Acessibilidade / Reportar erro

Poesia e modernismo: pré-lógica, formal, dialética e pós-lógica

Poetry and modernism: pre-logical, formal, dialectical, and post-logical

Resumos

Pensar a poesia modernista hoje pressupõe retornar ao poético após a finitude do moderno e conceituá-lo não só em termos estéticos autônomos, mas como uma dimensão contingente da linguagem onde atuam, em fusão, tanto o estético quanto o estésico. Poder-se-iam reconhecer, assim, quatro momentos. O momento pré-lógico, o momento formal, o momento dialético e o momento místico. Não são etapas evolutivas, porém revelam diversos posicionamentos do sujeito perante a experiência poética. Deles se conclui que a poesia é a negatividade em que o acesso à palavra, separada de qualquer referencialidade, torna-se aquilo que deve ceder e recusar o já dado. A poesia viabiliza o absolutamente árduo e até mesmo o estritamente impossível.

Poesia; negatividade; modernismo


Thinking modernist poetry today requires going back to the poetic after the finite aspect of the modern, and conceptualizing it not only in aesthetically autonomous terms, but also as a contingent dimension of language in which both the aesthetic and the aesthesic merge and operate. Thus, four moments could be recognized: the pre-logical moment, the formal moment, the dialectical moment, and mystical moment. These are not evolutionary stages, but they reveal many positions of the subject before the poetic experience. From there we are able to understand that poetry is the negativity in which the access to the word, apart from any referentiality, becomes what should give and refuse what has already been given. Poetry enables the absolutely difficult and even the strictly impossible.

