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A História do Seguro-Desemprego no Brasil: Regras, Dinâmicas do Mercado de Trabalho e Proteção Social * * Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no Grupo de Trabalho (GT) Políticas Públicas do 45º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, sendo publicada nos seus Anais. Esta pesquisa contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

The History of The Brazilian Unemployment Insurance: Rules, Labor Market Dynamics, and Social Protection

L’Histoire de l’Assurance Chômage au Brésil : Règles, Dynamique du Marché du Travail et Protection Sociale

La Historia del Seguro de Desempleo en Brasil: Reglas, Dinámicas del Mercado de Trabajo y Protección Social

RESUMO

Este artigo discute a trajetória do seguro-desemprego brasileiro no período 1986-2019. De início, as mudanças legais do seguro são debatidas à luz da conjuntura econômica e das disputas sociopolíticas de cada período. Em seguida, o artigo analisa os indicadores de efetividade do seguro, notadamente a cobertura, a duração do benefício e a reposição salarial. Por fim, calculo o Índice de Desmercantilização ( Decommodification Index ) do seguro-desemprego, seguindo a proposta de Esping-Andersen (1990). O objetivo é analisar o seguro-desemprego brasileiro no período 1996-2017 e, em seguida, compará-lo com os modelos existentes na OCDE. Os resultados atestam o enfraquecimento recente da proteção ao desemprego, o que coloca o ano de 2017 na segunda pior posição da série histórica, em decorrência da desestruturação do mercado de trabalho e de uma reforma restritiva do seguro-desemprego em 2015. Ademais, o Índice de Desmercantilização do seguro brasileiro é o menor dentre os países analisados, sobretudo devido a uma cobertura efetiva residual, dada a distância entre as regras do seguro (pensadas para mercados de trabalho estruturados) e as características da força de trabalho nacional.

seguro-desemprego; índice de desmercantilização; mercado de trabalho; bem-estar social; políticas de emprego

ABSTRACT

This article examines the development of Brazilian unemployment insurance from 1986 to 2019. First, it discusses legal changes, considering the economic conditions and sociopolitical conflicts of each period. Second, it presents the main indicators of the insurance’s effectiveness, notably coverage, duration and wage replacement. Finally, it presents a calculation of the Decommodification Index of the unemployment insurance, following Esping-Andersen’s (1990) proposal. The goal is to analyze Brazilian unemployment insurance from 1996 to 2017 and compare it with current models in OECD countries. The results reveal the weakening of unemployment protection in 2017, a year that ranks second worst in the historical series due to the labor market disruption and a restrictive reform of unemployment insurance in 2015. Furthermore, Brazil has the lowest Index in the database, owing to its residual effective coverage due to the distance between insurance rules – designed for structured labor markets – and the characteristics of the national workforce.

unemployment insurance; decommodification index; labor market; social welfare; employment policies

RÉSUMÉ

Cet article traite de la trajectoire de l’Assurance Chômage brésilienne sur la période 1986-2019. Dans un premier temps, les évolutions juridiques de l’assurance sont discutées à la lumière de la conjoncture économique et des contestations socio-politiques de chaque période. Ensuite, l’article analyse les indicateurs d’efficacité de l’assurance, notamment la couverture, la durée des prestations et le remplacement du salaire. Enfin, je calcule l’indice de démarchandisation de l’Assurance Chômage, suivant la proposition d’Esping-Andersen (1990). L’objectif est d’analyser l’Assurance Chômage brésilienne sur la période 1996-2017, puis de la comparer aux modèles existants de l’OCDE. Les résultats attestent de l’affaiblissement récent de la protection contre le chômage, qui place 2017 dans la deuxième pire position de la série historique, en raison de la perturbation du marché du travail et d’une réforme restrictive de l’Assurance Chômage en 2015. Par ailleurs, l’Indice de la démarchandisation de l’assurance brésilienne est le plus bas parmi les pays analysés, principalement en raison d’une couverture d’efficace résiduelle, compte tenu de la distance entre les règles d’assurance (conçues pour des marchés du travail structurés) et les caractéristiques de la force de travail nationale.

assurance chômage; indice de démarchandisation; marché de l’emploi; bien-être social; politiques de l’emploi

RESUMEN

Este artículo discute la trayectoria del seguro de desempleo brasilero en el periodo 1986-2019. Inicialmente, son debatidos los cambios legales del seguro a la luz de la coyuntura económica y de las disputas sociopolíticas de cada período. Luego, el artículo analiza los indicadores de efectividad del seguro, especialmente la cobertura, la duración del beneficio y la reposición salarial. Finalmente, se calcula el Índice de Desmercantilización ( Decommodification Index ) del seguro de desempleo, siguiendo la propuesta de Esping-Andersen (1990). El objetivo es analizar el seguro desempleo brasilero en el periodo 1996-2017 y, luego, compararlo con los modelos existentes de la OCDE. Los resultados demuestran el debilitamiento reciente de la protección al desempleo, lo que coloca el año 2017 en la segunda peor posición de la serie histórica, como resultado de la desestructuración del mercado de trabajo y de una reforma restrictiva del seguro de desempleo en 2015. Además, el Índice de Desmercantilización del seguro brasilero es el menor entre los países analizados, sobre todo debido a una cobertura efectiva residual, dada la distancia entre las reglas del seguro (pensadas para mercados de trabajo estructurados) y las características de la fuerza de trabajo nacional.

seguro de desempleo; índice de desmercantilización; mercado de trabajo; bienestar social; políticas de empleo

Introdução

O seguro-desemprego é um auxílio financeiro promovido pelo Estado. Seu objetivo é amortecer os efeitos negativos de curto-prazo decorrentes da perda do trabalho, a partir da reposição parcial dos salários ( Amorim, Gonzalez, 2009Amorim, Brunu; Gonzalez, Roberto. (2009), “O Seguro-Desemprego como Resposta à Crise no Emprego: Alcance e Limites”. Mercado de Trabalho (Ipea), v. 40, pp. 43-49. ). O acesso ao benefício costuma depender da posição do trabalhador no processo produtivo, condição que assume feições mais ou menos restritivas a depender das características do mercado de trabalho e do papel do seguro nos sistemas de proteção social. A literatura acadêmica classifica o seguro-desemprego como uma política passiva, pois, ao contrário das políticas ativas, não interfere nas condições de empregabilidade da mão de obra ( Azeredo, Ramos, 1995Azeredo, Beatriz; Ramos, Carlos. (1995), “Políticas Públicas de Emprego: Experiências e Desafios”. Planejamento e Políticas Públicas, v. 12, pp. 91-116. ).

Na história do capitalismo, diversas medidas buscaram regular a distribuição de recursos monetários e o funcionamento dos mercados de trabalho. Burawoy (1983)Burawoy, Michael. (1983), “Between the Labor Process and the State: the Changing Face of Factory Regimes under Advanced Capitalism”. American Sociological Review, v. 48, n. 5, pp. 587-605. sublinha o papel da seguridade social, ao permitir a separação entre as relações produtivas e a reprodução das condições de existência. Nesse âmbito, o seguro-desemprego visa amortecer os impactos socioeconômicos das flutuações da demanda por mão de obra. Durante um período determinado pelo Estado, os beneficiários não precisam vender sua força de trabalho a qualquer preço, o que aumenta o poder de barganha e o salário de reserva dos trabalhadores elegíveis.

Entre o final do século XIX e o início do século XX, a proteção ao desemprego se baseou em auxílios municipais que eram financiados voluntariamente pelos trabalhadores e pelo Estado, com destaque para as experiências de Berna (Suíça), Colônia (Alemanha) e Genth (Bélgica). Em 1905, a França criou o primeiro seguro nacional, caminho seguido nos dois anos seguintes por Dinamarca e Noruega ( Berg, Salerno, 2008Berg, Janine; Salerno, Matthew. (2008), “The Origins of Unemployment Insurance: Lessons for Developing Countries”, in: J. Berg, D. Kucera (orgs.), In Defense of Labour Market Institutions: Cultivating Justice in the Developing World. New York, Palgrave MacMillan, pp. 80-99. ). Já em 1911, a Inglaterra inaugurou um sistema nacional de caráter obrigatório, cujo financiamento incluiu os empregadores. Além de firmar um modelo básico de seguro, em que os desempregados acessam benefícios a depender do seu desempenho em ocupações registradas, essa decisão reconheceu o desemprego como uma experiência involuntária, decorrente de oscilações na produção industrial ( Cohen, Hanagan, 1995Cohen, Miriam; Hanagan, Michael. (1995), “Politics, Industrialization and Citizenship: Unemployment Policy in England, France and the United States, 1980-1950.” International Review of Social History, v. 40, n. 3, pp. 91-129. ). Após a Segunda Guerra Mundial, o seguro-desemprego se tornou uma das políticas mais difundidas no mundo capitalista. Isso se manteve após a crise do Fordismo nos anos 1970, ainda que com mudanças importantes, como o enrijecimento dos critérios de elegibilidade em alguns países e uma interface cada vez mais compulsória com as políticas de intermediação profissional.

O Brasil implementou o seguro-desemprego de maneira tardia e se manteve alheio, até os anos 1990, às convenções internacionais que regulamentavam as políticas de auxílio financeiro aos desempregados. Vale ressaltar que o mercado de trabalho brasileiro é típico dos países latino-americanos: o setor informal sempre foi significativo, o desemprego aberto1 1 . O desemprego aberto ocorre quando o indivíduo não exerce qualquer tipo de ocupação remunerada, está disponível para trabalhar e procura ativamente por trabalho. demorou a se constituir como um problema e suas desigualdades socioeconômicas são expressivas. Após uma breve experiência na década de 1960, o seguro só foi retomado em meados dos anos 1980, durante a transição democrática. A criação do seguro não pode ser separada do “espírito” da época, observado na demanda pela expansão do regime de bem-estar e na incorporação dos sindicatos na gestão dos fundos públicos. Essas experiências sintetizam as mudanças do seguro até o fim dos anos 2000, em uma evolução incremental das suas regras e procedimentos, observada nas demais políticas públicas ( Arretche, Marques, Faria, 2019Arretche, Marta; Marques, Eduardo; Faria, Carlos. (2019), “Produzindo Mudanças por Estratégias Incrementais: a Inclusão Social no Brasil pós-1988”, in: M. Arretche; E. Marques; C. Faria (orgs.), As políticas da Política: Desigualdade e Inclusão nos Governos do PSDB e do PT. São Paulo, Editora UNESP, pp. 352-367. ). Desde então, outras preocupações passaram a ocupar a agenda estatal. O seguro foi submetido a reformas restritivas na década de 2010, em um período atravessado por crises econômicas, ajuste fiscal e fortalecimento de ideias que apregoavam a redução do papel do Estado na distribuição de recursos sociais.

Para dar conta do assunto, este artigo se divide em quatro etapas. A primeira identifica as mudanças legais do seguro-desemprego entre 1986 e 2019, enquanto a segunda detalha como essas mudanças, somadas às dinâmicas do mercado de trabalho, afetaram a proteção ao desemprego. Já a terceira dialoga com a proposta de Esping-Andersen (1990)Esping-Andersen, Gøsta. (1990), The Three Worlds of Welfare Capitalism. New Jersey, Princeton University Press. para calcular o Índice de Desmercantilização ( Decommodification Index ) do seguro-desemprego brasileiro, analisando a evolução do Índice de 1996 a 2017 e comparando o Brasil com os países capitalistas centrais. O Índice de Desmercantilização mede o nível de proteção social conferido pelas políticas públicas, ao combinar os seus principais indicadores, o que me permite examinar o papel do seguro-desemprego na socialização dos riscos sociais. Finalmente, a quarta etapa discute os achados mais importantes do artigo.

Criação e Evolução do Seguro-Desemprego no Brasil

A década de 1980 foi marcada por perda de dinamismo econômico e desindustrialização. Após os choques do petróleo de 1973 e 1979, tornou-se mais difícil acessar crédito internacional, ao que se somaram uma crise da dívida pública e a queda da demanda por bens de consumo duráveis. Já o crescimento da população ativa pressionava o setor produtivo e, com o recuo da absorção de mão de obra, a procura por trabalho estruturava cada vez mais a vida dos trabalhadores.

O desemprego involuntário passou a figurar nos noticiários, devido à demissão de um grande contingente de trabalhadores industriais e ao surgimento de protestos massivos de trabalhadores desempregados nos grandes centros urbanos. Passada a recessão de 1980-83, o cenário era de agravamento do processo inflacionário, endividamento externo e eclosão de greves ( Averbug, 2005Averbug, Marcello. (2005), “Plano Cruzado: Crônica de uma Experiência”. Revista do BNDES, v. 12, n. 24, pp. 211-240. ). O movimento operário, fortalecido em 1978, reconhecia a iminência das demissões em massa e a incapacidade de os fundos de greve amortecerem os impactos socioeconômicos do desemprego.

