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Quem arrisca perde e ganha: um estudo sobre O sedutor do sertão, de Ariano Suassuna

Whoever takes the risk loses and wins a study on O sedutor do sertão, by Ariano Suassuna

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar um romance de Ariano Suassuna (1927-2014) publicado postumamente: O sedutor do sertão (2020). Apesar de seu aspecto deleitável (o que poderia gerar a impressão de uma escrita facilitada), O sedutor do sertão se mostra uma obra de ampla complexidade compositiva. Fatos históricos da Paraíba, motivos populares, citação de folhetos de cordel e aproveitamento cromático, tudo isso se concentra na elaboração de uma obra rica em detalhes, bem ao estilo de Ariano Suassuna.

PALAVRAS-CHAVE
Ariano Suassuna; O sedutor do sertão; cultura popular; folhetos de cordel; Cor

ABSTRACT

This paper aims to analyze a posthumously published novel of the Brazilian writer Ariano Suassuna (1927-2014): O sedutor do sertão (2020). Despite being an easy-to-read book (what could give the reader a wrong impression about its literary qualities), O sedutor do sertão proves to be a work of a great complexity in its composition. Historic facts of Paraíba (Northeast of Brazil), folk themes, quotation about some chapbooks, chromatic usage, all of this comes together for the production of a work full of details, as usual to Ariano Suassuna.

KEYWORDS
Ariano Suassuna; O sedutor do sertão; folk culture; chapbooks; Color

“Quem não olha não vê “Quem não briga não apanha quem nunca diz nunca ouve quem não ama não tem manha quem nunca se arriscou nunca perdeu nem ganhou quem arrisca perde e ganha”

Sátiro Xavier Brandão, A triste sorte de Jovelina

Em 2020, foi publicado um romance inédito do poeta, dramaturgo, romancista, ensaísta e artista plástico Ariano Suassuna (1927-2014). Trata-se de O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada, cujo projeto original, na verdade, estava para ser levado às telas do cinema, em filme sob direção e roteiro de Luiz Paulino dos Santos (1932-2017). Segundo datação do próprio livro, Suassuna preparou a obra entre 7 e 30 de março de 1966, já em formato de romance, mas com uma estrutura amplamente amparada no diálogo, de modo a facilitar sua roteirização. Segundo Carlos Newton Júnior (1966-), em prefácio à edição de 2020, a produção cinematográfica malogrou por falta de verbas, e os originais de Suassuna permaneceram inéditos até a morte do escritor. É desse livro pouco conhecido de Suassuna que pretendemos tratar aqui.

As ações do romance transcorrem entre o sertão e o brejo paraibanos, em meio ao conflito entre as forças militares de João Pessoa (1878-1930), então presidente do estado da Paraíba (1928-1930), e os revoltosos liderados pelo coronel José Pereira Lima (1884-1949). O coronel José Pereira havia declarado a independência política e administrativa do município de Princesa (atualmente Princesa Isabel), localizado na região da Serra do Teixeira. Os revoltosos paraibanos contavam com o apoio de Washington Luís (1869-1957), então presidente do Brasil (1926-1930) pelo Partido Republicano (donde o adjetivo “perrepista”; ou “perré”, nos termos do romance). Washington Luís era opositor político de João Pessoa, que, por sua vez, pertencia à Aliança Liberal (donde o adjetivo “liberalista”, também constante na narrativa). Logo nas primeiras linhas de O sedutor do sertão aparece a data de 28 de fevereiro de 1930. Isso não vem à toa: nesse dia, foi declarada oficialmente a independência de Princesa. O conflito só terminaria em 11 de agosto de 1930, depois da repercussão negativa ocasionada pelo assassinato de João Pessoa em 26 de julho do mesmo ano2 2 BEZERRA (2008), sobretudo os capítulos primeiro e quarto. .

Apesar de a guerra de Princesa percorrer praticamente toda a narrativa, as principais personagens não tomam partido de nenhuma das forças em disputa: nem da oficialidade estadual, nem dos revoltosos sertanejos. Como afirma Malaquias Pavão, protagonista do romance: “E eu tenho nada a ver com isso? Eles que se lasquem! Eu sou do partido do povo e das mulheres!” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 173). As personagens de O sedutor do sertão são gente do povo e, honesta ou desonestamente, vão se desviando das principais contendas da época, ainda que diretamente implicadas nelas. Como atuam sem o respaldo das zonas de poder, escolher um dos lados seria, em algum momento, motivo para o próprio fiasco. Essa abordagem de Suassuna é a que encontramos, por exemplo, na obra O desertor de Princesa (1948-1958), cujo drama central se concentra na perseguição e morte de um desertor da polícia militar paraibana, durante o conflito já relatado3 3 A Guerra de Princesa é ainda referida por Suassuna no Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971): “[…] Dom José Pereira Lima, aquele mesmo Fidalgo sertanejo que, em 1930, se rebelara contra o Governo, tornando-se Rei-guerrilheiro de Princesa, proclamando a independência do município com hino, selo, bandeira, constituição e tudo, subvertendo o Sertão da Paraíba à frente do seu exército de 2.000 homens de armas, numa guerrilha heroica que o governo do Presidente João Pessoa em vão tentou vencer com sua Polícia.” (SUASSUNA, 2017, p. 59). . A bem da verdade, a visão de O desertor de Princesa é ainda mais negativa, já que, segundo a peça, mesmo os que não estavam implicados na disputa sofriam algum tipo de violência:

ANTÔNIO - […] A gente saiu de tarde e encontrou um rapaz no mato. O cabo disse que ele era dos cangulos de Princesa e o rapaz disse que não. Era dali mesmo de Tavares, tinha corrido com o tiroteio, mas de vez em quando voltava escondido, para vigiar o gado de seu pai, solto ali na manga. Eram só três cabeças, duas vacas e um garrote. Ele pediu que não matassem as três reses, que era tudo o que seu pai tinha. Prometeu que mostraria outras, de gente mais rica, mas não houve jeito. Amaro pegou o fuzil e ali mesmo matou todas três […]. O menino chorava de fazer dó, mas todo mundo achou graça. (SUASSUNA, 2018SUASSUNA, Ariano. Teatro completo de Ariano Suassuna: tragédias, v. 2. Apresentação de Alexei Bueno. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018., p. 186).

Daí que as personagens de O sedutor do sertão tenham de transitar de um lado a outro, ludibriando como podem os oficiais e os revoltosos. Da parte de Suassuna, essa perspectiva corrige uma posição que ele tomara na mocidade: a de defender os revoltosos de Princesa como representantes da classe popular, o que, historicamente, era um equívoco. Mesmo os sediciosos de Princesa representavam a força política e econômica dos coronéis locais. Em partes, esse posicionamento inicialmente favorável aos revoltosos era uma reação de Suassuna à morte fatídica de seu pai, João Suassuna (1886-1930), assassinado devido à turbulência gerada pela morte de João Pessoa4 4 Não custa mencionar que João Suassuna (1886-1930) havia antecedido João Pessoa no governo da Paraíba (1924-1928), sendo-lhe oponente político. Pessoa foi assassinato por João Duarte Dantas (1888-1930), parente de João Suassuna. Hoje se sabe que as motivações para o crime contra João Pessoa foram pessoais, mas à época o assassinato do então líder da Paraíba foi instrumentalizado politicamente, o que resultou no assassinato de João Suassuna, ainda em 1930, muito embora este não estivesse implicado na morte de seu oponente. :

