Acessibilidade / Reportar erro

Acervo de pesquisa, memórias e mulheres: o Laboratório de Estudos de Gênero e História e as ditaduras do Cone Sul

Collection of research, memories and women: the Laboratory of Gender Studies and History and the Southern dictatorships

RESUMO

Este artigo apresenta a trajetória do Laboratório de Estudos de Gênero e História - LEGH, da Universidade Federal de Santa Catarina, bem como discute a importância de acervos acadêmicos de pesquisa para contribuir na disseminação de informações sobre o período das ditaduras civil-militares do Cone Sul. Todo o material coletado sobre gênero, feminismos e ditaduras no Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile, vem propiciando várias análises, utilizando-se das mais variadas fontes documentais e possibilitando um estudo comparativo a partir de diferentes pesquisas.

PALAVRAS-CHAVE:
Laboratório de Estudos de Gênero e História; acervo; gênero; ditaduras; Cone Sul

ABSTRACT

This article presents the trajectory of the Laboratory of Gender Studies and History - LEGH, Federal University of Santa Catarina, as well as discusses the importance of academic research collections to contribute to the dissemination of information about the period of civilian-military dictatorships of the Southern Axis. All the material collected on gender, feminisms and dictatorships in Brazil, Argentina, Paraguay, Uruguay, Bolivia and Chile, has provided several analyzes, using a variety of documentary sources and enabling a comparative study based on different researches.

KEYWORDS:
Laboratory of Gender Studies and History; collection; genre; dictatorships; Southern axis

Los archivos, materia y memoria, están llamados a

ocupar un espacio relevante en la lucha contra la

amnesia colectiva que afecta a nuestro pasado

reciente o remoto.

A frase que tomamos como epígrafe para nos aventurarmos a falar sobre a relação entre acervo acadêmico de pesquisa, memórias e mulheres está inscrita na parede de uma das salas do Archivo del Terror, em Assunção, no Paraguai. Embora a documentação sobre a qual vamos falar não caracterize um modelo clássico de arquivo e esteja muito mais próxima da discussão de acervos acadêmicos ou de centros de documentação e pesquisa, é a importância dos arquivos, como, por exemplo, o arquivo citado, que nos inspira. Chamado de Archivo del Terror, desde que foi descoberto em 22 de dezembro de 1992, o hoje Centro de Documentación y Archivo para la Defensa de los Derechos Humanos, que funciona junto ao Museo de la Justicia, apresenta-se como um espaço de memória da ditadura que o país viveu de 1954 a 1989, sob o comando de Alfredo Stroessner, e procura “promover a recuperação da memória histórica cidadã” (CORTE SUPREMA DE JUSTICIA, 2010). Seu acervo abriga diferentes documentos da inteligência do país e as comunicações das autoridades paraguaias policiais e militares, bem como documentos da chamada “Operação Condor”1 1 Operação de inteligência criada no Chile, com o apoio da Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai, que perseguia militantes de esquerda oriundos de qualquer um desses países, onde estivessem. Ver: Vera, 2002, p. 107. , contendo informações sobre outras ditaduras do Cone Sul, como as da Argentina, do Chile e do Brasil. Seu acervo documental (que inclui documentos comprobatórios de violação de direitos humanos) é considerado por muitos como um dos mais volumosos dos anos de repressão na América do Sul. A descoberta e o uso político desse acervo fizeram com que esses documentos ficassem conhecidos como “papéis que ressignificaram a memória do stronismo” (PAZ; AGUILAR; SALERNO, 2008PAZ, Alfredo Boccia; AGUILAR, Rosa Palau; SALERNO, Osvaldo. Paraguay: Los Archivos del Terror. Los papeles que resignificaron la memoria del stronismo. Asunción: Museo de la Justicia, 2008.). A ditadura de Stroessner é considerada uma das mais violentas do Cone Sul, e o impacto da descoberta do Archivo del Terror extrapola as discussões sobre a história da ditadura naquele país, mas infere também para as ditaduras de outros lugares da América do Sul. Assim, o significado dessa epígrafe, mesmo não inscrita em outras paredes, acompanhou nossas visitas em diferentes espaços de memória - arquivos, museus e centros de documentação e pesquisa no Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile. Na Tabela 1 podemos visualizar os períodos em que vigoraram essas ditaduras.

Tabela 1
Períodos ditatoriais dos países estudados. Dados extraídos de: Sader, 2006

Desde março de 2004, uma equipe de pesquisadoras/es do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)2 2 No início, as professoras Cristina Scheibe Wolff, Joana Maria Pedro e Roselane Neckel, juntamente com bolsistas de iniciação científica, mestrandas/os, doutorandas/os e pós-doutorandas/os. E, a partir de 2011, também começou a fazer parte da equipe a professora Janine Gomes da Silva. vem desenvolvendo, junto ao Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH), estudos que tematizam o período das ditaduras civil-militares no Cone Sul a partir de perspectivas de gênero. Essas pesquisas, inicialmente, procuraram constituir uma narrativa histórica sobre o período de ressurgimento do movimento feminista no Brasil, chamado de “Segunda Onda”, a partir de meados dos anos 1970, focalizando a maneira como, apesar da ditadura e dos preconceitos antifeministas, muitas mulheres e alguns homens começaram a se pensar como feministas no período de 1964 a 1985. Para tanto mapearam a maneira como essas ideias circularam; perceberam como foi o contato com a circulação de ideias do feminismo nacional e internacional; observaram os livros que o estavam divulgando; perceberam a participação em movimentos sociais e o contato com pessoas que influenciaram no sentido de constituir uma identificação com o feminismo. Também problematizaram a participação das mulheres e o uso do gênero e das emoções na resistência às ditaduras, seja em movimentos de luta armada, seja em organizações de direitos humanos, no Cone Sul. Todo o material coletado sobre o feminismo no Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile, a partir de diferentes pesquisas3 3 Entre outros, destacam-se os seguintes projetos: “Movimentos de mulheres e feminismos em tempos de ditadura militar no Cone Sul (1964-1989)”, “Do feminismo ao gênero - circulação de teorias e apropriações no Cone Sul (1960-2008)”, “Gênero, feminismo, mulher e mulheres: apropriações no Cone Sul (1960-2008)” e “Vidas clandestinas: relações de gênero na clandestinidade, um estudo comparativo no Cone Sul sobre apropriações de teorias feministas (1960-2008)”, coordenados por Joana Maria Pedro; “O gênero da resistência na luta contra as ditaduras militares no Cone Sul 1964-1989”, “Lágrimas como bandeira: emoções e gênero na retórica da resistência no Cone Sul” e “Políticas da emoção e do gênero na resistência às ditaduras do Cone Sul”, coordenados por Cristina Scheibe Wolff; “Espaços de memória. Arquivos e fontes documentais (re)significando as ditaduras militares (Brasil e Paraguai)” e “Gênero, memórias das ditaduras civis-militares e historiografia francesa sobre o Cone Sul (Brasil, Paraguai, Chile e Argentina)”, coordenados por Janine Gomes da Silva. Esses projetos tiveram apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). , vem propiciando várias análises, possibilitando um estudo comparativo com outros países, em especial aqueles do Cone Sul, que, como o Brasil, viveram períodos de ditaduras. Nesta comparação, observam-se como se constituíram os vários grupos feministas, como atuaram, suas relações com as ditaduras e os movimentos de resistência, seus processos de constituição, de identificação e de diferença, entre outros temas.

