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Editorial


Cartão postal enviado por Aracy de Carvalho Guimarães Rosa à Eduardo Carvalho Tess e Sida Moebius de Carvalho. S.i., s.i., 1950. Coleção de cartões-postais de Aracy de Carvalho Guimarães Rosa (IEB-USP)

Há dois números, afirmamos a necessidade de os pesquisadores refletirem sobre os possíveis danos causados pela crescente fragmentação e descaracterização das revistas acadêmicas, algo facilitado pelos novos suportes digitais e pelos consequentes mecanismos de busca. De fato, parece-nos urgente a crítica de tal estado. Um dos sinais que indicam essa urgência é a progressiva substituição da avaliação qualitativa da pesquisa científica, da qual o artigo vem a ser um dos resultados, pela avaliação quantitativa baseada na lei de oferta e demanda. Não é difícil de perceber que esse tipo de avaliação tende a aplicar à esfera do conhecimento, de forma indiscriminada, uma relação elementar da esfera econômica e os procedimentos que lhe são associados. Com isso, dentre outros efeitos, corre-se o sério risco de ignorar as especificidades dos processos de maturação, assimilação e repercussão do trabalho científico nas Humanidades. Já é tempo de os periódicos discutirem de forma mais aprofundada o valor dessas ações, posicionando-se sobre as relações que devem pautar, em última análise, o sistema universitário brasileiro.

De nossa parte, conforme os textos deste número 60 demonstram, os esforços continuam se dirigindo para o fortalecimento do caráter interdisciplinar da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, caráter derivado da própria atuação do IEB e do seu programa de pós-graduação em Culturas e Identidades Brasileiras. Tal como em edições anteriores, esse caráter interdisciplinar atravessa, em maior ou menor grau, os diversos textos, mas resulta principalmente do conjunto de artigos, resenha e documentação. Não é sem razão, portanto, que a leitura do número como um todo descobrirá temas que articulam os textos - sem que, com isso, se perca a especificidade de cada pesquisa.

De início, dois artigos abordam a obra de Graciliano Ramos. Por caminhos paralelos, Hermenegildo José de Menezes Bastos (UnB) e Ana Paula Pacheco (USP) analisam, respectivamente, a forma literária de São Bernardo e a de Vidas secas, estudando por quais meios e com quais propósitos ambas as formas sintetizam a consciência crítica "do caráter conservador da modernização à brasileira", "a apreensão da fratura social brasileira", os impasses e os desafios do trabalho intelectual e do trabalho artístico na chamada era Vargas.

A seguir, dois artigos abordam a obra de José de Alencar. Paula Maciel Barbosa (USP) examina aspectos formais de Til e discute como o romancista sintetiza o confronto entre senhores e escravos, ou seja, o confronto entre os dois polos do sistema econômico e social do segundo reinado. E José Quintão de Oliveira (USP), partindo dos folhetins de Ao correr da pena, estuda a atividade jornalística de Alencar e a evolução criativa do autor.

Saltando para o presente, Silvia Viana (FGV-SP) desenvolve a hipótese de que os reality shows apresentam a nossa própria fantasia social: "nossa reprodução no mundo de trabalho, organizado segundo a acumulação capitalista flexível". Nessa perspectiva, a violência cotidiana, o cinismo brutal, a sensação de injustiça, a mudança arbitrária de regras, a eliminação aleatória, a ausência de estranhamento e de horror dos telespectadores internautas, dentre outras características, sustentam tanto os vários formatos desse tipo de programa quanto as atuais relações de trabalho no âmbito da (re)produção material e também no da (re)produção intelectual. Já Daniel Nardin Tavares (UnB) e Tiago Quiroga (UnB), analisando a comunicação via novas tecnologias entre representantes e representados no Congresso Nacional, percebem a permanência, a renovação ou mesmo o aprofundamento de "diversas expressões do jeito cordial de ser do brasileiro", na chave das noções formuladas por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil.

Os dois textos a seguir interpretam criticamente espetáculos recentes, criados em práticas coletivas do teatro de grupo e encenados em várias cidades do Brasil. Priscila Matsunaga (UFRJ) reflete sobre O patrão cordial, da Companhia do Latão, peça inspirada em Raízes do Brasil e em O Sr. Puntila e seu criado Matti, de Bertolt Brecht. Em crítica acentuada pelo teor ensaístico, Roberto Efrem Filho (UFPB) analisa O Deus da Fortuna (uma parábola sobre a metafísica do capital), do Coletivo de Teatro Alfenim, procurando explicitar "relações de classe, gênero e sexualidade" representadas na peça e problematizar "a noção de 'humanidade'" em tempos de capitalismo financeiro.

Fechando a seção de artigos, Marcio Giacomin Pinho (Unespar) e Rodrigo Aparecido Vicente (Unicamp) estudam as formas de duas canções de João Bosco e Aldir Blanc. A análise busca "explicitar os modos como tais composições representam, poética e musicalmente, os conflitos e as contradições inerentes ao universo dos excluídos em tempos marcados pelo 'milagre econômico'". Embora radicado na área de música, o trabalho se apresenta como uma sólida contribuição também para o estudo das relações entre canção popular e literatura, à medida que se inclui no debate, de modo pertinente, a obra Malagueta, Perus e Bacanaço, de João Antônio.

Na seção Resenha, Luciana Murari (PUCRS) discute Futuro pifado na literatura brasileira: promessas desenvolvimentistas e modernização autoritária, destacando e desdobrando aspectos das relações entre criação artística (poesia, romance, teatro, canção) e sociedade estudadas pelo autor do livro, Homero Vizeu Araújo. Note-se que, com diferentes procedimentos metodológicos, as relações entre obra artística (romance, teatro, canção) e sociedade também são abordadas em seis dos nove artigos deste número: no texto de autoria de Hermenegildo José de Menezes Bastos, no de Ana Paula Pacheco, no de Paula Maciel Barbosa, no de Priscila Matsunaga, no de Roberto Efrem Filho, no de Marcio Giacomin Pinho e Rodrigo Aparecido Vicente.

Na seção Documentação, Marta Amoroso (USP) e Paulo Iumatti (USP) apresentam a trajetória do geógrafo Manuel Correia de Andrade (1922-2007) à luz da formação de sua biblioteca pessoal - um dos principais acervos bibliográficos do país, doado no ano passado ao IEB. Em Notícia, Sushila Vieira Claro (USP) e Juliana Saiani Moysés (USP) expõe as características fundamentais do novo projeto gráfico da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2015
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