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Qual o sentido da Geografia Cultural?1 1 Tradução: Jaime Oliva, geógrafo, professor do Instituto de Estudos Brasileiros - USP.

What is the meaning of Cultural Geography?

Resumos

Inovador na aparência, em seu enunciado a geografia cultural apresenta um duplo problema epistemológico. Trata-se de um novo ramo da geografia ou de uma escola de pensamento que pretende reorganizar o conjunto dos saberes da disciplina? O projeto de uma geografia cultural retoma e subscreve as ambiguidades do termo "cultura" nas ciências sociais contemporâneas. Além disso, o termo "cultura" corresponde frequentemente a uma versão frágil da noção de sociedade, em particular nos trabalhos anglófonos. Essa geografia, que aborda as sociedades sem dizer isso claramente, foi forjada com novas ferramentas para explorar a dimensão espacial dessas sociedades? Se a "virada cultural" certamente contribuiu para fazer avançar nosso olhar sobre o mundo social em certos domínios, a resposta a essa questão não é sempre consistente. No final das contas, duas características, que podem parecer periféricas, se revelam essenciais para esclarecer a lógica dessas hesitações. Uma, teórica, diz respeito à possibilidade de um eventual paradigma para as ciências sociais travestir-se de conceito de sociedade. A outra, efeito prático da primeira, concerne ao uso de discursos acadêmicos que pretendem fundar o "multiculturalismo" como o respeito às "culturas" para legitimar o comunitarismo contra a "sociedade de indivíduos".

epistemologia da geografia; cultural turn; cultura; sociedade; culturalismo; multiculturalismo; comunitarismo


Cultural geography proposes an apparently innovative project but it actually raises a dual epistemological issue. First of all, is it a new field inside geography or a school of thought that contends to redesign the overall geography's disciplinary layout? The perspective of a "cultural geography" encompasses and endorses the ambiguity of the word "culture" in contemporary social sciences. Secondly, "culture" is predominantly used as a weak version of "society", namely in English-speaking literature. Cultural geographers address societies but do not explicitly admit it. Have cultural geographers built fresh tools to explore the spatial dimension of these societies? The answer to this question is not easy to give, even though the "cultural turn" has certainly helped social sciences to move forward in the understanding of social worlds. Two topics, which might seem peripheral, eventually turn up to be essential to enlighten the rationale of these hesitations. The first one, theoretical, is related to the possibility of a paradigm for social sciences that would pass over the concept of society. The second one can be seen as a practical output of the former. It affects the use of academic discourses that pretend fond "multiculturalism" on scientific arguments to legitimate communalism and reject a "society of individuals"

Epistemology of geography; history of geography; cultural turn; culture; society culturalism; multiculturalism; communalism


A geografia cultural foi primeiramente, no final do século XIX, uma denominação alemã (Kulturgeographie) designando uma etnografia das paisagens das sociedades "tradicionais", desenvolvendo assim um projeto um pouco diferente daquele da geografia francesa vidaliana que era da mesma época3 3 Agradeço a Mathis Stock por seus conselhos e destaques, que me ajudam muito na redação desse texto. . A herança alemã foi difundida por Carl Sauer, que fez da cultural geopraphy um ramo clássico da geografia americana. Em seguida, a escola que Sauer lançou em Berkeley prosperará durante vários decênios com a ambição de identificar os traços da ação humana sobre as paisagens, o que teve o papel de ser o meio de entrada da geografia na problemática ambiental4 4 « For [...] cultural geographers, any sign of human action in a landscape implies a culture, recalls a history, and demands an ecological interpretation. [...] The history of any people evokes its setting in a landscape, its ecological problems, and its cultural concomitants; and the recognition of a culture calls for the discovery of traces it has left on the earth» WAGNER, Philip & MIKESELL, Marvin. Reading in Cultural Geography. Chicago, University of Chicago Press, 1962, p. 23. . Essa abordagem continuou seu percurso no interior de uma geografia considerada, doravante, como descritiva e pouco conceitual. Apesar disso, entre as combinações oferecidas por Marvin Mikesell em 2001, um grupo de geógrafos5 5 MURPHY, Alexander B.; JOHNSON, Douglas L. & HAARMANN, Viola. Cultural encounters with the environment: enduring and evolving geographic themes.Lanham, Rowman & Littlefield, 2001. ainda insistia na continuidade da geografia cultural atual com base nessa inspiração clássica. No entanto, o que se chama atualmente "geografia cultural" foi profundamente afetado pelo "cultural turn"6 6 WERLEN, Benno. Géographie culturelle et tournant culturel. Géographie et cultures, n. 47, p. 7-27, 2004. , uma corrente de ideias que começou a despontar nos anos 1960, mas que marcou as ciências sociais, sobretudo a partir dos anos 1980.

Nesse texto, minha tentativa será a de procurar explicitar os problemas epistemológicos e as teorias do domínio implicadas na expressão "geografia cultural". Isso obriga considerar o contexto do movimento de ideias nas ciências sociais e na sociedade. Nota-se então que essa emergência (o "cultural turn") revela diferentes tipos de questões: o que muda para a geografia a aparição dessa nova abordagem consagrada ao "cultural"? Qual é a contribuição da noção de cultura como ferramenta de recorte do mundo social? Quais são os efeitos no debate público produzidos pela construção de um referente de pretensão científico centrado no "cultural"?

1. Viradas

A "virada cultural", que conheceu várias etapas, recobre uma realidade compósita e pode ser lida ao menos de três maneiras diferentes. Como antropoligizaçãodas ciências sociais, ela encoraja e desenvolve a difusão dos conceitos e dos métodos da etnografia e da etnologia. Como desmaterialização do mundo, ela acentua o valor explicativo das realidades ideais, que não são mais tratadas como "superestruturas" do mundo material, mas como componentes maiores e duráveis das "dominâncias" de uma sociedade. Como relativismo cultural, essa virada adota uma postura crítica face às fragilidades de um "universalismo ocidental" que se encontra frequentemente sobrecarregado por seus particularismos implícitos.

Essa "virada" é, portanto fortemente conectada a outras — o linguistic turn, o pós-modernismo, o construtivismo, a filosofia analítica, a fenomenologia, o pós-colonialismo ou mesmo ao "paradigma dos atores" — na medida em que, dando legitimidade heurística à palavra dos indivíduos ordinários, ela contribuiu para o declínio do positivismo e do estruturalismo. Por conseguinte, a "virada cultural" diz respeito a um conjunto de coisas muito diversas e provavelmente contraditórias entre si, porém ela tende a acentuar outros objetos e outras abordagens não muito privilegiados pelas ciências sociais até então. Aqueles que nela se reconhecem julgam reducionistas as abordagens estreitamente econômicas ou sociológicas. Eles exercem uma vigilância crítica sobre os riscos do etnocentrismo e mais genericamente sobre os vieses identitários de que nossas próprias abordagens podem comportar, alargando assim a tomada de consciência dos limites das pré-noções que os pesquisadores adotam de maneira ingênua e que não são, senão frequentemente, a transposição de preconceitos (prejulgamentos) de seu grupo. Eles insistem sobre a importância das representações, do imaginário, dos discursos, dos sistemas de signos no funcionamento e nas dinâmicas das sociedades. É todo esse movimento que Chris Philo7 7 PHILO, Chris. More words, more worlds: reflections on the 'cultural turn'and human geography. In: COOK, Ian, et al. Cultural turns/geographical turns: perspectives on cultural geography. Upper Saddle River, Prentice Hall, 2000. resumiu na fórmula "More words, more worlds". Mesmo que seja difícil fazer um julgamento global sobre o conjunto das produções que reivindica essa orientação, pode-se ainda assumir o risco de afirmar que como nova maneira de revisitar o conjunto dos objetos das ciências sociais, a virada cultural contribuiu no progresso de nossos conhecimentos, seja para "modernizar", no sentido de uma maior consciência da especificidade da vida dos homens em sociedade, ou para "humanizar as ciências humanas"8 8 DOSSE, François. L'empire du sens: l'humanisation des sciences humaines. Paris, La Découverte, 1995. . Por exemplo: considerando os historiadores pode-se tomar o caso de dois pesquisadores reconhecidos, Hayden White9 9 WHITE, Hayden. Metahistory: The historical imagination in nineteenth-century Europe. Baltimore, Johns Hopkins University Press, 2014. e Lynn Hunt10 10 HUNT, Lynn A. Politics, culture, and class in the French Revolution.Berkeley, Univ. of California Press, 2004. , que aderiram à virada cultural. O primeiro procurou demonstrar que os discursos dos historiadores podiam ser analisados com as ferramentas da crítica literária. Ele foi lido com interesse por Paul Ricœur em Temps et récit. O segundo renovou as abordagens da Revolução Francesa utilizando a noção de "cultura política" e repolitizou com os recursos da antropologia a leitura do evento. Os dois, incontestavelmente, trouxeram alguma coisa de útil e de importância ao nosso conhecimento nesses domínios.