Eu era uma criança quando abri os olhos e vi que meu pai tinha sido assassinado. Anos depois, eu pegava os jornais e lia que a Revolução de 30 tinha sido uma luta do Brasil arcaico, rural, representado pelo lado do meu pai, contra o Brasil moderno, urbano, representado pelo João Pessoa. Ou seja: o lado mau, o lado ruim, contra o lado bom - e meu pai, dentro dessa idéia [sic], era o mal. Para mim, então, a invasão de Princesa pela polícia paraibana se transformou na invasão de Canudos pelos republicanos. Aí eu pensei: preciso reagir, tomar a posição contrária; o urbano é que é ruim, e não o rural. Eu não tinha visão suficiente para notar que havia uma diferença que não permitia comparar a guerra de Princesa com a guerra de Canudos. Em Canudos, o Brasil urbano e privilegiado se lançou contra o arraial popular; no caso de Princesa, eram privilegiados da cidade contra privilegiados do campo. Quando percebi isso, entrei em crise. (CADERNOS, 2000CADERNOS de Literatura Brasileira. Ariano Suassuna. Instituto Moreira Salles. n. 10, nov., 2000., p. 40).

O fragmento acima é bem ilustrativo da perspectiva que se adota em O sedutor do sertão, isto é, a de considerar a guerra de Princesa como uma contenda que pouco tinha a favorecer à população em geral. Aliás, não nos parece gratuita a dedicatória do romance: “À memória de Euclydes [sic] da Cunha, que escreveu a mais decisiva de todas as obras para a revelação do Brasil a si mesmo” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 5). Coincidentemente ou não, o ano de escrita do romance corresponde ao do centenário de nascimento de Euclides da Cunha (1866-1909)5 5 Esse dado não gera estranheza, visto que as datas utilizadas por Suassuna lhe são importantes extraliterariamente, quer por motivos diretamente pessoais (o caso mais frequente), quer por outros motivos. Como o próprio Suassuna reconhece: “Sou muito atento a esse negócio de datas […]”. (CADERNOS, 2000, p. 24). . Nesse sentido, o fragmento acima parece envolver todos os meandros contidos na arquitetura textual do romance, a começar pela dedicatória e a continuar pelo tema da obra, que, segundo Newton Júnior (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 13), foi retirado de Os Sertões (1902); mais precisamente de “Polícia de bandidos”, capítulo V de “O Homem” (2014, p. 195-196):

Conta-se que de uma feita alguns tropeiros inexpertos, vindos do Juazeiro, foram ter a Canudos, levando alguns barris do líquido inconcesso. Atraía-os o engodo de lucro inevitável. Levavam a eterna cúmplice das horas ociosas dos matutos. Ao chegarem, porém, tiveram, depois de descarregarem na praça a carga valiosa, desagradável surpresa. Viram, ali mesmo, abertos os barris, a machado, e inutilizado o contrabando sacrílego. E volveram rápidos, desapontados, tendo às mãos, ao invés do ganho apetecido, o ardor de muitas dúzias de palmatoadas, amargos bolos com que os presenteara aquela gente ingrata.

O intertexto com esse fragmento aparece no capítulo L do romance de Suassuna, quando igual contrabando encontra o fanático D. Pedro Miguel: “O pessoal fuzilou as ancoretas que começaram a embeber o duro chão sertanejo com a limpa e pura cachaça do Brejo que dera tanto trabalho levar até ali.” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 201). No caso de O sedutor do sertão, o contrabando indicado tinha sido feito por empenho e liderança do já mencionado Malaquias Pavão:

[…] raizeiro, vendedor de folhetos, de raízes, xaropes e garrafadas - coisa que fazia às claras porque eram atividades que não pagavam imposto -, e aguardenteiro, contrabandista, cambiteiro, vendedor de cachaça sem selo - o que fazia escondido, segundo dizia, “para não entrar em choque com as autoridades constituídas”. (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 25).

O sedutor indicado pelo título do romance trata-se, justamente, de Malaquias. Daí o sobrenome “Pavão”, que, como sabemos, é animal cujos dotes físicos servem para atrair a fêmea. A própria personagem o confirma: “Eu não sou galo de briga não, sou galo de reprodução.” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 63). Aliás, não faltam a Malaquias oportunidades de “pavoneamento”, uma vez que se sagra vitorioso em quase todos os desafios que enfrenta, por mais difíceis e imprevistos que sejam.

Malaquias será referido também no Romance d’A Pedra do Reino. Pode-se dizer que sua trajetória individualizada em O sedutor do sertão nasce das ideias nutridas pela escrita de A Pedra do Reino, que se realiza entre 1958 e 1970, e cuja publicação se dá em 1971, pela José Olympio Editora. No Romance d’A Pedra do Reino, Malaquias é referido como o irmão bastardo predileto de Pedro Dinis Quaderna, protagonista da obra:

E finalmente, último mas não derradeiro na minha admiração, vinha o predileto entre os meus prediletos, Malaquias Nicolau Pavão Quaderna, aguardenteiro, conquistador, folheteiro e Cambiteiro, no papel guerreiro e heroico de Lamberto de Bruxelas! (SUASSUNA, 2017SUASSUNA, Ariano. Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. 16. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017., p. 403).

A presença de Malaquias era-me indispensável porque ele, ao contrário do que acontece comigo, é corajoso, bom Cavaleiro, bom atirador e bom caçador. […] Meu irmão Malaquias, porém, era um desses homens que, sem esforço nenhum, atraem risonhamente as mulheres, coisa que sempre me causou a maior inveja. (2017, p. 125).

Além dessas informações, em parte reconhecíveis no livro de 1966, temos acesso ao destino de “Rei-de-Ouro”, o cobiçado cavalo de Malaquias, e ao destino de Silviana, sua grande aventura amorosa: “E daí a pouco, por um portão lateral e traseiro da casa, surgia meu irmão, montado no famoso ‘Ás-de-Ouro’, cavalo que substituíra o legendário e seu quase homônimo ‘Rei-de-Ouro’ […].” (SUASSUNA, 2017SUASSUNA, Ariano. Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. 16. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017., p. 294); “Malaquias fora almoçar em casa, com Silviana, mulher dele.” (2017, p. 316). Há que observar que Silviana, esposa de Pavão e referida no romance de 1971 apenas nesse fragmento, é, em termos accionais e descritivos, bem mais desenvolvida em O sedutor do sertão.

A correspondência entre ambos os romances ainda continua: também em O sedutor do sertão encontramos referência ao já mencionado Pedro Dinis Quaderna: “Nós somos empregados, empregados de confiança de um homem bom, Seu Dinis Quaderna, de Taperoá, e esse dinheiro é do meu patrão!” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 118). Ou, ainda: “Dinis Quaderna. Ele foi fiscal e cobrador de impostos, e agora é Diretor de Biblioteca. Mas continua com a mesma força junto dos fiscais. É um homem generoso e compreensivo.” (2020, p. 183). Como também: “Com a proteção de Dinis Quaderna, passaram por Taperoá sem aperreios maiores.” (2020, p. 185). Para fecharmos a conta, é ainda coincidente a ambos os romances a personagem Luís do Triângulo, de caráter secundário. No Romance d’A Pedra do Reino, ele aparece como dono do terreno onde se localizavam as pedras que dão nome ao livro; em O sedutor do sertão, ele fornece a Malaquias um salvo-conduto para terras dominadas pelos revoltosos de Princesa.

