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Schwarz-Adorno: Unbekannt verzogen – endereço desconhecido. Apresentação de uma correspondência

Schwarz-Adorno: Unbekannt verzogen – returned to sender. A letter exchange

RESUMO

O artigo busca estabelecer a posição relativa das teorias de Theodor W. Adorno e Roberto Schwarz a partir da apresentação deuma breve troca de cartas entre os autores nos anos de 1961 e 1962.

PALAVRAS-CHAVE
Rober to Schwarz; Theodor W. Adorno; correspondência

ABSTRACT

The papertries to analyze t he relative positioning of two sets of theories, with reference to abrief letter exchange between Theodor W. Adorno and Roberto Schwarz, carried out in the years of 1961 and 1962.

KEYWORDS
Rober to Schwarz; Theodor W. Adorno; correspondence

Em um curto artigo de memória e crítica, Davi Arrigucci Jr. (1991, p. 67) comenta que “(d)entre as manias que teve Alexandre Eulálio, uma – das mais persistentes – foi sem dúvida a de gostar de Brito Broca”. Era nessa indireta consideração do problema do cânone que eu pensava ao começar a escrever esta apresentação. Rapidamente me arrependi de reter essa frase, por mais de um motivo. Lá se tratava de revalorizar a obra de um cronista, Brito Broca, de “olhar excêntrico”, cuja leitura “parece mais indiciar problemas históricos das relações literárias [...] do que demonstrar consciência crítica desses problemas” (ARRIGUCCI JR., 1991ARRIGUCCI JR., Davi. Conversa entre fantasmas (Brito Broca e os Americanos). Remate de Males, Campinas, n. 11, 1991, p. 67-72., p. 68-69). Ademais, isso era feito pelo recurso ao testemunho de Alexandre Eulálio, que se dedicou à obra de Brito Broca como se dela fizesse a curadoria. À parte o efeito imediato da retomada de uma obra, tudo o mais é diverso na ocasião presente. No contraste com Brito Broca, o legado de Roberto Schwarz é outro: uma obra eminentemente crítica, que dispensa qualquer intermediário como atestação de valor. Não apenas isso crava como erro o início deste texto. Parece impossível salvar algum paralelo mesmo se desconsideradas as distintas histórias de produção e recepção de suas obras. Aplicada sem mais consideração, a frase ficaria assim: “dentre as manias que tem Roberto Schwarz, uma – das mais persistentes – é sem dúvida a de gostar de x”. Pelo gosto do contraditório, em algo que já é quase peça ficcional, eu me pergunto quem seria esse “x” de Schwarz. Tomada meramente conforme um índice de recorrência, a incógnita deveria ser Antonio Candido.

Contra essa resposta pesa o fato de que influência decisiva não é o mesmo que mania. Razões para tomar Antonio Candido, autor de Formação da literatura brasileira, como figura-chave de toda nossa tradição crítica foram expostas em profusão por, entre outras pessoas, o próprio Schwarz. A referência a Candido aparece na consideração por Schwarz da dialética da ordem e da desordem como princípio de generalização, ora condição estrutural, ora formalização estética da realidade e da ficção nacionais (SCHWARZ, 1979_____. Pressupostos, salvo engano, de “Dialética da malandragem”. In: Vários autores. Esboço de figura: homenagem a Antonio Candido. São Paulo: Duas Cidades, 1979, p. 133-154.; 1987b_____. Pressupostos, salvo engano, de “Dialética da malandragem”. In: _____. Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, 1987b, p. 129-155.). Ela é recomposta no recurso à noção de redução estrutural para a composição de uma das matrizes de Um mestre na periferia do capitalismo (SCHWARZ, 1990_____. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990.). Se por um lado essa influência é visível em Schwarz ao menos desde o ponto de partida de Ao vencedor as batatas (SCHWARZ, 1977_____. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1977.), poder-se-ia por outro lado dizer que o apontamento dos limites históricos do diagnóstico de Candido se põe como uma tarefa a mais para o aparato crítico que dali se espraia. Por tudo isso, conclui-se, sem mais, que não é Antonio Candido aquela suposta incógnita.

A fim de descobrir uma influência em relação à qual não haja sequer angústia – pois é dessa gratuidade do “gostar” que Arrigucci parece tratar na relação de Alexandre Eulálio com Brito Broca –, um indício importante é que ela se configura menos como excentricidade e mais conforme seu caráter supérfluo. Ou seja, se buscássemos responder ao que coloquei no início do texto, a boa estratégia seria perguntar por aquelas obras ou referências que Schwarz toma como significativas para seu próprio percurso, sem que sejam, de fato, necessárias. Com este volteio, introduzo uma descoberta, um tipo particular, aquela sobre a qual se comenta antes mesmo de vir à tona como documento. No caso, falo da correspondência entre Roberto Schwarz e Theodor W. Adorno2 2 A descoberta da troca de cartas entre os autores não teria sido possível sem o concurso de vários fatores. Apenas recentemente vieram à tona, ainda como documentos do Theodor W. Adorno Archiv, as pastas com cartas que ele escreveu na condição de diretor do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt. Embora grande parte da correspondência de Adorno já tenha sido publicada e, em alguns casos, exaustivamente estudada, essas pastas ainda não haviam sido examinadas porque compõem o lado institucional de sua correspondência e foram, por isso, guardadas e compiladas em outro setor do Arquivo. Foi justamente em uma dessas pastas que a carta de Roberto Schwarz e a resposta de Adorno foram arquivadas, ainda na década de 1960, e lá ficaram. Há desde muito um rumor acerca da existência dessa correspondência, mas faltava um material a dar contornos ao testemunho. Além disso, calhou de eu estar na Akademie der Künste, uma das sedes do Theodor W. Adorno Archiv, em Berlim, quando Michael Schwarz, um dos responsáveis pelo acervo, concluiu a edição desse material. Sabendo que eu teria interesse, pois gentilmente colabora com minhas pesquisas desde 2013, Michael Schwarz concedeu o acesso aos documentos. Esta nota expressa não apenas meu agradecimento ao colega, meu reconhecimento pelo inestimável trabalho prestado pelo corpo técnico da Akademie der Künste e pela Hamburger Stiftung zur Förderung von Wissenschaft und Kultur, detentora dos direitos sobre a obra de Adorno, como também minha satisfação em ter contado com o apoio do próprio Roberto Schwarz na tarefa. .

