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Engajamento e sacrifício: o pensamento estético de Mário de Andrade

Engagement and sacrifice: the aesthetic thought of Mário de Andrade

Resumos

Mário de Andrade concebeu e organizou a totalidade de sua obra como uma forma de práxis social. Por isso mesmo, realizou uma reflexão profunda e dramática sobre a difícil relação entre arte e sociedade no Brasil. Sobretudo a partir de 1930, procura desenvolver um pensamento estético nucleado pela ideia da função social da arte, tendo em vista encontrar e promover formas de intervenção política por meio da cultura. Mário, entretanto, não superou, no plano teórico, a ideia de que os elementos estético e político da obra de arte se contradizem. Este artigo procura expor o movimento e as contradições do pensamento estético marioandradino, assim como da solução que o escritor encontra para seus torturantes dilemas - o sacrifício. As reflexões de Mário são aqui estudadas em sua relação com a matéria histórica, em especial com o processo de desarticulação, operado pelo Estado nas décadas de 1920 e 1930, do incipiente movimento operário brasileiro, que começava a organizar a luta de classes no país.

Mário de Andrade; estética; engajamento político; sacrifício


Mário de Andrade conceived and organized his whole work as a means of social praxis. He therefore developed a profound and dramatic thought about the difficult relation between art and society in Brazil. Especially from 1930, when the Brazilian ideological life became strongly politicized, Mário seeks to develop an aesthetic thought centered on the idea of art's social function, in order to promote forms of political intervention through culture. Mário however could not overcome in theory the idea that the aesthetic and the political elements of artworks contradict one another. This article intends to expose the movement and paradoxes of the writer's aesthetic thought, as well as those of the solution that Mário finds for his torturous dilemmas - that is, sacrifice. Mário's ideas are studied here in their relations with history, especially with the process - carried out by the State during the 1920s and the 1930s - of dismantling the incipient Brazilian labour movement, which started to organize class struggle in the country.

Mário de Andrade; aesthetics; political engagement; sacrifice


  • 1
    1 Este artigo é o desenvolvimento de parte de um trabalho mais amplo sobre a presença e o sentido do complexo sacrificial na obra de Mário de Andrade. Pedro Coelho Fragelli. A Paixão segundo Mário de Andrade Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2010. Orientador: Prof. Dr. José Antonio Pasta Jr.
  • 3 ANDRADE, Mário de. O banquete São Paulo: Duas Cidades, 1989. p. 68, 130.
  • 4 O próprio Mário, na alta maturidade, reconhece o caráter que ele chama de "aristocrático" do modernismo de 1920: "Apesar da nossa atualidade, da nossa nacionalidade, da nossa universalidade, uma coisa não ajudamos verdadeiramente, duma coisa não participamos: o melhoramento político-social do homem". ANDRADE, Mário de. O Movimento Modernista [1942]. In: ______. Aspectos da literatura brasileira Belo Horizonte: Itatiaia, 2002. p. 280.
  • 5 Ver SCHWARZ, Roberto. A carroça, o bonde e o poeta modernista. In: ______. Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 11-28.
  • 6 CANDIDO, Antonio. Literatura e subdesenvolvimento. In: ______. A educação pela noite & outros ensaios São Paulo: Ática, 2000. p. 140.
  • 7 Carta de Mário de Andrade a Sousa da Silveira, 15 de fevereiro de 1935. In: FERNANDES, Lygia. Mário de Andrade escreve cartas a Alceu, Meyer e outros Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1968. p. 147. O dilema que se impõe ao escritor no momento da publicação de suas obras é discutido por Mário em três artigos de 1931, significativamente intitulados "O castigo de ser", nos quais o autor analisa a necessidade de o artista escolher entre publicar as obras que sua consciência pessoal considera belas e aquelas que sua consciência social considera úteis: "É de todo inútil o artista publicar apenas obras que ele julgue conscientemente ótimas. Se ele se satisfaz com essa lealdade de consciência pessoal é porque é um individualista medonho, um vaidoso de si; consciente ou inconscientemente é um vaidoso que não sabe ter o verdadeiro orgulho capaz de sacrifícios, é um torre-de-marfim, é um egoísta, um egocêntrico, um ser dessocializado. [...] O ideal seria então o artista só publicar aquilo que a sua consciência social reputa bom [no sentido de útil] e a sua consciência pessoal reputa belo? É um engano. Porque ambas estas duas consciências são contraditórias Quem tem a segunda é um egoísta, se indiferentiza no individualismo e não pode obter a primeira. E esta primeira despreza a segunda e a repudia. A lealdade pra com a consciência social é a única que nobilita o artista e o justifica satisfatoriamente em sua humanidade". ANDRADE, Mário de. O castigo de ser - II. In: ______. Táxi e crônicas no Diário Nacional. Belo Horizonte: Itatiaia, 2005. p. 370 (grifos meus).