Trabalhamos com uma perspectiva de história cruzada ou comparada (HAUPT, 1998HAUPT, Heinz - Gerhard. O lento surgimento de uma história comparada. In: BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique (Org.). Passados recompostos. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1998, p. 205-213.) e, apesar de a maioria de nossas pesquisas viajar por todo o Cone Sul, nosso ponto de partida é a ditadura civil-militar brasileira, que, instaurada em 1964, marcou profundamente a história do país no século XX. Esse regime, iniciado por um golpe militar, estendeu-se até 1985 sob o comando de sucessivos governos militares, extremamente autoritários, que legislaram utilizando-se dos atos institucionais, como, por exemplo, o AI-5 (BRASIL, 1968), um dos mais terríveis, que impôs sérias restrições à participação política. E, quando fazemos referência a uma ditadura civil-militar, concordamos com pesquisadoras/es brasileiras/os que argumentam que fica “cada vez mais evidenciado uma responsabilidade ampliada pela existência do regime ditatorial, abrangendo, além dos militares, numa posição inegável de protagonismo, diferenciados segmentos civis” (REIS FILHO, 2015REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura no Brasil entre memória e história. In: MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org.). Ditaduras militares: Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. Belo Horizonte: UFMG, 2015., p. 240). O governo militar elaborou uma nova constituição em 1967 e dissolveu o Congresso Nacional. Com um discurso nacionalista e desenvolvimentista, essa ditadura teve uma importante popularidade na década de 1970, com o chamado “Milagre econômico”. Mas, associado ao nacional-desenvolvimentismo, houve uma forte repressão a todas/os aqueles contrários ao governo. Com um discurso de “impedir o comunismo” no país, o regime civil-militar reprimiu a liberdade de expressão, censurou, prendeu, torturou, matou, desapareceu e exilou homens, mulheres e crianças... Foi somente em 1979, com a revogação dos atos institucionais, que se encerrou o Estado de exceção (REIS FILHO, 2015, p. 238), o que não significou, nesse ano, o fim da ditadura, que perdurou até 1985. Os abusos de um “terrorismo de Estado” em nome da segurança nacional marcaram a história brasileira nos anos 1960-1970. Ousamos falar em “terrorismo de Estado”, pois, segundo muitos sobreviventes do regime, o que vivenciaram nas prisões e nas sessões de tortura foi um “terror”, mas também compartilhamos a análise de Catoggio Maria Soledad (2010SOLEDAD, Catoggio Maria. La dernière dictature militaire argentine (1976-1983): la conception du terrorisme d’État. Encyclopédie des violences de masse, 2010, p. 4-5. Disponível em: <http://www.sciencespo.fr/mass-violence-war-massacre-resistance/fr/document/la-derniare-dictature-militaire-argentine-1976-1983-la-conception-du-terrorisme-da-tat>. Acesso em: 20 set. 2017.
http://www.sciencespo.fr/mass-violence-w...
), que, ao pesquisar sobre a ditadura militar argentina, menciona a concepção de “terrorismo de Estado”. Ao falar sobre a Argentina - tortura, desaparecimentos e centros clandestinos de detenção -, podemos estender a análise para os países vizinhos do Cone Sul, como por exemplo o Brasil. Segundo Soledad (2010, p. 4-5), “De fato, a estratégia repressiva não foi estruturada em torno do sistema penitenciário, mas em torno de um sistema clandestino de detenção e desaparecimento de pessoas. Essa estratégia seria mais tarde chamada de ‘terrorismo de Estado’ [...]”4 4 Segundo Soledad (2010, p. 4-5 - tradução nossa): “De fait, la stratégie répressive n’était plus structurée autour du système pénitentiaire légal mais autour du système clandestin de détention et de disparition de personnes. Cette stratégie, qui serait conceptualisée par la suite comme un ‘terrorisme d’État’ [...]”. .

Contra a ditadura, muitas pessoas se juntaram em diferentes organizações políticas de esquerda. A clandestinidade e o exílio foram uma realidade para muitas/os. Ressalta-se que a circulação de pessoas contrárias aos regimes ditatoriais em seus países para outros países do Cone Sul também ocorreu nesse período. Nossas pesquisas mostraram que essa unidade de conjuntura foi marcada pela circulação de pessoas (militantes da resistência e simpatizantes dos regimes) e pela existência de relações entre os dirigentes desses países, evidenciadas pelo chamado Plano ou Operação Condor. E, especialmente sobre a clandestinidade, Joana Maria Pedro (2017_____. Viver o gênero na clandestinidade. In: ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira (Org.). História oral e história das mulheres: rompendo silenciamentos. São Paulo: Letra e Voz, 2017, p. 33-55. , p. 41) mostrou que as narrativas das pessoas que viveram essa experiência também são permeadas pelo gênero, pois as “mulheres viveram, da mesma forma que os homens, os perigos da clandestinidade, mas suas vivências e narrativas não são as mesmas, nem entre elas, nem na relação com os homens”.

E, quando presas/os pelas forças da repressão, a tortura foi uma prática muito utilizada. A tortura foi algo também muito presente nas experiências de mulheres e homens militantes. Aqueles que não chegaram a ser torturados certamente viveram o período com o medo da tortura. Para todos que a experimentaram, homens ou mulheres, foi traumática. Para as mulheres, nas suas memórias, a tortura quase sempre se reveste de um caráter também de violência sexual. Para começar, o primeiro ato era despir a prisioneira diante de vários homens. Insultos de cunho sexual, como “puta”, “vadia”, “vaca”, “vagabunda”, eram comuns. Isso não significa que os homens não sofreram abuso sexual. Muitas narrativas falam de torturas que focalizavam os órgãos genitais masculinos, mas a principal diferença é que eles raramente falam desses acontecimentos5 5 Em trabalho sobre “memórias ‘gendradas’” procuramos mostrar como as memórias das militantes da resistência dos diferentes países do Cone Sul são fortemente marcadas pelo gênero (WOLFF; PEDRO; SILVA, 2015). .

Assim, o medo, naqueles tempos sombrios, fez parte da história do Cone Sul. As estratégias usadas pelo terrorismo de Estado foram variadas e, de acordo com Caroline Silveira Bauer,

Por “estratégia de implantação do terror” entende-se o conjunto das práticas de sequestro, tortura, morte e desaparecimento, assim como a censura e a desinformação e suas consequências, principalmente a formação da “cultura do medo”. Essa estratégia pode ser entendida como “projetos”, em seu sentido consciente e racional, pois o terror, como forma de dominação política, foi uma “opção” dos civis e militares responsáveis pelas ditaduras e não uma “fatalidade” ou “imposição” conjunturais. (BAUER, 2012BAUER, Caroline Silveira. Brasil e Argentina: ditaduras, desaparecimentos e políticas de memória. Porto Alegre: Medianiz, 2012., p. 31).

Estima-se que no período em que o terrorismo de Estado assolou o Cone Sul, “desapareceram aproximadamente 90 mil pessoas, entre argentinos, chilenos, uruguaios e brasileiros” (BAUER, 2012BAUER, Caroline Silveira. Brasil e Argentina: ditaduras, desaparecimentos e políticas de memória. Porto Alegre: Medianiz, 2012., p. 29). No Brasil, oficialmente foram 434 casos de mortos e desaparecidos políticos (CNV, 2014). Sobre o período da ditadura brasileira, as mais diferentes temáticas vêm sendo pesquisadas. E os resultados apresentados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) continuam inspirando novas análises.