Foi nesse contexto que o seguro-desemprego integrou o Plano Cruzado, instituído pelo Decreto-Lei n. 2.283 durante o mandato do presidente José Sarney ( Brasil, 1986BRASIL. (1986), Decreto Lei n. 2.284, de 27 de fevereiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2283.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Dec...
). Além de estabelecer parâmetros heterodoxos para o controle inflacionário, a partir do congelamento de preços, o Decreto incluiu em seu Artigo 25 a criação de uma assistência temporária aos desempregados, disponibilizada em caso de demissão sem justa causa ou devido à paralisação das atividades do empregador. O seguro foi inspirado no modelo europeu, como um auxílio temporário que repõe parte dos salários e cujo acesso depende da participação em empregos registrados. Além de traduzir a preocupação do Governo frente às incertezas dos impactos socioeconômicos do Plano Cruzado2 2 . Como revela a fala atribuída pela então secretária de Políticas de Emprego e Salário, Dorothea Werneck, ao Ministro do Trabalho Almir Pazzianotto: “vai sair um plano [...] e o pessoal da Fazenda está preocupado, porque pode gerar muito desemprego. Vamos ter que criar alguma medida de proteção, e vai ser o seguro-desemprego” ( http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3297/1/Ipea%2040%20anos%20arquivo_completo-12.pdf ) . , a medida sintetizou inúmeros debates na academia, no legislativo e na imprensa que criticavam a falta de um auxílio financeiro aos desempregados ( Chahad, 1986Chahad, José. (1986), “O Impacto do Seguro-Desemprego na Economia Brasileira”. Estudos Econômicos, v. 16, pp. 83-102. ).

O benefício poderia se estender por até 4 meses, com prazo de carência de 18 meses. Para seu usufruto, o desempregado precisava cumprir algumas condições, como haver contribuído para a Previdência Social por pelo menos 36 dos últimos 48 meses; possuir registro de assalariado na Carteira de Trabalho e Previdência pelos últimos 6 meses; e ter sido dispensado há mais de 30 dias. Para os trabalhadores que recebiam até 3 salários-mínimos mensais antes da demissão, o valor do benefício alcançava 50% do salário anterior, com piso de 70% do salário-mínimo. Já os trabalhadores com proventos acima de 3 salários-mínimos recebiam o valor de 1,5 salário-mínimo.

Frente à queda da demanda por mão de obra nos setores organizados da economia, o seguro foi pensado como uma política compensatória para os trabalhadores com registro em carteira, sobretudo no setor secundário. O objetivo não era conceder um alívio difuso à falta de ocupações remuneradas e à pobreza, que se confundiam com o trabalho informal, mas pactuar um compromisso entre uma elite de trabalhadores, os empregadores e o Estado. Os desempregados com experiência no mercado formal poderiam planejar a procura por trabalho e ampliar o tempo de busca, prevenindo a perda de capital humano ( Mourão, Almeida, Amaral, 2013Mourão, Aline; Almeida, Mariana; Amaral, Ernesto. (2013), “Seguro-Desemprego e Formalidade no Mercado de Trabalho Brasileiro”. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 30, n. 1, pp. 251-270. ).

Mas o Decreto-Lei n. 2.283 não discriminou a fonte de financiamento do seguro, e sua existência dependia da disponibilidade de recursos do Tesouro Nacional, o que provocou desconfianças sobre sua continuidade ( Neto, Zylberstajn, 1999Neto, Giácomo; Zylberstajn, Hélio. (1999), “O Seguro-Desemprego e o Perfil dos Segurados no Brasil: 1986-1998”. Anais do III Encontro Nacional de Economia. ). Para corrigir esse problema, a Assembleia Constituinte incluiu o seguro-desemprego no Artigo 7 da Constituição de 1988, voltado aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais ( Brasil, 1988BRASIL. (1988), Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
). O texto constitucional inovou ao atrelar o financiamento do seguro às contribuições dadas ao Programa de Integração Social (PIS) e ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). Essa lógica de financiamento, fundada em contribuições patronais para fundos de seguridade social, persiste até os dias atuais. Também ficou estabelecido que os benefícios que substituem a renda do trabalho, como o seguro-desemprego, não seriam inferiores a 1 salário-mínimo.

Ao final dos anos 1980, o Brasil experimentava hiperinflação e uma crescente desigualdade de rendimentos, ainda que as taxas de desemprego se mantivessem em patamares reduzidos ( Ramos, Vieira, 2001Ramos, Lauro; Vieira, Maria. (2001), “Desigualdade de Rendimentos no Brasil nas Décadas de 80 e 90: Evolução e Principais Determinantes”. Texto para Discussão (Ipea), vol. 803. ; Carvalho, 2003Carvalho, Carlos. (2003), “Bancos e Inflação no Brasil: da Crise dos Anos 1980 ao Plano Real”. Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica. ; Amadeo et al. , 1994Amadeo, Edward et al. (1994), “A Natureza e o Funcionamento do Mercado de Trabalho Brasileiro desde 1980”. Texto para Discussão (Ipea), v. 353. ). Já o acesso ao seguro era prejudicado por seu caráter restritivo e por problemas de comunicação com o público ( Chahad, 1989Chahad, José. (1989), “Os Custos e o Financiamento do Programa Brasileiro de Seguro-Desemprego”. Estudos Econômicos, v. 19, n. 1, pp. 75-107. ). Essas tendências foram revertidas nos anos seguintes.

As pautas distributivas saíram fortalecidas da Constituição de 1988, mas ainda dependiam de legislação específica para avançar. Foi nesse contexto que a Lei n. 7.998 de 1990, criada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Fernando Collor de Mello, modificou a elegibilidade ao seguro ( Brasil, 1990BRASIL. (1990), Lei n. 7.998, de 11 de janeiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7998.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). No agora denominado Programa de Seguro-Desemprego, os trabalhadores não precisavam mais contribuir com a Previdência, sendo demandados apenas a comprovar o registro em carteira pelos últimos 6 meses. Ainda que isso tenha flexibilizado as regras de acesso, veremos que pouco mais da metade dos trabalhadores eram assalariados formais, o que prejudicava a capilaridade do Programa. O benefício também passou a ser articulado à política de qualificação profissional e à intermediação de mão de obra, ancoradas no Sistema Nacional de Emprego (Sine). O objetivo foi combinar o auxílio financeiro com o incremento do desempenho econômico, por meio do investimento em ganhos de produtividade e da coordenação entre oferta e demanda de trabalho ( Balestro, Marinho, Walter, 2011Balestro, Moisés; Marinho, Danilo; Walter, Maria. (2011), “Seguro-Desemprego no Brasil: a Possibilidade de Combinar Proteção Social e Melhor Funcionamento do Mercado de Trabalho”. Sociedade e Estado, v. 26, n. 2, pp. 185-208. ).

O prazo de carência foi reduzido para 16 meses, mantendo a quantidade máxima de parcelas em 4 meses e fixando o piso do seguro em 1 salário-mínimo. Para a designação dos valores, a Lei fez uso de uma medida padronizada, denominada Bônus do Tesouro Nacional (BTN)3 3 . Em 1994, o BTN foi substituído pela Unidade Real de Valor (URV). , convertendo em BTN a média dos 3 últimos salários. Para a faixa salarial de até 300 BTN, o benefício valia o produto entre esta média e o fator 0,8; para a faixa entre 300 e 500 BTN, a média deveria ser multiplicada por 0,8 até o teto da modalidade anterior, e o restante pelo fator 0,5, somando-se os dois valores; e para a faixa acima de 500 BTN, o benefício assumia o valor fixo de 340 BTN.

A Lei também instituiu o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), responsável pelo custeio do seguro-desemprego4 4 . A Constituição de 1988 estabeleceu que parte da arrecadação do PIS/PASEP passaria a ser destinada ao Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), a fim de garantir uma fonte estável de financiamento para as iniciativas de geração de empregos ( Brasil, 1988 ). Os recursos retornam ao FAT na forma de pagamento dos juros dessa aplicação financeira. sob a gestão tripartite (trabalhadores, empresários e Governo) do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat). Essa decisão traduziu uma guinada na interação entre a sociedade civil e o Estado, reconhecendo os sindicatos como atores políticos relevantes ( Cardoso, 1999Cardoso, Adalberto. (1999), A Trama da Modernidade: Pragmatismo Sindical e Democratização no Brasil. Rio de Janeiro, IUPERJ. ). Em diversos países latino-americanos, a descentralização política após a abertura democrática se baseou na cooperação intersetorial e na utilização de critérios de eficiência na gestão das políticas públicas, a fim de legitimar a atuação estatal durante os ajustes macroeconômicos ( Doner, Hershberg, 2001Doner, Richard; Hershberg, Eric. (2001), “Produção Flexível e Descentralização Política nos Países em Desenvolvimento: Afinidades Eletivas na Busca da Competitividade?”, in: N. Guimarães; S. Martin (eds.), Competitividade e Desenvolvimento: Atores e Instituições Locais. São Paulo, Editora SENAC, pp. 201-238. ).

A modernização da economia foi acompanhada pela tentativa de mitigar os conflitos abertos entre trabalhadores e empregadores. As negociações foram absorvidas pelas instituições e se deslocaram das demandas por recompor o poder de compra dos salários, frente à hiperinflação da década de 1980, para a proteção dos postos de trabalho, ameaçados pela queda do nível de emprego nos anos 1990 ( Guimarães, Comin, Leite, 2001Guimarães, Nadya; Comin, Alvaro; Leite, Marcia. (2001), “Por um Jogo de Soma Positiva: Conciliando Competitividade e Proteção ao Emprego em Experiências Inovadoras de Negociação no Brasil”, in: N. Guimarães; S. Martin (eds.), Competitividade e Desenvolvimento: Atores e Instituições Locais. São Paulo, Editora SENAC, pp. 417-448. ). A gestão tripartite das políticas de emprego se tornou uma marca do período, que coadunou a democratização no plano político e a reestruturação produtiva no plano econômico.

Nos anos seguintes, o Codefat atuou na normatização do seguro. Um bom exemplo foi a Lei n. 8.287 de 1991, decretada pelo Congresso Nacional e mais uma vez sancionada pelo presidente Collor. Os pescadores artesanais passaram a receber o valor de 1 salário-mínimo durante o período de defeso5 5 . Período de reprodução dos peixes, quando fica proibida a atividade pesqueira. , minimizando os impactos da inatividade ( Brasil, 1991BRASIL. (1991), Lei n. 8.287, de 20 de dezembro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8287.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Essa decisão foi disciplinada em 1992 pela Resolução n. 27 do Codefat, que estabeleceu as regras de acesso e os critérios para a comprovação da atividade pesqueira6 6 . Em 2003, a Lei n. 8.287 foi substituída pela Lei n. 10.779, enviada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva ( Brasil, 2003 ). Em 2004, o Codefat disciplinou o acesso a esse benefício via Resolução n. 394. . Outro exemplo foi a atualização dos benefícios e das faixas salariais, que passou a se basear na valorização do salário-mínimo após uma decisão do Codefat em 1994.

Em 1994, a Lei n. 8.900 foi decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Itamar Franco ( Brasil, 1994BRASIL. (1994), Lei n. 8.900, de 30 de junho de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8900.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). A duração do seguro foi condicionada ao tempo prévio de serviço dos desempregados: 3 parcelas para vínculos empregatícios de 6 a 11 meses; 4 parcelas para vínculos de 12 a 23 meses; e 5 parcelas para vínculos de no mínimo 24 meses. Ou seja, a duração máxima do seguro foi ampliada, mas ocorreu uma redução de 4 para 3 parcelas para os desempregados com vínculo empregatício anterior de 6 a 11 meses. Isso tende a prejudicar os grupos com vínculos instáveis, como os trabalhadores jovens e menos escolarizados.

A Lei n. 8900 também determinou que o benefício poderia ser estendido por mais 2 meses em casos excepcionais decididos pelo Codefat. Para isso, o Conselho deveria levar em conta “a evolução geográfica e setorial das taxas de desemprego no país”, bem como o tempo médio de desemprego em cada categoria profissional. A Lei reforçou o papel regulador do Conselho, da mesma forma que reconheceu a vulnerabilidade de certos grupos às oscilações econômicas e ao fechamento de postos de trabalho. Isso de fato ocorreu nos anos de 1996, 1997, 1998 e 2000, em face do crescimento das taxas de desemprego.

