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Diagnóstico das meningites através de fitas reagentes

Diagnosis of meningitis with reagent strips

Resumos

OBJETIVO: determinar a utilidade de fitas reagentes para a avaliação liquórica de pleocitose, glicorraquia e proteinorraquia no diagnóstico precoce e rápido de meningites em crianças. MÉTODOS: Foram incluídas no estudo amostras de líquor provenientes de 164 crianças admitidas no ambulatório de doenças infecto-contagiosas do Centro Geral de Pediatria (CGP-FHEMIG), com suspeita clínica de meningite, no período diurno de Maio/97 à Maio/99. A faixa etária dos pacientes variou de um mês a 12 anos (mediana de 12 meses), sendo obtidos resultados da citobioquímica liquórica (celularidade, glicorraquia e proteinorraquia) de 154 desses pacientes. Esses achados foram comparados com reações do líquor em fitas reagentes. RESULTADOS: Através da citobioquímica líquórica foram identificados 43 casos de provável meningite bacteriana, 19 provavelmente viróticas e 83 amostras sem alterações. Pelas fitas reagentes, detectaram-se 41 casos de provável meningite bacteriana, dois casos de infecção meníngea provavelmente virótica, e em 71 exames não se verificaram alterações. Comparando os resultados obtidos por meio das fitas reagentes com a citobioquímica convencional, observou-se sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivo e negativo e acurácia (90,7; 98,1; 95,1; 96,4; 96,1%, respectivamente). Ademais, a análise estatística pelo teste de Mc Nemar não evidenciou discordância significativa no diagnóstico de meningite bacteriana obtido através de ambos os métodos (p=0,68) e, pela estatística Kappa, verificou-se elevado grau de concordância entre os testes (p<0,0001). CONCLUSÕES: Os resultados sugerem que o emprego de fitas reagentes pode se tornar recurso auxiliar útil para o diagnóstico de meningites bacterianas, principalmente em casos de dificuldades para a obtenção de volume suficiente do líquor e/ou para direcionar a terapêutica inicial.

fitas reagentes; meningite bacteriana; líquido cerebroespinhal


OBJECTIVE: to determine the usefulness of reagent strips in the evaluation of pleocytosis, cerebrospinal fluid glucose and protein levels for early and rapid diagnosis of meningitis in children. METHODS: We included cerebrospinal fluid samples of 164 children admitted to the outpatient clinic of Communicable Diseases of the General Pediatric Center (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, CGP-FHEMIG) during the daytime hours from May of 1997 to May 1999, and who presented with clinical suspicion of meningitis. Patients ranged in age from one month to 12 years (median 12 months). Results from the cytological and biochemical assay (cellularity, cerebrospinal fluid glucose and protein levels) were obtained from 154 patients. These results were subsequently compared with the reaction of cerebrospinal fluid in reagent strips. RESULTS: The cytological and biochemical assay identified 43 cases of probable bacterial meningitis, 19 of probable viral meningitis, and 83 with no alterations. According to the reagent strips, there were 41 cases of probable bacterial meningitis, 2 of probable viral meningitis, and 71 with no alterations. By comparing the results of reagent strips and those of the cytological and biochemical assay, we obtained values for sensitivity, specificity, positive and negative predictive values, and accuracy (respectively 90.7; 98.1; 95.1; 96.4; and 96.1). Statistical analysis using McNemer test did not indicate significant differences between the two methods in the diagnosis of bacterial meningitis (P=0.68). Kappa statistics indicated a high level of agreement between the tests (P<0.0001). CONCLUSIONS: Our results suggest that reagent strips may be a useful additional resource in the diagnosis of bacterial meningitis, especially when it is difficult to collect a sufficient amount of cerebrospinal fluid or to indicate the initial treatment.

reagent strips; bacterial meningitis; cerebrospinal fluid


ARTIGO ORIGINAL

Diagnóstico das meningites através de fitas reagentes

Diagnosis of meningitis with reagent strips

Roberta M.C. RomanelliI, Eline E. ThomeII, Fabíola M.C. DuarteIII, Rodrigo S. GomesIV,Paulo A.M. CamargosV, Heliane B.M. FreireVI

IEspecialista em Pediatria, mestranda em pediatria pela UFMG

IIEspecialista em Pediatria

IIIMédica residente do 4o ano de pediatria do Centro Geral de Pediatria - FHEMIG

IVNeurologista

VProfessor Adjunto-Doutor. Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG

VIProfessora Adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina - UFMG, Doutora e coordenadora do serviço de Infectologia Pediátrica do Hospital das clínicas - UFMG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Roberta Maia de Castro Romanelli Alameda Ezequiel Dias, 345 - 3o andar - Santa Efigênia CEP 30130-110 - Belo Horizonte, MG E-mail: romaneli@rbeep.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a utilidade de fitas reagentes para a avaliação liquórica de pleocitose, glicorraquia e proteinorraquia no diagnóstico precoce e rápido de meningites em crianças.

