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Pressentimento da promessa de felicidade: o "samba da desilusão" de Paulinho da Viola

Presentiment of promesse du bonheur: the samba of disillusion by Paulinho da Viola

Resumos

Paulinho da Viola costuma ser destacado como tradicionalista. Mas, qual tradição? No debate sobre o samba, configurou-se uma avaliação crítica do semieruditismo característico do samba-canção, contrário ao coloquialismo do samba malandro. Enquanto o primeiro teria um fundamento mais subjetivo, o outro daria figuração ao universo do trabalho e seus antagonismos. Dando forma à tragédia social brasileira, o samba da desilusão de Paulinho da Viola supera a dicotomia entre coloquialismo e semieruditismo. A emancipação de materiais promovida por Paulinho da Viola recoloca o povo não mais como assunto, mas como força motriz para a música brasileira. A partir da interpretação de alguns de seus sambas, apresentamos como o caráter trágico do samba de Paulinho da Viola é a figuração do pressentimento da promessa de felicidade.

Paulinho da Viola; semieruditismo; coloquialismo; emancipação do material musical


Paulinho da Viola is often highlighted as a traditionalist. But, what tradition? The debate on the samba configured a critical evaluation of the semi-eruditism characteristic of samba-canção, contrary to colloquialism of samba malandro. While the former would have a more subjective basis, the other would figure works universe and its antagonisms. Forming the Brazilian social tragedy, the samba of disillusion by Paulinho da Viola overcomes the dichotomy between colloquialism and semi-scholarship. The emancipation of materials promoted by Paulinho da Viola replaces people not as matter, but as a driving force for Brazilian music. Based on the interpretation of some of his sambas, this article presents how the tragic character of the sambas by Paulinho da Viola are the presentiment of promesse du bonheur figuration.

Paulinho da Viola; semi-eruditism; colloquialism; emancipation of musical materials


  • 2 Ver BORGES, Beatriz. Samba-canção: fratura & paixão. Rio de Janeiro: Codecri, 1982.
  • 4 Ver TATIT, Luiz. O cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo: Edusp, 2002.
  • 5 Ver MATOS, Cláudia Neiva de. Acertei no milhar: malandragem e samba no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
  • 6 RAMOS, Nuno. Ao redor de Paulinho da Viola. Cultura brasileira contemporânea, Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, ano 1, n. 1, p. 19, 2006.
  • 8 Estou retomando ao meu modo a discussão sobre a dualidade da tragédia conforme Raymond Williams. Ver WILLIAMS, Raymond. Tragédia moderna São Paulo: Cosac Naify, 2002.
  • 12 Estou ciente de que o conceito de "promessa de felicidade" é um mote decisivo nos debates estéticos. Partindo da noção de Stendhal de que o belo é apenas a promessa de felicidade, até chegar a Adorno e a promessa de felicidade como característica em negativo da arte diante do mundo reificado (contrapondo-se à realização positiva e falsa da promessa de felicidade na indústria cultural), passando por Nietzsche e a compreensão da promessa de felicidade como uma conceituação mais forte para a arte do que aquela de Kant e a arte como atividade desinteressada, observamos os desdobramentos do tema segundo a estética moderna ocidental. Não por acaso, foi justamente um especialista em arte moderna que observou a canção brasileira por meio do conceito de "promessa de felicidade". Lorenzo Mammì, em seu estudo sobre João Gilberto e o projeto utópico da bossa nova, promove seu argumento sobre o trabalho do cancionista baiano a partir do contraste com o jazz "Se o jazz é vontade de potência, a bossa nova é promessa de felicidade". MAMMÌ, Lorenzo. João Gilberto e o projeto utópico da bossa nova. Novos Estudos Cebrap, n. 34, nov. 1992, p. 70.
  • 13 Pedro Alexandre Sanches apontou com precisão o caráter dialógico implícito da canção, bem como o peso vocal "tradicionalista" das primeiras canções. Esse trabalho de Sanches é da maior importância para o presente estudo, quanto mais porque dedica uma atenção refinada, ainda que calcada especificamente nas letras das canções, também a Paulinho da Viola. Aqui e ali será possível ver a diferença entre ambos os trabalhos, mas, no cerne, o problema já estava bem colocado por Sanches, que faz um panorama da trajetória musical de Paulinho da Viola, disco a disco, em cotejo com seus principais pares de época. Ver SANCHES, Pedro Alexandre. Tropicalismo: decadência bonita do samba. São Paulo: Boitempo, 2000. p. 251.
  • 15 Avalio aqui a relação entre cultura e política nos anos 1960 conforme o esquema de Roberto Schwarz. Ver SCHWARZ, Roberto. Cultura e política, 1964-1969: alguns esquemas. In: ______. O pai de família e outros estudos 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
  • 17 MÁXIMO, João. Paulinho da Viola Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 88.
  • 18 COUTINHO, Eduardo Granja. Velhas histórias, memórias futuras Rio de Janeiro: Editora da Uerj, 2002. p. 109 e ss.
  • 23 Ver FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. In: ______. Escritos sobre a psicologia do inconsciente, volume II Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 99 e ss.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2013
  • Aceito
    30 Ago 2013
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