A CNV, criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012, tem como finalidade “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988” (BRASIL, 2011b). A criação da CNV representa um marco na nossa relação com o passado da ditadura. Mas alguns aspectos chamam a atenção, especialmente o fato de abarcar um período anterior à ditadura civil-militar (que começou em 1964), ter um caráter tardio em relação à criação das demais comissões criadas nos países do Cone Sul e não ter “caráter jurisdicional ou persecutório” (BRASIL, 2011b). Antes da criação dessa lei, outras medidas foram tomadas, como a Lei dos Desaparecidos (BRASIL, 1995) e a lei da Comissão de Anistia (BRASIL, 2002). E, em relação à Lei da Anistia, convém lembrar que a mesma, que concedeu perdão aos que cometeram “crimes políticos”, não resolveu os conflitos desse período tão violento, propondo, de certa maneira, uma conciliação, um perdão para esquecer, se pensarmos nas reflexões de Paul Ricoeur (2007RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Unicamp, 2007.).

O Brasil teve tardiamente a sua CNV, o que está relacionado com a forma da chamada transição democrática. Os arranjos políticos desde o fim da ditadura dificultaram uma legislação mais enfática, inclusive no que tange ao acesso aos arquivos da repressão. A abertura das informações sobre o período corria lentamente. Em 2009, no final do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010), foi depositado um projeto de lei que versava sobre o acesso à informação (LAI). A lei n. 12.527 foi promulgada em 18 de novembro de 2011 pela presidenta Dilma Rousseff (BRASIL, 2011b), que sucedeu a Lula. Na mesma data, a presidenta promulgou a lei que criou a Comissão Nacional da Verdade. No Brasil, diferente de outros países do Cone Sul, os arquivos da ditadura não estão reunidos em um fundo específico6 6 Especialmente sobre os arquivos da ditadura, ver: Rodrigues, 2015. .

Mencionar a Lei de Acesso à Informação é importante, pois a mesma garante suporte às pesquisas da comissão. De maneira geral, podemos dizer que a CNV trabalhou muito, mas muitos aspectos não foram contemplados7 7 Ao final do trabalho, o relatório encaminhado apresenta-se em três volumes: I - a criação da CNV e seus antecedentes históricos, as atividades da CNV, as estruturas do Estado e as graves violações de direitos humanos, métodos e práticas nas graves violações de direitos humanos e suas vítimas, dinâmica das graves violações de direitos humanos (casos emblemáticos, locais e autores) e conclusões e recomendações; II - é dedicado aos eixos temáticos: 1) Violações de direitos humanos no meio militar, 2) Violações de direitos humanos dos trabalhadores, 3) Violações de direitos humanos dos camponeses, 4) Violações de direitos humanos nas igrejas cristãs, 5) Violações de direitos humanos dos povos indígenas, 6) Violações de direitos humanos na universidade, 7) Ditadura e homossexualidades, 8) Civis que colaboraram com a ditadura, 9) A resistência da sociedade civil às graves violações de direitos humanos; III - trata sobre os mortos e desaparecidos políticos. Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/>. Acesso em: 28 mar. 2017. . Após a entrega do Relatório, em 10 de dezembro de 2014, foi criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, “estrutura administrativa temporária, à qual coube organizar o acervo produzido pela CNV ao longo dos seus dois anos e sete meses de atividade” (CNV, 2015). O acervo “reúne milhares de documentos, testemunhos de vítimas e familiares, depoimentos de agentes da repressão política, 47 mil fotografias, vídeos de audiências públicas, diligências e depoimentos, laudos periciais, livros, entre outros” (CNV, 2015). Também vale lembrar que uma parcela importante dos documentos faz parte do acervo da Comissão sob guarda do Arquivo Nacional e que,

[...] na constituição de seu acervo, a CNV recebeu documentos de comissões da verdade estaduais, municipais e setoriais, arquivos de familiares de vítimas da ditadura e documentos oriundos da cooperação com governos de países como Argentina, Alemanha, Chile, Estados Unidos e Uruguai. (CNV, 2015).

Para além das informações do mencionado relatório e das inúmeras pesquisas sobre esse período da história brasileira, uma vasta documentação poderá ser acessada, possibilitando futuras pesquisas. Também, nos últimos anos, uma série de comissões de memória e verdade foram criadas, em diferentes instituições, em vários estados do país. Diferentes universidades também buscam suas histórias do tempo da ditadura. Mas, convém lembrar, mesmo antes de termos acesso ao relatório, o LEGH vem contribuindo com a problematização de diferentes histórias das ditaduras, utilizando-se das mais variadas fontes documentais e a partir de diferentes abordagens metodológicas.

Muitas das pesquisas realizadas no LEGH já foram publicadas e despertam interesse de outras/os pesquisadores/as para acessar as fontes que coletamos. Com a publicação de vários trabalhos8 8 Além de artigos e capítulos de livros, destacam-se as coletâneas publicadas pelo laboratório. Ver: Pedro; Wolff, 2010; Pedro; Wolff; Veiga, 2011; Crescêncio; Silva; Bristot, 2017. , a equipe do LEGH vem contribuindo com diferentes reflexões sobre o período das ditaduras militares no Cone Sul e, ao mesmo tempo, acumulando um extenso acervo (coleção de documentos, periódicos, entrevistas realizadas a partir da metodologia da história oral, fotografias, entre outros). Neste momento, a documentação pesquisada apresenta uma mostra de diferentes tipos documentais que foram produzidos pelas ditaduras do Cone Sul. E, a partir de 2011, além de trabalhar com as questões de gênero presentes na pesquisa9 9 Sobre gênero e feminismos no Cone Sul, ver: Pedro, 2010, p. 115-137. , a diversidade da documentação abrigada no LEGH despertou o interesse em problematizar como essas fontes, de diferentes maneiras, podem contribuir para uma reflexão no campo da memória e do patrimônio, especialmente documental. Desse interesse, surgiu a preocupação em não apenas tratar das coleções formadas pela pesquisa referentes aos acervos das ditaduras do Cone Sul, mas em perspectivar a forma como diferentes acervos possibilitam narrativas para o tema das ditaduras ocorridas na América do Sul. E também começamos a organizar a documentação com vistas a disponibilizá-la no Repositório Digital da UFSC10 10 No momento estamos trabalhando na organização de toda a documentação para disponibilizar no Repositório Institucional (RI) da UFSC, que tem como missão “armazenar, preservar, divulgar e oferecer acesso à produção científica e institucional da UFSC” (UFSC, s. d.). .

Sobre o acervo do LEGH podemos, resumidamente, dizer que é composto de fotos digitais, fotocópias e documentos originais (geralmente recebidos como doação), de jornais e revistas feministas, jornais e panfletos de grupos de esquerda, partidos e grupos guerrilheiros, dos diferentes países pesquisados. Sobre a imprensa alternativa de esquerda, por exemplo, temos uma coleção de periódicos (nem sempre completa), com exemplares da Argentina (Izquierda e Estrela Roja), do Chile (Compañero) e do Uruguai (Vanguardia, Tupamaros, Marcha e Combate); sobre a imprensa feminista, periódicos da Argentina (Brujas, Todas, Persona, Mujeres: por fin nosotras), da Bolívia (La Escoba), do Chile (El Rebelde), do Paraguai (La Microfona e Enfoques de Mujer), do Uruguai (Ser Mujer, La Cacerola e Cotidiano Mujer) e do Brasil (Nosotras, Nós Mulheres, Chanacomchana, Mulherio). Salienta-se ainda a riqueza de informações presentes em um conjunto documental formado por folhetos, livretos, panfletos e informativos em geral, que abordam diferentes temas, tais como: políticas públicas para mulheres; direitos das mulheres; enfrentamento à violência contra as mulheres; mulheres e meio ambiente; representação política das mulheres; população e meio ambiente; população e desenvolvimento; direitos humanos; organização política - trabalhadores rurais; organização política - mulheres camponesas; organização política - organizações de esquerda; educação inclusiva; e movimentos e ações por memória, verdade e justiça. Também temos no acervo documentos de arquivos policiais, como as cópias do Brasil: Nunca Mais, do Arquivo do Terror do Paraguai e do Arquivo de La Plata, da Argentina, ou de arquivos como o da Anistia Internacional. E, ainda, cópias de documentos semelhantes ao Relatório Brasil: Nunca Mais, mas dos outros países do Cone Sul, bem como folders diversos sobre direitos das mulheres e eventos relacionados, no Brasil e no exterior. Dos diferentes países pesquisados, ao longo dos anos, trouxemos cópias de uma riqueza de documentos que inferem sobre grupos de trabalho de direitos humanos, como, por exemplo, do Chile: Centro de Documentação do Arcebispado de Santiago, Comité de Cooperación para la Paz en Chile, Comisión Interamericana de Derechos humanos, Agrupación Nacional de Familiares de Detenidos-desaparecidos.