As demais personagens do romance de 1966 foram criadas especificamente para essa narrativa. Uma delas é Miguel Biôco, estribeiro de Malaquias. Biôco é, em quase tudo, oposto ao patrão:

Miguel, que tinha montado no jumento, balançou filosoficamente a cabeça e disse:

- Está vendo, companheiro? Aquele homem é alto, eu sou baixo; é rico, eu sou pobre; é querido das mulheres, eu não sou; para escarnecer, por cima de tudo, tem cabelo, eu sou careca […]. (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 39).

Essa descrição justifica, inclusive, o sobrenome “Biôco”, termo que, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, apresenta uma noção de “discrição exagerada [e] ridícula”. Não vem à toa, portanto, Biôco ser “baixo, careca, meio estrábico, feio que só uma briga de foice, [e fazer] uma figura bem diferente [da do patrão]” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 34). Como são “cavaleiros andantes” (o ofício de contrabando assim o exige), sua associação não deixa de remeter-nos ao par Dom Quixote e Sancho Pança, da famosa obra de Miguel de Cervantes (1547-1616). Mas se o herói de Cervantes é um idealista fracassado, o mesmo não se poderia afirmar quanto a Malaquias, segundo o que veremos. De todo modo e em referência ainda ao estribeiro de Malaquias, sua função de serviçal atento em tudo ao patrão é mais próxima a de Sancho com relação ao cavaleiro da triste figura. Biôco é um “grande admirador de Malaquias e seu secretário nas suas andanças secretas e aventurosas pelo Sertão […]” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 25)6 6 Observar a semelhança fonética entre “estribeiro”, relativo a Biôco, e “escudeiro”, correspondente a Sancho Pança. . É quase uma sombra de Malaquias, chegando ao ponto de tomar as ações do patrão como modelo das próprias. Ainda sobre o papel de ambos na narrativa, há no romance um diálogo entre Malaquias e Miguel que vale a pena mencionar:

  • - Seu nome é Miguel Biôco. Você sabe o que é que quer dizer Biôco?

  • - Não.

  • - É “falsa modéstia”.

  • - Eu sempre pensei que Biôco queria dizer “azar”.

  • - Pois é “falsa modéstia”. Você diz que não é um Pavão, por modéstia. Então você acha pouco ser Dom Miguel Biôco, o Falsa Modéstia, estribeiro de Malaquias Pavão?

  • - Não! - disse Miguel empertigando-se. (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 86).

Mesmo esse fragmento, que prometia ser um elogio de Malaquias aos valores do empregado, nada mais é do que uma exaltação ao próprio Malaquias. O “empertigar-se” de Miguel tem um significado claro: como era de se esperar, Miguel se ilude pela conversa do patrão e toma para si o que na verdade era do outro. Em outras palavras, seu único qualificativo é ser o “estribeiro de Malaquias Pavão”. Continua o trecho: “você acha pouco?”. Miguel se apruma no cavalo e responde confiante: “Não”.

Em termos históricos, a dupla representa um par comum no Nordeste do Período Colonial: “Era então o cavalo ortodoxo do senhor de engenho; o que ele cobria de prata quando saía em visita aos parentes ou a passeio pelos engenhos vizinhos, o escudeiro ou pajem de lado, num cavalo menos senhoril.” (FREYRE, 2013FREYRE, Gilberto. Nordeste. São Paulo: Global, 2013., p. 150). E tudo isso observamos em O sedutor do sertão: garbosidade no trajar, zelo com a montaria, diferenças entre o senhor e o servo. O único porém: Malaquias não é senhor de engenho.

Estruturalmente, essa dupla masculina corresponde ao par feminino “Silviana e Maria Cascalha”, patroa e empregada, respectivamente. Um dos pontos chave da obra é o empenho de Malaquias e de Miguel na conquista sentimental de ambas: “A bela Silviana”, a quem cabem os predicativos positivos, faz par com Malaquias, que lhe corresponde à altura em qualificativos físicos. Por sua vez, “Maria Cascalha”, “sua dama de companhia […], mulher já não muito nova, de rosto severo mais imponente, um pouco soturna e misteriosa” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 26), corresponde fisicamente a Miguel, ainda que de forma menos pejorativa. No caso de “Cascalha” (cf. “cascalho”), novamente o sobrenome aponta para a natureza da personagem, se não ignoramos seu “coração [e comportamentos] de pedra” (2020, p. 116).

O apelo significativo dos sobrenomes não é um fato aleatório nesse romance, aliás. O grande oponente de Pavão é Sinfrônio Perigo. O termo “perigo” marca os riscos que Malaquias enfrenta na tentativa de conquistar Silviana, que é mulher de Sinfrônio (na verdade concubina, como se descobre ao final). Poderíamos destacar ainda Claudemira Minha Santa, cujo sobrenome esconde/revela, comicamente, sua condição de prostituta.

Em se tratando da fatura da obra, Malaquias Pavão é uma personagem que encarna a um só tempo duas perspectivas distintas e recorrentes nas narrativas populares: a do herói capacitado e a do fracote esperto. Em termos de tradição literária, essas duas perspectivas mantêm ligação com o romance aventuresco de cavalaria e com a narrativa picaresca. Como afirma Newton Junior (2020NEWTON JÚNIOR, Carlos. Romance heroico e picaresco. In: SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 14): “Malaquias, porém, não é apenas um pícaro, como o personagem [João Grilo] do Auto da Compadecida; pulsa nas suas veias […] aquela parcela de sangue do herói tradicional […]”. De forma inversa, também poderíamos afirmar que Malaquias não é apenas um herói tradicional: pulsa em suas veias uma parcela de sangue do anti-herói picaresco.

À semelhança do romance de cavalaria, em O sedutor do sertão “o tempo se decompõe numa série de segmentos-aventuras” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Trad, posfácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 99), mas já não encontramos aí “um universo variadamente estranho e um tanto abstrato” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Trad, posfácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 99), porque, como sabemos, a matéria cômica é demais hodierna para permitir que a ação se expanda ao tempo de um passado mítico: “É justamente o riso que destrói a distância épica e, em geral, qualquer hierarquia de afastamento axiológico. […] O riso destrói o temor e a veneração para com o objeto e com o mundo, coloca-o em contato familiar […]” (BAKHTIN, 1998BAKHTIN, Mikhail. Epos e romance: sobre a metodologia do estudo do romance. In: BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Bernadini et al. 4. ed. São Paulo: Editora da UNESP, 1998. p. 397-428., p. 413-414). Mesmo a “fidelidade ao amor e ao código-dever do cavaleiro”, que fazem parte do “papel organizativo” dos “heróis e dos objetos” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Trad, posfácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 99), refazem-se no romance de Suassuna conforme os critérios de uma personagem cujo partido é o “das mulheres” (o que significa assiduidade nos bordéis do interior paraibano) e cuja conduta se revela indiferente a outros valores morais: “Essa partida, que vai ser a maior de todas, a gente não paga a ele, porque não voltamos lá nunca mais. […] Sei não, pra mim, Sinfrônio morre nessa viagem” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 113).

Também a carnadura do presente faz de possíveis oportunidades de “encantamentos de todo tipo, que desprendem provisoriamente o homem dos acontecimentos” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Trad, posfácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 100), meras situações de riso, a exemplo do logro produzido por Malaquias Pavão e por seu estribeiro na venda do elixir Capeconha, uma garrafada de folhas e raízes sem préstimo, vendida a título de alto poder medicinal. No capítulo XIII, Malaquias atende um homem que tinha ficado paralítico depois da traição e abandono da esposa. Perscrutando o contexto, o protagonista se serve do elixir para “curar” o homem da paralisia. O “milagre” acontece. Mas isso acontece apenas em termos diegéticos. O leitor, no entanto, consegue captar toda a encenação arquitetada por Malaquias e o engodo que este produz na população local a partir do problema/cura do “paralítico”.