  • 8 ANDRADE, Carlos Drummond de. A lição do amigo: cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. p. 6.
  • 11 ANDRADE, Mário de. Distanciamentos e aproximações [1942]. In: ______. Música, doce música Belo Horizonte: Itatiaia, 2006. p. 351-355.
  • 12 Andrade, Mário de. Introdução a Shostakovich [1945]. In: COLI, Jorge. Música final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo Musical. Campinas: Editora da Unicamp, 1998. p. 397.
  • Para a polêmica de Lukács contra as vanguardas, ver seu ensaio "Trata-se do realismo!". In: MACHADO, Carlos Eduardo Jordão. Um capítulo da história da modernidade estética: debate sobre o expressionismo. São Paulo: Editora Unesp, 1998. p. 195-231.
  • Em sentido análogo, no conhecido ensaio "Narrar ou descrever", Lukács defende a ideia de que um ramo da prosa moderna, seu ramo propriamente moderno, que se inicia em Flaubert e culmina em Joyce e John dos Passos, constitui uma manifestação artística da decadência burguesa. Ver LU-KÁCS, Georg. Ensaios sobre literatura Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 47-99.
  • 13 Carta de Mário de Andrade a Guilherme Figueiredo, 6 de agosto de 1944. ANDRADE, Mário de. A lição do guru (cartas a Guilherme Figueiredo, 1937-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989, p. 107.
  • 14 BENJAMIN, Walter. O autor como produtor. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história. Obras escolhidas 1. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 121.
  • 15 LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2000. p. 211.
  • 16 ANDRADE, Mário de. O artista e o artesão [1938]. In: ______. O baile das quatro artes São Paulo: Livraria Martins Editora, 1975. p. 13-33.
  • 17 Na mais conhecida passagem da Fenomenologia, a "dialética do senhor e do escravo", o trabalho aparece como a atividade formadora da consciência de si livre, mediante a relação da consciência com a natureza. HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito Petrópolis: Vozes, 2002. p. 142-151.
  • 20 ANDRADE, Mário de. Lasar Segall [1943]. In: ______. Aspectos das artes plásticas no Brasil Belo Horizonte: Itatiaia, 1984. p. 61.
  • 23 Sacrifício, este, muito maior do que a renúncia à qualidade estética da obra de arte: "Quando falei que houve um sacrifício de mim, e há, no que faço, creio que não me referi ao sacrifício da linguagem que embora exista, tenha existido principalmente nos primeiros tempos, não tem a mínima importância pra ninguém, nem pra mim. O sacrifício penoso é o das minhas liberdades morais cerceadas; o mais penoso ainda é o das minhas verdades intelectuais, independentes até de mim, e por mim mesmo rejeitadas no que escrevo e ajo, em proveito da normalização, da fixação, da permanência de outras verdades humanas, sociais que eu friamente sei que são mais importantes". Carta de Mário de Andrade a Manuel Bandeira, 16 de agosto de 1931. MORAES, Marcos Antonio de (org.). Correspondência: Mário de Andrade & Manuel Bandeira. São Paulo: Edusp/IEB, 2000. p. 520.
  • 30 ANDRADE, Mário de. Introdução à estética musical São Paulo: Hucitec, 1995. p. 21-32.
  • 32 Carta de Mário de Andrade a Moacir Werneck de Castro, 23 de fevereiro de 1944. In: CASTRO, Moacir Werneck de. Mário de Andrade: exílio no Rio. Rio de Janeiro: Rocco, 1989. p. 216 (grifo meu).
  • 33 Ver CARONE, Edgard. Movimento operário no Brasil (1877-1944) São Paulo: Difel, 1984.
  • Ver também HALL, Michael; PINHEIRO, Paulo Sérgio. A classe operária no Brasil, 1889-1930. São Paulo: Alfa-Ômega/Brasiliense, 1979;
  • e BATALHA, Cláudio. O movimento operário na Primeira República Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
  • 34 Ver BEIGUELMAN, Paula. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. São Paulo: Pioneira, 1978. p. 190-200.
  • 35 CARONE, Edgard. República Velha (instituições e classes sociais). São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.
  • 36 DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo (1880-1945). São Paulo: Difel, s.d., p. 174-180.