MÉTODOS: Foram incluídas no estudo amostras de líquor provenientes de 164 crianças admitidas no ambulatório de doenças infecto-contagiosas do Centro Geral de Pediatria (CGP-FHEMIG), com suspeita clínica de meningite, no período diurno de Maio/97 à Maio/99. A faixa etária dos pacientes variou de um mês a 12 anos (mediana de 12 meses), sendo obtidos resultados da citobioquímica liquórica (celularidade, glicorraquia e proteinorraquia) de 154 desses pacientes. Esses achados foram comparados com reações do líquor em fitas reagentes.

RESULTADOS: Através da citobioquímica líquórica foram identificados 43 casos de provável meningite bacteriana, 19 provavelmente viróticas e 83 amostras sem alterações. Pelas fitas reagentes, detectaram-se 41 casos de provável meningite bacteriana, dois casos de infecção meníngea provavelmente virótica, e em 71 exames não se verificaram alterações. Comparando os resultados obtidos por meio das fitas reagentes com a citobioquímica convencional, observou-se sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivo e negativo e acurácia (90,7; 98,1; 95,1; 96,4; 96,1%, respectivamente). Ademais, a análise estatística pelo teste de Mc Nemar não evidenciou discordância significativa no diagnóstico de meningite bacteriana obtido através de ambos os métodos (p=0,68) e, pela estatística Kappa, verificou-se elevado grau de concordância entre os testes (p<0,0001).

CONCLUSÕES: Os resultados sugerem que o emprego de fitas reagentes pode se tornar recurso auxiliar útil para o diagnóstico de meningites bacterianas, principalmente em casos de dificuldades para a obtenção de volume suficiente do líquor e/ou para direcionar a terapêutica inicial.

Palavras-chave: fitas reagentes, meningite bacteriana, líquido cerebroespinhal.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine the usefulness of reagent strips in the evaluation of pleocytosis, cerebrospinal fluid glucose and protein levels for early and rapid diagnosis of meningitis in children.

METHODS: We included cerebrospinal fluid samples of 164 children admitted to the outpatient clinic of Communicable Diseases of the General Pediatric Center (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, CGP-FHEMIG) during the daytime hours from May of 1997 to May 1999, and who presented with clinical suspicion of meningitis. Patients ranged in age from one month to 12 years (median 12 months). Results from the cytological and biochemical assay (cellularity, cerebrospinal fluid glucose and protein levels) were obtained from 154 patients. These results were subsequently compared with the reaction of cerebrospinal fluid in reagent strips.

RESULTS: The cytological and biochemical assay identified 43 cases of probable bacterial meningitis, 19 of probable viral meningitis, and 83 with no alterations. According to the reagent strips, there were 41 cases of probable bacterial meningitis, 2 of probable viral meningitis, and 71 with no alterations. By comparing the results of reagent strips and those of the cytological and biochemical assay, we obtained values for sensitivity, specificity, positive and negative predictive values, and accuracy (respectively 90.7; 98.1; 95.1; 96.4; and 96.1). Statistical analysis using McNemer test did not indicate significant differences between the two methods in the diagnosis of bacterial meningitis (P=0.68). Kappa statistics indicated a high level of agreement between the tests (P<0.0001).

CONCLUSIONS: Our results suggest that reagent strips may be a useful additional resource in the diagnosis of bacterial meningitis, especially when it is difficult to collect a sufficient amount of cerebrospinal fluid or to indicate the initial treatment.

Keywords: reagent strips, bacterial meningitis, cerebrospinal fluid.

Introdução

O diagnóstico de meningite bacteriana deve ser precoce e bem estabelecido devido à elevada morbi-mortalidade da doença, o que varia de acordo com o agente, com a faixa etária do paciente e o momento do diagnóstico. A prevalência da doença é em torno de 3 casos para cada 100.000 habitantes1. No Brasil, dados do Ministério da Saúde revelam mais de 297.000 casos de meningite durante dez anos de notificação (1990 a 2000), sendo que aproximadamente 52% dos casos foram notificados como meningite bacteriana2.