O ano de 1961 é um ano singularmente importante na trajetória intelectual de Adorno, expoente da primeira geração, ou geração frankfurtiana da teoria crítica da sociedade. Logo no início do ano, em 27 de fevereiro, ocorre “um dos maiores momentos na vida de Adorno”3 3 A tradução de todas as citações de textos originalmente escritos em alemão é de minha responsabilidade. , a se fiar nas palavras de Wolfram Schütte (2003, p. 264)SCHÜTTE, Wolfram (Org.). Adorno in Frankfurt. Ein Kaleidoskop mit Texten und Bildern. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003. acerca do evento organizado pela editora Suhrkamp em honra a Samuel Beckett, de quem Adorno fez a laudatio (cf. ADORNO, 1998_____. Versuch, das Endspiel zu verstehen. In: _____. Noten zur Literatur. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998, p. 281-321.), tomando-o, desde então, como o mais representativo escritor contemporâneo. Na manhã do dia 13 de março, ao lado de Gretel Karplus-Adorno, sua esposa, ele segue para Paris, em “um bimotor da Air France”4 4 Primeira entrada em um dos diários de Adorno, o Notizbuch “J”, que leva o nome “Viagem para Paris e Itália”. Material depositado no Theodor W. Adorno Archiv e editado por Gabriele Ewenz, Christoph Gödde, Henri Lonitz e Michael Schwarz no volume intitulado Adorno. Eine Bildmonographie (THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003, p. 252). , e depois para a Itália, uma viagem que durará até 17 de abril. Poucos momentos são tão propícios como essa viagem para compreender o modo pelo qual Adorno via a si mesmo, avaliava sua posição como intelectual, mensurava seu legado. “Adorno tinha ainda mais familiaridade com Paris do que com Roma. A cidade de Paris foi para ele, durante um tempo de sua vida, um mito” (MÜLLER-DOOHM, 2003MÜLLER-DOOHM, Stefan. Adorno: Eine Biographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 617). Com essa sentença, seu biógrafo busca indicar o impacto do momento sobre a autocompreensão do autor, algo que ele mesmo, Adorno, evidencia nas entradas de seu diário de viagem. Em Paris, nos dias 15, 18 e 21 de março, Adorno dá três conferências no Collège de France: “Le besoin d’une ontologie”, “Être et existence” e “Vers und dialectique négative”. Falando em francês para uma plateia numerosa, Adorno define e submete a teste os marcos iniciais de sua obra filosófica de maior envergadura, a Dialética negativa, concluída seis anos depois. As respectivas entradas no seu diário são muitíssimo expressivas. No dia 15 de março: “Conferência dada, muito difícil, Merleau-Ponty chocado. Deus e o mundo estavam lá” (in THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003THEODOR W ADORNO ARCHIV (Ed.). Adorno: eine Bildmonographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 254). Em 18 de março: “Conferência lotada, foi muito melhor” (in THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003THEODOR W ADORNO ARCHIV (Ed.). Adorno: eine Bildmonographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 256). Por fim, em 21 de março, Adorno pondera: “A última conferência foi muito bem, brilhou como uma estrela. Merleau-Ponty e Jean Wahl presentes, mas não falaram” (in THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003THEODOR W ADORNO ARCHIV (Ed.). Adorno: eine Bildmonographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 257)5 5 A expressão “brilhou como uma estrela” traduz, de modo atenuado, o sentido da expressão alemã “brüllte wie ein Ochs”, cuja tradução literal, “berrou como um boi”, não tem equivalente direto em português.. Fica, pois, a nota. Além de Maurice Merleau-Ponty e Jean Wahl, estavam presentes nas conferências outras importantes personalidades do cenário intelectual francês, como Robert Minder, Roger Callois, Georges Friedmann e Frederick Goldbeck (cf. MÜLLER-DOOHM, 2003, p. 618). . Outras entradas no diário favorecem a compreensão da importância dessa viagem: de um lado, Adorno elabora nuances de sua teoria em notas curtas, porém significativas, como, por exemplo, a revisão da relação entre ontologia e dialética6 6 Cf. a nota do dia 12 de abril (in THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003, p. 269) e a do dia 15 de abril de 1961 (in THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003, p. 272-273). , que havia sido objeto de seu curso do semestre de inverno 1960-1961, e a proposição concisa de um problema estético7 7 Cf. a nota do dia 14 de abril (in THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003, p. 273). , que viria a ser tratado no curso subsequente, no verão de 1961; de outro lado, em notas muito pessoais, Adorno reflete acerca de sua condição, inclusive a de saúde, tema que se espalha por todo o diário8 8 Menções a um permanente cansaço e incapacidade de dormir são frequentes. Em particular, destaca-se a entrada do dia 16 de abril: “Sentado profundamente deprimido no hotel. Estou envelhecendo: let’s face it” (in THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003, p. 273). .

No retorno à Alemanha, logo nas primeiras semanas, Adorno dará sequência aos seus dois principais projetos do período. Em 4 de maio, paralelamente às anotações para o curso de verão de 1961, voltado à estética (cf. MÜLLER-DOOHM, 2003MÜLLER-DOOHM, Stefan. Adorno: Eine Biographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 948)9 9 No mesmo período, em setembro de 1961, Adorno apresenta o ensaio “Vers une musique informelle”. Compreendido no contexto das Conferências de Kranichstein, reunião de suas sucessivas participações no Festival de Darmstadt (Internationale Ferienkurse für Neue Musik), esse ensaio é talvez o marco mais importante de sua reflexão madura acerca do atonalismo na nova música (cf. ADORNO, 2014b). , ele dita alguns parágrafos que estruturam uma primeira versão de sua Teoria estética10 10 Nota dos editores, em Ästhetische Theorie (ADORNO, 1995, p. 539). . Publicada apenas postumamente, em 1970, a obra ganhará corpo ao longo da década, porém sua composição, naquele momento, cederá espaço à preparação de outra obra que então recebia seus primeiros aportes, a já mencionada Dialética negativa.