  • 37 "Um dos objetivos primordiais da 'nova política' na área trabalhista era impedir a organização autônoma da classe operária. O sindicato oficial, apesar do breve retorno ao pluralismo no interregno de 1934 - 1937, serviu para desmantelar toda a possibilidade de organização efetiva da classe operária e para controlá-la." PINHEIRO, Sérgio Paulo. Trabalho industrial no Brasil: uma revisão. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 14, p. 119-131, 1975.
  • Ver também ALENCASTRO, Luiz Felipe de. A pré-revolução de 30. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo n. 18, p. 17-21, 1987;
  • e MORAES FILHO, Evaristo de. O problema do sindicato único no Brasil: seus fundamentos sociológicos. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978.
  • 38 PINHEIRO, Sérgio Paulo. O proletariado industrial na Primeira República. In: FAUSTO, Boris (org.). História geral da civilização brasileira, tomo III: o Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, v. 2. p. 135-178.
  • Vale notar que Mário de Andrade abordou esse processo histórico de repressão do movimento dos trabalhadores no conto "Primeiro de Maio", escrito entre 1934 e 1942. O texto narra a decepcionante experiência de um trabalhador que sai às ruas de São Paulo para comemorar o Dia do Trabalho, mas que ao invés de encontrar uma festa proletária, encontra uma cidade quase deserta, ocupada pela polícia, e uma celebração oficial no Palácio da Indústrias, presidida pelo patronato e pelo governo. ANDRADE, Mário de. Primeiro de Maio. In: ______. Contos novos Belo Horizonte: Itatiaia, 1999. p. 35-42.
  • 39 KONDER, Leandro. A derrota da dialética: a recepção das ideias de Marx no Brasil, até o começo dos anos 30. São Paulo: Expressão Popular, 2009. p. 160.
  • 40 Sobre a relação entre a legislação trabalhista brasileira consolidada no governo Vargas e o processo de acumulação primitiva do capitalismo industrial brasileiro, ver OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco São Paulo: Boitempo, 2003. p. 29-69.
  • 41 Nessa linha, ver a reunião de textos clássicos sobre o fascismo que se encontra em BEETHAM, David (org.). Marxists in the face of fascism Manchester: University of Manchester Press, 1983.
  • 42 Para uma discussão sobre o caráter fascista do Estado Novo, ver TAVARES, José Nilo. Getúlio Vargas e o Estado Novo. In: CASTRO, José Luiz Werneck de (org.). O feixe e o prisma: uma revisão do Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991, v. 1. p. 73-81;
  • e GOMES, Ângela Maria de Castro. O redescobrimento do Brasil. In: GOMES, Ângela Maria de Castro; OLIVEIRA, Lucia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta. Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 109-150.
  • Sobre a natureza fascista do Integralismo, ver CHASIN, José. O integralismo de Plínio Salgado São Paulo: Ciências Humanas, 1978.
  • 43 OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco, op. cit., p. 29-69. FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil São Paulo: Globo, 2006.
  • Sobre o sentido conservador da Revolução de 1930, ver ainda FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Brasiliense, 1976.
  • 44 Assim, vinculadas à precariedade de nossa formação social, as oscilações e paradoxos do pensamento estético de Mário de Andrade pertencem à extensa linhagem de dualidades de toda sorte que marcam a experiência intelectual brasileira. Ver ARANTES, Paulo Eduardo. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira São Paulo: Paz e Terra, 1992.
  • 49 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho. São Paulo: Duas Cidades, 1972. p. 21-71.
  • 51 Idem, ibidem, p. 99. A presença do modelo crístico na representação do engajamento sociopolítico atravessa a obra literária de Mário de Andrade do princípio ao fim. No livro de estreia do autor, o conjunto de poemas pacifistas Há uma gota de sangue em cada poema (1917), esse modelo permeia todo o livro, das imagens à estrutura, dos temas à linguagem, condensando-se no verso de "Guilherme": "[Ser grande] é ser bom finalmente, é ser Jesus!...". Na famosa "Ode ao burguês", de Pauliceia desvairada (1922), Mário assume, como notou Telê Ancona Lopez, uma "posição semelhante à de Cristo vergastando os vendilhões do templo", dedicando ao burguês um "ódio vermelho", possível alusão à Revolução Russa. Em Macunaíma (1928), livro em que não há propriamente engajamento político, mas que é a grande síntese do engajamento ainda apenas cultural a que Mário se dedicou ao longo dos anos 1920, o retorno do herói para o Uraricoera no final da rapsódia, segundo me sugeriu certa vez a professora Maria Augusta Fonseca, assemelha-se a uma via crucis O modelo da via crucis, ainda, foi percebido por Iná Camargo Costa no conto mais político de Mário, o "Primeiro de Maio" (1934 - 1942), no qual cada estação do périplo do operário 35 por São Paulo corresponde a uma etapa de um doloroso processo de tomada de consciência de classe. Por fim, conforme nota Sérgio de Carvalho, no centro da última cena do Café (1933 - 1942), a cena da revolução popular, um líder revolucionário morre nos braços da esposa no meio do palco, o conjunto figurando uma Pietà, em torno da qual turbilhona a revolta social. O paradigma do Cristo sacrificado opera, ainda, em outras obras de Mário, de modo mais discreto ou indireto, em especial por meio de uma estrutura mágico-religiosa ainda mais inclusiva, a dos ritos de vegetação, que Mário conheceu na obra de Frazer e incorporou profundamente em seu pensamento sociocultural e em sua literatura. Ver LOPEZ, Telê Porto Ancona, Mário de Andrade: ramais e caminho, op. cit., p. 40. COSTA, Iná Camargo. Mário de Andrade e o Primeiro de Maio de 35, Trans/Form/Ação: Revista de Filosofia, São Paulo, v. 18, p. 37-41, 1995.