Os anos 1990 colocaram de vez o desemprego cíclico (decorrente da baixa demanda por força de trabalho em um cenário de desaceleração econômica) e estrutural (fruto da racionalização do processo produtivo e das transformações tecnológicas) na agenda do Estado. O aumento da informalidade e do desemprego se somou ao crescimento desproporcional do setor terciário e ao avanço da desigualdade de renda per capita ( Barros, Foguel, Ulyssea, 2006Barros, Ricardo; Foguel, Miguel; Ulyssea, Gabriel. (2006), “Introdução”, in: R. Barros; M. Foguel; G. Ulyssea (orgs.), Desigualdade de Renda no Brasil: uma Análise da Queda Recente. Brasília, Ipea, pp. 9-14. ; Dedecca et al. , 2004Dedecca, Claudio et al. (2004), “Mudanças na Distribuição de Renda Individual e Familiar no Brasil”. I Congresso da Associação Latino Americana de População. Disponível em: http://www.alapop.org/alap/images/PDF/ALAP2004_319.pdf.
http://www.alapop.org/alap/images/PDF/AL...
; Cardoso Júnior, 2005Cardoso Júnior, José. (2005), “A Questão do Trabalho Urbano e o Sistema Público de Emprego no Brasil Contemporâneo: Décadas de 1980 e 1990”, in: L. Jaccoud (org.), Questão Social e Políticas Sociais no Brasil Contemporâneo. Brasília, Ipea, pp. 127-177. ). Por outro lado, o Plano Real iniciou uma política de estabilização monetária em 1994, com efeitos positivos sobre os índices de pobreza, e a desigualdade de renda do trabalho começou a diminuir em 1995 ( Hoffmann, 2006Hoffmann, Rodolfo. (2006), “Queda da Desigualdade da Distribuição de Renda no Brasil, de 1995 a 2005, e Delimitação dos Relativamente Ricos em 2005”, in: R. Barros; M. Foguel; G. Ulyessea (eds.), Desigualdade de Renda no Brasil: uma Análise da Queda Recente. Brasília, Ipea, pp. 93-105. ; Rocha, 1996Rocha, Sonia. (1996), “Renda e Pobreza: os Impactos do Plano Real”. Texto para Discussão (Ipea), v. 439. ). Já em 1996, o salário-mínimo passou a ser valorizado acima da inflação ( Sabóia, 2005Sabóia, João. (2005), “Salário Mínimo e Mercado de Trabalho no Brasil no Passado Recente”, in: P. Baltar; C. Dedecca; J. Krein (eds.), Salário Mínimo e Desenvolvimento. São Paulo, Unicamp, pp. 59-70. ).

No final da década de 1990, o cenário econômico mudou bastante. O Plano Real conseguiu controlar a inflação, mas foi acompanhado pela crise dos países emergentes, o que provocou aumento do déficit primário ( Oliveira, Turolla, 2003Oliveira, Gesner; Turolla, Frederico. (2003), “Política Econômica do Segundo Governo FHC: Mudanças em Condições Adversas”. Tempo Social, v. 15, n. 2, pp. 195-217. ). Em 1999, com o propósito de estabilizar as contas públicas, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso alterou o regime macroeconômico, adotando um tripé baseado no câmbio flutuante e em metas inflacionárias e de superávit primário.

Um novo ciclo de expansão do seguro teve início nos anos 2000. O objetivo foi expandir a proteção ao desemprego e criar novas modalidades de seguro para categorias de desempregados não celetistas. Em 2001, o presidente Cardoso instituiu a Medida Provisória n. 2.164-41, determinando que os trabalhadores que estivessem desempregados pelo período de 12 a 18 meses ininterruptos, e que já haviam recebido o benefício, passassem a receber 3 parcelas adicionais de 100 reais cada, pouco mais da metade do salário-mínimo ( Brasil, 2001bBRASIL. (2001b), Medida Provisória n. 2.164-41, de 24 de agosto de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2164-41.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV...
). No mesmo ano, o presidente Cardoso aplicou a Medida Provisória n. 2.104-16, que foi convertida sem alterações na Lei n. 10.208, tornando as trabalhadoras domésticas elegíveis ao seguro ( Brasil, 2001aBRASIL. (2001a), Lei n. 10.208, de 23 de março de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10208.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
). As desempregadas desse ramo passaram a receber 1 salário-mínimo, mas apenas se os empregadores decidissem pelo recolhimento do FGTS, o que prejudicou o alcance da medida. Já em 2002, o Poder Executivo instituiu a Medida n. 74, que foi convertida sem alterações na Lei n. 10.608 e disponibilizou um auxílio mensal no valor 1 salário-mínimo aos trabalhadores resgatados de trabalhos forçados ou condições análogas à escravidão ( Brasil, 2002BRASIL. (2002), Lei n. 10.608, de 20 de dezembro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10608.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
).

Após esse ciclo, a elegibilidade ao seguro-desemprego permaneceu inalterada até o final dos anos 2000. No que diz respeito à proteção ao desemprego, as inovações no campo das políticas públicas privilegiavam o enfrentamento da pobreza via políticas socioassistenciais e, assim, a evolução da cobertura do seguro decorreu apenas do avanço do assalariamento. As únicas iniciativas relevantes foram as resoluções do Codefat de 2005 a 2010, que garantiram a extensão das parcelas do seguro para os empregados de setores econômicos vulneráveis. Vale lembrar que os Estados Unidos enfrentaram uma crise nos créditos de alto risco ( subprime ) em 2008, iniciada no setor de compra e venda de títulos hipotecários de imóveis residenciais e rapidamente expandida para outros países. No Brasil, os impactos da crise foram logo sentidos no mercado de trabalho, e a taxa de desemprego aumentou entre 2008 e 2009. Para lidar com esse problema, o Codefat estendeu o prazo de pagamento do seguro-desemprego para algumas categorias profissionais, via resoluções n. 595, 606 e 607. O Conselho discriminou os ramos de atividades a serem beneficiados em cada Unidade da Federação, com foco no setor industrial.

Diversos estudos caracterizam os anos 2000 como positivos para o mercado de trabalho brasileiro, em um período de boom internacional de commodities e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A valorização real do salário-mínimo foi acompanhada pelo recuo do desemprego e da pobreza, formalização da mão de obra e diminuição da desigualdade de renda do trabalho ( Baltar, 2015Baltar, Paulo. (2015), “Crescimento da Economia e Mercado de Trabalho no Brasil”. Texto para Discussão (Ipea), v. 2036. ; Chahad, Pozzo, 2013Chahad, José; Pozzo, Rafaela. (2013), “Mercado de Trabalho no Brasil na Primeira Década do Século XXI: Evolução, Mudanças e Perspectivas – Desemprego, Salários e Produtividade do Trabalho”. Informações FIPE, v. 393, pp. 11-29. ; Carvalhaes et al. , 2014Carvalhaes, Flavio; Barbosa, Rogério; Souza, Pedro; Ribeiro, Carlos. (2014), “Os Impactos da Geração de Empregos sobre as Desigualdades de Renda: uma Análise da Década de 2000”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 29, n. 85, pp. 79-98. ). O seguro se tornou mais robusto, tanto para os celetistas quanto para grupos específicos de trabalhadores vulneráveis, com baixa qualificação e/ou suscetíveis a violações de direitos. Mas os anos seguintes combinaram deterioração da economia nacional e adoção de políticas de ajuste fiscal, configurando um período de ruptura, tanto no plano econômico quanto no desenho do seguro-desemprego.

A década de 2010 se iniciou com crescimento econômico, em uma rápida recuperação da crise internacional ( Biancarelli, 2014Biancarelli, André. (2014), “A Era Lula e sua Questão Econômica Principal: Crescimento, Mercado Interno e Distribuição de Renda”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, v. 58, pp. 263-288. ). Após aumentar entre 2008 e 2009, o desemprego caiu em 2011, em um ano que também contou com a alta do consumo, dos investimentos e dos índices de importação e exportação ( Baltar, 2015Baltar, Paulo. (2015), “Crescimento da Economia e Mercado de Trabalho no Brasil”. Texto para Discussão (Ipea), v. 2036. ). Diversas medidas buscaram interseccionar o seguro com as políticas ativas de emprego. Desde os anos 1990, já existia certa conexão entre a oferta de benefícios e de cursos de qualificação profissional7 7 . A recolocação profissional dos beneficiários deveria se basear em cursos de qualificação oferecidos no Sine ( Brasil, 1990 ). A conjunção entre o seguro-desemprego e a intermediação perdurou nas iniciativas seguintes. Esse foi o caso do Programa de Reciclagem Profissional, criado em 1994 pelo Governo Federal e voltado à qualificação via agências públicas de emprego. A articulação entre as políticas ativas e o seguro-desemprego também estruturou as ações do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor) nos anos 1990 e do Plano Nacional de Qualificação (PNQ) nos anos 2000. Para uma análise dessas experiências, ver Rocha (2011) . , mas, se essa interface era mais estratégica do que normativa, nos anos 2010 passou a se basear na ameaça do cancelamento dos benefícios. Essas medidas se assemelham às observadas no capitalismo central desde os anos 1980, com o objetivo de impelir a participação econômica imediata dos trabalhadores por meio de sanções em caso de desemprego voluntário ( Lødemel, 2004Lødemel, Ivar. (2004), “The Development of Workfare Within Social Activation Policies”, in: D. Gallie (ed.), Resisting Marginalization: Unemployment Experience and Social Policy in the European Union. Oxford, Oxford University Press, pp. 197-222. ).

Em 2011, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) lançou o portal MTE Mais Emprego. A requisição do benefício passou a incluir o desempregado em um banco de dados de intermediação de mão de obra, como forma de monitorar as vagas no Sine que estivessem ajustadas ao perfil do trabalhador. A recusa injustificada em aceitar o encaminhamento provocaria o corte do benefício, seguindo uma prerrogativa da Lei n. 7.998. Nesse mesmo ano, a Lei n. 12.513 foi decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pela presidente Dilma Rousseff, o que condicionou o recebimento do seguro “à comprovação da matrícula e da frequência do trabalhador segurado em curso de formação inicial e continuada ou qualificação profissional, com carga horária mínima de 160 horas” ( Brasil, 2011BRASIL. (2011), Lei n. 12.513, de 26 de outubro de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12513.htm.
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). Em 2012, essa decisão foi regulamentada pelo Decreto n. 7.721, afetando os trabalhadores que haviam solicitado o seguro pelo menos 3 vezes em um período de 10 anos ( Brasil, 2012BRASIL. (2012), Decreto n. 7.721, de 16 de abril de 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/D7721.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), número que foi reduzido para 2 solicitações no ano de 2012.

O debate já havia sido travado nos anos anteriores, mas, até então, o poder público se recusava a adotar novos critérios de elegibilidade. Em resposta enviada em 2009 ao presidente do Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios do Estado do Paraná (SINDIREPA, um sindicato patronal), o MTE se negou a vincular o seguro à comprovação de matrícula e frequência em cursos de qualificação profissional. Dentre outros motivos, como os associados ao custo-benefício da medida, a carta afirmou que o seguro “é direito constitucionalmente garantido aos trabalhadores urbanos e rurais [...] sem qualquer tipo de condição”, e a qualificação “para nichos específicos de trabalhadores” deveria servir como uma “sugestão”8 8 . A carta pode ser lida em: http://www.fiepr.org.br/sindicatos/sindirepa/uploadAddress/2_-_DOC._MINISTERIO_DO_TRABALHO_RESPONDE_DOC._DO_SINDIREPA [48293].pdf. .

Essa guinada marcou o início de mudanças restritivas no seguro. Em 2012, uma aceleração inflacionária se combinou a menores índices de crescimento econômico, em um período caracterizado pela redução das metas de superávit primário e pela desoneração de tributos ( Cagnin et al. , 2013Cagnin, Rafael et al. (2013), “A Gestão Macroeconômica do Governo Dilma (2011 e 2012)”. Revista Novos Estudos CEBRAP, v. 97, pp. 169-185. ). Já em 2013, a pressão externa pelo controle da inflação e corte de gastos públicos aumentou, também tensionando para a elevação da taxa de juros ( Singer, 2015Singer, André. (2015), “Cutucando Onças com Varas Curtas: o Ensaio Desenvolvimentista no Primeiro Mandato de Dilma Rousseff (2011-2014)”. Revista Novos Estudos CEBRAP, v. 102, pp. 39-67. ). Foi nesse contexto que o Codefat modificou, em janeiro de 2013, a regra de reajuste dos benefícios, mirando o cumprimento das metas de superávit primário. Se o reajuste dos benefícios acompanhava a valorização do salário-mínimo, a partir da Resolução n. 707, o Conselho passou a seguir a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A decisão foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 11 de janeiro de 2013, e o reajuste, que seria de 9%, foi reduzido para 6,2% com a nova regra ( Martello, 2013Martello, Alexandre. (2013), “Codefat Mantém Correção Menor para o Seguro-Desemprego”. Jornal O Globo, 15 de agosto de 2013. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/08/correcao-do-seguro-desemprego-permanece-em-620-decide-codefat.html.
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). Por iniciativa dos sindicatos, a decisão foi rediscutida nos meses seguintes, mas uma aliança entre o governo e a ala majoritária do setor empresarial garantiu a sua continuidade9 9 . A Resolução n. 707 foi discutida em três reuniões do Codefat. A última, em 27 de agosto de 2013 ( https://portalfat.mte.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/Ata62CODEFAT.pdf ), contou com uma apresentação do técnico do DIEESE e assessor da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Alexandre Ferraz, em defesa do uso da valorização do salário-mínimo como base para o reajuste do seguro-desemprego. A apresentação foi criticada pelo conselheiro titular do Ministério da Fazenda, Marcus Aucélio, e pelo vice-presidente do Codefat e Conselheiro Titular do MTE, Antonio Vidigal, que enfatizaram o aumento dos gastos com o seguro-desemprego e o caráter “benéfico” da desoneração de tributos para a “manutenção e geração de empregos”. Os sindicatos e a Confederação Nacional de Serviços (CNS) votaram a favor da proposta, enquanto os representantes do governo e dos demais setores empresariais votaram contra. Por 9 votos contra 7, o reajuste do seguro-desemprego permaneceu vinculado ao IPCA. .