Além de ser ponto nodal desses dois polos da reflexão de Adorno à época, o ano de 1961 verá, ainda, dois momentos de suma importância para sua recepção posterior, bem como para a ressignificação da teoria crítica. Em primeiro lugar, data desse período a assim chamada “controvérsia do positivismo”11 11 As atas foram reunidas em Theodor W. Adorno et al. (1989). . Sem qualquer ambição de sumariar a série de contribuições, debates e mal-entendidos que lhe dá forma, retomo o pessimismo exegético das considerações do melhor historiador dessa controvérsia, Hans-Joachim Dahms: se é possível afirmar com certeza que, entre 19 e 21 de outubro de 1961, houve um encontro de trabalho da Sociedade Alemã para Sociologia (Deutschen Gesellschaft für Soziologie), na cidade de Tübingen, com a participação de Theodor W. Adorno, Hans Albert, Ralf Dahrendorf, Jürgen Habermas, Harald Pilot e Karl Popper, é uma tarefa quase impossível explicar como o encontro foi planejado, onde exatamente começa e quando termina (DAHMS, 1994DAHMS, Hans-Joachim. Positivismusstreit. Die Auseinandersetzung der Frankfurter Schule mit dem logischen Positivismus, dem amerikanischen Pragmatismus und dem kritischen Rationalismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994.)12 12 Noto que, rigorosamente, a controvérsia só se instala plenamente a partir de sua segunda rodada, depois das conferências de Popper e Adorno, ou seja, com Habermas e Albert e, de modo enfático, com a “Introdução” escrita por Adorno, em 1969, para o volume de atas. As implicações mais diretas desse fato são tiradas por vários comentadores, como os mencionados Dahms (1994, p. 351 ss.) e Müller-Doohm (2003, p. 645 ss). . Seu sentido só se deixa capturar, se tanto, no largo espectro de outras controvérsias sociológicas (RITSERT, 2010RITSERT, Jürgen. Der Positivismusstreit. In: KNEER, Georg; MOEBIUS, Stephan (Org.). Soziologische Kontroversen: Beiträge zu einer anderen Geschichte der Wissenschaft vom Sozialen. Berlin: Suhrkamp, 2010, p. 102-130.) e, ademais, parafraseando Dahms (1994, p. 401-403)DAHMS, Hans-Joachim. Positivismusstreit. Die Auseinandersetzung der Frankfurter Schule mit dem logischen Positivismus, dem amerikanischen Pragmatismus und dem kritischen Rationalismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994., ela vive o paradoxo de ser, ao mesmo tempo, concluída e inconclusa. Em segundo lugar, o ano de 1961 marcaria tanto Adorno como o legado da teoria crítica devido a uma inflexão de amplas e ainda não decididas consequências. Segundo a conjectura de Hans-Georg Backhaus, seu aluno no semestre de verão de 1962, teria sido no ano anterior – e justamente em vista da controvérsia com Popper – que Adorno teria voltado a Marx com os olhos no método ali desenvolvido, mais especificamente, no modo como a crítica da economia política aparece imanentemente articulada a uma análise das categorias de troca e valor, ou seja, em uma frase, ali teria sido dado o passo fundante do que veio a se chamar crítica do valor, da qual Backhaus viria a ser um dos expoentes (BACKHAUS, 1997BACKHAUS, Hans-Georg. Dialektik der Wertform: Untersuchungen zur Marxschen Ökonomiekritik. Freiburg im Breisgau: Ça Ira, 1997.)13 13 Cf. o anexo “Theodor W. Adorno über Marx und die Grundbegriffe der soziologischen Theorie. Aus einer Seminarmitschrift im Sommersemester 1962” (BACKHAUS, 1997, p. 501-513). Devo essa pista a uma conversa com Luiz Philipe de Caux, a quem agradeço. .

Para reatar o fio, observo que, desde 1958, em consequência da aposentadoria de seu colega Max Horkheimer, Adorno era o diretor do Instituto de Pesquisas Sociais, sediado na Universidade de Frankfurt. Em 7 de outubro de 1961, quando Roberto Schwarz lhe escreve da Universidade de Yale, em New Haven, Connecticut, era essa sua condição institucional (Figura 1). A menção desse fato não é vã. Embora contasse com sua secretária pessoal, Elfriede Olbrich, que o acompanhou desde seu retorno à Alemanha, vindo justamente dos Estados Unidos da América, em agosto de 1953, Adorno viu a dinâmica de seu trabalho no Instituto ser bruscamente alterada a partir do momento em que o assumiu. Se em 1954, quando foi nomeado temporariamente para o cargo de diretor14 14 Foi nesse período, aliás, que Adorno cuidou de estreitar vínculos com luminares da sociologia alemã, algo que prepara sua entrada na controvérsia do positivismo alguns anos depois (cf. MÜLLER-DOOHM, 2003, p. 935). , Adorno ainda não tinha sido atingido por dilemas tipicamente institucionais, essa condição se alteraria completamente a partir de 1958, algo exemplificado de modo eloquente e pitoresco no que veio a ser conhecido como o caso do “Semáforo Adorno”15 15 Em uma sequência de cartas iniciadas por Adorno, em 12 de maio de 1958, e que terminou por envolver, além da Reitoria e os Conselhos Superiores da Universidade de Frankfurt, também a Prefeitura e Superintendência de Polícia da cidade de Frankfurt, discute-se a necessidade da instalação de um semáforo para pedestres no cruzamento da Senckenberganlage, na esquina do Instituto de Pesquisa Social. O affaire culmina em uma carta desolada de Adorno ao Frankfurter Allgemeine Zeitung, em 18 de julho de 1962, e tem sua resolução de fato apenas em 1987, quando, enfim, o cruzamento recebe o semáforo (cf. THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003, p. 236-241). . De todo modo, a carta de Roberto Schwarz que compõe a metade de cá da correspondência pega Adorno, por assim dizer, no contrapé.