  • Por fim, CARVALHO, Sérgio Ricardo de. O drama impossível: teatro modernista de António de Alcântara Machado, Oswald de Andrade e Mário de Andrade. 2003. 226 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2003. p. 175-200.
  • 55 Carta a Manuel Bandeira, 16 de agosto de 1931. MORAES, Marcos Antônio (org.), op. cit., p. 520. O problema da posição ideológica do intelectual de formação burguesa remonta às jornadas de junho de 1848, quando "os fogos de artifício de Lamartine transformaram-se nas bombas incendiárias de Cavaignac", na conhecida frase de Marx - isto é, quando a burguesia se afirma como classe dominante e retira a máscara universalista de sua ideologia. Configurada e declarada a nova luta de classes, a proletarização do escritor moderno, de formação burguesa, "não [se dará] sem lutas amargas, não sem conflitos extremamente difíceis", como disse Benjamin. O engajamento passa a implicar uma traição de classe, pois além de supor que o artista "mude de lado", presume que ele coloque sua formação intelectual a serviço da luta dos despossuídos. No Brasil, entretanto, o salto que era desafiado a dar o intelectual que pretendia engajar-se nas lutas sociais era particularmente vertiginoso, uma vez que o grau de exclusão civil e cultural dos pobres diferia pouco, nos anos 1920, daquele dos escravos da sociedade brasileira do final do século XIX, de modo que os trabalhadores constituíam, na sua maior parte, um lumpemproletariado. Assim, um abismo separava os homens letrados e as classes populares, e sobretudo faltava, conforme dito, uma luta de classes organizada, que pudesse realizar a mediação dessa passagem do intelectual para a esquerda. Nesse quadro, o artista é chamado a ser imediatamente o seu absolutamente outro, o que implica não a renúncia, a qual supõe a presença da mediação e o retorno do sujeito a si mesmo, mas o sacrifício, o trânsito imediato e ruinoso do sujeito no objeto. Para as citações de Marx e Benjamin, ver MARX, Karl. A luta de classes em França de 1848 a 1850. In: ______. Obras escolhidas - I Lisboa: Avante, 1982. p. 230.
  • BENJAMIN, Walter, op. cit., p. 135. O movimento de passagem ruinosa do mesmo no outro, sugerido logo há pouco, foi percebido, formulado e estudado nas obras centrais da literatura brasileira por José Antonio Pasta Jr., que demonstra a constância dessa estrutura tanto no romance como na formação social brasileira. Ver PASTA JR., José Antonio. Volubilidade e ideia fixa (o outro no romance brasileiro). Sinal de menos, São Paulo, n. 4, p. 13-25, 2010;
  • 56 Hubert e Mauss, autores da melhor teoria do sacrifício de que se dispõe, demonstram a natureza essencialmente paradoxal do sacrifício, que se constitui como um conjunto de mediações que tem no seu núcleo, entretanto, a imediação. Assim, o sacrificante, ou seja, o beneficiário do sacrifício, ao mesmo tempo que se diferencia da vítima, deve identificar-se com ela: "Não basta dizer que a vítima representa o sacrificante; confunde-se com ele. As duas personalidades se fusionam. A identificação torna-se tal [...] que o destino futuro da vítima, sua morte próxima, têm uma espécie de efeito sobre o sacrificante". Por isso, de acordo com Hubert e Mauss, a forma mais acabada do sistema sacrificial seria a autoimolação do deus, em que a vítima e o carrasco são o mesmo. Embora em contexto teórico distinto, Lévi-Strauss observa, em sentido análogo, que o sacrifício opera por "continuidade", isto é, estabelece uma série de identificações sucessivas e imediatas entre as personagens do rito sacrificial. HUBERT, Henri; MAUSS, Marcel. Sobre o sacrifício São Paulo: Cosac Naify, 2005.