Outro destaque para o nosso acervo é a biblioteca que fomos criando, aos poucos, para dar conta das pesquisas. A necessidade de conhecer as histórias e as particularidades dos diferentes países do Cone Sul que pesquisávamos nos levou a bibliotecas e livrarias. Atualmente, o LEGH conta com uma biblioteca de cerca de 1.500 livros, a maioria originais, com temáticas variadas que incluem organizações e partidos de esquerda, história desses países, história das mulheres, sexualidade, relações de gênero, história política, aspectos socioeconômicos, autobiografias e biografias de militantes, coletâneas de entrevistas e testemunhos, literatura relacionada ao período.

Mas, além de uma biblioteca especializada sobre a região estudada e dos documentos (originais e cópias) que compõem nosso acervo acadêmico de pesquisa, outra coleção que destacamos é a de entrevistas orais. Atualmente temos um acervo de cerca de 230 entrevistas realizadas com mulheres que foram militantes de esquerda ou feministas de todos esses países nos anos 1960, 1970 e 1980. A coleção também conta com algumas entrevistas realizadas com homens, mas bem poucas, as memórias que buscamos “salvaguardar” no LEGH são das mulheres.

Gênero e memória: algumas histórias

Como já mencionamos, o tema “gênero, feminismos e ditaduras no Cone Sul” inspira a maioria das pesquisas realizadas em nosso laboratório. Desse modo, gênero para nós é uma categoria teórica central e é, podemos dizer, a abordagem de gênero que a torna rica, que traz outras especificidades para as histórias das ditaduras que estudamos e que interliga as outras categorias metodológicas utilizadas. Entendemos gênero como categoria relacional e construção histórico-cultural (SCOTT, 1990SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, 15, n. 2, jul.-dez. 1990, p. 5-22.; PEDRO, 2005PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História, v. 24, n. 1, Franca, 2005, p. 77-98.; NICHOLSON, 2000NICHOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Revista Estudos Feministas, v. 8, n. 2, Florianópolis, 2000, p. 9-41.), mas também como prática discursiva e performativa que conforma subjetividades no contexto das relações sociais, políticas e culturais (BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.). Nesse sentido, compreendemos o feminismo como um movimento político, mas também como um conjunto de ideias que se desenvolve historicamente. Um movimento que deve sempre ser compreendido na sua historicidade e que tem uma relação intrínseca com as maneiras pelas quais o gênero tem sido fundamental na construção das hierarquias e maneiras de viver da sociedade ocidental. Desse modo, partir das memórias das mulheres nos parece ser o melhor caminho para a pesquisa, sempre relativizando e contextualizando essas memórias, buscando suas especificidades e motivações. Uma mostra dos temas de pesquisa e nomes de pessoas entrevistadas pode ser verificada no site do laboratório (UFSC, s. d.) - em mais de dez anos de pesquisas relacionadas aos feminismos e ditaduras no Cone Sul, criamos um acervo bem diversificado. Desde o início das pesquisas os projetos destacavam a importância de trabalhar com a metodologia da história oral.

No início, nossa ambição como historiadoras acostumadas a usar as fontes de arquivos era simplesmente fazer as entrevistas e usá-las como fontes. Aos poucos, porém, a pesquisa foi se avolumando. Além das entrevistas realizadas por nós mesmas, em diversas viagens a cada um dos países e no Brasil, muitas vezes aproveitando eventos acadêmicos para realizar as entrevistas que exigiam viagens, também passaram a ser adicionadas as entrevistas realizadas por estudantes de doutorado, mestrado e mesmo de graduação. No início das pesquisas, perspectivas como “memória/esquecimento/silêncio” para compreender os traumatismos do passado e a de “memória e identidade” poderem ser “negociadas”, como lembra Michael Pollak (1989POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989. e 1992), as reflexões sobre a “condição de vítima” sustentar reclamações e protestos, discutidas por Tzvetan Todorov (1998TODOROV, Tzvetan. Les abus de la mémoire. Paris: Arléa, 1998.), e a memória como sendo “elaborada” no tempo histórico e com sua porosidade e dinâmica sendo um “processo ativo de criações e significações”, como menciona Alessandro Portelli (1997PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Projeto História, São Paulo, n. 14, fev. 1997., 1998 e 2001), foram importantes para trabalharmos com a metodologia da história oral. Mas, aos poucos, a necessidade de compreender por que nem sempre as histórias e lutas feministas do período eram entendidas como parte importante dessa história, do cotidiano dos movimentos de resistência, por exemplo, nos levou a buscar compreender como muitas mulheres, dos diferentes países do Cone Sul, no momento das ditaduras, se identificaram com o feminismo e procuraram transformar a realidade que viviam. Aos poucos, como já mencionamos, fomos trabalhando com a perspectiva de uma memória “gendrada”. Ou seja, podemos dizer que a experiência de “ser mulher no movimento” também contribui para “genderizar” as memórias sobre as ditaduras. Nesse sentido, vale observar o diálogo que Luiza Passerini estabelece com o texto clássico de Joan Scott sobre o gênero como categoria de análise histórica e perceber como,

No processo de integração entre História e a história oral, gênero teve uma função, mas não como categoria central e dominante. Seu papel foi aparentemente mais modesto, no sentido que foi usado em sua forma verbal, gendering, que se poderia traduzir como “genderizar”, isto é, como uma operação para modificar ou redefinir as abordagens históricas existentes. Assim, em muitos casos, a história oral contribui fortemente com os esforços de “genderizar” a História. (PASSERINI, 2011PASSERINI, Luiza. A memória entre política e emoção. São Paulo: Letra e Voz, 2011., p. 99).

Ainda de acordo como Passerini (2011PASSERINI, Luiza. A memória entre política e emoção. São Paulo: Letra e Voz, 2011., p. 101), “Outra mudança para a qual a história oral contribuiu foi a necessidade de combinar, com maior frequência e atenção, o gênero como categoria de análise histórica com outras categorias de diferença”. As reflexões dessa autora são importantes para pensarmos no caráter “gendrado” das memórias. Em relação aos documentos textuais, por exemplo, essa questão já vinha sendo discutida há muito mais tempo, como, por exemplo, por Martha Ackelsberg, a partir de pesquisa sobre coletivizações anarquistas durante a Guerra Civil Espanhola, ao sublinhar que:

[...] uma vez que as organizações têm sido, na sua maioria, dominadas por homens, e que tais organizações têm “alimentado” os arquivos, a maioria das coleções de arquivos lida muito mais diretamente com atividade organizacional (e, portanto, amplamente masculina) do que com atividade extraorganizacional (em geral, amplamente feminina). Assim, aqueles que desejam perceber o retrato completo devem “ler nas entrelinhas”; devem utilizar-se de registros impressos, memórias e o que mais possa estar disponível além das fontes “documentais” mais tradicionais. Esse é um processo que foi veementemente empreendido por historiadoras feministas, [...] Nossas próprias definições de “luta” - bem como nossas definições de classe - têm sido orientadas pelo gênero.