Ainda em 2013, o Codefat ampliou pela última vez a quantidade de parcelas do seguro, via Resolução n. 709, direcionada aos trabalhadores da indústria de calçados no Sudoeste baiano. O esvaziamento dessa estratégia se deve a dois fatores. Em primeiro lugar, os anos seguintes registraram um crescimento generalizado das taxas de desemprego, e a queda da absorção de mão de obra deixou de se limitar a categorias profissionais específicas. E, em segundo lugar, ganhava força a ideia de que a desoneração da folha de pagamento, com prejuízo aos recursos do FAT, promoveria o aumento da empregabilidade dos trabalhadores, diminuindo o desemprego e a demanda pelo seguro10 10 . A 118ª reunião do Codefat, em 13 de dezembro de 2012 ( https://portalfat.mte.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/Ata118CODEFAT.pdf ), exemplifica esse novo período. O titular da Coordenação-Geral de Recursos do FAT (CGFAT), Paulo de Souza, apontou que o MTE estava colhendo informações sobre o impacto da desoneração da folha de pagamento sobre os recursos do FAT. Em seguida, o conselheiro suplente representante do Ministério da Fazenda, Manoel de Carvalho Filho, ponderou que a perda de recursos do FAT via desoneração de tributos seria balanceada pelo “aumento da empregabilidade, o que reduziria dispêndio com pagamento do seguro-desemprego”. . O objetivo era garantir um cenário atrativo para os investimentos privados, sobretudo em face do desequilíbrio das contas do FAT, que se tornou deficitário nos anos de 2015 e 201611 11 . As Avaliações Financeiras do FAT estão disponíveis em: https://portalfat.mte.gov.br/execucao-financeira-do-fat/avaliacao-financeira-do-fat/ . . Devido à combinação entre queda da arrecadação do PIS/PASEP e avanço da rotatividade do mercado de trabalho, o seguro passou a ser entendido como custoso e financeiramente pouco sustentável.

As taxas de desemprego cresceram entre os primeiros trimestres de 2015 e 2017, durante uma grave crise econômica. Mas foi justamente nesse período que o seguro experimentou a reforma mais restritiva da sua história. A Medida Provisória n. 665 foi decretada pela presidente Dilma Rousseff e convertida com algumas alterações na Lei n. 13.134 ( Brasil, 2015aBRASIL. (2015a), Lei n. 13.134, de 16 de junho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13134.htm.
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). Os critérios de elegibilidade foram enrijecidos e passaram a ser atrelados a uma classificação dos beneficiários: caso o desempregado estivesse realizando a primeira solicitação de seguro, precisava ter vínculo empregatício de pelo menos 12 dentre os últimos 18 meses; em caso de segunda solicitação, pelo menos 9 dentre os últimos 12 meses; e nas demais, o vínculo formal nos 6 meses anteriores. A Lei também instituiu como condição de acesso ao seguro a participação em cursos de “formação inicial e continuada ou de qualificação profissional” habilitados pelo Ministério da Educação ( Brasil, 2015aBRASIL. (2015a), Lei n. 13.134, de 16 de junho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13134.htm.
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). Ademais, ficou proibido o acúmulo do seguro-defeso com outros benefícios previdenciários ou socioassistenciais, excetuando-se a pensão por morte e o auxílio-acidente.

A quantidade de parcelas foi mantida para os trabalhadores demitidos sem justa causa com vínculos anteriores de 12 a 23 meses (4 parcelas) e de no mínimo 24 meses (5 parcelas). Já os trabalhadores com menos de 12 meses de vínculo foram estratificados pelo tipo de solicitação. Em caso de primeira solicitação, os trabalhadores se tornaram inelegíveis ao seguro, o que afetou os trabalhadores jovens e com pouca experiência no mercado de trabalho formal; em caso de segunda solicitação, os trabalhadores com vínculos prévios de 9 a 11 meses passaram a receber 3 parcelas; esta mesma monta é disponibilizada aos trabalhadores com vínculos de 6 a 11 meses na terceira solicitação. Além de prejudicar a capilaridade do seguro, a reforma foi criticada por ter sido implementada de maneira unilateral, sem participação direta do Codefat ou diálogo com as centrais sindicais12 12 . A nota da Central Única dos Trabalhadores (CUT) pode ser lida em: http://www.sindpdpe.org.br/informe-se/noticia/cut-emite-nota-cobrando-dialogo-com-os-movimentos/MTky . .

Na contramão dessa tendência contracionista, a Lei Complementar n. 150 de 2015, decretada pelo Congresso e sancionada pela presidente Dilma Rousseff, regulamentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 66, estendendo às trabalhadoras domésticas o acesso ao seguro-desemprego ( Brasil, 2015bBRASIL. (2015b), Lei Complementar n. 150, de 1 de junho de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp150.htm#art46.
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). A Constituição de 1988 havia incluído essas trabalhadoras de maneira marginal na proteção pública, disponibilizando apenas um terço dos direitos trabalhistas ( Lima, Prates, 2019Lima, Marcia; Prates, Ian. (2019), “Emprego Doméstico e Mudança Social”. Tempo Social, v. 31, n. 2, pp. 149-172. ). A partir dos anos 1990, parlamentares e sindicatos de trabalhadoras domésticas buscaram corrigir essa distorção. O primeiro resultado foi a Lei n. 10.208 de 2001, mas, ao contrário dessa normativa, a Lei Complementar n. 150 tornou o seguro um direito que independe da decisão do empregador. O benefício possui o valor de 1 salário-mínimo pelo período de 3 meses e, para obtê-lo, a trabalhadora precisa apresentar o registro em carteira por pelo menos 15 dos últimos 24 meses. Dentre outros problemas, como a quantidade reduzida de parcelas e a possibilidade de o empregador não compensar as horas extras trabalhadas nos primeiros 12 meses em caso de demissão por justa causa ( Acciari, 2016Acciari, Louisa. (2016), “Foi Difícil, Mas Sempre Falo que Nós Somos Guerreiras: o Movimento das Trabalhadoras Domésticas entre a Marginalidade e o Empoderamento”. Mosaico. Disponível em: https://discovery.ucl.ac.uk/id/eprint/10125501/1/2016-Mosaico-Empoderamento%20e%20marginalidade.pdf.
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), o seguro cobre apenas as mensalistas e as diaristas com jornada de trabalho de pelo menos 3 dias semanais. O resultado é a desproteção das trabalhadoras domésticas com inserção instável no mercado.

De 2016 a 2019, o seguro se manteve inalterado. A única mudança se deu de maneira indireta, quando a Reforma Trabalhista de 2017 criou a rescisão por acordo. No Artigo 484-A, a Lei n. 13.467 instituiu que, em caso de desligamentos consensuais, a multa da rescisão se reduz pela metade, e o empregado tem direito a acessar 80% do valor dos depósitos ao FGTS ( Brasil, 2017BRASIL. (2017), Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm.
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). Como consequência, o trabalhador perde o direito ao seguro-desemprego.

Análise dos Indicadores do Seguro-Desemprego: Cobertura, Duração e Reposição Salarial

Para discutir a evolução do seguro-desemprego, este tópico analisa sua cobertura, a quantidade de parcelas e o valor dos benefícios. Concentro-me na modalidade formal do seguro, que inclui os trabalhadores com carteira assinada e demitidos sem justa causa. Essa modalidade foi responsável por 86,43% dos benefícios em 201913 13 . Dados disponíveis em: https://portalfat.mte.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/Boletim-PPTER-1%c2%ba-Trimestre-de-2020.pdf . .

O primeiro passo foi verificar o tempo exigido de vínculo empregatício e a proporção de trabalhadores assalariados que atendem a essa condição. A Tabela 1 aponta que a proporção de empregados com pelo menos 6 meses de vínculo aumentou 2,8 p.p. entre 1986 e 1989. Mas a exigência de contribuição previdenciária prejudicava a cobertura do seguro, calculada pela razão entre demitidos sem justa causa e trabalhadores habilitados ao benefício. Ademais, o seguro não era amplamente divulgado ao público elegível, e os trabalhadores enfrentavam lentidão no sistema de habilitação e pagamentos ( Chahad, 1998Chahad, José. (1998), “Estabilização e Desemprego em Tempo de Mudança: Realidade e Desafios no Caso Brasileiro”. Revista Indicadores Econômicos FEE, v. 26, n. 2, pp. 252-282. ). Esses fatores explicam por que a cobertura passou de um índice residual em 1986 (4,87%) para a inclusão de apenas 1/4 dos trabalhadores demitidos sem justa causa ao final dos anos 1980.

Tabela 1
: Duração Exigida de Vínculo Empregatício e Proporção de Trabalhadores Elegíveis

A proporção de trabalhadores com pelo menos 6 meses de vínculo empregatício aumentou 5,1 p.p. de 1989 a 1992, e, com o fim da exigência de contribuição previdenciária em 1990, a cobertura do seguro mais do que dobrou. Já entre 1992 e 2013, o público elegível retraiu 5,9 p.p., devido a um movimento massivo entre ocupações e o desemprego (anos 1990) e uma maior rotatividade no mercado de trabalho (anos 2000). Porém, a cobertura do seguro avançou 9,5 p.p. no período, pois o benefício havia se consolidado como uma política de proteção dos trabalhadores assalariados, com disseminação de informações sobre seu acesso e maior eficiência nos processos de triagem e habilitação. As demissões sem justa causa também se concentraram nos trabalhadores potencialmente elegíveis, o que aumentou a capilaridade do benefício14 14 . Segundo dados da RAIS, 63,4% dos trabalhadores demitidos sem justa causa em 1992 possuíam no mínimo 6 meses de vínculo empregatício. Esse número aumentou para 74,1% em 2013. .

Em 2015, a Lei n. 13.134 dobrou o tempo necessário de vínculo empregatício para a primeira solicitação do seguro, além de estender por 3 meses o tempo necessário para a segunda. Esse foi o principal motivo para que a proporção dos assalariados elegíveis diminuísse 7,8 p.p. entre 2013 e 2016. A maior parte dos trabalhadores solicitava o benefício pela primeira vez15 15 . Quando se compara cada tipo de solicitação, segundo o Boletim de Políticas Públicas de Emprego, Trabalho e Renda: https://portalfat.mte.gov.br/wp-content/uploads/2019/04/13.5-Boletim-PPETR-4%c2%ba-Trimestre-2018-Pol%c3%adticas-P%c3%bablicas-de-Emprego-Trabalho-e-Renda-CODEFAT.pdf . , o que justifica a adoção dessa categoria como referência para o cálculo da elegibilidade. Embora o cenário tenha sido adverso para o sistema de proteção social e para o funcionamento do mercado de trabalho, a cobertura do seguro caiu apenas 1,7 p.p. de 2013 a 2019. Ou seja, após a flexibilização das regras de acesso em 1990, o seguro manteve uma alta capilaridade entre os assalariados, a despeito de queda nos anos 2010.

Mas a cobertura legal elucida apenas uma parte do problema. Para discutir a interface entre o seguro e as características do mercado de trabalho brasileiro, a Figura 2 informa o índice de crescimento da quantidade de seguros habilitados pelo governo, de trabalhadores desempregados e de trabalhadores com carteira assinada entre 1992 e 2019. De maneira complementar, o Anexo 1 apresenta as taxas de desemprego e de proporção de trabalhadores com carteira assinada.