Figura 1
Schwarz escreve a Adorno em 1961.

Tomo emprestada essa expressão não apenas para indicar que Adorno estava com a vida atribulada, em meio a rodopios teóricos e reveses práticos. Na verdade, se voltarmos a atenção a Schwarz, veremos com maior clareza a a razão do contrapé.

Schwarz

Yale Station 2676

New Haven, Conn.

7 de outubro de 1961

Caro Prof. Adorno,

perdoe esta carta que lhe dirijo sem ter sido introduzido e o meu mau alemão, eu não tinha outra alternativa. Sou brasileiro, acabo de concluir em São Paulo a graduação em sociologia e devo trabalhar futuramente como colaborador no “Departamento” [em português no original] de Literatura. Eu me interesso profundamente pelos seus escritos e gostaria de utilizar uma eventual bolsa que iniciaria em outubro de 1962 para assistir suas aulas de estética. Gostaria, então, de saber se o senhor seguirá lecionando esse curso no período de 1962-63, o que, é claro, não se pode ainda depreender do catálogo disponível de 61-62.

Atualmente me encontro em Yale e me irrita a falta de teoria da teoria literária que se faz aqui.

Espero que o senhor desculpe o incômodo.

Muito obrigado,

do seu,

Roberto Schwarz escreve da Universidade de Yale na condição de bolsista de mestrado, mas já em cadência acadêmica16 16 Sua ida para o Estados Unidos da América, não no que concerne às possibilidades acadêmicas, mas às condições institucionais, é – nesses termos – parte de um intrincado processo vinculado à posição precária de Antonio Candido na Universidade de São Paulo e à criação do curso de Teoria Literária e Literatura Comparada, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFLCL/USP). A questão se encontra detalhada na tese de Lidiane Soares Rodrigues (2012). De modo inesperado, pois fruto de uma descoberta ao acaso, o que aqui se apresenta é um documento que complementa a tese de Rodrigues, cuja leitura aconselho vivamente. . Ainda que jovem, Schwarz não estava meramente em busca de concluir um processo formativo: ao se queixar da ausência de teoria na teoria literária de Yale, como faz na carta a Adorno, o que Schwarz realiza não é um chiste inconsequente ou um gracejo movido por interesse, ao contrário, o que há ali é um diagnóstico, sucinto e preciso, como exigido pela circunstância. Se é necessário conceder que a compreensão de si, como o amor, “começa tarde”, e portanto Schwarz ainda levaria algum tempo para amadurecer o conjunto de intuições e argumentos, tanto os herdados como os próprios, que ganham sua forma mais debatida no ensaio “As ideias fora do lugar” (SCHWARZ, 1973SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar. Estudos Cebrap, São Paulo, n. 3, 1973.), não deve restar dúvida, todavia, acerca da pertinência da posição de Schwarz em relação ao ambiente intelectual que encontra em Yale. Ao chamar a atenção para as intuições e argumentos que a sustentariam, devo notar que não se trata de dizer que Schwarz defenda ali uma específica proposição teórica, fechada em si, mas sim que ele busca pensar a partir de um diagnóstico, o que tem como implicação adicional o estabelecimento de um modo crítico de lidar com teorias que pretendem fazer crítica imanente, mas recaem, sob certas condições, seja em uma teoria da imanência, seja em uma teoria da crítica.

É certo que o desenvolvimento implicado no que acabo de notar não tem a menor chance de ser contemplado neste breve texto. Entretanto, de modo a dar algumas pistas a quem se interessar, faço três observações.

Em primeiro lugar, embora o ensaio tenha feito convergir sobre si uma compreensão sintética do que seria “essa” hipótese de Schwarz, faz-se necessário pensar na posição do texto em sua obra e, em especial, na maneira como ela veio a ser recebida. Por isso, caso não se possa imediatamente ler Schwarz na íntegra, uma estratégia plausível é acompanhar a composição que se estabelece entre “As ideias fora do lugar”, de 1973, “Pressupostos, salvo engano, de ‘Dialética da malandragem’”, de 1979, e “Nacional por subtração” (SCHWARZ, 1987c_____. Nacional por subtração. In: _____. Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, 1987c, p. 29-48.), de 1986, sobretudo com referência a um texto anterior a todos esses, “Cultura e política, 1964-1969. Alguns esquemas” (SCHWARZ, 1992b_____. Cultura e política, 1964-1969. Alguns esquemas. In: _____. O pai de família e outros estudos. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992b, p. 61-92. ), escrito entre 1969 e 197017 17 Um grande número de textos lida com esse arco de tensões. Para os fins aqui perseguidos, destacam-se: Paulo Eduardo Arantes (1992, p. 90 ss.); Rodrigues (2012, p. 477 ss.); Maria Elisa Cevasco (2007); e Bernardo Ricupero (2013). .

Em segundo lugar, a hipótese de Schwarz não é “essa” por dois motivos: porque não é una, impermeável ao tempo, como acabei de indicar, e porque, como observou o próprio autor acerca de “As ideias fora do lugar”,

O mal-entendido principal nasceu do próprio título. Este último teve sorte, pois se tornou conhecido, mas também atrapalhou bastante, pois fixou a discussão num falso problema, ou no problema que o ensaio procurava superar. [...] Ideias funcionam diferentemente segundo as circunstâncias. Mesmo aquelas que parecem mais deslocadas, não deixam de estar no lugar segundo outro ponto de vista.

(SCHWARZ, 2012a_____. Por que “ideias fora do lugar”?. In: _____. Martinha versus Lucrécia: ensaios e entrevistas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012a, p. 165-172., p. 165).