Malaquias Pavão é um aventureiro como o herói de cavalaria; mas, ao contrário deste, ele o é “no sentido do homem que sobriamente persegue seus objetivos cobiçosos pelos insólitos caminhos da vida” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Trad, posfácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 101). Não custa retomar um intertexto: “Atraía-os o engodo de lucro inevitável” (CUNHA, 2014CUNHA, Euclides da. Os sertões. Prefácio de Paulo Roberto Pereira. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional; Brasília: Editora da UnB, 2014., p. 195). Até certo ponto, podemos afirmar que se projeta no universo espaçotemporal de O sedutor do sertão os termos: “A hipocrisia e a mentira impregnaram todas as relações humanas.” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Trad, posfácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 113). E hipocrisia e mentira, porque todas as relações de poder, traduzidas no romance pelo conflito de Princesa e por figuras aparentemente alheias à contenda (o fanático D. Pedro Miguel e o coronel Marcolino, por exemplo), não chegam a apagar um cenário de contradições visíveis. Pensemos no coronel Marcolino, chefe político de uma cidadezinha do interior paraibano. Ele compra de Malaquias todo um carregamento de cachaça sem selo, ainda que isso desrespeitasse as leis fiscais. Afirma o coronel: “Alguém aí tem alguma coisa a reclamar porque o chefe desta porcaria, gosta de cachaça do Brejo?” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 109). Com essa fala e com um tabefe que recebeu, o fiscal recua e até elogia o proceder do coronel: “Só gosto de servir a chefe que tenha coragem. Cabra magro e alto do pulso bom!” (2020, p. 109). O sargento que lhe dava proteção concorda: “Que homem violento, esse Coronel Marcolino! Mas gosto dele porque é homem de opinião” (2020, p. 109). O logro de Malaquias aqui se dá, naturalmente, com relação ao fiscal e ao sargento, os quais, momentos antes, tentavam enquadrá-lo na conformidade da lei. Nos termos da narrativa, isso não significa adesão de Malaquias aos coronéis. É suficiente dizer que a cachaça vendida por ele era furtada de outro coronel (Melânio). Para Malaquias, pouco importa quem esteja perdendo, desde que não seja ele próprio. Malaquias joga com aquilo que lhe é favorável. Sem justificarmos perdas e danos, a astúcia é o recurso que ele despende para sobreviver (e bem viver) dentro de um cenário de arbitrariedades de todo o tipo: “A esses elementos contrapõem-se como força desmascaradora a inteligência lúcida, alegre e sagaz do pícaro (a imagem de vilão, de pequeno contramestre urbano, de jovem clérigo errante e, em geral, de vagabundo desclassificado) […]” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Trad, posfácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 113).

Com Malaquias, permanece a disposição pessoal para lidar com as situações adversas através da sagacidade que compõe o cenário picaresco, mas o papel diegético desempenhado é outro. Ele, por exemplo, não pode ser (nem é) um vilão ou um vagabundo desclassificado: “Era ele o célebre Malaquias Pavão, fidalgo das hierarquias populares, cavaleiro sertanejo que morava no Brejo e fazia de Alagoa Grande a sede de suas atividades, quase todas aventurosas e ilegais.” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 17). Ou: “Malaquias Pavão, ou melhor, Dom Malaquias Lamberto, Conde Pavão de Bruxelas, e seu estribeiro Miguel Biôco continuaram a viagem.” (2020, p. 86). Bem como: “Malaquias Pavão, ou melhor, Dom Malaquias Pavão, Conde de Hoel de Nantes, trouxe para vocês a salvação para os males do corpo, com a maravilhosa Garrafada Capeconha […]” (2020, p. 80)7 7 Os títulos “Lamberto de Bruxelas” e “Conde Hoel de Nantes” são encontrados no ciclo de Carlos Magno. Em O sedutor do sertão, constam referências a dois folhetos ligados a esse ciclo: 1) Roldão no leão de ouro (ou, ainda, O príncipe Roldão no leão de ouro), cuja autoria é incerta, havendo atribuições a João Martins de Athayde (1880-1959) e a João Melquíades Ferreira (1869-1933), sendo que Batista (1973, p. 374) tributa o texto a Athayde; 2) O imperador Carlos Magno e os doze pares de França, cujo exemplar mais próximo que pudemos localizar foi o de João Lopes Freire: A História de Carlos Magno e os doze pares de França. . Nos termos de Bakhtin, Malaquias até poderia se fazer um “clérigo errante”, mas somente como máscara, como fingimento para alcance de uma determinada meta. Um exemplo: para escapar do fuzil do fanático D. Pedro Miguel, “Senhor Bispo da Paraíba e Rei do Sertão” (2020, p. 202), Malaquias se declara o “Cavaleiro de Nossa Senhora e […] Presidente de Honra da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Juazeirinho” (2020, p. 201). Mesmo os planos de João Grilo, personagem astuto do Auto da Compadecida (1955), em algum momento falham e mostram o que são: meros disfarces de esperteza. Com o ardiloso Malaquias, isso só acontece uma vez: justamente diante do fanático Miguel, e, mesmo assim, Malaquias consegue, ao menos, conservar sua vida e a dos demais companheiros (Miguel Biôco, Maria Cascalha e Silviana). Como afirma o romanceiro popular: “quem arrisca perde e ganha” (BRANDÃO, 1951BRANDÃO, Satiro Xavier. A triste sorte de Jovelina. Juazeiro do Norte/CE: Tip. São Francisco, 1951., p. 32).

Em termos de precisão técnica, portanto, Malaquias Pavão não é, de todo, um herói; como tampouco é, de todo, um anti-herói: ele transita entre um e outro, podendo ser qualquer um dos dois, a depender do que esteja em jogo. Quando necessário, Pavão tanto encarna valores considerados virtuosos, como se mostra indiferente a esses mesmos valores: “Eu também, dona, faço minhas capiloçadas mas sou devoto de Nossa Senhora. O que é que tem uma coisa com a outra? Uma coisa é a religião, outra é alegria e profissão” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 94).

Outro ponto importante a considerar-se no romance: a caracterização e a psicologia das personagens são bem precisas. Assim como o leitor facilmente compreende que Malaquias é o protagonista da narrativa, também facilmente entenderá que Sinfrônio Perigo corresponde a seu oponente: “Enquanto Malaquias Pavão enfrentava sua aventura no Gurinhém, seu rival Sinfrônio Perigo, o Cavalariano, ultimava uma compra de cavalo em Santa Rita.” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 21). E um oponente à altura e em nível de competição, para que melhor se revelem os dotes de Malaquias. Na verdade, Pavão se encontra sempre um passo além ao de cada personagem. Seu raciocínio é rápido e, no geral, certeiro, por maior que seja o empecilho encontrado. Daí que Malaquias se fie “em sua boa estrela” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 125). A própria narrativa se mostra estruturada para favorecê-lo nos momentos de maior dificuldade:

Quando todos tinham bebido, o chefe disse:

- Ah uma cachaça dessa lá em Princesa! Isso lá valia ouro! Mas quem é que tem coragem de passar pelos piquetes da Polícia que estão cercando todo mundo?