Em países desenvolvidos, após a utilização rotineira da vacina conjugada contra o Haemophilus influenza b (Hib), desde 1986, o Streptococcus pneumoniae (pneumococo) tem se tornado a principal causa de meningite após o período neonatal , com mortalidade maior que 20%1,3. Durante aproximadamente 10 anos de vacinação anti-Hib nos Estados Unidos, a incidência do agente caiu em torno de 90%1,4. Esta não é, entretanto, a realidade de países em desenvolvimento, onde não se adotou a vacinação massiva contra o Hib. A Neisseria meningitidis (meningococo) varia de forma epidêmica, com mortalidade em torno de 13%, mas apresenta taxas maiores de acordo com a presença de fatores prognósticos1,5. Segundo a faixa etária, os recém-nascidos são os maiores acometidos, chegando a ter morbi-mortalidade de aproximadamente 30%6.

O diagnóstico rápido é fundamental para a instituição precoce do tratamento. Infelizmente, dentro da própria faixa etária pediátrica, as meningites são mais freqüentes nos primeiros dois anos de vida, quando os sinais e sintomas são, geralmente, inespecíficos e simulam qualquer infecção. A tríade clássica, com cefaléia, febre e vômitos, é melhor identificada em pré-escolares e escolares, mas mesmo em adultos aparece em 2/3 dos casos1,7.

Muitas vezes, os pacientes são submetidos a punção lombar para esclarecimento diagnóstico, e as dificuldades técnicas para a obtenção de material suficiente ou a demora na realização da citobioquímica dificultam a decisão rápida sobre o início da antibioticoterapia.

A utilidade de testes liquóricos rápidos, através do emprego de fitas reagentes, foi descrita em poucos estudos8,9,10,11, nos quais a sensibilidade e especificidade chegaram a 97 e 100%, respectivamente. O objetivo do presente estudo é avaliar a utilidade dessas fitas reagentes no diagnóstico precoce e rápido de meningites bacterianas.

Métodos

Local do estudo e pacientes estudados

Foram incluídos no estudo todos os pacientes admitidos no ambulatório de doenças infecto-contagiosas do Centro Geral de Pediatria da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (CGP-FHEMIG) em Belo Horizonte, no período diurno de dias úteis, de maio de 1997 a maio de 1999, com suspeita clínica de meningite e que foram submetidos à punção lombar.

Critérios de encaminhamento e inclusão

Sendo hospital de referência para o atendimento de doenças infecciosas no estado de Minas Gerais, a instituição recebia pacientes com suspeita clínica de meningite, que se conformava quando os pacientes apresentavam evidências de processo infeccioso sem outro foco definido; quando apresentavam evidências de processo infeccioso com alteração do estado de consciência; e quando apresentavam evidências de processo infeccioso com manifestações específicas do Sistema Nervoso Central (crises convulsivas, déficits neurológicos, sinais meníngeos, rigidez de nuca, sinais de hipertensão intracraniana).

Seleção dos pacientes e execução dos testes com fitas reagentes

Com a decisão da realização da punção lombar feita pelo médico assistente de plantão, contactavam-se uma das três residentes treinadas para a leitura do teste sob investigação e os responsáveis pela coleta de dados da pesquisa. Os pais ou responsáveis pela criança eram informados sobre o estudo, sendo-lhes solicitado consentimento por escrito para participação no mesmo. Por ocasião da primeira punção lombar, obtiveram-se amostras de líquor para a realização da citobioquímica de rotina e para a realização de teste com fitas reagentes Combur® 10 (Tabela 1).

Estas fitas são as mesmas empregadas para a reação em urina: pequenas tiras com locais específicos para as reações enzimáticas e de oxirredução para várias substâncias. A técnica não fora anteriormente bem definida, havendo variações sobre o tempo de reação e quantidade do líquor empregado8,9,11. Uma a duas gotas do líquor foram colocados nos locais da fita correspondentes à reação para identificação de leucócito, proteína e glicose, aguardando-se 60 segundos (conforme recomendações do fabricante) e secando-se o excesso. Comparou-se o resultado obtido com o padrão da embalagem, sendo a leitura anexada ao protocolo do paciente. Todos os testes laboratoriais foram realizados por examinadores diferentes que, por sua vez, desconheciam os resultados obtidos por qualquer dos demais pesquisadores.

Interpretação dos resultados da citobioquímica e das fitas reagentes

Segundo valores relatados na literatura, definiram-se os parâmetros utilizados para as alterações na citobioquímica do líquor3,13,14:

- Celularidade: normal se < 10 células/mm3; aumento discreto de 11 a 50 células/mm3; aumento moderado de 50 a 200 células/mm3, aumento importante se >200 células/mm3.

- Glicose: normal se >45 mg/dl; diminuída se < 45 mg/dl (ou < 2/3 da dosagem sérica).

- Proteínas:

normal

se

<

40g/l; a

umento discreto

de 41 a 100 g/1;

aumento importante

se >100g/1.