Uma história social mais completa deve reconhecer as diferenças de gênero nas fontes assim como nas nossas definições do que merece ser estudado, a fim de apresentar a complexidade total desses eventos e atividades. (ACKELSBERG, 1996-1997).

Em nossas pesquisas já buscávamos fontes que não apenas dessem visibilidade às lutas das mulheres no período da ditadura, mas que problematizassem seus diferentes papéis, pois entendemos que a noção de gênero é um dos aspectos das relações sociais e que implica especialmente em hierarquias e relações de poder (SCOTT, 1990SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, 15, n. 2, jul.-dez. 1990, p. 5-22.). Desse modo a metodologia da história oral tornou-se fundamental para nos tornarmos mais atentas às experiências das mulheres, não para simplesmente incluí-las nos testemunhos e na história, mas como uma maneira de propor uma outra compreensão para a história, assim como observou Alejandra Oberti:

O desassossego pela perda dos entes queridos, o estupor ante a derrota dos ideais, mas também a consciência dos limites destas ideias, traçam uma memória que permite distanciar-se das versões instituídas, propor outras formas de relacionar-se com os fatos do passado e redefinir as dimensões com que se analisa o passado recente para estabelecer uma memória crítica. [...] habilitam a pensar novos vínculos entre o público e o privado, o pessoal e o político, por meio de um movimento que inscreve o geral no singular, o político no privado. Não tentam arrancar do esquecimento as mulheres que participaram dessas experiências para colocá-las em um panteão junto aos heróis, mas recuperam os gestos mais sutis, aqueles mais dificilmente representáveis. (OBERTI, 2010OBERTI, Alejandra. ¿Qué hace el género a la memoria?. In: PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe (Org.). Gênero, feminismos e ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Mulheres, 2010, p. 13-30., p. 28-29)11 11 “El desasosiego por la pérdida de los seres queridos, el estupor ante la derrota de los ideales; pero también la consciencia de los límites de esos ideales, trazan una memoria que permite distanciarse de las versiones estatuidas, proponer otras formas de relacionarse con los sucesos del pasado y redefinir las dimensiones con las que se analizan el pasado reciente para establecer una memoria crítica. […] habilitan a pensar nuevos vínculos entre lo público y lo privado, lo personal y lo político; por medio de un movimiento que inscribe lo general en lo singular, lo político en lo privado. No buscan a arrancar del olvido a las mujeres que participaron de esas experiencias para colocarlas en un panteón junto a los héroes, sino que recuperan los gestos más sutiles, aquellos más difícilmente representables” (OBERTI, 2010, p. 28-29 - tradução nossa). .

Propor outra compreensão para a história do período das ditaduras do Cone Sul que “inscreve o geral no singular, o político no privado” é, de certa maneira, se aproximar de outras metodologias de narrar histórias, com um olhar mais sensível para as emoções e subjetividades. Desde o início das pesquisas, nossas entrevistadas nos mostram o quanto suas histórias pessoais misturam-se às histórias de suas organizações políticas, de seus países. Nas narrativas, as subjetividades afloram, atribuindo outras nuances a fatos, por vezes, extremamente traumáticos. Margareth Rago, na obra A aventura de contar-se, ao problematizar as memórias de ativistas nascidas entre os anos 1940 e o início da década seguinte, nos lembra que:

[...] é de notar que suas memórias progressivamente passam a fazer parte de narrativas mais amplas que visam tanto dar conta de movimentos subjetivos ou de traumas pessoais vividos no contexto político autoritário quanto impedir que a esfera pública, esfera do visível e do dizível, seja circunscrita. Circulando publicamente, essas memórias individuais chegam a compor uma “memória emblemática”, coletiva, que permite o reconhecimento e a identificação de muitas outras mulheres - e não apenas de mulheres -, já que falam de um momento particularmente violento e dramático da vida política nacional. (RAGO, 2013RAGO, Luzia Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções de subjetividade. Campinas: Editora da Unicamp, 2013., p. 59).

As mulheres que entrevistamos para as pesquisas do LEGH, que muitas vezes vivenciaram a experiência da prisão, da tortura, do exílio ou da clandestinidade, a partir de suas narrativas - que muitas vezes apresentam processos coletivos atravessados por suas experiências pessoais -, nos apresentam diferentes versões para a história recente desses países durante as ditaduras. Assim, trazer essas histórias para nossos escritos é uma maneira de contribuirmos com uma historiografia que vem aprofundando as análises no campo dos estudos da memória e da metodologia da história oral. Análises que articulam subjetividade e política, ampliando o conceito de “testemunha”, como por exemplo, o trabalho de Susel Oliveira da Rosa (2013ROSA, Susel Oliveira da. Mulheres, ditaduras e memórias: “Não imagine que precise ser triste para ser militante”. São Paulo: Intermeios/Fapesp, 2013., p. 315-316), que ao escrever sobre a trajetória de três ex-presas e militantes infere que: “Refletir sobre os anos da ditadura no Brasil, problematizando as relações entre lembrança, esquecimento, testemunho e resistência, especialmente no que diz respeito às mulheres, significa ‘aportar versiones diferentes de la dictadura’”.

Como já mencionamos, atualmente temos um acervo de cerca de 230 entrevistas realizadas com mulheres que foram militantes de esquerda ou feministas nos anos 1960, 1970 e 1980. Ao mesmo tempo que desenvolvemos nossas pesquisas, trabalhamos na organização do acervo, com a realização das transcrições e elaboração de catálogos, pois, aos poucos foram aparecendo pessoas interessadas em consultar esse acervo. Ainda não temos uma descrição de todos os temas presentes em cada entrevista. Como dissemos, no início as entrevistas eram realizadas para nossas próprias pesquisas, foi com o tempo, a procura, o interesse, que sentimos a necessidade de uma organização que nos ajude, mas que, especialmente, possa contribuir com outras pesquisas.

Os temas presentes nas entrevistas são muitos. Inferem sobre militância, resistência, movimentos e organizações de esquerda, feminismos, clandestinidade, tortura, prisões, exílio, maternidade, juventude, trajetórias de vida, associações de familiares de desaparecidos, asilos políticos, sindicatos, movimentos cristãos, leituras feministas, feministas marxistas, marxismo, leituras revolucionárias, periódicos, guerrilha e guerrilheiros, entre outros.

Dos diferentes temas das entrevistas realizadas, as histórias das pessoas que se envolveram nas guerrilhas atraem a atenção de diferentes pesquisadoras/es, pois, se os documentos de arquivos nem sempre dão conta das histórias das ditaduras, abordam menos ainda sobre as particularidades e o cotidiano dos diferentes movimentos de guerrilha que ocorreram no Cone Sul.