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem Campinas: Papirus, 2007. p. 248-254.
  • 57 HERRENSCHMIDT, Olivier. A qui profite le crime? Cherchez le sacrifiant. L'homme. Revue française d'anthropologie, Paris, XVIII (1-2), p. 7-18, jan.-jun. 1978.
  • 58 Hegel formulou o impasse: "O ser do finito é o ser do infinito. [...] Ora, é preciso notar que nessa proposição a mediação entre o ser do finito e o ser do infinito não aparece. Trata-se de uma proposição sem mediação, precisamente o contrário do que se demanda [para a obtenção de uma síntese religiosa superior]. O defeito dessa formulação está em que nela se exprime o finito como afirmativo". HEGEL, G. W. F. Leçons sur la philosophie de la religion, II, 1, Paris: Vrin, 1972, p. 46.
  • 59 Carta de Mário de Andrade a Carlos Lacerda, 5 de abril de 1944, In: ANDRADE, Mário de. 71 cartas de Mário de Andrade Rio de Janeiro: São José, s.d., p. 85.
  • 60 Carta de Mário de Andrade a Murilo Miranda, 11 de novembro de 1936. ANDRADE, Mário de. Cartas a Murilo Miranda (1934-1945). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p. 39-41.
  • 61 "Tinha o culto da solidariedade humana e só se entenderá a sua obra levando isso em conta". CANDIDO, Antonio. Lembrança de Mário de Andrade. In: ______. Brigada ligeira e outros ensaios, São Paulo: Editora Unesp, 1992. p. 210.
  • 64 SOUZA, Gilda de Mello e. O tupi e o alaúde São Paulo: Editora 34/Duas Cidades, 2003. p. 10.
  • 65 Carta de Mário de Andrade a Luís da Câmara Cascudo, 1o de março de 1927. MELO, Veríssimo de (org.). Cartas de Mário de Andrade a Luís da Câmara Cascudo Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Villa Rica, 1991. p. 75-76.
  • 66 "Entre as convulsões da vítima sacrificial nos transes de sua agonia e a agitação convulsiva do possuído, interpretadas como manifestações de uma presença e de uma possessão divinas, uma expressa analogia pode ser percebida". JEANMAIRE, Henri. Dionysos: histoire du culte de Bacchus Paris: Payot, 1991. p. 158.
  • 67 ANDRADE, Mário de. Cartas a um jovem escritor e suas respostas (Fernando Sabino, Mário de Andrade). Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 32.
  • 68 Acusa Mário de Andrade: "Todos são responsáveis!", op. cit., p. 105. Mário possivelmente se refere a Manuel Bandeira, que em 1931 lhe escrevera: "Sua nobre tentativa de linguagem brasileira, feita no pensamento de nos unir mais os brasileiros, ideia portanto altamente socializante, se tem afirmado dessocializante: a maioria das pessoas simples que leem você sentem dificuldade de compreendê-lo. Quando você escreve 'sube' e 'intaliano', ninguém sente o seu desejo de comunhão nem o seu sacrifício, mas a sua personalidade indiscreta e tirânica querendo impor na linguagem literária escrita formas da linguagem popular ou culta falada que agradam à sua sensibilidade de grande escritor". MORAES, Marcos Antonio de (org.), op. cit., p. 516. Roberto Schwarz faz uma observação semelhante: "Nada mais pessoal e intransferível que a fisionomia dessa escrita que se queria funcional, como que indicando que seu gigantismo não era repetível. Com efeito, hoje ela se lê como uma extraordinária façanha de expressão individual, associada ao desejo de aperfeiçoar a nacionalidade". SCHWARZ, Roberto. Outra Capitu. In: ______. Duas meninas São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 142.
  • A coexistência de objetividade e subjetividade extremas em Macunaíma é identificada e interpretada por José Antonio Pasta Jr. em "Tristes estrelas da Ursa - Macunaíma". PASTA JR., José Antonio. Tristes estrelas da Ursa - Macunaíma. Cadernos Porto & Vírgula, Porto Alegre, n. 4, p. 27-32, 1993.
  • 70 ROSENFELD, Anatol. Mário e o cabotinismo. In: ______. Texto/Contexto I São Paulo: Perspectiva, 1996. p. 192.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2013
  • Aceito
    23 Ago 2013
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