De maneira similar, pode ser dito que os trabalhos que se inscrevem na geografia cultural participam da renovação da geografia. É possível, por exemplo, considerar que o interesse pelas identidades espaciais, às vezesenunciado pelos termos "place" (em inglês) e "territoire" (em francês), é um efeito útil dessa emergência. Desde o surgimento da geografia cultural, a revista francófona Géographie et Cultures explorou uma larga paleta de novos temas de pesquisa, que fazem, de agora em diante, parte do patrimônio dos geógrafos. É também o caso do discurso inaugural nesse domínio, apresentado por Paul Claval11 11 CLAVAL, Paul. La géographie culturelle. Paris, Nathan, 1995. . O mesmo pode ser dito da produção alemã, que atribui um significado bastante aberto, e frequentemente inovador, ao termo "cultural" (ver, por exemplo, Gebhardt, Reuber, Workersdorfer12 12 GEBHARDT, Hans; REUBER, Paul & WOLKERSDORFER, Günter (Ed.). Kulturgeographie: aktuelle ansätze und entwicklungen. Heidelberg, Spektrum Akademischer, 2003. ). Nos dois casos, somos tentados a dizer que o que une os trabalhos que receberam a chancela da geografia cultural foi, antes de tudo, uma abertura temática em relação aos grandes debates das ciências sociais. Portanto, não é surpresa que o presidente da comissão de Geografia Cultural da União geográfica internacional (UGI) seja um epistemólogo e um teórico de destaque, Benno Werlen13 13 WERLEN, Benno. Op. cit. , para quem o "cultural" é apenas uma maneira, entre outras, de pensar e de se exprimir como geógrafo contemporâneo.

O ponto de vista crítico sobre a geografia cultural que desenvolvo nesse artigo se refere, portanto, menos ao conteúdo e mais sobre o "continente". Nele, questiona-se a utilidade de recorrer ao vocábulo "geografia cultural" para especificar e dar coerência a certo número de inovações problemáticas e temáticas no interior da disciplina geográfica. É admissível pensar que esse gênero de questionamento crítico tenha pouco interesse. Poderia se objetar, inclusive, que pouco importa os agregados e as denominações se os trabalhos são bons. Tentarei mostrar que as coisas não são tão simples e que as formas de recortar os domínios do saber produzem efeitos sobre a substância do saber. Desenvolverei esta reflexão sobre três planos distintos: 1. A análise das relações da "geografia cultural" com a geografia em seu conjunto; 2. Uma leitura crítica da escolha da palavra "cultura" para designar um novo domínio; 3. Uma interrogação sobre os usos políticos da noção de "cultura".

2. Ramos

Um ramo nos dá frutos ou oculta a luz? A geografia cultural é um ramo que se toma por uma árvore ou uma árvore que se disfarça de ramo? Tais são as questões que merecem, em minha opinião, serem colocadas.

Recuemos até o início do processo de formação de um novo ramo científico que tem a vocação de se institucionalizar (nos níveis nacional e mundial), nos colóquios e nas organizações profissionais, nas biografias dos pesquisadores, nos títulos dos cursos, nos manuais, nas palavras-chave dos artigos... Esse tipo de ramificaçãoé realmente útil à pesquisa? Não contribui para enrijecer ainda mais os recortes disciplinares, em vez de expandi-los? Não é justo pensar que esses recortes já estão excessivamente presentes nas ciências sociais? Eles não produzem igualmente o efeito perverso, sob a cobertura de modificações de fronteiras entre domínios, de relegitimar o mapa "geopolítico" da disciplina, com todos seus "Estados" preexistentes, obsoletos como eles são?

Se tomarmos o caso da "geografia do turismo", se constata que, durante decênios, esse ramo produziu uma literatura medíocre situada entre os setores menos teóricos da geografia e bastante desconectada das outras ciências sociais. Foi quebrando esse ramo que a atividade dos geógrafos sobre o turismo melhorou. No mundo francófono isso se fez graças aos trabalhos da equipe MIT14 14 EQUIPE, M. I. T.; PARIS, Francia & DUHAMEL, Philippe. Tourismes 1: lieux communs. Paris, Belin, 2008. 15 15 EQUIPE, M. I. T. Tourismes 2. Moments de lieux. Paris, Belin, 2005. , nos quais se construiu um conceito de turismo que se revelou bem centralizado no interior das problemáticas do habitar. Desespecializando-se os pesquisadores em turismo se viram envolvidos nos grandes debates realizados na geografia em torno de termos, tais como cotidianidade, alteridade, mobilidade, historicidade dos lugares, patrimônio, capital espacial etc. Eles tiveram, a partir disso, ideias consistentes para trocar ideias — enquanto geógrafos — com os sociólogos, os antropólogos ou os economistas interessados pelo turismo. Esta mutação contribuiu assim para desestabilizar uma partilha territorial conservadora entre os ramos da geografia definidos segundo recortes empíricos não problematizados. Deve-se, então, perguntar se, na maior parte do tempo, não é preferível ao invés de fixar um ramo e criar uma identidade coletiva estabilizada, se declarar geógrafo tout court interessado por tal objeto, por tal problema ou mesmo de se apresentar como um cientista social trabalhando sobre a dimensão espacial das sociedades16 16 LÉVY, Jacques. Le tournant géographique: penser l'espace pour lire le monde. Paris, Belin, 1999. 17 17 LUSSAULT, Michel & LÉVY, Jacques. Dictionnaire de la géographie et de l'espace des sociétés. Paris, Belin, 2003. .

No caso da geografia cultural, sua aparição não teria contribuído, por outro lado, para proteger do espírito crítico todos os setores que identificamos, correto ou erroneamente, como apenas complementos na geografia? Poder-se-ia assim imaginar que a geografia cultural está sendo utilizada como uma "válvula de segurança" ou um "transbordamento" para uma geografia empirista, um refúgio para aqueles que nada compreendem de matemática e finalmente o resgate in extremis de uma geografia positivista já exaurida que um "acordo de cavalheiros" entre caciques teria trazido de volta: você se ocupa dos "fatos", eu, dos "discursos"; eis um cenário-catástrofe, que se tornaria possível pela prática da ignorância polida e da tolerância superficial, práticas essas pouco compatíveis com o debate argumentado e de contraposições que a abordagem científica exige. Esse gênero de atitudes, entretanto, faz em parte o sucesso da geografia institucional em numerosos países. Pode-se estar seguro que, a despeito da vontade de alguns de seus promotores, a geografia cultural não estaria sendo instrumentalizada por um casamento de conveniência entre projetos antinômicos?