No Brasil, segundo Cristina Scheibe Wolff (2013_____. Em armas: amazonas, soldadas, sertanejas, guerrilheiras. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013, p. 423-446., p. 438), entre 1967 e 1974, “vários foram os grupos de esquerda que buscaram uma revolução socialista e que tentaram oferecer resistência armada à ditadura”. Entre os principais grupos estavam a Ação Libertadora Nacional (ALN), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Partido Operário Camponês (POC). De maneira geral, esses grupos “[...] eram formados por pessoas originárias de diversos estratos sociais, em sua maioria jovens estudantes provenientes de movimentos estudantis, trabalhadores fabris e camponeses” (WOLFF, 2013_____. Em armas: amazonas, soldadas, sertanejas, guerrilheiras. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013, p. 423-446., p. 438). Mulheres e homens participaram da guerrilha, e os grupos armados pareciam uma alternativa naqueles tempos sombrios. Alguns trabalhos falam das guerrilhas e da influência de Che Guevara na formação de grupos guerrilheiros, bem como, especificamente no caso do Brasil, da experiência da Guerrilha do Araguaia. Falava-se na construção de um “novo mundo” e de um “novo homem”. Mas não era fácil para as mulheres a participação nesses movimentos. Algumas entrevistas do nosso acervo contam sobre a discriminação de gênero, que

[...] podia aparecer de forma sutil e até imperceptível naquele momento histórico em que se considerava natural que as tarefas domésticas e ligadas ao cuidado com as crianças, idosos e doentes fossem realizadas prioritariamente por mulheres e as tarefas consideradas “pesadas”, por homens. (WOLFF, 2013_____. Em armas: amazonas, soldadas, sertanejas, guerrilheiras. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013, p. 423-446., p. 442).

Das entrevistas que temos em nosso acervo, com mulheres que participaram da resistência e/ou da luta armada, uma questão interessante é como, tantos anos depois, ao serem entrevistadas, elas relatam essas diferenças de tratamento. Helena Hirata, por exemplo, que havia sido militante do POC e que teve que se exilar após 1971, ao ser entrevistada em 2008, menciona, em seu relato das atividades que desenvolvia naquela época, a seguinte frase: “Eu acho que as organizações de esquerda no Brasil eram muito machistas mesmo” (HIRATA, 2008HIRATA, Helena. Entrevista concedida a Cristina Scheibe Wolff. Florianópolis, 28 ago. 2008. Acervo: LEGH.).

A fala de Helena, assim como muitas outras, demonstra um pouco o pensamento das/os revolucionárias/os da época em relação ao feminismo. Maria Amélia de Almeida Teles, militante do PCdoB que participou da Guerrilha do Araguaia, ao ser entrevistada mencionou que não se podia falar em feminismo, pois isso era “coisa de pequeno-burguês” (TELES, 2005TELES, Maria Amélia de Almeida. Entrevista concedida a Joana Maria Pedro. São Paulo, 24 ago. 2005. Acervo: LEGH.).

Diferentes aspectos sobre a luta armada e a guerrilha aparecem nas entrevistas que temos em nosso acervo, tanto do Brasil, quanto dos outros países - as narrativas sobre o cotidiano, as tarefas, o “ter que se masculinizar”, o medo etc. Na maioria das entrevistas a guerrilha ou a militância de esquerda não foram o tema central das entrevistas, mas muitas vezes emergem, com detalhes da época e com percepções do presente, que muito nos ajudam a compreender aquele período12 12 Ainda sobre a temática da guerrilha, ver: Wolff, 2007. .

O LEGH e sua contribuição na disseminação de informações sobre o período das ditaduras do Cone Sul

Convencidas da importância do acervo do LEGH, estamos atualmente trabalhando na organização e criação de um “arquivo do feminismo dos tempos da ditadura”. Não se trata de um arquivo clássico, e sim mais próximo de um centro de documentação e pesquisa. Mas pensamos que a chamada virada arquivística (COOK, 1998COOK, Terry. Arquivos pessoais e arquivos institucionais: para um entendimento arquivístico comum da formação da memória em um mundo pós-moderno. Estudos Históricos, n. 21, 1998, p. 129-149. ) pode nos ajudar a pensar qual a melhor maneira de tratar esse acervo, visando contribuir com a memória dos feminismos e das ditaduras do Cone Sul. Salienta-se que os acervos acadêmicos de pesquisa ainda constituem um campo a ser mais explorado nas universidades13 13 Para isso o projeto “Mulheres de luta: feminismo e esquerdas no Brasil (1964-1985)”, apoiado pelo edital n. 12/2015 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), tem sido muito importante. Destaca-se que Binah Ire, mestranda em nosso Programa de Pós-Graduação em História e com formação em Arquivologia está realizando um diagnóstico do acervo do LEGH. Seu projeto de dissertação, intitulado “Arquivos & mulheres: gênero e poder na historiografia”, tem como um dos objetivos descrever e contextualizar os principais conjuntos documentais, discutindo sua especificidade temática, sua função na preservação da memória dos estudos feministas e sua constituição como fonte de pesquisa para histórias das mulheres e das relações de gênero. .

O arquivo do LEGH guarda algumas características particulares, que precisarão atender à legislação que regula a formação de arquivos no Brasil, destacando-se a Lei de Arquivos (BRASIL, 1991) e a Lei de Acesso à Informação (BRASIL, 2011a) e as resoluções internas concernentes às instituições federais de ensino e à universidade em particular. E, para além da legislação no trato das questões documentais, as referências no campo da história e arquivologia estão nos auxiliando (ver HEYMANN, 2009HEYMANN, Luciana. O indivíduo fora do lugar. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, n. 2, jul.-dez. 2009, p. 40-57.; CAMARGO, 2009CAMARGO, Ana Maria. Arquivos pessoais são arquivos. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, n. 2, jul.-dez. 2009, p. 26-39.; e, PROCHASSON, 1998PROCHASSON, Christophe. “Atenção: verdade!” - Arquivos privados e renovação das práticas historiográficas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, 1998, p. 105-119. ). Desse modo nos perguntamos: para os estudos feministas, não seria o momento de pensarmos metodologias para organizar acervos que já conhecemos, respeitando o conhecimento arquivístico, mas trazendo outras questões para os olhares que podem adensar as análises de documentação? Não seria esta uma forma de dar visibilidade ao nosso acervo? É possível pensar o nosso acervo acadêmico de pesquisa como um “arquivo” que pode contribuir para a visibilidade das lutas feministas no Brasil no período das ditaduras, algo que no atual momento conservador pode ser uma posição acadêmica e política. Não seria este um momento importante para marcarmos nosso acervo como um espaço de memória?

O feminismo do Brasil e dos outros países do Cone Sul tem uma rica história de resistências e conquistas, e as fontes documentais sobre isso constituem o acervo que acumulamos/construímos. Em tempos de uma sociedade “seduzida pela memória”, de acordo com Andreas Huyssen (2000HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.), vemos uma intensa proliferação de espaços de memória. Assim, ao mesmo tempo que pensamos em nosso acervo, também é necessário problematizar a relação das/os historiadoras/es com tais espaços, como assinala Benito Bisso Schmidt (2008SCHMIDT, Benito Bisso. Os historiadores e os acervos documentais e museológicos: novos espaços de atuação profissional. Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, dez. 2008, p. 187-196. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/anos90/issue/view/721/show/toc>. Acesso em: 20 set. 2017.
http://seer.ufrgs.br/anos90/issue/view/7...
) em artigo sobre “Os historiadores e os acervos documentais e museológicos”.