- É verdade! - disse Malaquias, pensativo. - Mas me diga uma coisa - disse ele, iluminando-se de repente […]. (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 89).

Esse “iluminando-se de repente” sinaliza a “boa estrela” de Malaquias Pavão associada à astúcia que lhe era inerente. Desse acontecimento imprevisto, o encontro com revoltosos de Princesa, Pavão arquiteta aquele que seria o maior dos seus planos: “A gente vai enriquecer e arranjar mulher com essa cachaça. Vai ser esse o grande golpe da minha vida! Da nossa vida!” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 116). É claro que a ideia do “golpe” não é um valor moral positivo, mas isso fere pouco a índole do protagonista. Entra aqui a parcialidade de valores já assinalada.

Situações como a desse encontro com revoltos de Princesa são o que chamaríamos de propiciatórias, porque, ao mesmo tempo que asseguram a sagacidade de Malaquias, deixam resíduos que lhe serão favoráveis em alguma ação futura. Nessa cena, por exemplo, Pavão recebe um bilhete que lhe servirá de laissez-passer em contato eventual com outros sediciosos. Outro exemplo: ao se defrontar inesperadamente com bandoleiros, Malaquias não só os matará, como usará os cadáveres para tirar vantagem junto à polícia interiorana. Ainda um último caso: em meio a um tiroteio entre a polícia e os insurgentes, Malaquias salva do conflito um estandarte de Nossa Senhora que o livrará da morte no encontro com o fanático D. Pedro Miguel, conforme já comentamos.

Até certo ponto, as ações propiciatórias correspondem à “intervenção do acaso” própria a “todo o tempo aventuresco” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Trad, posfácio e notas Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 100). Mas só até certo ponto, pois essas ações não se esgotam uma vez ocorridas (como simples solução momentânea). Elas atuam na urgência ou como circunstância do presente, projetando-se, por acréscimo, a outro(s) evento(s) do futuro. Por sinal, isso serve de motivo para que a narrativa não se torne um mundo maravilhoso, ao contrário do que sucede no romance de cavalaria. Em O sedutor do sertão, não existem intervenções sobrenaturais, mas apenas a marca da “boa estrela” de Malaquias, que, de tão recorrente, transforma-se em atributo pessoal da personagem.

No caso de Suassuna, essas desventuras e venturas, desafios e vitórias, oponentes e ardis surgem-lhe em grande medida da cultura popular, ricamente impregnada dessas perspectivas, preservadora que é das tradições aventurosas e picarescas já apontadas. Não são raros os momentos em que Suassuna reconhece (e faz questão de reconhecer) essa “dívida” quanto às produções populares; além de que boa parte de sua obra evidencia essa valorização, quer em termos de dramaturgia e de prosa ficcional, quer em termos de produção poética. Em tudo quanto Suassuna produziu, muito ou pouco, há algo da cultura popular.

De pronto, Suassuna faz questão de apresentar na narrativa inúmeras ocorrências de “excelências para defuntos” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 41-42), “orações” (p. 59 e p. 83), fragmentos de “cordel” (p. 43, p. 80-81, p. 92-93, p. 103), “cantorias de viola” (p. 66-67, p. 164-165 e p. 211-214), “canções” ao estilo e ritmo populares (p. 71, p. 74 e p. 140-141)8 8 No capítulo XXXIX, o narrador refere-se a um determinado poeta taperoaense chamado “A. G. da Silva”. Trata-se de uma figura ficcional, mas as iniciais parecem indicar uma homenagem ao poeta cearense Antônio Gonçalves da Silva (1909-2002), mais conhecido como Patativa do Assaré. . Se O sedutor do sertão tem como mote a obra de Euclides da Cunha, seus encaminhamentos de escrita advêm, em grande medida, da cultura popular. O caso dos folhetos é ainda mais emblemático, porque são citados, com recorrência ou não, trinta e quatro títulos diferentes9 9 Não existe uma uniformidade na nomeação do livreto de cordel. A nomenclatura é variada e depende de região para região; em certos casos, varia, inclusive, quanto à quantidade de páginas, conforme informação do poeta Abraão Bezerra Batista (1935-): “Até os idos de 1960/1970 a expressão ‘cordel’ era desconhecida entre nós. O que chamamos hoje de cordel, o povo chamava de folheto (quando de oito páginas) e de romance (quando de 16, 32 ou 40 páginas)” (apud DOSSIÊ, 2018, p. 53). Para efeitos da análise, não faremos uso dessa distinção quantitativa, já que ela não nos traz prejuízos quanto à interpretação proposta. . Como a autoria dos folhetos nunca é indicada, em algumas oportunidades se torna difícil identificar a versão referida por Suassuna, até por força das diversas versões que uma mesma história, um mesmo personagem ou um mesmo acontecimento podem adquirir no universo cordelístico. Em alguns casos, torna-se difícil, inclusive, certificar a existência ou não do cordel mencionado.

Independentemente dos créditos autorais e da fidedignidade dos títulos, algum tipo de diálogo, ainda que mínimo, é possível de ver estabelecido entre o título citado e o que está em causa diegeticamente no momento da citação. Já comentamos, por exemplo, o caso de Roldão no leão de ouro e de O imperador Carlos Magno e os doze pares de França, que propiciam ao romance expressões como “Lamberto de Bruxelas” e “Hoel de Nantes”.

Há situações, ainda, em que um pequeno motivo diegético de um cordel já favorece um diálogo com o romance de Suassuna. Exemplos disso são o próprio Roldão no leão de ouro e, também, A donzela Teodora10 10 Ou, ainda, História da donzela Teodora (com ampla variação gráfica). Encontramos duas versões, entre as mais antigas: uma de Leandro Gomes de Barros (1865-1918) e outra de João Martins de Athayde. Entre os arquivos do IEB, consta versão com título idêntico ao do romance, sem data e com ilustração de Valdério Costa. . Tanto em Roldão no leão de ouro quanto em O sedutor do sertão, é notável o forte sentimento do protagonista pela musa da história; tanto na narrativa de A donzela Teodora quanto no romance de Suassuna, uma personagem feminina importante para a história é objeto de negociação comercial:

- Tomei amor a [sic] princesa

nas asas da formosura

aqui passo dia e noite

olhando a sua pintura

se não for a minha esposa

findarei numa loucura. (ATHAYDE, [c. 1975]ATHAYDE, João Martins de. Roldão no leão de ouro [folheto de cordel]. Juazeiro do Norte/CE: José Bernardo da Silva Ltda; Proprietárias Filhas de José Bernardo da Silva, [c. 1975]., p. 4).

Tinha feições de fidalga

Era uma hespanhola [sic] bela

Ele perguntou ao mouro

Quanto queria por ela

Entraram então em negocio [sic]

Negociaram a donzela (BARROS, s. dBARROS, Leandro Gomes de. Historia [sic] da Donzela Teodora [folheto de cordel]. [s. l.]: [s. ed.], [s. d].., p. 2)

Discussão dum fiscal com uma fateira, de Manoel de Assis Campina (1897-1952), tem três de suas estrofes referidas no romance, com pequenas alterações vérsicas, vocabulares e de pontuação11 11 No romance, o título aparece transcrito como A Discussão de um Fiscal com uma Fatura (grifo nosso). Não temos notícia se essa pequena variação ao final deveu-se a um erro tipográfico ou se foi voluntariamente planejada por Suassuna para reforçar a comicidade da cena em que o folheto é referido. . O romance de Suassuna, porém, vale-se do cordel apenas para indicar a Malaquias Pavão artifício na disputa contra um sargento e um fiscal de prefeitura que ansiavam por lhe cobrar o imposto devido pela venda de cachaça (não custa lembrar que a bebida vendida por Pavão era inteiramente roubada e contrabandeada).