A resposta a essa questão depende parcialmente do valor intrínseco da emergência de um novo subconjunto. Todavia, no caso da geografia cultural uma complicação suplementar surge da dificuldade em situa-la no método multidimensional de recortar as disciplinas. A geografia cultural é um ramo da geografia, uma geografia dos fenômenos culturais ou o estudo do componente cultural do espaço das sociedades? Ou é, sobretudo, um programa de trabalho, um projeto para o conjunto da geografia, até mesmo um novo paradigma, que consiste em considerar que o espaço que os geógrafos têm que estudar é cultural e nada mais? Uma nova parte do todo ou um novo olhar sobre o todo? Quando se colocam essas questões àqueles que reivindicam o rótulo, a resposta que se obtém mais correntemente é "um pouco os dois", o que não é satisfatório para aqueles que pensam que uma das especificidades do trabalho científico consiste em explicitar enunciados de maneira unívoca.

Esse problema já havia ocorrido na história da geografia quando emergiram, mais ou menos no mesmo momento, as correntes da "geografia social" (sobretudo na França) e da "análise espacial" (no mundo anglófono, com um significado específico entre os francófonos). No primeiro caso, poderia se perguntar se "social" quer dizer "em relação com a vida dos homens em sociedade" — e nesse caso "geografia social" quer dizer simplesmente "geografia humana" e quer dizer, claramente, "geografia"... — ou se se trataria da intersecção entre geografia e sociologia, da mesma maneira que a geografia política trabalha a intersecção entre geografia e ciência política? No segundo caso, se trataria de uma geografia profundamente renovada por uma abordagem sistemática e formalizada, em oposição à velha "ciência de síntese", "excepcionalista" e literária, ou de um conjunto de técnicas de tratamento estatístico de dados e de "cartografia automática"? "Um pouco os dois", seria a resposta para aqueles que tentam definir esses casos com precisão. Há sem dúvida uma verdade nesses "um pouco dos dois". Quando se abrem novas pistas, mesmo numa área em aparência bem circunscrita, isso pode ter, passo a passo ou por encadeamento, consequências sobre o conjunto de um campo de conhecimentos. Uma recomposição geral, então, se produz e isso que era apenas uma nova temática ou um novo método, torna-se uma nova escola de pensamento com ponto de vista próprio, que incide sobre o conjunto da agenda de pesquisa de uma disciplina. No entanto, essa mudança deve ser, num momento dado, pensada, enunciada e assumida.

A suspensão durável de uma clarificação desse gênero não é provavelmente derivada do acaso ou de uma negligência. A hipótese que se pode formular é que, nos dois casos, se trata sobretudo de uma dinâmica orientada pelo estatuto da escola de pensamento que é gerida de maneira tangencial em razão das deficiências intelectuais do projeto. Seus mentores, sentindo as fragilidades do projeto para se afirmar enquanto tal, preferem protegê-lo com seus aspectos menos contestáveis, tais como a abertura de novos temas ou o controle de novas técnicas.

Se a "geografia social" não for senão um novo nome para a geografia-ciência social do espaço das sociedades, dificilmente se verá interesse nessa nova rotulagem. Por outro lado, se o objetivo for criar uma "geografia sociológica", isso supõe a necessidade de uma disposição para o contato sério e aberto com a sociologia, disciplina essa que possui uma gama considerável de trabalhos (notadamente toda a sociologia urbana desde Georg Simmel e a Escola de Chicago) que se interessa pelo espaço. Entretanto se, ao menos na França, a "geografia social" fez recentemente um movimento em direção aos sociólogos, anteriormente e durante longo tempo, ela permaneceu replicada no interior do seu domínio reservado, receando, não sem razão, não sobreviver face ao contato com uma sociologia dotada de um excelente instrumental teórico.

Por sua vez, se a "análise espacial" era somente um conjunto de técnicas ou mesmo de métodos, estes puderam ser vantajosamente incorporados numa gama mais ampla, se abrindo, no mesmo momento, aos métodos qualitativos, o que foi feito por um bom número de pesquisadores, que de repente não viram o interesse de se manter identificado com um grupo definido por esse único aporte. Mas, se se trata de fundar uma nova escola de geografia, a provisão teórica para esse caminho da "análise espacial", marcada por um forte componente positivista e estruturalista e por uma ambiguidade sobre o pertencimento da geografia no campo das ciências sociais, não é suficiente, pois ela vai na direção oposta das abordagens que orientam tendencialmente os geógrafos mais inovadores.

Assim como a geografia social e a análise espacial, e por razões comparáveis, os promotores da geografia cultural preferiram permanecer no escuro. O problema de fundo aqui é a definição da palavra "cultura". A geografia cultural poderia muito bem ser vista como um ramo particular, abrindo novos domínios de pesquisa, mas tendo a modéstia de não ser senão um componente de uma abordagem mais geral. Se a geografia cultural corresponder à intersecção entre geografia e antropologia, vamos nos encontrar no interior de uma situação controlável. Entre as produções francófonas, tal era o projeto de Joël Bonnemaison18 18 BONNEMAISON, Joël. Les fondements géographiques d'une identité(L'archipel du Vanuatu. Essai de géographie culturelle. Livre II, Les gens des lieux: histoire et géosymboles d'une société enracinée: Tanna). Paris, ORSTOM, 1997. , que posicionava claramente seu trabalho como uma exploração do componente espacial da antropologia estrutural. Todavia, ele permaneceu bastante solitário nessa abordagem. Com uma orientação comparável, mas com outro princípio de recorte, pode-se definir a cultura como a dimensão ideal das produções e consumos cognitivos (ciências, técnicas, artes...). Foi o que propôs, por exemplo, Boris Grésillon19 19 GRÉSILLON, Boris. Berlin, métropole culturelle. Paris, Belin, 2002. e isso não parece ter suscitado um entusiasmo espetacular entre os "geógrafos culturais". As produções francófonas recentes da geografia cultural vão no sentido de um alargamento muito significativo: cultura é tomada como o contrário denatureza — como, classicamente, no vocabulário da antropologia americana. É o caso da definição proposta por Paul Claval20 20 CLAVAL, Paul. Qu'apporte l'approche culturelle à la géographie?. Géographie et cultures, n. 31, p. 5-24, 1999. da especificidade da abordagem cultural em geografia: a atenção às "condições de materialidade, de historicidade e de geograficidade de todo fato humano e social". Reencontra-se aqui a mesma dificuldade encontrada na "geografia social": será que não se criou um apêndice inútil, pois pleonástico? A "geografia cultural" torna-se (finalmente) a geografia em seu conjunto. Se, de fato, a cultura se referir a outra coisa, que não é nem parte dos fenômenos sociais, nem sua totalidade, essa postura colocará evidentemente muitos problemas não resolvidos. Esse ponto será abordado no segundo momento desse texto.

Em todo o caso, a falta de clareza sobre o estatuto de um objeto, ao mesmo tempo intelectual e institucional novo como a "geografia cultural", é prejudicial, pois isso lança um véu sobre o regime de verdade no qual ela se situa. Ou é um regime histórico que se inscreve na crônica das correntes de pensamento se sucedendo na história do pensamento ou interagindo numa conjuntura dada e, nesse caso, a geografia cultural tem uma existência localizável pelas produções que dela se reclamam ou que aqui se situam mais implicitamente. Porém, essa existência não lhe dá por si mesma nenhuma legitimidade cognitiva. Ou é um regime teórico quese situa na perspectiva de uma coerência sincrônica do saber. Nesse caso, é preciso então dar as justificativas convincentes para esse novo recorte, inclusive para a demonstração que o novo edifício teórico permite integrar os conhecimentos existentes, possibilitando, de fato, a inovação.

Daí a insatisfação: um ramo que se assume como árvore sem possuir raízes suficientes para crescer corre o risco de ser não mais que um arbusto frágil disfarçado de árvore e sobrevivendo apenas pela flexibilidade e, no fundo, pela inconsistência de seu tronco.