Poetry; negativity; modernism


  • 1
    1 A aisthesis está subordinada ao tempo que, segundo Carl Einstein, não é nem sujeito nem objeto, pois ele constitui a quarta dimensão, a dimensão sublime de todo fenômeno. O Manifesto dimensionista (1935), assinado, entre outros, por Ben Nicholson, Alexandre Calder, Vicente Huidobro, Joan Miró, Moholy-Nagy, Hans Arp, Pierre Albert-Birot, Robert e Sônia Delaunay, Marcel Duchamp, Wassily Kandinsky e Francis Picabia, reivindicava que "l' 'art à n+1 dimension' (le planisme) se soucie peu de la destinée individuelle. Parce que la signification de la vie individuelle s'efface et perd le privilège de la véritable existence par suite de la libre association du temps et de l'espace". Borges começa a trabalhar o conceito de quarta dimensão no início dos anos 1930 (ver BORGES, Jorge Luis. La cuarta dimensión, 1934. In: Borges en Revista multicolor ed. Irma Zangara. Buenos Aires: Atlántida, 1995, p. 31) e Marcel Duchamp,
  • em carta de 1961 a Serge Stauffer, argumenta que a quarta dimensão pode ser captada por meio do toque, razão pela qual o erotismo talvez seja, de fato, apenas uma sublimação tátil, que nos permita visualizar, ou melhor, tactilizar o mundo factual e histórico. Jacques Rancière retoma o conceito para denominar o regime estético da arte, que não é um modo de percepção, mas um conjunto de condições de produção de artefatos e sentidos. Ver RANCIÈRE, Jacques. Aisthesis. Scènes du régime esthétique de l'art Paris: Galilée, 2011.
  • 2 MEILLASSOUX, Quentin. Après la finitude Paris: Seuil, 2006.
  • 3 DUVE, Thierry de. Nominalisme pictural, Marcel Duchamp, la peinture et la modernité Paris: Minuit, 1984;
  • Idem. Au nom de l'art: pour une archéologie de la modernité Paris: Minuit, 1988;
  • Idem. Kant after Duchamp Cambridge: MIT Press, 1989.
  • 4 Paul Valéry desenvolve, no congresso de Estética de Paris (ago. 1937), a teoria de que o estésico (Esthésique) pressupõe "l'étude des sensations; mais plus particulièrement (…) les travaux qui ont pour objet les excitations et les réactions sensibles qui n'ont pas de rôle physiologique uniforme et bien défini. Ce sont, en effet, les modifications sensorielles dont l'être vivant peut se passer, et dont l'ensemble (qui contient à titre de raretés, les sensations indispensables ou utilisables) est notre trésor. C'est en lui que réside notre richesse. Tout le luxe de nos arts est puisé dans ses ressources infinies", domínio que, aliás, ele discriminava de uma segunda área, por ele chamada de "Poétique, ou plutôt Poïétique", que continha "l'étude de l'invention et de la composition, le rôle du hasard, celui de la réflexion, celui de l'imitation; celui de la culture et du milieu; d'autre part, l'examen et l'analyse". Cf. VALERY, Paul. Discours sur l'Esthétique. in: Oeuvres Paris: Gallimard, 1957, p. 1311.
  • 5 GOLL, Ivan (ed.). Les cinq continents. Paris: La Renaissance du Livre, 1922.
  • 6 EINSTEIN, Carl."Drei Negerlieder. Nachdictung". In: BAACKE, Rolf-Peter; KWASNY, Jens (eds.). Werke Band 1. 1908-1918 Berlim, Medusa, 1980, p. 398
  • 8 Mário de Andrade possuía um exemplar de Die kunst des 20. Jahrhunderts (Berlin: Propyläen verlag, 1926) de Carl Einstein, onde o crítico aborda a questão do primitivismo, em referência a Klee, nos seguintes termos: "chez Klee, nous remarquons une caractéristique de l'existence actuelle: Le retour au primitivisme, c'est-à-dire un dégoût de la civilisation par trop différenciée. On s'échappe de la masse immense de la conscience mécanisée, réifiée, presque privée d'âme. Chez Klee, un tel retour au primitivisme ne signifie pás léché décoratif ou perte de la forme, mais changement en profondeur. Il ne s'agit bien plus de la refonte de la structure psychique, à partir de laquelle de nouvelles figures se frayent un chemin vers la réalité. L'art ne signifie plus seulement le fait de s'exprimer sans retenue, il peut être quelque chose de plus profound, suicide ou destruction de l'homme antérieur au profit de posibles formations nouvelles. Ainsi l'art retrouve des forces perdues depuis longtemps, celles de la prophétie ou de l'interprétation des rêves, il redevient un moyen de modifier le réel, et de faire entrer de forcé dans la réalité agonizante une nouvelle réalité plus proche de l'homme et correspondant à la totalité de son âme et non à l'étroite raison. L'art retrouve la force d'être un moyen magique et de prophétiser l'avenir." EINSTEIN, Carl. L'Art du XXe siècle Trad. Liliane Meffre et Maryse Staiber. Paris: Actes Sud, 2011, p.362.
  • 9 DIDI-HUBERMAN, Georges; Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2011.
