não só a baixa exposição do magistrado no contexto da operação como também o baixo nível de exposição do magistrado em geral (Tabela 12). Se as relações acima forem tomadas como hipótese, nos parece bastante seguro classificar o magistrado mais para adaptador do que para inovador, baseando-nos mais no que não foi dito do que pelo que foi dito.

Tabela 12
: Resumo citações (Caso 6)

Discussão de resultados

Os estudos de caso reforçaram o desenvolvimento teórico ao demonstrarem que nas situações nas quais se identifica o perfil cognitivo inovador tem-se ganho de popularidade em função da forma de atuação do juiz. Os casos 2 e 3 demonstraram especialmente que um mesmo juiz pode escolher a forma com a qual vai conduzir uma operação e que essa escolha tem consequências em termos de capitalização de popularidade. Comparação similar foi possível no caso 4, no qual o juiz que apresentou maior inclinação ao perfil inovador (o relator) obteve mais citações na imprensa e, de forma desproporcionalmente maior, mais popularidade. O maior número de citações do relator pela imprensa pode estar relacionado com o exercício de papel de maior proeminência no contexto do processo. Entretanto, o interesse desproporcionalmente maior da população provavelmente guarda relação com a forma de atuação deste em relação à forma de atuação do revisor, de perfil adaptador.

Com a análise do caso 1 foi possível observar o nível de consciência que o juiz tinha da questão do poder que o apoio da opinião pública tem na implementação e sustentação da operação e como o magistrado foi habilidoso no sentido de instrumentalizar a imprensa para sustentação da operação que comandava. O magistrado foi tão bem-sucedido na empreitada que conseguiu inclusive mudar a forma como os tribunais superiores lidavam com o processo.

No caso 5 também se verificou a existência de um magistrado com perfil cognitivo inovador e uma boa capitalização de popularidade, o que dialoga com as hipóteses de pesquisa aqui propostas.

Por fim, o caso 6 mostra o outro lado da moeda. Temos um juiz de perfil discreto sobre o qual foi possível encontrar poucas informações e, principalmente, nenhuma insinuação de atuação com ativismo. Como nosso desenvolvimento teórico previu, o juiz não capitalizou popularidade apesar de ter conduzido uma das operações de maior destaque.

Dessa forma, o estudo conduzido (dentro de suas limitações) nos permite corroborar as duas hipóteses propostas: i) o ativismo judicial rende popularidade ao juiz e, ii) juízes de casos em que o ativismo judicial impera tendem a perfis cognitivos inovadores. Todavia, reconhecemos que nosso estudo possui limitações e barreiras, assim como todos os demais. Os leitores devem estar atentos para o fato de que os posicionamentos dos agentes aqui analisados podem variar ao longo do tempo, desde que suas preferências e o ambiente onde atuam também variem; por isso, as conclusões aqui apresentadas se restringem aos casos analisados.

Conclusão

O presente artigo empreendeu um esforço no sentido de acoplar a teoria existente sobre a hipótese da racionalidade para juízes e a literatura que trata do fenômeno da politização do judiciário. Em nosso desenvolvimento teórico, verificamos que a politização do judiciário emerge quando juízes se tornam ativistas de determinadas causas – em nosso caso, a causa do combate à corrupção política – sendo que, a decisão de agir com ativismo é resultado da vontade do juiz a qual, ainda de acordo com nosso desenvolvimento teórico, é resultado de um juiz com perfil cognitivo inovador maximizando sua utilidade. Essa maximização envolve tanto a capitalização de popularidade e prestígio quanto o desenvolvimento de uma percepção positiva a respeito do próprio trabalho, o que representa um aspecto de consumo do trabalho judicial.

A contribuição acerca do aprofundamento do entendimento dos juízes como atores racionais expostos a determinados incentivos e restrições pode ajudar a jogar luz sobre as causas do fenômeno da politização do Judiciário. Esse fenômeno já é tido como uma realidade e, nessa esteira, o presente artigo ajuda a compreendê-lo sob a ótica da racionalidade. Essa compreensão pode ser útil para reformulação do conjunto de regras que estabelecem as restrições visando insular os magistrados de incentivos que possam comprometer a distribuição de justiça de forma imparcial.

Os autores agradecem os comentários dos professores Claudio Couto e Maurício Bugarin, assim como os comentários dos pareceristas anônimos da Revista DADOS. O ponto de partida do presente artigo foi a dissertação de mestrado Pretori d’Assalto: A Racionalidade por Trás da Politização do Judiciário, defendida no programa de Mestrado em Economia do Setor Público da Universidade de Brasília.

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Notas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2021
  • Revisado
    30 Maio 2022
  • Aceito
    1 Jun 2022
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