Coloquemos agora em perspectiva o processo que se desdobra sob o nome de "ciências cognitivas". Sob o pretexto de abrir um novo domínio científico que vai tirar partido das inovações tecnológicas, alguns autores das neurociências desenvolveram mais claramente uma "postura hostil" em relação às ciências sociais do indivíduo, levando-a até o projeto global das ciências sociais. Logicamente, essa nova orientação não é, de qualquer maneira, especificamente "cognitiva", já que ela propõe também, sob diferentes rótulos, uma "biologia das emoções". Essas pesquisas cognitivo/afetivas são na realidade, nada mais que um novo paradigma epistemológico. Sobre a base de novas aquisições em relação aos conhecimentos sobre o cérebro, aproveitando a má ancoragem das ciências do psiquismo no interior das ciências sociais e provavelmente também as dificuldades que as ciências sociais experimentam para abordar certo número de questões, se trata, sobretudo, no fundo, do relançamento de um velho reducionismo. A aposta é um novo recorte de primeira ordem dos saberes, que pretende localizar a inteligibilidade do conjunto dos "comportamentos" humanos no interior das ciências da vida (das ciências biológicas). Aqui não é o lugar de discutir esse paradigma. Mas se destacará somente a diferença entre a etiqueta (rótulo ou novo ramo) e o projeto (um novo paradigma) e o fato que a primeira permite às fragilidades epistemológicas do segundo passarem parcialmente despercebidas.

3. Culturas

O "cultural" constituiria um campo de conhecimentos pertinente? Responder a essa questão exige um debate lexicológico vertiginoso, que poderia nos levar muito longe. A palavra "cultura" é, com efeito, terrivelmente polissêmica. O que podemos dizer, entretanto, é que a geografia cultural assume muito frequentemente essa polissemia sem procurar reduzi-la, o que não é um bom sinal.

Num artigo muito crítico e, em seu conjunto, bem convincente, Don Mitchell21 21 MITCHELL, Don. There's no such thing as culture: towards a reconceptualization of the idea of culture in geography. Transactions of the Institute of British Geographers, p. 102-116, 1995. mostra a opacidade e a fragilidade das diferentes definições da palavra "cultura" na geografia cultural. Constando que os autores navegam entre várias definições entre as quais não conseguem se definir e que em seus enunciados encontram-se noções particularmente confusas — tais como thing, sphere, level, medium (p. 109) — ele deduz que a palavra "cultura" é "a convenient term for myriad activities we do not know how to classify otherwise" (p. 106). Sobre a geografia cultural, conclui que ela continua a ser incapaz de teorizar seu objeto (p. 104). Suas críticas concorreram para denunciar o fato de que os usos da palavra "cultura" têm frequentemente por efeito substancializar o relativo e o relacional e fixar fronteiras no lugar de levar em conta as dinâmicas e as contradições das situações. É também essa reificação que Wolf-Dietrich Sahr 22 22 SAHR, Wolf-Dietrich. Der Cultural Turn in der Geographie-Wendemanöver in einem epistemologischen Meer. In: GEBHARDT, Hans; REUBER, Paul & WOLKERSDORFER, Günter. Op. cit. aponta em sua crítica sobre a falta de atenção dos "culturais" às realidades moventes ou latentes e aos objetos imateriais que ele julga fundamentais na compreensão das lógicas sociais.

Uma das pistas que podem ser seguidas para tentar compreender as razões desse impasse consiste em partir do senso comum mais banal, nos limites do acadêmico e do popular, da palavra "cultura". É preciso, então, se lembrar que o cultural turn [a virada cultural] é mencionado primeiramente em inglês e que, nessa língua, a palavra cultura tende a possuir um sentido muito extenso. Cultura é de fato próximo do francês [ou do português, N. do T.] "sociedade", com a condição que essa sociedade comporte uma dose importante de alteridade em relação àquela do locutor. Costuma-se dizer "In this culture..." para significar "Nessa sociedade..., nesse país..." e não somente "nesse tipo de sociedade", "nessa civilização", como tendemos compreender em uma tradução apressada. Mas, então porque não dizer simplesmente "sociedade" ("society")? Tentemos fazer a "tradução" conforme o espírito do Vocabulaire européen des Philosophies23 23 CASSIN, Barbara. Vocabulaire européen des philosophies: dictionnaire des intraduisibles. Paris, Le Robert, 2004. : o objetivo dessa obra consiste em explorar certo número de noções sem mascará-las; ao contrário, dando destaque ao fato de que elas mudaram, um pouco ou muito, de sentido, de um universo linguístico para outro. A análise dessas "cognições situadas" bem que poderia se inscrever numa geografia da cultura...

No dia 31 de outubro de 1987 numa entrevista à revista feminina Women's Own, Margaret Thatcher estigmatizou aqueles que criticavam sua política acusando-os de manipular noções vazias, puramente ideológicas e desvinculadas da vida concreta, com o objetivo de tudo demandar ao Estado, argumentando:

I think we've been through a period where too many people have been given to understand that if they have a problem, it's the government's job to cope with it. "I have a problem, I'll get a grant". "I'm homeless, the government must house me". They're casting their problem on society. And, you know, there is no such thing as society. There are individual men and women, and there are families. And no government can do anything except through people, and people must look to themselves first. It's our duty to look after ourselves and then, also to look after our neighbor. People have got the entitlements too much in mind, without the obligations. There's no such thing as entitlement, unless someone has first met an obligation24 24 Várias versões desse texto, ligeiramente diferentes umas das outras, estão disponíveis na internet. O citado provém de <http://goo.gl/3OwW>. Podemos também nos referir à versão do site da Margaret Thatcher Foundation (Disponível em <http://goo.gl/CLyzVo>) 25 25 "Eu acho que nós já passamos do período no qual várias pessoas entendiam que, se elas têm problemas, é função — responsabilidade — do governo lidar com eles. 'Eu tenho um problema, eu vou conseguir uma bolsa — uma ajuda'. 'Eu sou sem-teto, o governo deve me abrigar'. Elas estão lançando seus problemas à sociedade. E, você sabe, não existe coisa alguma como essa tal sociedade. Há homens e mulheres individuais, e há famílias. E nenhum governo pode fazer nada a não ser através das pessoas, e as pessoas devem primeiro olhar para si mesmas. É nosso dever olhar antes para nós mesmos e, então, também olhar nosso vizinho. As pessoas têm direitos demais em mente, sem obrigações. Não há tal coisa como direito, a menos que alguém tenha primeiro cumprido uma obrigação." (N. do T.) .

Lendo esse texto, se é afetado pelo fato de que a acusação feita contra os excessos, a partir de Thatcher, do Estado-providência e dos "direitos-naturais" (entitlements), se inscreve no quadro epistemológico de um individualismo metodológico duro, que nega a pertinência de toda sociabilidade do social. Ora, essa ligação não era nada necessária para a demonstração dos tais "excessos". Ela é mesmo estranha vinda de um ator político, que por definição funda sua ação sobre as políticas públicas e sobre a produção de bens comuns por um governo, produção definida e legitimada por deliberação coletiva de cidadãos constituídos em soberanos pela lei, pelo voto e pela representação parlamentar. Por outro lado, procurando diminuir os engajamentos automáticos do Estado, Thatcher tomou o cuidado, durante seus mandatos, de preservar e mesmo de desenvolver as funções exclusivas do Estado, notadamente a polícia, a justiça e a defesa, indo mesmo até, em 1982, a enviar tropas ao outro lado do Mundo para manter a integração nacional26 26 Ilhas Falklands ou Malvinas? (N. do T.) . Todos esses elementos contribuem fortemente, através da política, a dar uma expressão concreta a uma realidade social que engloba por definição todas as outras e que constitui uma das dimensões até aqui não substituível: a sociedade tomada como um todo. Thatcher se situa assim numa contradição que nenhum político "continental", mesmo os mais próximos de suas ideias políticas, quiseram correr o risco de assumir. Poder-se-ia, certamente, imaginar uma convergência de um liberal-conservador "continental" como Thatcher para criticar o recurso ao bordão "é culpa da sociedade" a fim de justificar a irresponsabilidade dos indivíduos. Mas, a partir disso, chegar a contestar a pertinência do conceito de sociedade, se seria uma fronteira que ele provavelmente não cruzaria. Somente os extremistas, como os libertarians americanos poderiam apoiar a argumentação thacheriana. Thatcher, no entanto, se beneficiou durante um longo período de um vasto apoio e de uma forte legitimidade e todos os seus sucessores estão, até certo ponto, seguindo esse rastro.