Sobre os anos 1990, a literatura costuma sublinhar os efeitos da abertura comercial, da racionalização do processo produtivo e de uma conjuntura internacional desfavorável, marcada pela crise dos países emergentes ( Cardoso Júnior, 2000Cardoso Júnior, José. (2000), “Desestruturação do Mercado de Trabalho Brasileiro e Limites do seu Sistema Público de Emprego”. Texto para Discussão (Ipea), v. 751. ; Ramos, Britto, 2004Ramos, Lauro; Britto, Marcelo. (2004), “O Funcionamento do Mercado de Trabalho Metropolitano Brasileiro no Período 1991-2002: Tendências, Fatos Estilizados e Mudanças Estruturais”. Texto para Discussão (Ipea), v. 1011, pp. 1-19. ). Mesmo com o aumento do desemprego e da população economicamente ativa, o fechamento de postos de trabalho no setor industrial e de construção civil prejudicou o alcance do seguro ( Curi, Menezes-Filho, 2006Curi, Andréa; Menezes-Filho, Naércio. (2006), “O Mercado de Trabalho Brasileiro é Segmentado? Alterações no Perfil da Informalidade e nos Diferenciais de Salários nas Décadas de 1980 e 1990”. Estudos Econômicos, v. 36, n. 4, pp. 867-899. ; Chahad, 1998Chahad, José. (1998), “Estabilização e Desemprego em Tempo de Mudança: Realidade e Desafios no Caso Brasileiro”. Revista Indicadores Econômicos FEE, v. 26, n. 2, pp. 252-282. ). O avanço sem precedentes do setor terciário, baseado em vínculos ocupacionais instáveis e irregulares nas micro e pequenas empresas ( Cacciamali, 2005Cacciamali, Maria. (2005), “Globalização e Processos de Informalidade”. Economia e Sociedade, v. 14, pp. 153-174. ), criou um cenário desfavorável para a capilaridade da proteção pública. No Gráfico 1 , o número de desempregados apresentou o maior índice de crescimento entre 1992 e 1999 (67%), enquanto o número de benefícios aumentou timidamente (10,8%) e o de trabalhadores registrados se manteve estável (4,3%), com queda da taxa de formalização.

Gráfico 1
: Índice de Crescimento da Quantidade de Segurados, de Trabalhadores com Carteira Assinada e de Trabalhadores Desempregados (1992-2012 / 2012-2019)

Nota: A PNAD sofreu mudanças substanciais em 1992, com reformulação do seu questionário e alteração do conceito de trabalho. Isso me levou a iniciar a série histórica nesse ano. Também existem diferenças importantes entre a PNAD e a PNAD-C, como no período de referência utilizado para captar a procura por trabalho.


A despeito de inovações importantes no plano institucional, a desestruturação do mercado de trabalho diminuiu a capacidade do seguro de amortecer os impactos do ajuste macroeconômico. A população desempregada provinha cada vez mais da inatividade, do autoemprego e das ocupações informais. Logo, os problemas observados nos anos 1990 extrapolaram o objetivo inicial do seguro, de amortecer a queda da demanda por força de trabalho nos setores organizados da economia, o que tornou os “novos” desempregados inelegíveis à proteção pública.

Essa tendência foi revertida nos anos seguintes. De acordo com a Tabela A1, entre 1999 e 2011, a proporção de empregados com carteira assinada aumentou 11,2 p.p., enquanto a taxa de desemprego caiu 2,9 p.p. A partir de 2005, os índices de crescimento, apresentados no Gráfico 1 , passaram a seguir tendências opostas: desempregados para baixo, formalização e seguros habilitados para cima. Um boom internacional de commodities se combinou ao fortalecimento do consumo e à expansão dos investimentos públicos, beneficiando a demanda agregada e o assalariamento ( Moretto, Proni, 2011Moretto, Amilton; Proni, Marcelo. (2011), “O Desemprego no Brasil: Análise da Trajetória Recente”. Economia e Desenvolvimento, v. 10, n. 1, pp. 7-35. ; Baltar, 2015Baltar, Paulo. (2015), “Crescimento da Economia e Mercado de Trabalho no Brasil”. Texto para Discussão (Ipea), v. 2036. ). As taxas de desemprego e de formalização dos empregados evoluíram -0,4 p.p. e 1,4 p.p. ao ano entre 2005 e 2011, em números respectivos. Já a quantidade de seguros habilitados aumentou 45% de 2005 a 2012, frente à expansão do trabalho com carteira assinada (36,7%) e ao recuo do número de desempregados (29,7%). Com exceção de 2009, quando uma crise internacional elevou o desemprego, o mercado de trabalho permaneceu aquecido até o início dos anos 2010. O Gráfico 1 revela a continuidade desse fenômeno até o ano de 2014, ainda que de maneira menos expressiva.

É preciso explicar por que a quantidade de segurados aumentou durante o recuo do desemprego. Isso pode parecer paradoxal, mas se explica por dois fatores, já consensuais no debate especializado ( Pires, Lima Júnior, 2014Pires, Manoel; Lima Júnior, Arnaldo. (2014), “Análise Econômica do Programa Seguro-Desemprego: uma Reflexão sobre o Espaço Disponível para Ajuste das Despesas do FAT”. Mercado de Trabalho (Ipea), v. 56, pp. 51-66. ; Gadelha, 2014Gadelha, Sérgio. (2014), “Por que os Gastos com Seguro-Desemprego Crescem?”. Carta de Economia e Negócios, v. 1, n. 2, pp. 3-10. ). O primeiro é a formalização do mercado de trabalho, que ampliou a proporção de trabalhadores elegíveis ao seguro. O segundo é o incremento da taxa de rotatividade, que representa o balanço entre a saída e a entrada em postos de trabalho, sintetizando o grau de substituição da mão de obra. Para os celetistas, esta taxa saltou de 52,4% para 62,8% entre 2003 e 2014, revelando que, a despeito da queda do desemprego, o setor formal contou com muitas demissões que foram equilibradas por admissões também frequentes, em uma experiência de formalização ancorada em vínculos instáveis ( DIEESE, 2017DIEESE. (2017), Movimentação no Mercado de Trabalho: Rotatividade, Intermediação e Proteção ao Emprego. São Paulo, DIEESE. ). Alguns fenômenos contribuíram para a elevação do índice, como a expansão de setores com alta rotatividade (construção civil, comércio e agropecuária) e o avanço da rotatividade no setor terciário, especialmente entre os trabalhadores menos qualificados ( Chahad, Pozzo, 2013Chahad, José; Pozzo, Rafaela. (2013), “Mercado de Trabalho no Brasil na Primeira Década do Século XXI: Evolução, Mudanças e Perspectivas – Desemprego, Salários e Produtividade do Trabalho”. Informações FIPE, v. 393, pp. 11-29. ; Silva Filho, Santos, 2013Silva Filho, Luís; Santos, José. (2013), “O que Determina a Rotatividade no Mercado de Trabalho Brasileiro?” Revista de Desenvolvimento Econômico, v. 15, n. 28, pp. 111-121. ; Castilho, 2017Castilho, Mara. (2017), “O Impacto da Desindustrialização sobre o Mercado de Trabalho Brasileiro: uma Leitura sobre Setores Selecionados no Período de 1995 a 2013”. A Economia em Revista, v. 25, n. 3, pp. 97-107. ). Visto que os “novos” desempregados possuem mais chance de receber o benefício, pois os antigos expiram a quantidade de parcelas, o fenômeno elevou a quantidade de segurados mesmo com o recuo do desemprego.

O fortalecimento do seguro não perdurou nos anos seguintes. Novamente segundo os dados apresentados no Gráfico 1 e na Tabela A1, em um cenário recessivo, a taxa de desemprego aumentou 5,6 p.p. (de 6,9% para 12,5%) entre 2014 e 2017, o mesmo ocorrendo com a quantidade absoluta de desempregados (91,2%). O enfraquecimento das relações assalariadas16 16 . Quedas respectivas de 2,7 p.p. e 8,1% na taxa de formalização e na quantidade de trabalhadores com carteira assinada, ainda de acordo com os dados informados nos Gráficos 1 e 2. se somou à promulgação da Lei n. 13.134 de 2015, que enrijeceu os critérios de elegibilidade, provocando um recuo de 22,9% na quantidade de seguros habilitados. Essa tendência continuou no período 2017-19, com leve queda do desemprego aberto durante a recuperação econômica17 17 . A quantidade de seguros habilitados caiu 3,2% entre 2017 e 2019. O mesmo ocorreu com a taxa de desemprego (-0,8 p.p.) e a quantidade absoluta de desempregados (-4,3%). Já a quantidade de trabalhadores com carteira assinada aumentou 2%, o que se deve ao crescimento da força de trabalho, visto que a formalização caiu 1,1 p.p. no período. Todos os cálculos foram realizados com base nos dados do Gráfico 1 e da Tabela A1. .

O enfraquecimento da socialização dos riscos do desemprego cristalizou mudanças que haviam sido iniciadas no início dos anos 2010. Antes um direito dos assalariados, o seguro passou a depender de uma transação entre o Estado e os trabalhadores elegíveis. Aquele se compromete a oferecer um auxílio financeiro na medida em que estes permanecem ativos e disponíveis para o trabalho, traduzindo o fortalecimento do workfare ( Lødemel, 2004Lødemel, Ivar. (2004), “The Development of Workfare Within Social Activation Policies”, in: D. Gallie (ed.), Resisting Marginalization: Unemployment Experience and Social Policy in the European Union. Oxford, Oxford University Press, pp. 197-222. ) e uma individualização da proteção pública, com foco no monitoramento dos beneficiários ( Dubois, 2019Dubois, Vincent. (2019), “Institutional Order, Interaction Order and Social Order: Administering Welfare, Disciplining the Poor”. Politiche Sociali, v. 3, pp. 507-520. ). Isso sintetizou a adoção de um novo paradigma, baseado na tentativa de “ativar” economicamente os beneficiários via intermediação e qualificação profissional ( Trickey, 2001Trickey, Heather. (2001), “Comparing Workfare Programmes: Features and Implications”, in: I. Lødemel, H. Trickey (eds), ‘An Offer You Can’t Refuse’: Workfare in International Perspective. Bristol, The Policy Press, pp. 247-294. ; Heyes, 2011Heyes, Jason. (2011), “Flexicurity, Employment Protection and the Jobs Crisis”. Work, Employment and Society, v. 25, n. 4, pp. 642-657. ). Em seguida, a desoneração de tributos, com prejuízos às contas do FAT, mirou a criação de um cenário atrativo aos empregadores, o que supostamente aumentaria o nível de emprego e diminuiria a demanda pelo seguro. Finalmente, a reforma do seguro de 2015 tornou o benefício ainda mais restrito aos assalariados com trajetórias estáveis no mercado de trabalho, e o avanço do desemprego se deu em um cenário de enfraquecimento e segmentação da força de trabalho por parte do Estado, beneficiando os trabalhadores com experiências sucessivas de registro em carteira.

Logo, o período compreendido no lado direito do Gráfico 1 foi bastante negativo para a proteção pública. A quantidade de desempregados aumentou 77,5% de 2012 a 2019, enquanto a de segurados diminuiu 19%, com leve variação no número absoluto de trabalhadores formais (-1,7%) e queda de 2 p.p. na proporção de trabalhadores com carteira assinada. O Brasil contava com cada vez mais desempregados, que eram cada vez mais desprotegidos e tinham cada vez menos chance de se inserir no mercado de trabalho formal.

Outra forma de analisar o problema é examinar a duração do benefício. A Tabela 2 contrasta, para quatro metrópoles, a quantidade máxima de parcelas em cada ano com o tempo médio de desemprego. Com a série mais duradoura, São Paulo revela um distanciamento entre os dois indicadores, que passou de 1 semana em 1986 para 29 semanas em 2018. Isso quer dizer que a duração máxima do seguro alcançava, ao fim da série, apenas 40,8% da duração média do desemprego. Em Salvador, o índice caiu de 46,5% para 30,3% entre 1998 e 2018; e em Porto Alegre, de 76,9% para 57,1% entre 1995 e 2016. Os dados ilustram a defasagem do seguro frente ao aumento da duração do desemprego.

Tabela 2
: Quantidade Máxima de Parcelas do Seguro-Desemprego e Duração Média do Desemprego (em Semanas) (1986-2018)

Os critérios de elegibilidade, a quantidade de parcelas e as condições do mercado de trabalho influem sobre a cobertura efetiva do seguro, ou seja, a proporção de desempregados com acesso ao benefício ( OIT, 2017OIT (2017), World Social Protection Report: Universal Social Protection to Achieve the Sustainable Development Goals (2017-2019). Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_604882.pdf.
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
). Em países nos quais boa parte da mão de obra é informal, a cobertura efetiva elucida melhor a capilaridade do seguro do que a proteção dos trabalhadores assalariados.

O Gráfico 2 e a Tabela A2 revelam uma associação inversa entre a taxa de desemprego e a cobertura efetiva do seguro. Um aumento na primeira, notadamente em períodos econômicos recessivos, acarreta o surgimento de desempregados desprotegidos. Isso acontece porque o aquecimento da economia promove a formalização do trabalho e a redução do desemprego, aumentando a quantidade de trabalhadores elegíveis. Já as crises econômicas potencializam o desemprego e a informalidade, multiplicando a quantidade de indivíduos sem trabalho e inelegíveis ao seguro. Em outras palavras, o seguro é menos efetivo justamente quando os trabalhadores mais precisam da proteção pública, pois, de maneira contraditória, o avanço do seguro depende de um funcionamento virtuoso do mercado de trabalho.