Para concluir, podemos dizer que as possibilidades que acervos acadêmicos de pesquisa apresentam para pensarmos a relação arquivos e memórias são muitas, especialmente quando tratamos de coleções para pensarmos as abordagens feministas. Nesse sentido, alguns estudos que tematizam os desafios e as oportunidades que surgem dos “encontros com sujeitos de arquivo femininos”, nos inspiram14 14 Ver: Buss; Kadar, 2001. . É esta relação, da memória, das questões de gênero, dos feminismos e das ditaduras do Cone Sul, que tem marcado a trajetória do LEGH.

REFERÊNCIAS

  • ACKELSBERG, Martha. Arquivos, história social e história das mulheres. Cadernos AEL, n. 5-6, 1996-1997, p. 37-50. Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ael/article/view/2453/1863>. Acesso em: 15 jan. 2018.
    » https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ael/article/view/2453/1863
  • BAUER, Caroline Silveira. Brasil e Argentina: ditaduras, desaparecimentos e políticas de memória. Porto Alegre: Medianiz, 2012.
  • BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições Estaduais; O Presidente da República poderá decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm>. Acesso em: 15 jan. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm
  • _____. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8159.htm>. Acesso em: 15 jan. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8159.htm
  • _____. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 9.140, de 4 de dezembro de 1995. Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9140.htm>. Acesso em: 15 jan. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9140.htm
  • _____. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 10.559, de 13 de novembro de 2002. Regime do anistiado político. Regulamenta o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10559.htm>. Acesso em: 15 jan. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10559.htm
  • _____. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei de Acesso à Informação. Lei n. 12.527, de 18 novembro de 2011a. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei n. 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei n. 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 15 jan. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm
  • _____. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. Lei n. 12.528, de 18 de novembro de 2011b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm>. Acesso em: 15 jan. 2018.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm
  • BUSS, Helen M.; KADAR, Marlene (Ed.). Working in women’s Archives: researching women’s private literature and archival documents. Canada: Wilfrid Laurier University Press, 2001.
  • BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
  • CAMARGO, Ana Maria. Arquivos pessoais são arquivos. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, n. 2, jul.-dez. 2009, p. 26-39.
  • CNV - Comissão Nacional da Verdade. Relatório da Comissão Nacional da Verdade, 10 de dezembro de 2014. Disponível em: <http://cnv.memoriasreveladas.gov.br>. Acesso em: 28 mar. 2018.
    » http://cnv.memoriasreveladas.gov.br
  • _____. Acervo da Comissão Nacional da Verdade, 5 de agosto de 2015. Disponível em: <http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/institucional-acesso-informacao/acervo.html>. Acesso em: 28 mar. 2018.
    » http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/institucional-acesso-informacao/acervo.html
  • COOK, Terry. Arquivos pessoais e arquivos institucionais: para um entendimento arquivístico comum da formação da memória em um mundo pós-moderno. Estudos Históricos, n. 21, 1998, p. 129-149.
  • CORTE SUPREMA DE JUSTICIA. Museo de la Justicia. Centro de Documentación y Archivo para la Defensa de los Derechos Humanos. Catálogo. Asunción, 2010.
  • CRESCÊNCIO, Cintia Lima; SILVA, Janine Gomes da; BRISTOT, Lídia Schneider (Org.). Histórias de gênero. São Paulo: Verona, 2017.
  • HAUPT, Heinz - Gerhard. O lento surgimento de uma história comparada. In: BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique (Org.). Passados recompostos. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1998, p. 205-213.
  • HEYMANN, Luciana. O indivíduo fora do lugar. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, n. 2, jul.-dez. 2009, p. 40-57.
  • HIRATA, Helena. Entrevista concedida a Cristina Scheibe Wolff. Florianópolis, 28 ago. 2008. Acervo: LEGH.
  • HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.
  • NICHOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Revista Estudos Feministas, v. 8, n. 2, Florianópolis, 2000, p. 9-41.
  • OBERTI, Alejandra. ¿Qué hace el género a la memoria?. In: PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe (Org.). Gênero, feminismos e ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Mulheres, 2010, p. 13-30.
  • PASSERINI, Luiza. A memória entre política e emoção. São Paulo: Letra e Voz, 2011.
  • PAZ, Alfredo Boccia; AGUILAR, Rosa Palau; SALERNO, Osvaldo. Paraguay: Los Archivos del Terror. Los papeles que resignificaron la memoria del stronismo. Asunción: Museo de la Justicia, 2008.
  • PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História, v. 24, n. 1, Franca, 2005, p. 77-98.
  • _____. Narrativas do feminismo em países do Cone Sul (1960-1989). In: PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe (Org.). Gênero, feminismos e ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Mulheres, 2010.
  • _____. Viver o gênero na clandestinidade. In: ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira (Org.). História oral e história das mulheres: rompendo silenciamentos. São Paulo: Letra e Voz, 2017, p. 33-55.
  • _____; WOLFF, Cristina Scheibe (Org.). Gênero, feminismos e ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Mulheres, 2010.
  • _____; _____; VEIGA, Ana Maria (Org.). Resistências, gênero e feminismos contra as ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Mulheres, 2011.
  • POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.
  • _____. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992, p. 200-212.
  • PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Projeto História, São Paulo, n. 14, fev. 1997.
  • _____. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e política, luto e senso comum. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). Usos e abusos da história oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 103-130.
  • _____. História oral como gênero. Projeto História, São Paulo, n. 22, jun. 2001, p. 9-36.
  • PROCHASSON, Christophe. “Atenção: verdade!” - Arquivos privados e renovação das práticas historiográficas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, 1998, p. 105-119.
  • RAGO, Luzia Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções de subjetividade. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.
  • REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura no Brasil entre memória e história. In: MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org.). Ditaduras militares: Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. Belo Horizonte: UFMG, 2015.
  • RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Unicamp, 2007.
  • RODRIGUES, Georgete Medleg. Les archives de la dictature militaire: les limites de la transition politique au Brésil. In: CORNU, Marie; FROMAGEAU, Jérôme Fromageau (Org.). Archives des dictatures: enjeux juridiques, archivistiques et institutionnels. Paris: L’Harmattan, 2015, p. 31-52.
  • ROSA, Susel Oliveira da. Mulheres, ditaduras e memórias: “Não imagine que precise ser triste para ser militante”. São Paulo: Intermeios/Fapesp, 2013.
  • SADER, Emir; JINKINGS, Ivana (Coord.). Latinoamericana. Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006.
  • SCHMIDT, Benito Bisso. Os historiadores e os acervos documentais e museológicos: novos espaços de atuação profissional. Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, dez. 2008, p. 187-196. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/anos90/issue/view/721/show/toc>. Acesso em: 20 set. 2017.
    » http://seer.ufrgs.br/anos90/issue/view/721/show/toc
  • SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, 15, n. 2, jul.-dez. 1990, p. 5-22.
  • SOLEDAD, Catoggio Maria. La dernière dictature militaire argentine (1976-1983): la conception du terrorisme d’État. Encyclopédie des violences de masse, 2010, p. 4-5. Disponível em: <http://www.sciencespo.fr/mass-violence-war-massacre-resistance/fr/document/la-derniare-dictature-militaire-argentine-1976-1983-la-conception-du-terrorisme-da-tat>. Acesso em: 20 set. 2017.
    » http://www.sciencespo.fr/mass-violence-war-massacre-resistance/fr/document/la-derniare-dictature-militaire-argentine-1976-1983-la-conception-du-terrorisme-da-tat
  • TELES, Maria Amélia de Almeida. Entrevista concedida a Joana Maria Pedro. São Paulo, 24 ago. 2005. Acervo: LEGH.
  • TODOROV, Tzvetan. Les abus de la mémoire. Paris: Arléa, 1998.
  • UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina. Repositório Institucional. Disponível em: <http://www.repositorio.ufsc.br>. Acesso em: 25 maio 2017.
    » http://www.repositorio.ufsc.br
  • _____. Laboratório de Estudos de Gênero e História. Disponível em: <http://www.legh.cfh.ufsc.br>. Acesso em: 25 maio 2017.
    » http://www.legh.cfh.ufsc.br
  • VERA, Myrian Gonzáles. Los Archivos del Terror del Paraguay. La historia oculta de la represión. In: CATELA, Ludmila da Silva; JELIN, Elizabeth (Org.). Los archivos de la represión: documentos, memoria y verdad. Madrid: Siglo XXI de España Editores, 2002, p. 85-114.
  • WOLFF, Cristina Scheibe Wolff. Feminismo e configurações de gênero na guerrilha: perspectivas comparativas no Cone Sul, 1968-1985. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 54, dez. 2007, p. 19-38.
  • _____. Em armas: amazonas, soldadas, sertanejas, guerrilheiras. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013, p. 423-446.
  • _____; PEDRO, Joana Maria; SILVA, Janine Gomes da. “Gendered” memories: women’s narratives from the Southern Cone. In: BENMAYOR, Rina; CARDENAL DE LA NUEZ, María Eugenia; DOMÍNGUEZ PRATTS, Pilar (Org.). Memory, subjectivities, and representation. Approaches to oral history in Latin America, Portugal, and Spain. New York: Palgrave Macmillan, 2015, p. 57-73.
  • 1
    Operação de inteligência criada no Chile, com o apoio da Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai, que perseguia militantes de esquerda oriundos de qualquer um desses países, onde estivessem. Ver: Vera, 2002, p. 107.
  • 2
    No início, as professoras Cristina Scheibe Wolff, Joana Maria Pedro e Roselane Neckel, juntamente com bolsistas de iniciação científica, mestrandas/os, doutorandas/os e pós-doutorandas/os. E, a partir de 2011, também começou a fazer parte da equipe a professora Janine Gomes da Silva.
  • 3
    Entre outros, destacam-se os seguintes projetos: “Movimentos de mulheres e feminismos em tempos de ditadura militar no Cone Sul (1964-1989)”, “Do feminismo ao gênero - circulação de teorias e apropriações no Cone Sul (1960-2008)”, “Gênero, feminismo, mulher e mulheres: apropriações no Cone Sul (1960-2008)” e “Vidas clandestinas: relações de gênero na clandestinidade, um estudo comparativo no Cone Sul sobre apropriações de teorias feministas (1960-2008)”, coordenados por Joana Maria Pedro; “O gênero da resistência na luta contra as ditaduras militares no Cone Sul 1964-1989”, “Lágrimas como bandeira: emoções e gênero na retórica da resistência no Cone Sul” e “Políticas da emoção e do gênero na resistência às ditaduras do Cone Sul”, coordenados por Cristina Scheibe Wolff; “Espaços de memória. Arquivos e fontes documentais (re)significando as ditaduras militares (Brasil e Paraguai)” e “Gênero, memórias das ditaduras civis-militares e historiografia francesa sobre o Cone Sul (Brasil, Paraguai, Chile e Argentina)”, coordenados por Janine Gomes da Silva. Esses projetos tiveram apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 4
    Segundo Soledad (2010, p. 4-5 - tradução nossa): “De fait, la stratégie répressive n’était plus structurée autour du système pénitentiaire légal mais autour du système clandestin de détention et de disparition de personnes. Cette stratégie, qui serait conceptualisée par la suite comme un ‘terrorisme d’État’ [...]”.
  • 5
    Em trabalho sobre “memórias ‘gendradas’” procuramos mostrar como as memórias das militantes da resistência dos diferentes países do Cone Sul são fortemente marcadas pelo gênero (WOLFF; PEDRO; SILVA, 2015).
  • 6
    Especialmente sobre os arquivos da ditadura, ver: Rodrigues, 2015.
  • 7
    Ao final do trabalho, o relatório encaminhado apresenta-se em três volumes: I - a criação da CNV e seus antecedentes históricos, as atividades da CNV, as estruturas do Estado e as graves violações de direitos humanos, métodos e práticas nas graves violações de direitos humanos e suas vítimas, dinâmica das graves violações de direitos humanos (casos emblemáticos, locais e autores) e conclusões e recomendações; II - é dedicado aos eixos temáticos: 1) Violações de direitos humanos no meio militar, 2) Violações de direitos humanos dos trabalhadores, 3) Violações de direitos humanos dos camponeses, 4) Violações de direitos humanos nas igrejas cristãs, 5) Violações de direitos humanos dos povos indígenas, 6) Violações de direitos humanos na universidade, 7) Ditadura e homossexualidades, 8) Civis que colaboraram com a ditadura, 9) A resistência da sociedade civil às graves violações de direitos humanos; III - trata sobre os mortos e desaparecidos políticos. Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/>. Acesso em: 28 mar. 2017.
  • 8
    Além de artigos e capítulos de livros, destacam-se as coletâneas publicadas pelo laboratório. Ver: Pedro; Wolff, 2010; Pedro; Wolff; Veiga, 2011; Crescêncio; Silva; Bristot, 2017.
  • 9
    Sobre gênero e feminismos no Cone Sul, ver: Pedro, 2010, p. 115-137.
  • 10
    No momento estamos trabalhando na organização de toda a documentação para disponibilizar no Repositório Institucional (RI) da UFSC, que tem como missão “armazenar, preservar, divulgar e oferecer acesso à produção científica e institucional da UFSC” (UFSC, s. d.).
  • 11
    “El desasosiego por la pérdida de los seres queridos, el estupor ante la derrota de los ideales; pero también la consciencia de los límites de esos ideales, trazan una memoria que permite distanciarse de las versiones estatuidas, proponer otras formas de relacionarse con los sucesos del pasado y redefinir las dimensiones con las que se analizan el pasado reciente para establecer una memoria crítica. […] habilitan a pensar nuevos vínculos entre lo público y lo privado, lo personal y lo político; por medio de un movimiento que inscribe lo general en lo singular, lo político en lo privado. No buscan a arrancar del olvido a las mujeres que participaron de esas experiencias para colocarlas en un panteón junto a los héroes, sino que recuperan los gestos más sutiles, aquellos más difícilmente representables” (OBERTI, 2010, p. 28-29 - tradução nossa).
  • 12
    Ainda sobre a temática da guerrilha, ver: Wolff, 2007.
  • 13
    Para isso o projeto “Mulheres de luta: feminismo e esquerdas no Brasil (1964-1985)”, apoiado pelo edital n. 12/2015 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), tem sido muito importante. Destaca-se que Binah Ire, mestranda em nosso Programa de Pós-Graduação em História e com formação em Arquivologia está realizando um diagnóstico do acervo do LEGH. Seu projeto de dissertação, intitulado “Arquivos & mulheres: gênero e poder na historiografia”, tem como um dos objetivos descrever e contextualizar os principais conjuntos documentais, discutindo sua especificidade temática, sua função na preservação da memória dos estudos feministas e sua constituição como fonte de pesquisa para histórias das mulheres e das relações de gênero.
  • 14
    Ver: Buss; Kadar, 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2018
  • Aceito
    09 Out 2018
Instituto de Estudos Brasileiros Espaço Brasiliana, Av. Prof. Luciano Gualberto, 78 - Cidade Universitária, 05508-010 São Paulo/SP Brasil, Tel. (55 11) 3091-1149 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaieb@usp.br