Mais recentemente27 27 URRY, John. Sociology beyond societies: Mobilities for the twenty-first century. Londres, Routledge, 2012. trad. fr. Sociologie des mobilités: une nouvelle frontière pour la sociologie ? Paris, Armand Colin, 2005. e num registro muito diferente, o sociólogo John Urry publicou um livro de destaque, Sociology Beyond Societies. Nesse trabalho, ele mostra que as configurações territoriais fixas foram muito enfraquecidas pela emergência de uma grande variedade de mobilidades no interior de redes múltiplas. O autor constata que as fronteiras dos Estados não resistem aos novos modos de vida de escala mundial que caracterizam nossa época. Poderia se concluir dessa análise que nós assistimos a emergência de uma nova sociedade, de escala mundial; emergência que a lógica de "país" (território delimitado) não pode frear, nem mesmo enquadrar. Poder-se-ia, inclusive, titular esse livro como An Emerging Society. Não é o que fez o autor. Na escolha do título em francês, ele decidiu partir de seu subtítulo em inglês, insistindo sobre as mobilidades como objeto principal de sua reflexão. John Urry tem pouco em comum com Margaret Thatcher, a não ser sua nacionalidade britânica. O que Urry não gosta na palavra "sociedade" é, em boa parte, que esse vocábulo lhe pareça referir a um tipo único de agregado social representado, no caso, pelo Estado-nação.

Desse ponto de vista, podemos até lhe seguir, mas também podemos nos surpreender com o fato de que o conceito de sociedade seja levado desse modo para o turbilhão da globalização. Notemos que, inversamente, Thatcher acreditou firmemente na "nação" sem acreditar na "sociedade". Nada de fato nos obriga a ligar as duas noções. A emergência da noção moderna de sociedade, com Max Weber, Ferdinand Tönnies e Georg Simmel — com sua Gesellschaftlichkeit ("societalidade")28 28 De societal (N. do T.). — é pelo menos tão aplicável sobre a análise das sociedades locais urbanas quanto dos Estados-nação.

De fato, a partir das análises convergentes tratando tanto da mobilidade quanto da rejeição à "escala única" do nível nacional, o sociólogo alemão Ulrich Beck29 29 BECK, Ulrich. Qu'est-ce que le cosmopolitisme?. Paris, Aubier, 2006. concluiu sobre a emergência de um horizonte "cosmopolítico" — quer seja no delineamento das transações, das práticas coletivas, das identidades, da ação política; em suma de uma sociedade de escala mundial. Não se pode resumir tão rapidamente todo o debate que trata da natureza das configurações sociais que estão se estabelecendo no quadro da mundialização, mas pode se notar o viés teórico "anti-societal" de Urry. Imaginemos, por hipótese, que existiria na tradição anglófona das ciências sociais uma reticência em utilizar a palavra "sociedade", pois no espírito do empirismo realista é uma palavra que produz certo medo pela sua globalidade e sua abstração. Isso porque se desconfia das derivações cognitivas incontroladas que seu uso pode desencadear. Nesse contexto, a palavra "cultura" ofereceria um substituto que pode ser mais descritivo, mais preciso e concreto, como deve ser um trabalho de pesquisa realizado no interior da tradição etnográfica. Como disse Don Mitchell no artigo citado anteriormente, o sentido da palavra "cultura" não é, muitas vezes, tão afastado de "way of life" ["modo de vida"]: é um termo que exala modéstia, parecendo se contentar com as práticas concretas de indivíduos e grupos.

É preciso, evidentemente, ser prudente com esse gênero de hipóteses... culturalistas. O mundo da pesquisa se unifica mais e mais, enquanto que a expansão das produções em língua inglesa interdita — e interditará mais e mais — as generalizações simplistas. Por outro lado, os trabalhos anglófonos não têm a exclusividade dessa reticência em relação ao conceito de sociedade; tal que pode se fundar sobre diferentes argumentos. Assim, o sociólogo francês Alain Touraine30 30 TOURAINE, Alain. Une sociologie sans société. Revue française de sociologie, p. 3-13, 1981. rejeita esse termo (sociedade) explicitamente.

A ideia de sociedade é o principal obstáculo que impede o desenvolvimento das ciências sociais, já que elas repousam sobre a separação e, mesmo a oposição, do sistema e do ator, enquanto que a ideia de sociedade implica sua correspondência direta.

Segundo Touraine, essa noção conduz à representação do mundo social como um sistema, o que impede de se ter atenção sobre o que ele considera como o único objeto específico das ciências sociais, os "atores sociais". O que se pode dizer, entretanto, é que a escolha da palavra "cultura" no lugar da palavra "sociedade" pode se referir a uma postura teórica que era particularmente florescente até recentemente na tradição do empirismo anglo-saxão.

A partir do exposto, poderia se concluir que os inconvenientes específicos da palavra "cultura" são muito mais sérios no universo semântico, o que não se dá da mesma maneira com o conceito de sociedade. Isso significa que as geografias culturais "continentais" escapam, por uma parte, à censura que o uso da palavra "cultura" (num sentido amplo) carrega, numa fragilidade geral de orientação no conhecimento do social. A aparição da geografia cultural na França, por exemplo, não teve como efeito colocar em questão o lugar da geografia no seio das "ciências da sociedade". Ela teve, sobretudo, a vantagem de abrir novos campos de pesquisa e o inconveniente de confundir a relação entre geografia e antropologia.

No entanto, pode-se validar a ideia de que a palavra "cultura" é por vezes utilizada como um substituto frágil da palavra "sociedade". É preciso então se perguntar se é uma vantagem para a geografia apresentar-se dizendo que ela é uma ciência social, mas que ela se interessa, sobretudo pelas culturas mais que pelas sociedades. Minha resposta é: não, é um inconveniente. O termo "sociedade" parece-me aberto aos aportes do "cultural turn": uma sociedade inclui os modos de vida, as práticas coletivas, as dimensões ideais variadas e fundamentais. Uma sociedade pode perdurar num tempo longo e uma parte importante de suas lógicas pode muito bem escapar da consciência de alguns ou de todos os seus membros. Por outro lado, o uso da palavra "cultura" no lugar da palavra "sociedade" impede que se leve em conta a dimensão global, multidimensional e sistêmica de toda ação humana, realizada por um indivíduo. É, particularmente, o caso para a ação espacial, que não pode jamais se livrar seu componente político: habitar; é inevitavelmente interferir sobre o habitar de cada um e de todos. Escolher "cultura" em vez de "sociedade" produz um descolamento da política, como se fosse possível pensar o mundo sem a ela referir. Ora, essa postura já é uma "má inclinação" (uma "vocação negativa") dos geógrafos, cuja tendência foi historicamente seguir as variantes alemãs ou franco-britânicas, se transformando em engrenagens do Estado ao ponto de não mais percebê-lo.

Alusiva e evasiva como ela pode ser, a palavra "cultura" poderá sempre ser isenta de denotações explícitas que somos tentados a lhe atribuir. É especialmente sobre o plano das conotações que surgem os problemas. Cultura conota a comunidade contra a sociedade de indivíduos; a permanência contra o movimento histórico; a força das "estruturas" e a inexistência de atores sociais; a ausência do político e da globalidade do social; a divisão entra as ciências "nossas" e as ciências "deles". Poderia se acrescentar que — com seu contrário evidente, "natureza" — "cultura" nos faz correr o risco de passarmos ao largo de uma questão fundamental: a construção social da natureza, um conceito de ciências sociais que define como se dá a relação do social com o mundo biofísico.