Gráfico 2
: Taxa de Desemprego e Cobertura Efetiva do Seguro-Desemprego (1993-2017)

Nota: Existem mudanças metodológicas entre a PNAD e a PNAD-C, como o período de referência para a procura por trabalho. O mês de setembro foi o mês de referência para a medição da quantidade de beneficiários. Esse era o mês de referência da PNAD; no caso da PNAD-C, analisei os dados do terceiro trimestre de cada ano.


Os critérios de elegibilidade permaneceram os mesmos entre 1993 e 2014, dependendo apenas do registro prévio em carteira por no mínimo 6 meses. Nesse período, a variação da cobertura efetiva foi causada pela elevação ou queda das taxas de desemprego e formalização18 18 . Na passagem 1993-1996, também ocorreu a extensão da duração máxima do benefício, de 4 para 5 parcelas, em decorrência da Lei n. 8.900. . Se a informalidade e o desemprego aumentaram nos anos 1990, recuando a cobertura efetiva, o período 2005-14 revelou o contrário, e a cobertura efetiva aumentou 5,89 p.p. (de 4,66% para 10,55%).

Logo em seguida, a cobertura efetiva caiu 6,75 p.p. (de 10,55% para 3,8%) entre 2014 e 2017. Isso se explica por quatro fatores: o enrijecimento dos critérios de elegibilidade em 2015, o aumento das taxas de desemprego durante a crise econômica, a queda da formalidade e o prolongamento da duração do desemprego. Sobre a última variável, os microdados da PNAD-C atestam que 36,4% dos desempregados em 2014 estavam procurando trabalho por até 5 meses, medida que representa a duração máxima do benefício. Essa proporção caiu para 29,4% em 2017, o que demonstra que mais desempregados se concentravam no desemprego duradouro, sem a cobertura do seguro. A combinação entre esses fenômenos provocou uma redução histórica da cobertura do benefício, fazendo com que o indicador em 2017 tenha sido o menor da série e 2,8 vezes inferior ao observado em 2014.

Outra forma de avaliar a cobertura do seguro é comparar o perfil dos desempregados e segurados. O objetivo é verificar quais desempregados estão sendo contemplados pelo benefício, aspecto relevante para o estudo da estratificação do mercado de trabalho e seus efeitos sobre o acesso à proteção estatal. A Tabela 3 demonstra que a quantidade de homens entre os segurados é desproporcionalmente superior à de mulheres, o mesmo ocorrendo para os indivíduos com idade entre 25 e 49 anos e com Ensino Médio completo. O principal motivo é o maior acesso ao registro em carteira. No primeiro trimestre de 2019, a formalização dos empregados homens era 6,3 p.p. superior à feminina, e, tomando como referência o Ensino Médio completo, o mesmo indicador era 24,3 p.p. e 14 p.p. mais elevado do que entre os trabalhadores sem Ensino Fundamental e com Ensino Fundamental completo, respectivamente. Já os empregados com formação universitária possuíam alta taxa de formalização, mas a baixa participação no grupo de segurados indica que muitos desses trabalhadores encontravam emprego ainda durante o período de cobertura. Entre as faixas etárias, o acesso ao seguro traduz a prevalência do trabalho assalariado, mais significativo entre os trabalhadores com idade entre 25 e 49 anos.

Tabela 3
: Perfil dos Desempregados e dos Segurados, e Proporção de Empregados com Carteira Assinada (2019.1)

Se o seguro segmenta a força de trabalho entre elegíveis e inelegíveis à proteção pública, também reproduz a estratificação do mercado de trabalho. A exigência de vínculo empregatício com registro em carteira inviabiliza a proteção pública para boa parte dos trabalhadores. Esses dados ilustram um regime seletivo de proteção, que, voltado aos trabalhadores bem estabelecidos nos setores organizados da economia, marginaliza os trabalhadores situados nas franjas do mercado competitivo.

Finalmente, para analisar o valor dos benefícios, apresento na Tabela 4 as estimativas da taxa líquida de reposição dos rendimentos, que diz respeito à proporção do salário que é coberta pelo seguro, debitando os encargos devidos. Os dados são analisados para dois tipos de arranjo familiar, pois a quantidade de indivíduos dependentes afeta alguns modelos de seguro e tributação ( Korpi, Palme, 2003Korpi, Walter; Palme, Joakim. (2003), “New Politics and Class Politics in the Context of Austerity and Globalization: Welfare State Regress in 18 Countries, 1975-1995”. American Political Science Review, v. 97, n. 3, pp. 425-446. ; Allan, Scruggs, 2004Allan, James; Scruggs, Lyle. (2004), “Political Partisanship and Welfare State Reform in Advanced Industrial Societies”. American Journal of Political Science, v. 48, n. 3, pp. 496-512. ): os trabalhadores solteiros e sem filhos; e os trabalhadores casados e com dois filhos, sendo estes trabalhadores os únicos provedores domiciliares. Para a média dos salários brutos, fiz uso dos microdados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Já os salários líquidos médios derivam das alíquotas vigentes do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e do imposto de renda. A primeira tributação é afetada pela quantidade de dependentes, e, por isso, os modelos de arranjo familiar se mostraram úteis. Mas as médias salariais são fortemente influenciadas por valores extremos, o que me levou a apresentar entre parênteses as médias sem os outliers19 19 . Os outliers são os valores iguais ou superiores ao valor máximo do terceiro quartil somado a 1,5 vezes a distância interquartil. . Sem esse procedimento, as taxas de reposição assumem valores muito baixos, que não condizem com os fatores de multiplicação da regra do seguro (0,8 e 0,5), mesmo levando em conta o teto dos benefícios. Isso acontece porque os indivíduos com salários extremos não são os segurados e dificilmente assumem o papel de desempregados perante o Estado, como dependentes do seguro. Logo, as taxas sem os outliers constituem um quadro mais fiel da capacidade do seguro conservar os rendimentos após a perda do trabalho.

Tabela 4
: Salários, Valor dos Benefícios e Taxa Líquida de Reposição Salarial do Seguro-Desemprego (1990-2017)

O salário-mínimo real aumentou 3,9% ao ano entre 1996 e 201720 20 . O cálculo se baseia no salário-mínimo real, disponibilizado pelo Ipeadata. , o que significa dizer que os trabalhadores passaram a desfrutar de um maior poder de compra. Ainda que o efeito desse fenômeno escape da taxa de reposição, já que influi ao mesmo tempo nos salários e nos valores do benefício (cujo piso foi fixado em 1 salário-mínimo em 1990), a valorização do salário-mínimo eleva a capacidade de os trabalhadores segurados satisfazerem as necessidades pessoais e familiares durante o desemprego.

Para o período 1996-2017, a Tabela 4 revela um crescimento das taxas de reposição, mesmo sem alterações legais no cálculo dos benefícios. A mudança na atualização do benefício e das faixas salariais, que passou a considerar o IPCA em 2013, apresenta um efeito modesto que não é captado pela taxa de reposição, baseada em indicadores agregados. A explicação mais plausível para o aumento das taxas de reposição é que o acesso ao seguro passou a se concentrar nos trabalhadores com baixos salários, pois, para estes, as taxas de reposição tendem a ser mais altas, visto que o valor do seguro não é afetado pelo teto dos benefícios21 21 . Reforçando essa interpretação, a razão entre o valor médio do benefício e o salário-mínimo caiu de 1,58 em 1996 para 1,29 em 2017. . Já para os trabalhadores com rendimentos elevados, o cálculo passa a considerar o valor máximo estabelecido pelo Ministério da Economia e não os rendimentos prévios. Os trabalhadores pobres também são beneficiados pelo piso do seguro, visto que muitos recebem valores próximos a 1 salário-mínimo, o que faz com que o seguro cubra toda ou quase toda a renda anterior.

Para responder em que medida a reposição salarial, a cobertura e as regras de acesso do seguro-desemprego brasileiro se aproximam ou distanciam de outros modelos de benefício, o próximo tópico compara os dados anteriores com os registrados no capitalismo central. Esses países serviram de inspiração para o seguro-desemprego brasileiro, mas seus mercados de trabalho diferem em aspectos essenciais, sobretudo a proporção de trabalhadores assalariados. Se o seguro-desemprego foi pensado como uma política de proteção do assalariamento, também é verdade que o capitalismo global sofreu mudanças importantes dos anos 1980 em diante, com destaque para o aumento das taxas de desemprego, a descentralização e flexibilização das unidades produtivas e a fragmentação dos mercados de trabalho ( Mishra, 1990Mishra, Ramesh. (1990), The Welfare State in Capitalist Society: Policies of Retrenchment and Maintenance in Europe, North America and Australia. New York, Routledge. ; Jessop, 2004Jessop, Bob. (2004), “The Transition to Post-Fordism and the Schumpeterian Workfare State”, in: R. Burrows; B. Loader (eds.), Towards a Post-Fordist Welfare State? Londres, Routledge, pp. 13-37. ). Isso lança dúvidas sobre a capacidade atual do seguro de socializar os riscos do desemprego, bem como os desafios colocados a cada país.

O Índice de Desmercantilização do Seguro-Desemprego

O Índice de Desmercantilização ( Decommodification Index ) combina as características de três políticas públicas (pensões, auxílio-doença e seguro-desemprego) para avaliar os sistemas capitalistas de bem-estar ( Esping-Andersen, 1990Esping-Andersen, Gøsta. (1990), The Three Worlds of Welfare Capitalism. New Jersey, Princeton University Press. ). Quanto maior o índice, melhores são as condições de os indivíduos satisfazerem suas necessidades “fora” do mercado. A proposta foi extensamente discutida pela literatura internacional nas últimas décadas, sobretudo por parte dos estudos preocupados com os diferenciais de bem-estar no mundo capitalista ( Bambra, 2006Bambra, Clare. (2006), “Research Note: Decommodification and the Worlds of Welfare Revisited”. Journal of European Social Policy, v. 16, n. 1, pp. 73-80. ; Hudson, Kühner, 2009Hudson, John; Kühner, Stefan. (2009), “Towards Productive Welfare? A Comparative Analysis of 23 OECD Countries”. Journal of European Social Policy, v. 19, n. 1, pp. 34-46. ; Israel, Spannagel, 2018Israel, Sabine; Spannagel, Dorothee. (2018), “Material Deprivation in the EU: a Multi-Level Analysis on the Influence of Decommodification and Defamilisation Policies”. Acta Sociologica, v. 20, n. 10, pp. 1-22. ). A fim de complementar os escritos anteriores, utilizo o Índice de Desmercantilização para analisar o seguro-desemprego brasileiro no período 1996-2017 e, em seguida, compará-lo com os modelos existentes em países selecionados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Seguindo a proposta de Esping-Andersen (1990)Esping-Andersen, Gøsta. (1990), The Three Worlds of Welfare Capitalism. New Jersey, Princeton University Press. , o Índice de Desmercantilização inclui cinco indicadores: i ) a duração do seguro-desemprego em semanas; ii ) o tempo necessário de vínculo empregatício para se tornar elegível, também em semanas; iii ) a quantidade de dias de espera para que o trabalhador receba o benefício; iv ) a taxa de reposição líquida do seguro; e v ) a cobertura da população relevante. Adoto a quantidade máxima de parcelas para apresentar a duração do benefício, um indicador que revela o “teto” da proteção do seguro-desemprego. Para a taxa de reposição, calculo os valores médios entre os dois tipos de arranjo familiar utilizados no tópico anterior. Já a cobertura do seguro consiste na razão entre a quantidade de beneficiários e de desempregados.

Para examinar as tendências de desmercantilização do seguro-desemprego brasileiro, comparo 12 anos de 1996 a 2017. Em cada um deles, os itens i, ii, iii e iv receberam, a partir do desvio padrão em relação à média de todos os anos, scores de 1, 2 ou 3. Para a duração do benefício e a taxa de reposição, o score 1 foi designado para os valores situados a mais de 1 desvio padrão abaixo da média do indicador; o score 3 para os valores a mais de 1 desvio padrão acima da média; e o score 2 para os valores a no máximo 1 desvio padrão da média. Os dias de espera necessários para obter o benefício e o tempo exigido de vínculo empregatício receberam scores inversos, pois, quanto mais elevados esses indicadores, menor a desmercantilização. Os scores para a taxa de reposição foram multiplicados por 2, visto que esse indicador cumpre um papel decisivo no acesso ao bem-estar após a perda do trabalho ( Esping-Andersen, 1990Esping-Andersen, Gøsta. (1990), The Three Worlds of Welfare Capitalism. New Jersey, Princeton University Press. ). Depois, todos os scores foram somados e multiplicados à proporção de desempregados cobertos pelo seguro. Isso penaliza os países com cobertura residual, onde o seguro se limita a uma elite de trabalhadores assalariados.