No caso anterior, os trechos e o título dialogam com a matéria diegética. Em outras oportunidades, contudo, basta a informação proporcionada pelo título de um folheto para proporcionar comicidade à obra. É o que decorre em: A carreira que a polícia deu com medo de Lampião e O lobisomem da Paraíba, citados no romance como indiretas, respectivamente, a um sargento e a um cobrador de impostos; O exemplo do sertanejo que enganou o Diabo, citado na narrativa para escárnio de outro fiscal de prefeitura que averiguava se Malaquias estava ou não vendendo cachaça não autorizada; As desventuras de um corno ganancioso, que Malaquias oferece a Sinfrônio Perigo12 12 Não localizamos exemplar com o título A carreira que a polícia deu com medo de Lampião. Para O lobisomem da Paraíba, constam versões de José Costa Leite (1927-) e, segundo Batista (1973, p. 374), de Severino Gonçalves de Oliveira. Também não localizamos versão com título igual ao de O exemplo do sertanejo que enganou o Diabo. No entanto, existem inúmeros cordéis com a estrutura “[…] enganou o Diabo”. Há duas versões possíveis para A desventura de um corno ganancioso (com variações gráficas): de Osvaldo T. Figueira e de J. Borges (1935-). . Já no caso de A triste sorte de Jovelina, o intertexto se dá com subversão da matéria cordelística. Nas versões encontradas com esse título13 13 Encontramos uma versão de Sátiro Xavier Brandão, em cuja capa aparece atribuição de autoria a João Martins de Athayde. No entanto, o acróstico das estrofes finais (SATixxxx// ChAVIxER) assegura a autoria de Brandão. Também tivemos acesso a uma versão de Manoel Pereira Sobrinho (1918-1995), mais recente, com acróstico final em MANOEL// PEREIRA. Existe ainda uma versão atribuída a A. P. Souza - Antônio Patrício de Souza (1927-). Batista (1973, p. 364) indica duas outras variantes. , Jovelina é morta por onças quando fugia para casar-se com o noivo, mal-visto pelo pai. O sedutor do sertão, por sua vez, trata a sorte de Jovelina pelo viés do ludíbrio sexual causado pelo noivo da jovem.

Outro aspecto destacável quanto à fatura de O sedutor do sertão se dá quanto ao uso da cor. No romance, essa ocorrência em grande medida escapa à pura descrição cromática de um determinado fenômeno. A referência à cor tem na narrativa um papel tão fundamental quanto o do diálogo com a cultura popular. Primeiramente, a cor reforça a caracterização de determinadas personagens. É o caso de Silviana, sintetizada por duas cores: o branco e o verde (e, eventualmente, o “castanho” também). Afinal, ela era “a branca Silviana dos braços brancos, de olhos verdes e lindos cabelos castanhos […]” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 25); “Linda, com um vestido branco radioso, os longos cabelos castanhos e estirados soltos até os ombros […]” (2020, p. 26); “a bela Silviana dos braços brancos” (2020, p. 47); “Era, como não podia deixar de ser, a branca Silviana, dos alvos braços” (2020, p. 71). São tantos os momentos em que ela é referida com essa cor, que a narrativa acaba por lhe atribuir o epíteto de “Silviana, a Branca” (2020, p. 26). Nesse caso, o branco enfatiza o deslumbramento característico a Silviana, “como se [ela] tivesse uma luz por dentro” (2020, p. 54).

A outra cor que caracteriza Silviana é o verde: “Silviana, eu trouxe um presente para você. É um anel, de ouro, de pedra verde, da cor de seus olhos.” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 54). Se o branco é a cor do sol e da garça, o verde é a cor “do mar que embate as ondas” (2020, p. 141) e completa a figura de Silviana: “[…] eu bebo por minha garça, minha veada de olhos verdes, minha eguinha branca das crinas castanhas.” (2020, p. 190).

Sendo branco a cor de Silviana, a que representará Cascalha, sua dama de companhia, será o preto. O preto não é apenas a cor de suas roupas, mas também a que reforça todo o mistério e sisudez associados à sua figura:

Maria Cascalha respondeu com um cumprimento de cabeça, mas, assim que ela deu as costas, a rapariga de vermelho persignou-se e, voltando-se para a companheira, disse:

- Essa mulher dá um azar de bicho!

- Eu não sei? - disse a outra fazendo figa para as costas da Cascalha. - Ave Maria, parece um urubu! (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 27).

Além da referência a Maria Cascalha, esse fragmento acentua outro destaque de cor: à “rapariga de vermelho”. Essa “rapariga, vestida com escandaloso vestido vermelho” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 26) é uma das meretrizes de um bordel local. O vermelho cabe-lhe, portanto, por ser cor sanguínea: “Subjects are almost unanimous in regarding it as most exciting and stimulating, a powerful, strong, vigorous, masterful, energetic, and impulsive color.” (KREITLER; KREITLER, 1972KREITLER, Hans; KREITLER, Shulamith. Psychology of the arts. Durham/ N. C.: Duke University Press, 1972., p. 68)14 14 “As matérias são quase unânimes em considerar [a cor vermelha] como a cor mais emocionante e estimulante, a cor mais poderosa, forte, vigorosa, autoritária, energética e impulsiva.” (Tradução nossa). .

Outro destaque sobre a referência cromática (o mais representativo, aliás) diz respeito ao conflito de Princesa, cujos grupos em contenda são representados por duas cores distintas: o “encarnado” (vermelho) e o “verde”. O “encarnado” representa os liberais (grupo de João Pessoa), e o “verde” representa os perrepistas (do coronel José Pereira). É preciso esclarecer que, até a morte de João Pessoa, a bandeira oficial da Paraíba era diferente da atual. O estandarte da época era verde com listas brancas e um círculo central amarelo, no qual constava o brasão do estado. A bandeira atual foi aprovada pela Assembleia Legislativa no dia 25 de setembro de 1930, segundo os termos legais: “Art. 2º - A bandeira terá dois terços de côr [sic] rubra e um de côr [sic] negra, ficando esta do lado do mastro”. Além disso, “na parte rubra ficará a palavra ‘Négo’ [sic], escripta [sic] em caracteres brancos, na proporção de um vigesimo [sic] para o todo.” (apud RIBEIRO, 1933RIBEIRO, Clovis. Brazões e bandeiras do Brasil. Ilustrações de J. W. Rodrigues. São Paulo: São Paulo Editora Limitada, 1933., p. 163)15 15 Originalmente em A União, órgão do estado da Paraíba, em 26 de setembro de 1930. . Essa nova bandeira estava em tudo ligada simbolicamente a João Pessoa: “Na nova bandeira parahybana [sic], o rubro symbolisa [sic] o sangue derramado pelo presidente João Pessoa, e o negro o luto causado pela sua morte” (RIBEIRO, 1933RIBEIRO, Clovis. Brazões e bandeiras do Brasil. Ilustrações de J. W. Rodrigues. São Paulo: São Paulo Editora Limitada, 1933., p. 164)16 16 A partir de informações de Osias Gomes, em artigo publicado em 4 de setembro de 1930. . Essa mudança amplia o conjunto discursivo da Aliança Liberal, que tornava um instrumental político o assassinato do governador paraibano. Basta mencionar que em 4 de setembro de 1930 já havia sido alterado o nome da capital do estado, de Parahyba [sic] para João Pessoa, como consta até hoje.