  • Evocando o vaga-lume do conto "As margens da alegria", de Guimarães Rosa, "tão pequenino, no ar, um instante só, alto, distante, indo-se. Era, outra vez em quando, a alegria", Silviano Santiago destaca, na metodologia de Didi-Huberman, o empenho para que a arte solicite a reflexão filosófica e chama a atenção também para o fato de que o autor "realça, ainda, o paradigma das trevas e da luz, oriundo do Inferno e do Paraíso dantescos. O contraste se reproduz hoje nos escritos legados por Pier Paolo Pasolini, Walter Benjamin, Giorgio Agamben e Georges Bataille. Genocídio e fulgurações da alegria. Barbárie bélica e clarões de beleza. Poluição e estilhaços de esperança. Perda da voz política e experiência interior. Conservadorismo acachapante e sobrevivência em lascas. A luzinha viva, intermitente e reservada dos vaga-lumes perturba a alta voltagem festiva e feérica dos refletores na sociedade do espetáculo". SANTIAGO, Silviano."Revoada de vaga-lumes". O Estado de S. Paulo, 19 mar. 2011.
  • 10 BILAC, Olavo. "Carta de Rio de Janeiro". La Nación, Buenos Aires, 7 jul. 1906, 2. sección.
  • 11 CUNHA, Euclides da. Os sertões 26. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1963, p.122.
  • 12 ANDRADE, Carlos Drummond de. "Antonio Conselheiro". In: SANTIAGO, Silviano (ed.). Carlos & Mário Rio de Janeiro: Bem-te-vi, 2002, p.177-9. Correspondência completa entre Carlos Drummond de Andrade (inédita) e Mário de Andrade. Prefácio e notas de Silviano Santiago e pesquisa iconográfica de Lélia Coelho Frota.
  • 13 ANDRADE, Mário de. A lição do amigo Cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p.30-31.
  • 15 "En literature, on assista à la rupture de la convention qui était celle de la domination pathétique de l'événement, on transforma les héros de plâtre posant pour l'éternité en événement quasi neutre ou en évolution intérieure et l'on tenta, de façon encore timide et inconsciente, de pénétrer au-delà de la façade du caractère achevé jusqu'à l'interprétation des causes psychiques. L'anecdote, rationalisée, découpée, est écartée, le lyrisme philologique est éliminé par l'obervation; à la place de la synthèse statique de la personne on s'essaye à une analyse «fondamentale» et on aligne les sensations et les sentiments de façon atomistique. Le romantique jouant la dualité du common sense et de l'imagination autiste avec sentimentalité ou ironie fut alors relayé par l'observateur «impersonnel»."  EINSTEIN, Carl. L'Art du XXe siècle, op. cit., p.16.
  • 16 EINSTEIN, Carl. L'art du XXe. Siècle, op. cit., p. 31.
  • 17 Em um poema anterior, "Sertão melancólico", Drummond vai preparando o cenário que será o da emergência da pedra e mesmo da máquina do mundo: "Pelas estradas desertas,/ Pelas estradas infindáveis,/ Erra uma grave melancolia…/ Melancolia das coisas paradas,/ Do céu muito azul e da terra muito verde,/ Na tortura do sol a pino!/ Melancolia do canto das cigarras,/ Num rechino dolente desesperançado,/ Do vôo dos pássaros aflitos,/ Da saudade das sombras humanas…/ Melancolia das árvores que sofrem/ Sofrem letárgica e mudamente,/ Ao longo de riachos vagarosos,/ Onde a água tem preguiça de correr…/ Melancolia do viandante que passa,/ Que alonga o olhar pela distancia / E entoa uma canção arrastada e saudosa…". ANDRADE, Carlos Drummond de. "Sertão melancólico". Diário de Minas, Belo Horizonte, 31 jul. 1924.
  • 19 A teologia apofática, criada pelo Pseudo-Dionísio, postula que o mesmo seja dito por privação e não por atribuição, já que não só Deus não é, senão que ele não se diz e permanece absolutamente inacessível à condição existente. Dada a impossibilidade de dizer Deus (apophasis), Erígena retira o mal de sua esfera e resitua o homem no plano metafísico, uma vez que todos eles teriam suas faces espelhadas em um abismo insondável. Esse abismo, que é o da própria singularidade, é também Deus e Nada, ao mesmo tempo. É uma questão central do modernismo. Malévitch trabalha com uma teologia apofática ao propor o quadrado preto e, da mesma forma, Borges faz o mesmo, ao sinalizar a passagem de alguém a ninguém, em Outras inquisições (BORGES, Jorge Luis. "De alguien a nadie" in Obras completas Buenos Aires: Emecé, 1974, p.737-739).
  • 20 FATONE, Vicente. Mística y religión Prólogo Oscar del Barco. Buenos Aires: Las Cuarenta, Córdoba, Editorial de la UNC, 2009, p.42-44.
  • O orientalista Fatone (1903-1962) considerava que, para o budismo, os livros não são obra desta ou aquela individualidade, mas simples fruto do tempo. Lugones, que leu Misticismo épico (1928) de Fatone, ou mesmo Borges, que tinha muito apreço por O niilismo budista (1941), transformariam essa noção em paradigma, "Ourselves are fate", ideia que Borges recuperou em vários de seus relatos e inquisições. ROSATO, Laura; ALVAREZ, Germán (eds.). Borges, libros y lecturas. Catálogo de la colección Jorge Luis Borges en la Biblioteca Nacional. Buenos Aires: Biblioteca Nacional, 2010, passim.
  • 21 AGAMBEN, Giorgio. Altissima povertà. Regole monastiche e forma di vita Vicenza: Neri Pozza, 2011, p. 126-134.
  • 22 NANCY, Jean-Luc. "Fazer, a poesia" (1996). In:. Resistência da poesia Trad. Bruno Duarte. Viseu: Vendaval, 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2012

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2012
  • Aceito
    06 Jul 2012
Instituto de Estudos Brasileiros Espaço Brasiliana, Av. Prof. Luciano Gualberto, 78 - Cidade Universitária, 05508-010 São Paulo/SP Brasil, Tel. (55 11) 3091-1149 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaieb@usp.br