A Tabela 5 e o Gráfico 3 apresentam as variáveis e os scores finais, enquanto a Tabela A3 informa os scores atribuídos a cada indicador. Esses scores compõem uma escala comparativa, e seu valor é apenas relacional.

Tabela 5
: Índice de Desmercantilização do Seguro-Desemprego no Brasil (1996-2017)

Gráfico 3
: Índice de Desmercantilização do Seguro-Desemprego no Brasil (1996-2017)

Após um período de baixa variação no Índice, a proteção ao desemprego avançou entre 2008 e 2014. Nesse período, as variáveis apresentaram os mesmos scores dos anos anteriores, e o aumento do Índice foi causado unicamente pela expansão da cobertura do seguro. Se os critérios de elegibilidade permaneceram inalterados de 1996 a 2014, e a taxa de reposição variou pouco em relação à média entre 2002 e 2014, a formalização do mercado de trabalho nos anos 2000 fez com que muitos desempregados se tornassem elegíveis, em um cenário também marcado pela queda do desemprego aberto.

O final da série contou com a mesma quantidade de dias de espera dos outros anos, a mesma duração máxima do benefício e o maior tempo necessário de vínculo empregatício para se tornar elegível. A taxa de reposição salarial foi a mais alta do período 1996-2017, mas, como vimos no último tópico, isso se explica pelo perfil dos trabalhadores demitidos e não pelas regras do seguro. Por outro lado, em um cenário marcado pelo enrijecimento dos critérios de elegibilidade e por altos índices de informalidade e desemprego, a menor cobertura efetiva da série fez com que o Índice de Desmercantilização despencasse entre 2014 e 2017. A proteção ao desemprego se enfraqueceu após a reforma do seguro-desemprego de 2015 e a desestruturação do mercado de trabalho durante a crise econômica de 2014-16. Essa proteção recuou a valores similares aos observados nos anos 1990, a despeito de uma evolução importante até meados da década de 2010. O fortalecimento do desemprego desprotegido foi um ponto de inflexão no regime brasileiro de bem-estar, e, em 2017, a satisfação de necessidades básicas passou a depender muito mais da participação no mercado de trabalho do que nos anos anteriores.

O próximo passo é comparar o seguro-desemprego brasileiro com os modelos existentes na OCDE. Tomei algumas decisões para garantir a comparabilidade dos dados: i ) a taxa de reposição salarial se refere ao cálculo com os outliers ; ii ) é comum que o seguro-desemprego seja complementado por políticas socioassistenciais e, nesses casos, me limitei aos dados relativos ao seguro, excluindo as políticas que utilizam testes de pobreza; iii ) é possível que o benefício varie com a idade, o que me levou a fixar os cálculos nos trabalhadores adultos com 40 anos de idade; iv ) nos modelos que modificam a elegibilidade dos trabalhadores reincidentes, considerei um trabalhador na segunda solicitação do seguro; v ) quando o critério de elegibilidade é calculado por dias de trabalho, assumi uma jornada de trabalho de 5 dias semanais; vi ) a duração de alguns benefícios depende da composição familiar e, nesses casos, levei em conta a duração máxima do seguro, como no caso de um desempregado com filhos; vii ) em alguns países, o trabalhador precisa participar de um fundo de seguro para se tornar elegível, mas não levei esse critério em consideração, visto que sua inclusão nos cálculos era inviável; e viii ) é possível que o valor do seguro varie no decurso do tempo. Nesse caso, a taxa de reposição se refere ao primeiro mês do benefício, a fim de padronizar os cálculos e pelo fato de que a utilização do período de 6 meses, tal como sugerido por Esping-Andersen (1990)Esping-Andersen, Gøsta. (1990), The Three Worlds of Welfare Capitalism. New Jersey, Princeton University Press. , excluiria o Brasil do banco de dados, devido à brevidade do seu programa. Decisões específicas podem ser lidas na Tabela 6 , que, junto com o Gráfico 4 , sumariza os resultados do Índice. Já a Tabela A4 apresenta o cálculo dos scores de cada indicador.

Tabela 6
: Índice de Desmercantilização do Seguro-Desemprego (2017)

Gráfico 4
: Índice de Desmercantilização do Seguro-Desemprego (2017)

O cenário é um pouco diferente do observado por Gallie e Paugam (2000)Gallie, Duncan; Paugam, Serge. (2000), Welfare Regimes and the Experience of Unemployment in Europe. Oxford, Oxford University Press. , considerando o avanço da cobertura efetiva em países classificados como corporativistas e a consolidação ou recuo nos países social-democratas. Para simplificar o debate, existem quatro grupos no Gráfico 4 . O primeiro é composto por Brasil e Reino Unido, cujos programas de seguro são breves, possuem baixa cobertura e critérios intermediários de elegibilidade. A reposição salarial desfavorável do seguro britânico é compensada por uma cobertura efetiva levemente superior, o que coloca o Brasil na última posição do Índice.

O segundo grupo reúne Estados Unidos, Irlanda e Japão, países comumente associados ao modelo liberal de proteção ao desemprego ( Bambra, 2004Bambra, Clare. (2004), “Weathering the Storm: Convergence, Divergence and the Robustness of the ‘Worlds of Welfare’”. The Social Policy Journal, v. 3, n. 3, pp. 3-23. ), além da Espanha e Suécia. Os scores desses dois últimos países são elevados em seus indicadores iniciais, mas prejudicados pela baixa cobertura efetiva. Vale notar o investimento em benefícios assistenciais a fim de complementar o seguro tradicional, bem como a guinada do modelo sueco nos anos 2000, com critérios de elegibilidade mais rígidos e direcionado a fundos privados de proteção ( Gordon, 2017Gordon, Joshua. (2017), “The Peril of Vanguardism: Explaining Radical Cuts to Unemployment Insurance in Sweden”. Socio-Economic Review, v. 17, n. 4, pp. 947-968. ; Lindellee, 2018Lindellee, Jayeon. (2018), Beyond Retrenchment: Multi-Pillarization of Unemployment Benefit Provision in Sweden. Tese (Doutorado), School of Social Work of Lund University. ).

O terceiro grupo reúne países diversos como Portugal, Alemanha e Finlândia. Seus programas superam uma cobertura residual e possuem, pelo menos, uma quantidade média de parcelas. Embora estejam mais próximos entre si do que em relação aos outros países, aqui não é possível falar de um grupo propriamente dito, mas de uma gradação de scores . O Índice vai de Portugal e Itália (com indicadores satisfatórios, mas baixa cobertura) a Suíça e Finlândia (cujos benefícios alcançam, respectivamente, 61,7% e 72,8% dos desempregados).

Finalmente, o quarto grupo reúne os modelos mais “robustos” de proteção ao desemprego. O seguro holandês ( Werkloosheidswet and Toeslagenwet ) se distancia do pelotão anterior ao combinar alta reposição salarial, duração elevada e um processo automático de habilitação. A seguir, o Allocation d’Aide au Retour à l’Emploi francês alcança scores expressivos nos indicadores iniciais e uma cobertura quase total dos desempregados. Na contramão das reformas restritivas observadas em boa parte do continente europeu, a França flexibilizou os critérios de elegibilidade em 2009, mirando a inclusão dos trabalhadores com trajetórias instáveis no mercado ( Coquet, 2015Coquet, Bruno. (2015), Labour Market Measures in France 2008-13: the Crisis and Beyond. Geneva, International Labour Office. ). Já na primeira posição do Índice, o Assurance Chômage belga compensa sua elegibilidade restritiva ao não determinar uma quantidade máxima de parcelas, propiciando uma cobertura integral dos desempregados. Esse desenho é amplamente defendido pelos sindicatos e ilustra um regime de bem-estar direcionado à prevenção da pobreza ( Hemerijck, Marx, 2010Hemerijck, Anton; Marx, Ive. (2010), “Continental Welfare at a Crossroads: the Choice Between Activation and Minimum Income Protection in Belgium and the Netherlands”, in: B. Pallier (ed.), The Politics of Welfare in Continental Europe. Amsterdam, Amsterdam University Press, pp. 129-155. ; Deken, 2011Deken, Johan. (2011), “Belgium: a Precursor Muddling Through?”, in: J. Clasen; D. Clegg (orgs.), Regulating the Risk of Unemployment: National Adaptations to Post-Industrial Labour Markets in Europe. Oxford, Oxford University Press, pp. 100-120. ).

Colocado em perspectiva, o seguro brasileiro possui taxa de reposição e critérios de elegibilidade intermediários, enquanto o período de espera é elevado, sobretudo quando se considera o processo automático de habilitação em 8 dos 17 países analisados. Dentre as principais falhas, merecem destaque a brevidade do benefício (o número de parcelas equivale a apenas 1/3 da média do indicador) e sua cobertura residual, cerca de 11,5 vezes inferior à média.

Em decorrência da baixa capilaridade dos vínculos regulados de trabalho, a cobertura efetiva consolida o Brasil na última posição do Índice22 22 . Segundo a OECD Data , o autoemprego na União Europeia foi de apenas 15,6% em 2017, aproximadamente metade do indicador brasileiro (32,3%). . O cenário é ainda mais preocupante quando se considera que alguns países próximos no ranking , como o Reino Unido e a Irlanda, possuem benefícios complementares de proteção ao desemprego. Caso esses benefícios fossem incluídos no cálculo da cobertura, o indicador saltaria de 4,99% para 58,1% no Reino Unido, e de 22,99% para uma proteção total dos desempregados na Irlanda23 23 . O Jobseeker’s Allowance irlandês exige que o desempregado tenha idade entre 18 a 66 anos, habite no país, esteja disponível para trabalhar e procure um emprego. . No Brasil, esse tipo de proteção cabe à rede socioassistencial, com valores bem menores e uma linha de pobreza que limita a elegibilidade às famílias extremamente pobres. A cobertura residual das políticas de emprego se combina a uma elegibilidade restritiva por parte das políticas socioassistenciais, gerando um cenário de desproteção pública: em 2017, segundo dados da PNAD-C, 47,5% dos trabalhadores desempregados em domicílios com renda per capita inferior a 1/3 do salário-mínimo não possuíam acesso a políticas de auxílio financeiro, ocupando uma espécie de vácuo entre o Estado e o mercado de trabalho ( Menezes, 2021Menezes, Vitor. (2021), “State and Unemployment in Central Capitalism and Brazil: the Constitution of Unemployment as a Public Problem and the Degree of Unemployment Protection”. Innovation: The European Journal of Social Science Research. https://doi.org/10.1080/13511610.2021.1964352.
https://doi.org/10.1080/13511610.2021.19...
).

Conclusão

A evolução do seguro-desemprego ilustra como, no Brasil, os riscos da participação no mercado de trabalho foram socializados pelo Estado. Pensado como um meio de financiar a procura por trabalho e o acesso a recursos básicos durante o desemprego, o seguro estratifica a população economicamente ativa a partir da posição dos trabalhadores no sistema produtivo.

Até os anos 1970, as taxas de desemprego eram muito baixas. Isso se explica pelos altos índices de inatividade e substituição do desemprego aberto pelo trabalho informal, frente à inexistência de um sistema de proteção social capaz de garantir a sobrevivência dos trabalhadores fora do mercado. Ao final dos anos 1970, o fortalecimento do movimento sindical aumentou o poder de barganha dos trabalhadores, enquanto, pouco a pouco, a participação política da sociedade civil se fortalecia durante a democratização. Já a mídia e a literatura especializada atentavam para a falta de uma política de auxílio financeiro aos desempregados no Brasil, em descompasso com o que se observava no capitalismo central. Nesse cenário, a desestruturação do setor secundário na década de 1980, somada às incertezas sobre os efeitos do Plano Cruzado, motivou a criação do seguro-desemprego em 1986. Ou seja, o desemprego se tornou um problema público na medida em que a queda da absorção de mão de obra nos setores organizados da economia afetou os trabalhadores até então bem estabelecidos, e que, por possuírem registro em carteira, participavam de um regime seletivo de proteção social. O seguro-desemprego integrou a proteção ao assalariamento que se desenhou a partir dos anos 1930, e não é exagero afirmar que a criação do benefício representou uma pactuação restrita entre uma parcela dos trabalhadores assalariados, os empregadores e o Estado.