Portanto, se toda essa reviravolta nos símbolos oficiais da Paraíba acontece em setembro de 1930, a bandeira estadual, tal como desenhada pós-assassinato, não existia ainda em 28 de fevereiro, quando a narrativa de O sedutor do sertão tem início. Mesmo assim, eis o que encontramos no capítulo XIX: “Entregaram a Malaquias uma bandeira, mais comprida do que larga, presa a uma vara de marmeleiro, que ele fixou ao arção da sela, como lhe tinha sido recomendado. A bandeira era preta e vermelha, com a palavra “NEGO” escrita em branco no meio.” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 78). Não podemos, contudo, afirmar que houve um equívoco da parte de Suassuna nesse registro, já que ele tinha conhecimento das informações relativas ao estandarte estadual:

Pelo que me dizem, o preto é luto pela morte do presidente João Pessoa. O vermelho do sangue derramado ou qualquer coisa. Então, eu sugeri que continuasse o preto e o vermelho, separasse com uma linha de ouro, amarelo, para modificar esse erro heráldico. […] A sugestão que eu fiz lá, morreu lá mesmo. Ninguém levou pra frente. (apud BEZERRA, 2008BEZERRA, Dinarte Varela. 1930, a Paraíba e o inconsciente político da revolução: a narrativa como ato socialmente simbólico. 225 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008., p. 196).

Inclusive, há um fragmento do romance em que se mencionam as cores da bandeira anterior à atual: “Eu queria também que você me fizesse cinco bandeiras, com a cor verde e branca da bandeira da Paraíba.” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 148). Sendo assim, podemos verificar que existe na narrativa uma ligeira readequação de alguns símbolos e fatos históricos em virtude dos interesses expressos por Suassuna; nesse caso, o conflito entre liberais e perrepistas, representados, mais um vez mencionando, pelo “encarnado” e pelo “verde”. No romance, essas cores tanto opõem os grupos (como síntese dos interesses neles expressos), como salvaguardam Malaquias de um contato violento no encontro com os dois ramos. Segundo comentário de um dos revoltosos, “existem cores que desmoralizam quem usa” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 18). Daí que Malaquias adote a cor “azul”, do cordão das cavalhadas17 17 O azul e o encarnado representam dois cordões opostos e muito divulgados em diversos folguedos nacionais: “Os cavaleiros, sempre em número par, vestem branco, e os prêmios simbólicos são faixas de fazendas vistosas, na maioria azuis e encarnadas, cores que dividem as duas alas. Cada ala tem o seu maquinador, reminiscência do mantenedor clássico. O maquinador da direita é do Cordão Encarnado e denomina-se Roldão obrigatoriamente, e o da esquerda, do Azul, Oliveiros.” (CASCUDO, 2000, p, 259 - grifos do autor). É útil esclarecer que Roldão também é referido no romance em estudo. , para um trânsito tranquilo entre a polícia paraibana e os sertanejos de Princesa: “O azul tem a vantagem de mostrar a todo mundo que a gente é neutro. Não é nem o verde do Coronel José Pereira, nem o encarnado do Doutor João Pessoa. Assim, quem encontrar a gente na estrada, vê logo que a gente não tem nada com a política.” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 21).

É verdade que, num primeiro momento, contam também na camuflagem de Malaquias o manto e a lança, que são utensílios das cavalhadas. Posteriormente, Malaquias se servirá ainda do símbolo de um ferro de marcar18 18 Ariano Suassuna chegou a publicar uma obra especificamente sobre ferros de marcar gado: Ferros do Cariri (1974). em “P JP”, grafado numa bandeira artesanal e relido das mais diversas formas, a depender do contexto: “P, Princesa, JP, José Pereira!” (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 168 - itálicos do autor), “P, Paraíba, JP, João Pessoa” (2020, p. 172 - itálicos do autor) e, finalmente: “Essa bandeira nunca foi nem do Doutor João Pessoa nem do Coronel José Pereira! Essa bandeira é a minha e essas letras querem dizer Pavão, o Jaguar da Paraíba” (2020, p. 220). Nos momentos cruciais, todavia, a cor é sempre um expediente útil para Malaquias Pavão, independentemente do grupo confrontado. Para com os revoltosos:

  • - […] Não está vendo aí o manto verde não?

  • - Isso é azul, o manto do cordão azul.

  • - Azul e verde é quase a mesma coisa. Uso assim, meio azul, porque senão a Polícia pode me matar. (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 88).

  • - Essa bandeira é amarela! Tem uma beirinha azul…

  • - Mas as letras são vermelhas! A cor do pessoal do Doutor João Pessoa. (2020, p. 168).

Para com a polícia paraibana:

  • - De que cor é esse manto?

  • - Azul, sou do cordão azul, na cavalhada.

  • - Parece verde, e verde é a cor do Coronel José Pereira.

  • - É porque a cor está meio desbotada. (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 77).

  • - Essa bandeira tem um troço verde no meio!

  • - Seu Tenente, são as cores da bandeira brasileira! Não vá me dizer que a Polícia está contra o Brasil!

  • - O que está me enchendo é esse troço verde aí no meio!

  • - Mas as letras são vermelhas. (2020, p. 172).

O mesmo cálculo vale, inclusive, para com o fanático D. Pedro Miguel, de cujo confronto resultou a perda de toda a cachaça contrabandeada e, consequentemente, do lucro que esperavam obter com sua venda. A cor, associada a uma simbologia mariológica, livra-lhes, ao menos, do fuzilamento:

O senhor não está vendo o manto azul? É o manto do cordão de Nossa Senhora.

  • - Severino!

  • - Diga, chefe!

  • - Essas mulheres estão com manto azul?

  • - Estão, sim senhor.

  • - Por que não disse logo? Bem, podem ir. (SUASSUNA, 2020SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada. Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020., p. 202).

Como pudemos observar, há toda uma complexidade na fatura de O sedutor do sertão: fatos históricos, detalhes da geografia paraibana, apanhados da cultura popular, importância descritiva, metafórica, metonímica e simbólica da cor. Tudo isso se mescla para favorecer (e fortalecer) a construção de uma obra, à primeira vista, facilitada. Além disso, o triângulo amoroso central, os sentimentos em disputa, a astúcia e as trapaças, as cobiças de fundo, as informações latentes e só oportunamente divulgadas, a religiosidade flagrante e a pequena complexidade psicológica das personagens apontam elos indiscutíveis com narrativas dos folhetos de cordel. Sem esquecer que o próprio folheto popular reforça um bom número de ações do romance, quer através de referências básicas, quer através de diálogos mais destacáveis (ainda que sem uma releitura concreta do romanceiro). Como esperamos ter demonstrado, a aparência de escrita deleitável do livro não reduz nele um amplo leque de possibilidades heurísticas. Para qualquer pesquisador que se debruça sobre a obra de Suassuna, é de se lamentar apenas que o romance não tenha vindo a público há mais tempo.