Enfim, se queremos criar uma derivada (em analogia com o uso matemático desse termo) da palavra "sociedade", levando em conta as características mais fundamentais e mais duráveis de uma ou várias sociedades, o termo "civilização" — se retirarmos dele toda a significação hierárquica — é mais claro e mais preciso que "cultura".

Por todas essas razões, pode-se dizer que a geografia cultural chega um pouco tarde. É uma antropologia estrutural alargada que se aplica ao espaço. Durante esse tempo, os objetos de estudo das ciências sociais e as ferramentas para abordá-los mudaram. Relativamente confortável, sobretudo nas configurações sociais estáveis, a geografia cultural se encontra mal situada para abordar as interfaces conceituais que são os desafios do momento para as sociedades. São delas também as interações que constituem a pedra de toque da capacidade das ciências sociais darem conta desses desafios: ator-objeto-meio ambiente; individuo-comunidade-sociedade; dominância-produção-organização; situação-evento; acomodação-assimilação-integração; inibição-ativação; liberdade-responsabilidade; justiça-desenvolvimento; redistribuição-reconhecimento, e mais especificamente a propósito do espaço: local-mundial; copresença-mobilidade-telecomunicação; habitar-ser habitado; cidade compacta-cidade dispersa; identidade-alteridade... O risco é que, seriamente, a geografia cultural explore o conteúdo de gavetas cheias de riquezas, mas ali instaladas há certo tempo, segundo um design um pouco datado que impõe, talvez, a necessidade de se reconfigurar o móvel integralmente.

4. Culturalismos

A última objeção que se pode fazer à geografia cultural é que ela participa indiretamente de uma construção ideológica, sobre a qual ela não tem responsabilidade, mas à qual ela acrescenta, paradoxalmente, em razão de sua própria fragilidade intelectual, uma parte de sua legitimidade. A geografia cultural pode ser considerada como um apoio ao culturalismo?

Pode-se definir o culturalismo como uma concepção de sociedade que recusa a historicidade das identidades comunitárias. Nesse sentido, o culturalismo se opõe frontalmente a que se leve em conta a dinâmica dos mundos sociais, à ideia de que os indivíduos possam ser os atores dos mundos sociais e à ideia de que os indivíduos possam ser os atores plenos, de pleno direito. Em sua versão clássica, herdada da antropologia estrutural, o culturalismo naturaliza os agregados sociais aos quais são atribuídos "culturas". Hipostasia-se, assim, um predicado que esmaga o sujeito: um negro é um negro, uma mulher é uma mulher (quer eles gostem ou não). Essa concepção pertence ao mundo das ideologias e aqui não é o lugar de fazer sua crítica. Por outro lado, dada a indefinição de suas orientações, a geografia cultural não pode certamente ser reduzida ao culturalismo. Entretanto, não se pode negar que o culturalismo foi e permanece um dos panos de fundo e — para alguns — um dos objetivos do cultural turn [da virada cultural]. A questão que eu gostaria de colocar é, portanto, a seguinte: aceitando-se a denominação "cultural" em suas pesquisas, os geógrafos estão conscientes que podem contribuir para habilitar uma ideologia que não é necessariamente a sua e que, por outro lado, pode ser considerada como a antítese das exigências requeridas para uma pesquisa livre e contemporânea em ciências sociais?

Para dar um panorama mais concreto a esta questão, pode-se tomar o exemplo de um culturalismo particular: o multiculturalismo como orientação política.

Postulando uma ligação metodológica entre "cultura" (quer dizer, o pertencimento comunitário de origem) e "cidadania" (quer dizer, os princípios de construção institucional da sociedade política), o multiculturalismo introduz o horizonte de uma fragmentação da sociedade política. Reconheçamos de início que, ao instar da palavra "cultura", o multiculturalismo é um projeto político de geometria variável, recobrindo pontos de vista que podem ser antinômicos. A historiadora da educação Diane Ravitch31 31 RAVITCH, Diane. Multiculturalism: E pluribus plures. The American Scholar, v. 59, p. 337-354, 1990. opôs desse modo dois multiculturalismos: o "pluralista" (que ele defende) e o "particularista" (que ela critica). Através da palavra "multiculturalismo" pode-se tratar, por exemplo, de promover a diversidade mundial da cozinha (culinária), das músicas ou das línguas (o termo aparece pela primeira vez em 1957 para evocar... a Suíça). Ele consiste, nesse caso, numa valorização dos benefícios de exposição à alteridade, o que os partidários universalistas de uma sociedade-Mundo integrada (que se pode considerar como os adversários de princípio do projeto multicultural-particularista) caracterizam como seus desejos. Utiliza-se por vezes o termo para propor a integração suave e aberta dos migrantes numa sociedade que os acolhe (como se passou aos Estados Unidos quando o modelo do melting pot funcionou). O pertencimento comunitário pode então operar como um recurso provisório para ativar um processo que contribui para a invenção de uma cidadania comum e de identidades pós-comunitárias. É o sentido que teve, para uma boa parte, as políticas públicas que ostentavam o rótulo do multiculturalismo no Canadá. Aqui novamente se trata, no fundo, de uma abordagem contrária àquela da versão "dura" do multiculturalismo. Por outro lado, se o multiculturalismo implica a instalação e a coexistência durável, no seio de uma sociedade, de dispositivos políticos, de instituições jurídicas e de quadros éticos distintos, o multiculturalismo significa realmente "multisocietalismo": transformar uma sociedade em várias sociedades coabitando sobre a mesma extensão.

É isso que desejam, por exemplo, aqueles que, em Ontário, reivindicam a aplicação da charia (chari'a) em certos domínios do direito. Desde 1991, nessa província canadense, a lei sobre a arbitragem permite que a resolução dos litígios civis (notadamente os ligados ao casamento e a família) passe por um juiz não institucional que pode estabelecer, em princípio, qualquer formulação. No final de 2003, foi criado um Instituto islâmico de justiça civil, que seus promotores procuram legitimar no quadro dessa lei. Solicitada, Marion Boyd, antiga procuradora geral de Ontário, remeteu em dezembro de 2004 um relatório ao governo da Província que defendia essa demanda em nome do direito da comunidade muçulmana de utilizar, do mesmo modo que outras comunidades religiosas, a lei sobre arbitragens civis. A isso se seguiu um debate público animado no qual se presenciou a constituição de uma frente comum entre associações religiosas conservadoras judias e muçulmanas para defender o status quo. Por outro lado, a controvérsia colocou em confronto os militantes pela igualdade, originários de comunidades muçulmanas (como o iraniano exilado Homa Arjomand) que, baseados nos princípios éticos de referência universal, denunciam a faca de dois gumes que é o multiculturalismo, e os universitários (tal como o filósofo Will Kymlicka), partidários de um multiculturalismo fundado sobre os pertencimentos étnicos. Esse debate levou o governo federal canadense a afirmar sua intenção de suprimir os tribunais religiosos. Em 12 de setembro de 2005, o governo de Ontário finalmente retirou os litígios familiares da lista de questões que os tribunais de arbitragem poderiam tratar.

Lá onde a política tem por missão criar, provisoriamente, a unidade — colocando em cena os conflitos — e a democracia — demandando aos cidadãos que deliberem para procurar ultrapassar esses conflitos — o multiculturalismo divide, criando sociedades distintas — e por decorrência, produz territórios separados. Em sua versão mais radical, privado de suas ambiguidades e dos disfarces de tolerância que visam a torná-lo palatável, o multiculturalismo é uma ideologia do desenvolvimento separado, muito próxima daquela da apartheid, tal como foi teorizado e implementado pelos Afrikaners a partir de 1948 na África do Sul (sobre a filiação entre o apartheid e outras ideologias ver Dagorn e Guillaume32 32 DAGORN, R.; GUILLAUME, P. Howard et les pervers: une utopie sud-africaine. Historiens et Géographes, n. 379, p. 21-30, 2002. ).