Nos anos 1980, o seguro já configurava uma política bastante difundida no mundo capitalista, após as primeiras iniciativas nacionais no início do século XX e uma rápida disseminação durante o pós-Segunda Guerra. O Brasil adotou a ideia básica desse modelo para amortecer os impactos do desaquecimento da economia, tornado evidente pelos protestos de desempregados nos grandes centros urbanos e demissão de trabalhadores industriais. Mas o seguro é limitado quando aplicado em países onde o desemprego é um problema massivo e duradouro, e as relações desreguladas de trabalho são frequentes, o que provoca um distanciamento entre os seus critérios de elegibilidade (formalização e tempo de vínculo) e as características da força de trabalho ( Ramos, 2003Ramos, Carlos. (2003), Políticas Públicas de Geração de Emprego e Renda: Justificativas Teóricas, Contexto Histórico e Experiência Brasileira. Brasília, Universidade de Brasília (Texto para Discussão n. 277). ). Assim, a despeito da flexibilização do seguro em 1990, seu acesso permaneceu restrito aos trabalhadores assalariados com trajetórias estáveis no mercado de trabalho.

Vimos que o seguro-desemprego brasileiro vivenciou quatro períodos distintos: criação das suas primeiras normativas entre 1986 e 1989; facilitação do acesso e aumento da reposição salarial nos anos 1990, mas com desestruturação do mercado de trabalho e consequente enfraquecimento do papel protetivo do seguro; manutenção dos critérios de elegibilidade e expansão do assalariamento na década de 2000, além da inclusão de algumas categorias de trabalhadores não-celetistas, o que elevou a capilaridade do benefício; e restrição do seguro nos anos 2010, fenômeno que conjugou desestruturação do mercado de trabalho e enrijecimento dos critérios de elegibilidade.

Para esmiuçar a evolução do benefício, analisei os indicadores do seguro-desemprego brasileiro e calculei o seu Índice de Desmercantilização no período 1996-2017, replicando a proposta de Esping-Andersen (1990)Esping-Andersen, Gøsta. (1990), The Three Worlds of Welfare Capitalism. New Jersey, Princeton University Press. . A reposição salarial em 2017 foi a mais alta da série, ainda que esse avanço tenha sido provocado pela mudança do perfil dos trabalhadores demitidos. Mesmo assim, a fixação do piso do seguro no valor de 1 salário-mínimo em 1990, seguida pela política de valorização do salário-mínimo a partir de 1996, elevaram o poder de compra dos desempregados elegíveis. Já a quantidade de dias de espera e a duração máxima do benefício permaneceram inalteradas, e a duração do benefício se tornou cada vez mais defasada frente à duração do desemprego nas metrópoles. Por fim, o tempo necessário de vínculo empregatício aumentou com a reforma restritiva de 2015, enquanto a cobertura efetiva assumiu o menor valor da série. Esses fatores colocaram o ano de 2017 na segunda pior posição do Índice de Desmercantilização, refluindo o avanço do seguro-desemprego registrado entre 2008 e 2014.

A cobertura legal do seguro permaneceu elevada desde os anos 1990, a despeito de um comportamento errático da cobertura efetiva, atrelado à formalização do mercado de trabalho e à evolução da taxa de desemprego. Como uma política de proteção dos trabalhadores assalariados, o seguro apresenta certo grau de “sucesso”, ao combinar uma reposição salarial satisfatória e uma inclusão relativamente alta de trabalhadores demitidos sem justa causa. Mas esse indicador é confrontado por uma cobertura efetiva residual, devido aos limites do assalariamento, à rigidez dos critérios de elegibilidade e à brevidade do seguro. Muitos trabalhadores são excluídos da proteção pública e ficam sem alternativas fora do mercado de trabalho e da circulação informal de bens e serviços. Ademais, as regras do seguro reproduzem a estratificação do mercado de trabalho e tornam alguns grupos mais suscetíveis à desproteção, como a força de trabalho feminina, pouco escolarizada e nos extremos etários.

A comparação internacional revelou que, no Brasil, a reposição salarial e o tempo mínimo de vínculo empregatício apresentam scores intermediários de Desmercantilização, enquanto o período de espera é alto e a quantidade de parcelas é pequena, cerca de 1/3 da média do indicador no banco de dados. Já a baixa cobertura efetiva exerce um efeito expressivo e lança o país na última posição do ranking . Vale lembrar que a taxa de desemprego e a cobertura efetiva apresentam tendências opostas, pois o aumento do desemprego ocorre em períodos de desestruturação do mercado de trabalho, como nos anos 1990 e a partir da crise de 2014, o que diminui a quantidade de trabalhadores elegíveis. Isso faz com que os limites do seguro sejam mais latentes quando o mercado de trabalho é incapaz de absorver os indivíduos ativos, e a explosão do desemprego se traduz no aumento do desemprego desprotegido. Os limites do seguro-desemprego brasileiro decorrem, sobretudo, de um regime seletivo de proteção baseado no assalariamento, enquanto uma quantidade massiva de trabalhadores permanece alheia ao mercado regulado e inelegível à proteção pública.

Para tratar do assunto, este artigo combinou um estudo histórico do seguro-desemprego com a análise de indicadores relevantes, iniciativas que foram complementadas, ao final do texto, pela aplicação de uma medida sintética, capaz de mensurar as mudanças na proteção ao desemprego. Por sua vez, a comparação internacional reuniu uma base de dados diversa, com informações sobre as regras do seguro, sua capilaridade e reposição salarial.

Além da análise do seguro-desemprego, este artigo apresenta contribuições metodológicas às pesquisas sobre políticas públicas. Não foram encontrados estudos que tenham replicado o Índice de Desmercantilização para investigar o caso brasileiro, a despeito da centralidade dessa metodologia para os estudos comparativos internacionais sobre bem-estar social. Aliado à análise histórica, tanto normativa quanto de indicadores quantitativos, o Índice subsidiou um exame sistemático do alcance e das características do seguro-desemprego, pontuando métricas e procedimentos que são úteis para os estudos sociológicos sobre proteção social e mercado de trabalho.

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Notas

  • 1
    . O desemprego aberto ocorre quando o indivíduo não exerce qualquer tipo de ocupação remunerada, está disponível para trabalhar e procura ativamente por trabalho.
  • 2
    . Como revela a fala atribuída pela então secretária de Políticas de Emprego e Salário, Dorothea Werneck, ao Ministro do Trabalho Almir Pazzianotto: “vai sair um plano [...] e o pessoal da Fazenda está preocupado, porque pode gerar muito desemprego. Vamos ter que criar alguma medida de proteção, e vai ser o seguro-desemprego” ( http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3297/1/Ipea%2040%20anos%20arquivo_completo-12.pdf ) .
  • 3
    . Em 1994, o BTN foi substituído pela Unidade Real de Valor (URV).
  • 4
    . A Constituição de 1988 estabeleceu que parte da arrecadação do PIS/PASEP passaria a ser destinada ao Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), a fim de garantir uma fonte estável de financiamento para as iniciativas de geração de empregos ( Brasil, 1988BRASIL. (1988), Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
    ). Os recursos retornam ao FAT na forma de pagamento dos juros dessa aplicação financeira.
  • 5
    . Período de reprodução dos peixes, quando fica proibida a atividade pesqueira.
  • 6
    . Em 2003, a Lei n. 8.287 foi substituída pela Lei n. 10.779, enviada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva ( Brasil, 2003BRASIL. (2003), Lei n. 10.779, de 25 de novembro de 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.779compilado.htm.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
    ). Em 2004, o Codefat disciplinou o acesso a esse benefício via Resolução n. 394.
  • 7
    . A recolocação profissional dos beneficiários deveria se basear em cursos de qualificação oferecidos no Sine ( Brasil, 1990BRASIL. (1990), Lei n. 7.998, de 11 de janeiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7998.htm.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    ). A conjunção entre o seguro-desemprego e a intermediação perdurou nas iniciativas seguintes. Esse foi o caso do Programa de Reciclagem Profissional, criado em 1994 pelo Governo Federal e voltado à qualificação via agências públicas de emprego. A articulação entre as políticas ativas e o seguro-desemprego também estruturou as ações do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor) nos anos 1990 e do Plano Nacional de Qualificação (PNQ) nos anos 2000. Para uma análise dessas experiências, ver Rocha (2011)Rocha, Juliana. (2011), Formação Inicial de Trabalhadores e Elevação da Escolaridade: Políticas Públicas de Qualificação Profissional em Discussão (1963-2011). Tese (Doutorado), Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo. .
  • 8
  • 9
    . A Resolução n. 707 foi discutida em três reuniões do Codefat. A última, em 27 de agosto de 2013 ( https://portalfat.mte.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/Ata62CODEFAT.pdf ), contou com uma apresentação do técnico do DIEESE e assessor da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Alexandre Ferraz, em defesa do uso da valorização do salário-mínimo como base para o reajuste do seguro-desemprego. A apresentação foi criticada pelo conselheiro titular do Ministério da Fazenda, Marcus Aucélio, e pelo vice-presidente do Codefat e Conselheiro Titular do MTE, Antonio Vidigal, que enfatizaram o aumento dos gastos com o seguro-desemprego e o caráter “benéfico” da desoneração de tributos para a “manutenção e geração de empregos”. Os sindicatos e a Confederação Nacional de Serviços (CNS) votaram a favor da proposta, enquanto os representantes do governo e dos demais setores empresariais votaram contra. Por 9 votos contra 7, o reajuste do seguro-desemprego permaneceu vinculado ao IPCA.
  • 10
    . A 118ª reunião do Codefat, em 13 de dezembro de 2012 ( https://portalfat.mte.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/Ata118CODEFAT.pdf ), exemplifica esse novo período. O titular da Coordenação-Geral de Recursos do FAT (CGFAT), Paulo de Souza, apontou que o MTE estava colhendo informações sobre o impacto da desoneração da folha de pagamento sobre os recursos do FAT. Em seguida, o conselheiro suplente representante do Ministério da Fazenda, Manoel de Carvalho Filho, ponderou que a perda de recursos do FAT via desoneração de tributos seria balanceada pelo “aumento da empregabilidade, o que reduziria dispêndio com pagamento do seguro-desemprego”.
  • 11
    . As Avaliações Financeiras do FAT estão disponíveis em: https://portalfat.mte.gov.br/execucao-financeira-do-fat/avaliacao-financeira-do-fat/ .
  • 12
    . A nota da Central Única dos Trabalhadores (CUT) pode ser lida em: http://www.sindpdpe.org.br/informe-se/noticia/cut-emite-nota-cobrando-dialogo-com-os-movimentos/MTky .
  • 13
  • 14
    . Segundo dados da RAIS, 63,4% dos trabalhadores demitidos sem justa causa em 1992 possuíam no mínimo 6 meses de vínculo empregatício. Esse número aumentou para 74,1% em 2013.
  • 15
    . Quando se compara cada tipo de solicitação, segundo o Boletim de Políticas Públicas de Emprego, Trabalho e Renda: https://portalfat.mte.gov.br/wp-content/uploads/2019/04/13.5-Boletim-PPETR-4%c2%ba-Trimestre-2018-Pol%c3%adticas-P%c3%bablicas-de-Emprego-Trabalho-e-Renda-CODEFAT.pdf .
  • 16
    . Quedas respectivas de 2,7 p.p. e 8,1% na taxa de formalização e na quantidade de trabalhadores com carteira assinada, ainda de acordo com os dados informados nos Gráficos 1 e 2.
  • 17
    . A quantidade de seguros habilitados caiu 3,2% entre 2017 e 2019. O mesmo ocorreu com a taxa de desemprego (-0,8 p.p.) e a quantidade absoluta de desempregados (-4,3%). Já a quantidade de trabalhadores com carteira assinada aumentou 2%, o que se deve ao crescimento da força de trabalho, visto que a formalização caiu 1,1 p.p. no período. Todos os cálculos foram realizados com base nos dados do Gráfico 1 e da Tabela A1.
  • 18
    . Na passagem 1993-1996, também ocorreu a extensão da duração máxima do benefício, de 4 para 5 parcelas, em decorrência da Lei n. 8.900.
  • 19
    . Os outliers são os valores iguais ou superiores ao valor máximo do terceiro quartil somado a 1,5 vezes a distância interquartil.
  • 20
    . O cálculo se baseia no salário-mínimo real, disponibilizado pelo Ipeadata.
  • 21
    . Reforçando essa interpretação, a razão entre o valor médio do benefício e o salário-mínimo caiu de 1,58 em 1996 para 1,29 em 2017.
  • 22
    . Segundo a OECD Data , o autoemprego na União Europeia foi de apenas 15,6% em 2017, aproximadamente metade do indicador brasileiro (32,3%).
  • 23
    . O Jobseeker’s Allowance irlandês exige que o desempregado tenha idade entre 18 a 66 anos, habite no país, esteja disponível para trabalhar e procure um emprego.
  • *
    Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no Grupo de Trabalho (GT) Políticas Públicas do 45º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, sendo publicada nos seus Anais. Esta pesquisa contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Maio 2024

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2021
  • Revisado
    09 Mar 2022
  • Aceito
    01 Jun 2022
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