  • 2
    BEZERRA (2008)BEZERRA, Dinarte Varela. 1930, a Paraíba e o inconsciente político da revolução: a narrativa como ato socialmente simbólico. 225 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008., sobretudo os capítulos primeiro e quarto.
  • 3
    A Guerra de Princesa é ainda referida por Suassuna no Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971): “[…] Dom José Pereira Lima, aquele mesmo Fidalgo sertanejo que, em 1930, se rebelara contra o Governo, tornando-se Rei-guerrilheiro de Princesa, proclamando a independência do município com hino, selo, bandeira, constituição e tudo, subvertendo o Sertão da Paraíba à frente do seu exército de 2.000 homens de armas, numa guerrilha heroica que o governo do Presidente João Pessoa em vão tentou vencer com sua Polícia.” (SUASSUNA, 2017SUASSUNA, Ariano. Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. 16. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017., p. 59).
  • 4
    Não custa mencionar que João Suassuna (1886-1930) havia antecedido João Pessoa no governo da Paraíba (1924-1928), sendo-lhe oponente político. Pessoa foi assassinato por João Duarte Dantas (1888-1930), parente de João Suassuna. Hoje se sabe que as motivações para o crime contra João Pessoa foram pessoais, mas à época o assassinato do então líder da Paraíba foi instrumentalizado politicamente, o que resultou no assassinato de João Suassuna, ainda em 1930, muito embora este não estivesse implicado na morte de seu oponente.
  • 5
    Esse dado não gera estranheza, visto que as datas utilizadas por Suassuna lhe são importantes extraliterariamente, quer por motivos diretamente pessoais (o caso mais frequente), quer por outros motivos. Como o próprio Suassuna reconhece: “Sou muito atento a esse negócio de datas […]”. (CADERNOS, 2000CADERNOS de Literatura Brasileira. Ariano Suassuna. Instituto Moreira Salles. n. 10, nov., 2000., p. 24).
  • 6
    Observar a semelhança fonética entre “estribeiro”, relativo a Biôco, e “escudeiro”, correspondente a Sancho Pança.
  • 7
    Os títulos “Lamberto de Bruxelas” e “Conde Hoel de Nantes” são encontrados no ciclo de Carlos Magno. Em O sedutor do sertão, constam referências a dois folhetos ligados a esse ciclo: 1) Roldão no leão de ouro (ou, ainda, O príncipe Roldão no leão de ouro), cuja autoria é incerta, havendo atribuições a João Martins de Athayde (1880-1959) e a João Melquíades Ferreira (1869-1933), sendo que Batista (1973BATISTA, Sebastião Nunes. Restituição da autoria de folhetos do catálogo. In: Literatura Popular em verso: Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973., p. 374) tributa o texto a Athayde; 2) O imperador Carlos Magno e os doze pares de França, cujo exemplar mais próximo que pudemos localizar foi o de João Lopes Freire: A História de Carlos Magno e os doze pares de França.
  • 8
    No capítulo XXXIX, o narrador refere-se a um determinado poeta taperoaense chamado “A. G. da Silva”. Trata-se de uma figura ficcional, mas as iniciais parecem indicar uma homenagem ao poeta cearense Antônio Gonçalves da Silva (1909-2002), mais conhecido como Patativa do Assaré.
  • 9
    Não existe uma uniformidade na nomeação do livreto de cordel. A nomenclatura é variada e depende de região para região; em certos casos, varia, inclusive, quanto à quantidade de páginas, conforme informação do poeta Abraão Bezerra Batista (1935-): “Até os idos de 1960/1970 a expressão ‘cordel’ era desconhecida entre nós. O que chamamos hoje de cordel, o povo chamava de folheto (quando de oito páginas) e de romance (quando de 16, 32 ou 40 páginas)” (apud DOSSIÊ, 2018DOSSIÊ de Registro - Literatura de cordel. Brasília: Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), 2018., p. 53). Para efeitos da análise, não faremos uso dessa distinção quantitativa, já que ela não nos traz prejuízos quanto à interpretação proposta.
  • 10
    Ou, ainda, História da donzela Teodora (com ampla variação gráfica). Encontramos duas versões, entre as mais antigas: uma de Leandro Gomes de Barros (1865-1918) e outra de João Martins de Athayde. Entre os arquivos do IEB, consta versão com título idêntico ao do romance, sem data e com ilustração de Valdério Costa.
  • 11
    No romance, o título aparece transcrito como A Discussão de um Fiscal com uma Fatura (grifo nosso). Não temos notícia se essa pequena variação ao final deveu-se a um erro tipográfico ou se foi voluntariamente planejada por Suassuna para reforçar a comicidade da cena em que o folheto é referido.
  • 12
    Não localizamos exemplar com o título A carreira que a polícia deu com medo de Lampião. Para O lobisomem da Paraíba, constam versões de José Costa Leite (1927-) e, segundo Batista (1973BATISTA, Sebastião Nunes. Restituição da autoria de folhetos do catálogo. In: Literatura Popular em verso: Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973., p. 374), de Severino Gonçalves de Oliveira. Também não localizamos versão com título igual ao de O exemplo do sertanejo que enganou o Diabo. No entanto, existem inúmeros cordéis com a estrutura “[…] enganou o Diabo”. Há duas versões possíveis para A desventura de um corno ganancioso (com variações gráficas): de Osvaldo T. Figueira e de J. Borges (1935-).
  • 13
    Encontramos uma versão de Sátiro Xavier Brandão, em cuja capa aparece atribuição de autoria a João Martins de Athayde. No entanto, o acróstico das estrofes finais (SATixxxx// ChAVIxER) assegura a autoria de Brandão. Também tivemos acesso a uma versão de Manoel Pereira Sobrinho (1918-1995), mais recente, com acróstico final em MANOEL// PEREIRA. Existe ainda uma versão atribuída a A. P. Souza - Antônio Patrício de Souza (1927-). Batista (1973BATISTA, Sebastião Nunes. Restituição da autoria de folhetos do catálogo. In: Literatura Popular em verso: Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973., p. 364) indica duas outras variantes.
  • 14
    “As matérias são quase unânimes em considerar [a cor vermelha] como a cor mais emocionante e estimulante, a cor mais poderosa, forte, vigorosa, autoritária, energética e impulsiva.” (Tradução nossa).
  • 15
    Originalmente em A União, órgão do estado da Paraíba, em 26 de setembro de 1930.
  • 16
    A partir de informações de Osias Gomes, em artigo publicado em 4 de setembro de 1930.
  • 17
    O azul e o encarnado representam dois cordões opostos e muito divulgados em diversos folguedos nacionais: “Os cavaleiros, sempre em número par, vestem branco, e os prêmios simbólicos são faixas de fazendas vistosas, na maioria azuis e encarnadas, cores que dividem as duas alas. Cada ala tem o seu maquinador, reminiscência do mantenedor clássico. O maquinador da direita é do Cordão Encarnado e denomina-se Roldão obrigatoriamente, e o da esquerda, do Azul, Oliveiros.” (CASCUDO, 2000CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000., p, 259 - grifos do autor). É útil esclarecer que Roldão também é referido no romance em estudo.
  • 18
    Ariano Suassuna chegou a publicar uma obra especificamente sobre ferros de marcar gado: Ferros do Cariri (1974SUASSUNA, Ariano. Ferros do Cariri: uma heráldica sertaneja. Recife: Guariba, 1974.).

REFERÊNCIAS

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  • SUASSUNA, Ariano. O sedutor do sertão ou o grande golpe da mulher e da malvada Fixação de texto e apresentação de Carlos Newton Júnior. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2020.
  • SUASSUNA, Ariano. Teatro completo de Ariano Suassuna: tragédias, v. 2. Apresentação de Alexei Bueno. Ilustrações de Manuel Dantas Suassuna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Abr 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2021
  • Aceito
    14 Fev 2022
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