Em terceiro lugar, cabe perguntar a qual tradição remeteria a questão, qual é a fonte daquelas intuições e argumentos. Sobre isso, volto a uma citação do próprio Roberto Schwarz:

A possível correspondência entre o estilo machadiano e as particularidades da sociedade brasileira, escravista e burguesa ao mesmo tempo, me ocorreu pouco antes de 1964. A ideia traz as preocupações dialéticas daquele período, às quais se acrescentou o contravapor do período seguinte. No que diz respeito à interpretação social, o raciocínio depende de argumentos desenvolvidos na Universidade de São Paulo pela geração de meus professores, em especial um grupo que se reunia para estudar O capital com vistas à compreensão do Brasil. O grupo chegara à audaciosa conclusão de que as marcas clássicas do atraso brasileiro não deviam ser consideradas como arcaísmo residual, e sim como parte integrante da reprodução da sociedade moderna, ou seja, como indicativo de uma forma perversa de progresso. [...] Devo uma nota especial a Antonio Candido, de cujos livros e pontos de vista me impregnei muito, o que as notas de pé-de-página não têm como refletir. Meu trabalho seria impensável igualmente sem a tradição – contraditória – formada por Lukács, Benjamin, Brecht e Adorno, e sem a inspiração de Marx.

(SCHWARZ, 1990_____. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990., p. 12-13).

Gostaria de destacar dois aspectos importantes nessa fecunda autocompreensão de Roberto Schwarz acerca de sua posição no debate. De um lado, cumpre notar a ênfase em um princípio relacional na consideração da situação brasileira, de outro lado, há que se frisar o aceno a uma compreensão da tradição dialética, aquela que, atenta ao processo de conformação do real, se observa a si mesma como contraditória e assim se abre ao princípio da crítica imanente. De passagem, reitero que, em face dessa ordem da reflexão, claro fica por que o ambiente teórico americano será visto por Roberto, na carta a Adorno, como carente de teoria. Em todo caso, de volta à tradição contraditória, que se faça o constraste com uma das passagens nas quais Schwarz lida diretamente com Adorno, no mesmo livro:

Segundo a boa teoria de Adorno, quanto mais alto o nível, menos contingentes as fraquezas artísticas de uma obra. Estas deixam de remeter a limitações do autor, para indicarem impossibilidades objetivas, cujo fundamento é social. Aos olhos do crítico dialético a fratura da forma aponta para impasses históricos. Sem prejuízo do sinal esteticamente negativo, ela representa um fato cultural de peso, que requer interpretação por sua vez.

(SCHWARZ, 1990_____. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990., p. 161).

De olho nos aspectos que acabo de levantar, será que não poderíamos aplicar essa “boa teoria” ao próprio Adorno? Não deveríamos encontrar em sua obra fraturas necessárias que remetem, objetivamente, à condicionalidades históricas? Certamente, e o próprio Schwarz o diz, em 2003, ao ser entrevistado acerca do legado de Adorno:

Não tenho dúvida de que o ensaísmo periférico de qualidade sugere a existência de certa linearidade indevida nas construções dialéticas de Adorno e do próprio Marx – uma homogeneização que faz supor que a periferia vá ou possa repetir os passos do centro. [...] ou seja, o que há entre as formas sociais da periferia e do centro é uma relação de discrepância e de complementaridade, capaz de evoluir, mas que não é contingente nem tende a se dissolver em igualdade.

(SCHWARZ, 2012b_____. Sobre Adorno (Entrevista). In: Martinha versus Lucrécia: ensaios e entrevistas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012b, p. 44-51., p. 49).

Entretanto, e com isso eu retomo o exame da posição de Adorno nos anos de 1961-1962, parece-me plausível dizer ainda mais do que é dito por Schwarz. Se concordarmos com os argumentos anteriores, o que diz das impossibilidades objetivas inerentes a toda grande obra e o que alude ao peso da circunstância periférica sobre uma concepção dialética da verdade, soa ao menos plausível uma hipótese ainda mais interna ao trabalho do conceito, a saber, a de que toda teoria elaborada no centro tende a ser, em sentido restrito, idealista. Com efeito, como mencionado anteriormente, é razoável seguir Backhaus e identificar o ano de 1961 como aquele no qual Marx é finalmente tomado por Adorno a partir do problema do método. Mais do que isso, se referida a uma questão que marca seu trabalho ensaístico, segundo o que defendi em outro lugar (SILVA, 2006SILVA, Eduardo Soares Neves. Filosofia e arte em Theodor W. Adorno: a categoria de constelação, 2006. Tese (Doutorado em Filosofia). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006., p. 132 ss.), então talvez seja válido indicar que a obra de Adorno – marcada pelo esforço de consecução da doutrina benjaminiana da submersão, uma visada que se põe ao lado do objeto, em seu fluxo contraditório e real – se viu desde sempre acompanhada por seu próprio corcundinha (BENJAMIN, 1995BENJAMIN, Walter. Infância em Berlim por volta de 1900. In: _____. Rua de mão única. Obras escolhidas v. II. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 71-142., p. 141-142), a abstração. O fato de Adorno, no Prefácio da Dialética negativa, ainda remeter a Benjamin ao tratar o problema, na conhecida passagem que diz que “é preciso atravessar o deserto de gelo da abstração para alcançar definitivamente o filosofar concreto” (ADORNO, 2009_____. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar, 2009., p. 7-8), não deve ser visto como sintoma ou denegação, mas como índice de uma necessidade objetiva, um impasse levado à forma, para fazer valer o argumento de Schwarz.

Figura 2
Adorno responde a Schwarz em 1962.

16 de janeiro de 1962

O diretor

Ao senhor

Roberto Schwarz

Yale Station 2676

New Haven, Conn.

U.S.A.

Caro senhor Schwarz,

para meu espanto, vejo que a sua tão gentil carta de 7 de outubro continua ainda sem uma resposta. Peço que me desculpe; pelo visto ela afundou na inundação de papéis em minha escrivaninha, sobre a qual há tempos eu já não tenho mais o domínio.