A rejeição do multiculturalismo nos Estados Unidos que ocorre há duas décadas — e mais recentemente em países da Europa onde ele foi popular, como nos Países Baixos e no Reino Unido — se fez acompanhar da ascensão de um contra-comunitarismo estatal, particularmente marcado na França. O estatismo é, com efeito, outra ideologia comunitarista e não é sua pretensão o universal (um universal bastante "situado", que irá mudar qualquer coisa). Multiculturalismo e nacionalismo estatal têm em comum o fato de recusarem a sociedade de indivíduos e as construções políticas voluntárias fundadas sobre a cidadania (Europa, sociedade-Mundo) e a recusar o "patriotismo constitucional" (segundo a expressão de Jürgen Habermas descrevendo a natureza da ligação política na Alemanha pós 1945). Ambos (multiculturalismo e nacionalismo estatal) são, a despeito de seus discursos, antidemocráticos, anti-igualitários e antinômicos em relação ao Estado de direito. A diferença entre o comunitarismo de Estado e os outros foi clara, durante muito tempo: o Estado pretende fabricar sua sociedade e não tolera outra sobre seu solo. Nesse desenho, ele brutaliza as sociedades "minoritárias", organizadas étnica ou territorialmente; ele sufoca as comunidades muito invasivas. O caso do "véu" na França, desde 1989 e, sobretudo no quadro da discussão da lei de 2003, mostrou que, quando, certo ou errado, o Estado sente-se ameaçado na sua exclusividade comunitária, ele não hesita em intervir sobre questões vestimentárias, um domínio que se pode considerar, numa sociedade de indivíduos, como pertencendo à esfera privada. Entretanto, pode-se pensar que o Estado, ao contrário dos outros comunitarismos, contribuiria para garantir a unidade da sociedade. Essa ilusão cai por terra quando se constata que a lógica do estatismo, quando alcança seu paroxismo, conduz ao esmagamento de toda a vida política numa sistema totalitário. Foi o Estado, ele próprio, nazista ou stalinista, que relançou sua identificação comunitária, racial ou classista e cortou diretamente no coração de sua própria sociedade, procurando abertamente eliminar as partes dessa sociedade que não correspondiam à definição que ele gostaria de impor.

Ulrich Beck33 33 Op. cit. mostrou de maneira convincente que o multiculturalismo pode ser lido como pertencente à mesma matriz que o nacionalismo, pois ambos são essencialismos. Um baseado no Estado, o outro nos princípios comunitários. O "nacionalismo metodológico" (Wimmer, Glick Schiller34 34 WIMMER, Andreas & GLICK SCHILLER, Nina. Methodological nationalism and beyond: nation-state building, migration and the social sciences. Global networks, v. 2, n. 4, p. 301-334, 2002. ) confunde os limites do Estado com aquele do Mundo e crê poder aplicar ao estudo de uma sociedade nacional particular os grandes princípios universais desterritorializados, produzindo uma geografia mundial como uma "pavimentação" de blocos nacionais, ainda mais rígida, porque, na verdade, é negada. Enquanto isso, o multiculturalismo admite a diversidade do planeta, mas fixa essa diversidade pela eternidade e recusa toda comparação sem a priori, entre as pedras do "mosaico". Essas duas maneiras de fazer do Mundo um puzzle imóvel nega, em um mesmo movimento, a historicidade e a capacidade dos atores humanos, individuais ou coletivos, de serem motores da dinâmica social. Também não é com os óculos do estatismo (ou de sua versão francesa, o "republicanismo"), que convém olhar o multiculturalismo, mas identificando a semelhança dessas duas paisagens. Essa distinção também tende a diminuir por si só, uma vez que o Mundo torna-se um espaço "interior" onde o desafio de superar os comunitarismos toca ao mesmo tempo as "nações" e as "culturas".

Nesse contexto, convém considerar com a mais extrema reserva esses híbridos muito específicos que o culturalismo produziu nas ciências sociais, em particular nos Estados Unidos: Women Studies, African-American Studies, Jewish Studies, Gay and Lesbian Studies, etc. Atribuindo uma subjetividade comunitária a toda uma família de trabalhos de pesquisa, mostrou-se, certamente, por um lado, a existência e o interesse de um campo de estudos durante longo tempo negado ou ignorado pela ordem intelectual existente. Talvez tenha sido um mal necessário, diante a resistência existente a certos temas, como mostra a falta de imaginação e de coragem da produção francófona nesses domínios até recentemente. Alguns geógrafos de expressão francesa, que desenvolveram pesquisas durante longo tempo no deserto sobre a espacialidade das mulheres nas sociedades contemporâneas, sabem como foi difícil. Mas, fazendo assim, jogou-se também o problema sobre a própria postura científica, limitando a liberdade de enunciados e a refutabilidade das proposições.

A "desocidentalização" da análise das sociedades deve ser sustentada, no mesmo sentido de quando dizemos que a música contemporânea desocidentalizou a música erudita, integrando os instrumentos, os intervalos e os timbres das músicas asiáticas, africanas, americanas e oceanianas quebrando os gêneros e tornando-se também "inassimilável" para todas as "culturas". As ciências sociais não endossam nenhum "nós" e elas não podem trabalhar essa utopia se assumem plenamente os múltiplos "eu" do pesquisador. Uma ciência não pode ser assumida por uma comunidade, não há "comunidade científica"35 35 Salvo se, como é frequente em inglês, dermos à palavra "comunidade" o sentido de "coletividade". Melhor, no entanto, nesse campo paradigmático confuso, escolher bem suas palavras. , pois felizmente, nós, pesquisadores, não entramos em ciência como se entra em religião. Nós conservamos sempre o direito dela sair, permanecemos plenamente indivíduos enquanto pesquisadores; caso contrário perderíamos toda consciência da existência de nossas motivações extracientíficas e seríamos automaticamente privados do necessário espírito crítico diante dessas motivações. Trata-se, ao contrário, de se trabalhar para lhes explicitar e lhes fazer passar, tanto quanto possível, do estatuto de constrangimento para o de recurso.

Enfim, os pesquisadores em ciências sociais devem poder fazer a diferença entre o fato de se colocar à escuta dos outros — nosso objeto de estudo — e o fato de se deixar intimidar por eles. Assim, a inteligência da alteridade passa inevitavelmente pelo reconhecimento da historicidade do conjunto das sociedades, inclusive daquelas cujos membros não as pensam historicamente. O regime de verdade do trabalho científico sobre as sociedades é reconstrutivo36 36 FERRY, Jean-Marc. Les puissances de l'expérience. Essai sur l'identité contemporaine: Les Ordres de la reconnaissance. Passages, 1991. . Ele integra as diferentes verdades provenientes das pesquisas passadas, mas também, em ciências sociais, as verdades nascidas da palavra dos humanos que ele estuda. Todavia, o modo de integração dessas verdades nos edifícios teóricos que a pesquisa visa construir não pode ser extraído dessas verdades. A construção de um "método" (mode d'emploi) para essa integração constitui o aporte criativo da abordagem científica, que surge de um projeto teórico e de uma metodologia explícita, o que supõe a autonomia e a liberdade do pesquisador face aos mundos que ele estuda.