A coisa não é, no entanto, tão trágica assim, porquanto nos próximos semestres não lecionarei estética; eu estou terminando esse curso agora, nas últimas semanas do semestre. O tema de meu curso no semestre de verão é uma introdução à terminologia filosófica. Ainda não tenho certeza do que será no de inverno; não é impossível que eu tire um período sabático para finalmente concluir algumas coisas mais extensas. Em todo caso, a sua carta é de tal natureza que eu ficaria particularmente contente se o senhor viesse para cá e quisesse estudar conosco. Sou imodesto o bastante para crer que o senhor não partiria de mãos vazias se nada imediatamente concernente à estética fosse tratado.

Com as mais cordiais recomendações,

do seu fiel,

Logo, o que revela o contraste entre a posição de Schwarz “pouco antes de 1964”, remetida à tradição audaciosa de seus professores brasileiros, e a posição de Adorno em 1961-1962, remetida seja ao materialismo de matiz benjaminiano, o da submersão, seja à concepção do concreto como “síntese de múltiplas determinações, portanto, unidade da diversidade”, segundo o modo aberto por Marx (2011, p. 77-78)MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858 – esboços da Crítica da Economia Política. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011. nos Grundrisse, não é somente um erro de atribuição, ou seja, não é apenas o caso da história ser vista de outro modo do lado de cá. No sentido expresso por Schwarz (2012b, p. 49), há uma “relação de discrepância e de complementaridade” entre o que é o material de uma análise materialista com olhos no centro e a mesma análise com olhos na periferia, o que confere à obra de Adorno uma limitação objetiva, “certa linearidade indevida” (2012b, p. 49) justamente ali onde vige sua força, a crítica imanente. Porém, também é possível igualmente dizer que a Adorno faltava a leitura de um Marx materialista neste sentido, a de um método de crítica imanente, algo que só aparece nos seus cursos a partir dos anos 1960, mas que entre nós já era o caso desde alguns anos antes, com o Seminário sobre O capital. Se tomamos a obra de Adorno para além dos textos consagrados, nos quais essa questão só aparece em foco teórico, é quase sempre possível perceber um ligeiro desajuste entre o material recolhido em estudos empíricos e a reflexão que se constrói em relação a esses estudos: tudo ocorre como se a reflexão se fizesse sempre em relação a um mundo que já não é mais, um mundo que se deixa ver apenas residualmente nos estudos empíricos18 18 “Quase sempre” porque os trabalhos coletivos do Instituto – sobretudo os experimentos de grupo e o estudo sobre a personalidade autoritária – escapam largamente desse diagnóstico. Os trabalhos de Adorno no exílio americano são um caso particular dessa regra porque a concepção de pesquisa nos Estados Unidos já refletia, como indica o próprio Adorno posteriormente, um princípio mecânico de divisão entre o tratamento e a análise dos dados, condição que reserva lugar marginal à reflexão. . Não se trata de oposição, talvez de uma variação daquela mesma discrepância notada por Schwarz: a melhor análise concreta da situação social depende do reconhecimento da categoria central a ser examinada em cada momento, algo que sempre esteve à plena luz na periferia, “parte integrante da reprodução da sociedade moderna”, como notou Schwarz (1990, p. 10)_____. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990., porém “como indicativo de uma forma perversa de progresso”. Ora, no marco aberto por Adorno, tal tarefa só é levada à plena consequência, depois de sua morte, por um conjunto heterogêneo de enfoques, desde as teorias da crise até a mencionada crítica do valor.

Tudo isso somado, e de volta ao início, o que temos? Como notei, a carta de Roberto Schwarz, na qual ele solicita estagiar com Adorno em Frankfurt, pega esse último entre dilemas institucionais e inflexões teóricas, no contrapé. Mas por que Adorno? Resguardadas todas as razões, a ausência de teoria em Yale, a importância dessa tradição contraditória para Schwarz, a boa teoria de Adorno, à parte tudo isso, não teria sido um passo atrás ir a Frankfurt?

Depois que tomei conhecimento da correspondência, depois que a tive em mãos e comecei a lidar com essas ideias, peguei-me pensando, como disse lá no início, nas manias de Alexandre Eulálio, nas manias de cada pessoa. Ocupei-me daquelas questões que dão fundo à abertura do texto: o que é fazer curadoria, o que é o cânone, o que é influência e o que é somente gosto. Foi pensando nisso que repus a sentença de Arrigucci Jr.: “dentre as manias que tem Roberto Schwarz, uma – das mais persistentes – é sem dúvida a de gostar de x”. Se a incógnita não foi Antonio Candido, terá sido Adorno? Será que é de Adorno que Schwarz gosta sem precisar? Ando achando que sim.

  • 2
    A descoberta da troca de cartas entre os autores não teria sido possível sem o concurso de vários fatores. Apenas recentemente vieram à tona, ainda como documentos do Theodor W. Adorno Archiv, as pastas com cartas que ele escreveu na condição de diretor do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt. Embora grande parte da correspondência de Adorno já tenha sido publicada e, em alguns casos, exaustivamente estudada, essas pastas ainda não haviam sido examinadas porque compõem o lado institucional de sua correspondência e foram, por isso, guardadas e compiladas em outro setor do Arquivo. Foi justamente em uma dessas pastas que a carta de Roberto Schwarz e a resposta de Adorno foram arquivadas, ainda na década de 1960, e lá ficaram. Há desde muito um rumor acerca da existência dessa correspondência, mas faltava um material a dar contornos ao testemunho. Além disso, calhou de eu estar na Akademie der Künste, uma das sedes do Theodor W. Adorno Archiv, em Berlim, quando Michael Schwarz, um dos responsáveis pelo acervo, concluiu a edição desse material. Sabendo que eu teria interesse, pois gentilmente colabora com minhas pesquisas desde 2013, Michael Schwarz concedeu o acesso aos documentos. Esta nota expressa não apenas meu agradecimento ao colega, meu reconhecimento pelo inestimável trabalho prestado pelo corpo técnico da Akademie der Künste e pela Hamburger Stiftung zur Förderung von Wissenschaft und Kultur, detentora dos direitos sobre a obra de Adorno, como também minha satisfação em ter contado com o apoio do próprio Roberto Schwarz na tarefa.
  • 3
    A tradução de todas as citações de textos originalmente escritos em alemão é de minha responsabilidade.
  • 4
    Primeira entrada em um dos diários de Adorno, o Notizbuch “J”, que leva o nome “Viagem para Paris e Itália”. Material depositado no Theodor W. Adorno Archiv e editado por Gabriele Ewenz, Christoph Gödde, Henri Lonitz e Michael Schwarz no volume intitulado Adorno. Eine Bildmonographie (THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003THEODOR W ADORNO ARCHIV (Ed.). Adorno: eine Bildmonographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 252).
  • 5
    A expressão “brilhou como uma estrela” traduz, de modo atenuado, o sentido da expressão alemã “brüllte wie ein Ochs”, cuja tradução literal, “berrou como um boi”, não tem equivalente direto em português.. Fica, pois, a nota. Além de Maurice Merleau-Ponty e Jean Wahl, estavam presentes nas conferências outras importantes personalidades do cenário intelectual francês, como Robert Minder, Roger Callois, Georges Friedmann e Frederick Goldbeck (cf. MÜLLER-DOOHM, 2003MÜLLER-DOOHM, Stefan. Adorno: Eine Biographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 618).
  • 6
    Cf. a nota do dia 12 de abril (in THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003THEODOR W ADORNO ARCHIV (Ed.). Adorno: eine Bildmonographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 269) e a do dia 15 de abril de 1961 (in THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003THEODOR W ADORNO ARCHIV (Ed.). Adorno: eine Bildmonographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 272-273).
  • 7
    Cf. a nota do dia 14 de abril (in THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003THEODOR W ADORNO ARCHIV (Ed.). Adorno: eine Bildmonographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 273).
  • 8
    Menções a um permanente cansaço e incapacidade de dormir são frequentes. Em particular, destaca-se a entrada do dia 16 de abril: “Sentado profundamente deprimido no hotel. Estou envelhecendo: let’s face it” (in THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003THEODOR W ADORNO ARCHIV (Ed.). Adorno: eine Bildmonographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 273).
  • 9
    No mesmo período, em setembro de 1961, Adorno apresenta o ensaio “Vers une musique informelle”. Compreendido no contexto das Conferências de Kranichstein, reunião de suas sucessivas participações no Festival de Darmstadt (Internationale Ferienkurse für Neue Musik), esse ensaio é talvez o marco mais importante de sua reflexão madura acerca do atonalismo na nova música (cf. ADORNO, 2014_____. Nachgelassene Schriften. Abteilung IV: Vorlesungen – Band 17: Kranichsteiner Vorlesungen. Herausgegeben von Klaus Reichert und Michael Schwarz. Berlin: Suhrkamp, 2014.b).
  • 10
    Nota dos editores, em Ästhetische Theorie (ADORNO, 1995ADORNO, Ästhetische Theorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995., p. 539).
  • 11
    As atas foram reunidas em Theodor W. Adorno et al. (1989)_____. Versuch, das Endspiel zu verstehen. In: _____. Noten zur Literatur. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998, p. 281-321..
  • 12
    Noto que, rigorosamente, a controvérsia só se instala plenamente a partir de sua segunda rodada, depois das conferências de Popper e Adorno, ou seja, com Habermas e Albert e, de modo enfático, com a “Introdução” escrita por Adorno, em 1969ADORNO, Theodor W. et al. (1969). Der Positivismusstreit in der deutschen Soziologie. Darmstadt: Luchterhand, 1989., para o volume de atas. As implicações mais diretas desse fato são tiradas por vários comentadores, como os mencionados Dahms (1994, p. 351 ss.)DAHMS, Hans-Joachim. Positivismusstreit. Die Auseinandersetzung der Frankfurter Schule mit dem logischen Positivismus, dem amerikanischen Pragmatismus und dem kritischen Rationalismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994. e Müller-Doohm (2003, p. 645 ss)MÜLLER-DOOHM, Stefan. Adorno: Eine Biographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003..
  • 13
    Cf. o anexo “Theodor W. Adorno über Marx und die Grundbegriffe der soziologischen Theorie. Aus einer Seminarmitschrift im Sommersemester 1962” (BACKHAUS, 1997BACKHAUS, Hans-Georg. Dialektik der Wertform: Untersuchungen zur Marxschen Ökonomiekritik. Freiburg im Breisgau: Ça Ira, 1997., p. 501-513). Devo essa pista a uma conversa com Luiz Philipe de Caux, a quem agradeço.
  • 14
    Foi nesse período, aliás, que Adorno cuidou de estreitar vínculos com luminares da sociologia alemã, algo que prepara sua entrada na controvérsia do positivismo alguns anos depois (cf. MÜLLER-DOOHM, 2003MÜLLER-DOOHM, Stefan. Adorno: Eine Biographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 935).
  • 15
    Em uma sequência de cartas iniciadas por Adorno, em 12 de maio de 1958, e que terminou por envolver, além da Reitoria e os Conselhos Superiores da Universidade de Frankfurt, também a Prefeitura e Superintendência de Polícia da cidade de Frankfurt, discute-se a necessidade da instalação de um semáforo para pedestres no cruzamento da Senckenberganlage, na esquina do Instituto de Pesquisa Social. O affaire culmina em uma carta desolada de Adorno ao Frankfurter Allgemeine Zeitung, em 18 de julho de 1962, e tem sua resolução de fato apenas em 1987, quando, enfim, o cruzamento recebe o semáforo (cf. THEODOR W ADORNO ARCHIV, 2003THEODOR W ADORNO ARCHIV (Ed.). Adorno: eine Bildmonographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003., p. 236-241).
  • 16
    Sua ida para o Estados Unidos da América, não no que concerne às possibilidades acadêmicas, mas às condições institucionais, é – nesses termos – parte de um intrincado processo vinculado à posição precária de Antonio Candido na Universidade de São Paulo e à criação do curso de Teoria Literária e Literatura Comparada, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFLCL/USP). A questão se encontra detalhada na tese de Lidiane Soares Rodrigues (2012)RODRIGUES, Lidiane Soares. A produção social do marxismo universitário em São Paulo: mestres, discípulos e “Um Seminário” (1958-1978). Tese (Doutorado em História Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2012.. De modo inesperado, pois fruto de uma descoberta ao acaso, o que aqui se apresenta é um documento que complementa a tese de Rodrigues, cuja leitura aconselho vivamente.
  • 17
    Um grande número de textos lida com esse arco de tensões. Para os fins aqui perseguidos, destacam-se: Paulo Eduardo Arantes (1992, p. 90 ss.)ARANTES, Paulo Eduardo. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira: dialética e dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.; Rodrigues (2012, p. 477 ss.)RODRIGUES, Lidiane Soares. A produção social do marxismo universitário em São Paulo: mestres, discípulos e “Um Seminário” (1958-1978). Tese (Doutorado em História Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2012.; Maria Elisa Cevasco (2007)CEVASCO, Maria Elisa. O avesso do atraso: notas sobre Roberto Schwarz. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 16, 2007, p. 9-26.; e Bernardo Ricupero (2013)RICUPERO, Bernardo. O lugar das ideias: Roberto Schwarz e seus críticos. Sociologia e Antropologia, Rio de Janeiro, n. 6, 2013, p. 525-556..
  • 18
    “Quase sempre” porque os trabalhos coletivos do Instituto – sobretudo os experimentos de grupo e o estudo sobre a personalidade autoritária – escapam largamente desse diagnóstico. Os trabalhos de Adorno no exílio americano são um caso particular dessa regra porque a concepção de pesquisa nos Estados Unidos já refletia, como indica o próprio Adorno posteriormente, um princípio mecânico de divisão entre o tratamento e a análise dos dados, condição que reserva lugar marginal à reflexão.
  • SILVA, Eduardo Soares Neves. Schwarz-Adorno: Unbekannt verzogen – endereço desconhecido. Apresentação de uma correspondência. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 74, p. 330-344, dez. 2019.