A cultura universitária estadunidense não se limita, certamente, ao politicamente correto que muitas anedotas ridicularizam. Todavia é perigoso negar a existência de um risco, nesse país e em outros, de uma novilínguaautoritária, mergulhando suas raízes históricas e lógicas no puritanismo europeu dos séculos XVI-XVIII, que foi um coveiro do espírito crítico. Nessa "filiação" intelectual de facetas múltiplas — e não todas hostis ao conhecimento — existe uma tendência a opor uma boa naturalidade do mundo a uma má artificialidade dos homens e a pensar um futuro desejável como um retorno aquilo que não deveria jamais ser corrompido na mundanidade do vício. Assim como em 1525 na Alemanha, Thomas Müntzer pensava a igualdade social como um recomeço da história a partir de um Jardim do Éden no qual as diferentes espécies não conheciam nenhuma hierarquia, senão a submissão a seu comum criador, até mesmo algumas correntes das ciências sociais vão censurar as "falsas necessidades", o "superficial", o "condicionamento" e, em nome do respeito às "culturas", e opor o "jargão de autenticidade" — o mesmo que estigmatizou Theodor Adorno37 37 ADORNO, Theodor W. Jargon der Eigentlichkeit: zur deutschen Ideologie. Schlüsseltexte der Kritischen Theorie, p. 52, 1964. trad. fr. Jargon de l'authenticité. trad. E. Escoubas, Paris, Payot, p. 81, 1989. face à Martin Heidegger — a toda dinâmica social auto-organizada. Devemos concordar que a pesquisa não pode ser o fosso epistêmico numa fileira de fortificações destinadas a defender uma ordem preexistente, mesmo se for uma ordem "cultural" jamais existente. Os pesquisadores em ciências sociais devem se situar, pelo princípio do contrato ético que os liga à sociedade, do lado das "bruxas de Salem" e não do lado dos seus perseguidores.

A geografia cultural tem um sentido? Pode-se compreender essa interrogação ao menos de três maneiras: 1) possui uma significação pertinente? 2) possui uma orientação clara? 3) contribui, além dela mesma, no engajamento daqueles que se inspiram em seus trabalhos numa direção útil ? Minhas respostas a essas questões foram, sobretudo negativas.

Contudo, como foi alertado desde o início: essas reticências não concernem à qualidade dos trabalhos feitos em seu nome. O que precede deve ser, portanto, relativizado. Não há certamente caminho único — hoje mais do que nunca — para fazer avançar nossos conhecimentos. Todos são bem-vindos, caso se revelem eficazes. Eu apelei pela coerência. Eu não duvido que continuarei a convergir e a trabalhar de acordo com os pesquisadores que escolheram situar sua abordagem no seio da geografia cultural. Isso quando, principalmente, eles percebem nesse caso uma ferramenta suplementar para explicar e compreender a dimensão espacial das sociedades.

Os problemas que foram abordados aqui sob o ângulo da crítica epistemológica merecem certamente de ser aproximados no trabalho de pesquisa propriamente dito. Quando se trata de sociedades, do local ao mundial, será eficaz identificar um componente ou uma dimensão cultural; se sim, com qual definição? Quais são as lógicas específicas do cultural em comparação com os funcionamentos e as dinâmicas de conjunto das sociedades e de outras lógicas do social? Ou as culturas oferecem as alavancas específicas para transformar a relação de uma sociedade em relação a si mesma e em relação ao Mundo?

Fica a esperança que a discussão argumentada possa ajudar cada um a se livrar de etiquetas institucionais, a melhorar a qualidade de seus suportes teóricos e a mobilizar sua imaginação para tentar responder essas questões.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 1
    Tradução: Jaime Oliva, geógrafo, professor do Instituto de Estudos Brasileiros - USP.
  • 3
    Agradeço a Mathis Stock por seus conselhos e destaques, que me ajudam muito na redação desse texto.
  • 4
    « For [...] cultural geographers, any sign of human action in a landscape implies a culture, recalls a history, and demands an ecological interpretation. [...] The history of any people evokes its setting in a landscape, its ecological problems, and its cultural concomitants; and the recognition of a culture calls for the discovery of traces it has left on the earth» WAGNER, Philip & MIKESELL, Marvin. Reading in Cultural Geography. Chicago, University of Chicago Press, 1962, p. 23.
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    GRÉSILLON, Boris. Berlin, métropole culturelle. Paris, Belin, 2002.
  • 20
    CLAVAL, Paul. Qu'apporte l'approche culturelle à la géographie?. Géographie et cultures, n. 31, p. 5-24, 1999.
  • 21
    MITCHELL, Don. There's no such thing as culture: towards a reconceptualization of the idea of culture in geography. Transactions of the Institute of British Geographers, p. 102-116, 1995.
  • 22
    SAHR, Wolf-Dietrich. Der Cultural Turn in der Geographie-Wendemanöver in einem epistemologischen Meer. In: GEBHARDT, Hans; REUBER, Paul & WOLKERSDORFER, Günter. Op. cit.
  • 23
    CASSIN, Barbara. Vocabulaire européen des philosophies: dictionnaire des intraduisibles. Paris, Le Robert, 2004.
  • 24
    Várias versões desse texto, ligeiramente diferentes umas das outras, estão disponíveis na internet. O citado provém de <http://goo.gl/3OwW>. Podemos também nos referir à versão do site da Margaret Thatcher Foundation (Disponível em <http://goo.gl/CLyzVo>)
  • 25
    "Eu acho que nós já passamos do período no qual várias pessoas entendiam que, se elas têm problemas, é função — responsabilidade — do governo lidar com eles. 'Eu tenho um problema, eu vou conseguir uma bolsa — uma ajuda'. 'Eu sou sem-teto, o governo deve me abrigar'. Elas estão lançando seus problemas à sociedade. E, você sabe, não existe coisa alguma como essa tal sociedade. Há homens e mulheres individuais, e há famílias. E nenhum governo pode fazer nada a não ser através das pessoas, e as pessoas devem primeiro olhar para si mesmas. É nosso dever olhar antes para nós mesmos e, então, também olhar nosso vizinho. As pessoas têm direitos demais em mente, sem obrigações. Não há tal coisa como direito, a menos que alguém tenha primeiro cumprido uma obrigação." (N. do T.)
  • 26
    Ilhas Falklands ou Malvinas? (N. do T.)
  • 27
    URRY, John. Sociology beyond societies: Mobilities for the twenty-first century. Londres, Routledge, 2012. trad. fr. Sociologie des mobilités: une nouvelle frontière pour la sociologie ? Paris, Armand Colin, 2005.
  • 28
    De societal (N. do T.).
  • 29
    BECK, Ulrich. Qu'est-ce que le cosmopolitisme?. Paris, Aubier, 2006.
  • 30
    TOURAINE, Alain. Une sociologie sans société. Revue française de sociologie, p. 3-13, 1981.
  • 31
    RAVITCH, Diane. Multiculturalism: E pluribus plures. The American Scholar, v. 59, p. 337-354, 1990.
  • 32
    DAGORN, R.; GUILLAUME, P. Howard et les pervers: une utopie sud-africaine. Historiens et Géographes, n. 379, p. 21-30, 2002.
  • 33
    Op. cit.
  • 34
    WIMMER, Andreas & GLICK SCHILLER, Nina. Methodological nationalism and beyond: nation-state building, migration and the social sciences. Global networks, v. 2, n. 4, p. 301-334, 2002.
  • 35
    Salvo se, como é frequente em inglês, dermos à palavra "comunidade" o sentido de "coletividade". Melhor, no entanto, nesse campo paradigmático confuso, escolher bem suas palavras.
  • 36
    FERRY, Jean-Marc. Les puissances de l'expérience. Essai sur l'identité contemporaine: Les Ordres de la reconnaissance. Passages, 1991.
  • 37
    ADORNO, Theodor W. Jargon der Eigentlichkeit: zur deutschen Ideologie. Schlüsseltexte der Kritischen Theorie, p. 52, 1964. trad. fr. Jargon de l'authenticité. trad. E. Escoubas, Paris, Payot, p. 81, 1989.
  • LÉVY, JACQUES. Qual o sentido da Geografia Cultural?. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 61, p. 19-38, ago. 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2015
  • Aceito
    19 Jun 2015
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