REFERÊNCIAS

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  • _____. Versuch, das Endspiel zu verstehen. In: _____. Noten zur Literatur Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998, p. 281-321.
  • _____. Dialética negativa Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
  • _____. Nachgelassene Schriften. Abteilung IV: Vorlesungen – Band 17: Kranichsteiner Vorlesungen. Herausgegeben von Klaus Reichert und Michael Schwarz. Berlin: Suhrkamp, 2014.
  • _____. Vers une musique informelle (1961). In: _____. Nachgelassene Schriften. Abteilung IV: Vorlesungen – Band 17: Kranichsteiner Vorlesungen. Herausgegeben von Klaus Reichert und Michael Schwarz. Berlin: Suhrkamp, 2014b, p. 381-446)
  • ADORNO, Theodor W. et al. (1969). Der Positivismusstreit in der deutschen Soziologie Darmstadt: Luchterhand, 1989.
  • ARANTES, Paulo Eduardo. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira: dialética e dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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  • BACKHAUS, Hans-Georg. Dialektik der Wertform: Untersuchungen zur Marxschen Ökonomiekritik. Freiburg im Breisgau: Ça Ira, 1997.
  • BENJAMIN, Walter. Infância em Berlim por volta de 1900. In: _____. Rua de mão única. Obras escolhidas v. II. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 71-142.
  • CEVASCO, Maria Elisa. O avesso do atraso: notas sobre Roberto Schwarz. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 16, 2007, p. 9-26.
  • DAHMS, Hans-Joachim. Positivismusstreit Die Auseinandersetzung der Frankfurter Schule mit dem logischen Positivismus, dem amerikanischen Pragmatismus und dem kritischen Rationalismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994.
  • MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858 – esboços da Crítica da Economia Política. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011.
  • MÜLLER-DOOHM, Stefan. Adorno: Eine Biographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003.
  • RICUPERO, Bernardo. O lugar das ideias: Roberto Schwarz e seus críticos. Sociologia e Antropologia, Rio de Janeiro, n. 6, 2013, p. 525-556.
  • RITSERT, Jürgen. Der Positivismusstreit. In: KNEER, Georg; MOEBIUS, Stephan (Org.). Soziologische Kontroversen: Beiträge zu einer anderen Geschichte der Wissenschaft vom Sozialen. Berlin: Suhrkamp, 2010, p. 102-130.
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  • _____. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1977.
  • _____. Pressupostos, salvo engano, de “Dialética da malandragem”. In: Vários autores. Esboço de figura: homenagem a Antonio Candido. São Paulo: Duas Cidades, 1979, p. 133-154.
  • _____. Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, 1987a.
  • _____. Pressupostos, salvo engano, de “Dialética da malandragem”. In: _____. Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, 1987b, p. 129-155.
  • _____. Nacional por subtração. In: _____. Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, 1987c, p. 29-48.
  • _____. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990.
  • _____. O pai de família e outros estudos 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992a.
  • _____. Cultura e política, 1964-1969. Alguns esquemas. In: _____. O pai de família e outros estudos 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992b, p. 61-92.
  • _____. Por que “ideias fora do lugar”?. In: _____. Martinha versus Lucrécia: ensaios e entrevistas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012a, p. 165-172.
  • _____. Sobre Adorno (Entrevista). In: Martinha versus Lucrécia: ensaios e entrevistas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012b, p. 44-51.
  • SILVA, Eduardo Soares Neves. Filosofia e arte em Theodor W. Adorno: a categoria de constelação, 2006. Tese (Doutorado em Filosofia). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
  • THEODOR W ADORNO ARCHIV (Ed.). Adorno: eine Bildmonographie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2019
  • Aceito
    07 Nov 2019
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