Os parâmetros utilizados para definir as alterações do líquor pela fita reagente foram (segundo valores fornecidos no produto):

- Leucócitos: negativo se reação "negativa"; aumento discreto se reação de 10-25 leucócitos/ul ou 75 leucócitos/ul; aumento importante se reação 500 leucócitos/ul.

- Glicose: diminuída se reação "normal"; normal se reação de 50, 100, ou 300mg/dl.

- Proteínas: normal se reação "negativa" ou 30g/l; aumentado se reação de 100 ou 500 g/l.

O diagnóstico etiológico de certeza das meningites foi definido apenas quando houve isolamento do agente em cultura e/ou teste de pesquisa de antígenos reagentes e/ou hemocultura positiva, associado a citobioquímica do líquor alterada7.

O diagnóstico de provável meningite bacteriana ou virótica através da citobioquímica ou através das fitas reagentes foi dado apenas quando todos os três parâmetros foram sugestivos de:

- Meningite bacteriana: aumento importante de células, aumento importante de proteínas e diminuição da glicose.

- Meningite virótica: aumento discreto ou moderado de células, aumento discreto de proteínas e valores normais de glicose.

A comparação por coloração pode ser subjetiva, principalmente em casos de líquor com pequenas alterações9,10,11,15,16,17. O aumento isolado de células ou proteínas foi analisado separadamente, não definindo meningite. A presença de até 50 células no líquor, sem outras alterações, pode ser atribuída à precedência de convulsão, punção traumática ou reacional à processo sistêmico.

Aspectos estatísticos

Foram calculados a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo (VVP), o valor preditivo negativo (VPN) e a acurácia das fitas reagentes, tendo a citobioquímica como método de referência. Foi calculado também o intervalo de confiança a 95% para as proporções obtidas em cada um destes cinco parâmetros.

O grau de concordância entre a citobioquímica e as fitas reagentes foi avaliado pela estatística Kappa. Por esse método, há variações de -1,0 (discordância perfeita) a +1,0 (concordância perfeita). Os valores menores que 0,4 significam pequena concordância, valores entre 0,4 e 0,75 são de boa concordância e valores maiores que 0,75 refletem excelente concordância18.

Finalmente, empregou-se ainda o teste de Mc Nemer, que avalia o grau de discordância entre os métodos em estudo. O nível de significância estatística considerado foi de p < 0,05.

Aspectos éticos

O protocolo elaborado para a investigação foi submetido e aprovado pelo comitê de ética do hospital.

Resultados

Inicialmente foram incluídos no estudo 164 pacientes. Das 164 amostras de líquor, ocorreram 10 perdas devido a leitura inadequada da fita. Foram avaliadas, então, amostras de líquor de 154 pacientes, sendo 100 crianças do sexo masculino (64,9%). A idade variou de um mês a 12 anos (mediana de 12 meses).

Pela citobioquímica do líquor, identificaram-se 43 casos de provável meningite bacteriana; 19 de meningite provavelmente virótica; 83 casos considerados sem alterações; oito apenas com celularidade aumentada; e um líquor hemorrágico não analisado.

Pelas fitas reagentes, foram obtidos 41 casos de meningite provavelmente bacteriana; dois casos de meningite presumivelmente virótica; 71 sem alterações; e 39 com celularidade elevada. O aumento isolado de proteínas foi observado em um caso.

Das 43 prováveis meningites bacterianas diagnosticadas pela citobioquímica, 39 casos tiveram este diagnóstico também pelas reações da fita; um caso não apresentou alterações; em dois identificou-se apenas celularidade aumentada (10 a 500 cels/mm3); e um caso apresentou proteína elevada (500mg/dl) na fita.

Das 19 amostras de meningites presumivelmente viróticas pelo critério da citobioquímica, duas apresentaram alterações compatíveis na fita; 14 apresentaram apenas celularidade aumentada; um caso apresentou reações compatíveis com infecção bacteriana; e dois casos não apresentaram alterações pela fita.

Em um caso com líquor rotina e reação para a fita sem alterações, houve crescimento de Neisseria na cultura.

Em três casos de síndrome purpúrica febril, a citobioquímica do líquor e as fitas reagentes não evidenciaram alterações.

Dos 43 casos de meningite considerada como bacteriana pela citobioquímica, o diagnóstico de certeza foi dado em 22 casos (51,2%), sendo 48,8% deles como etiologia indeterminada. Foram 10 casos de Neisseria meningitidis; sete casos de Haemophilus influenza e cinco casos de Streptocococus pneumoniae (Tabela 2).

Não houve discordância estatística entre os testes comparados, pois pelo teste de Mc Nemar, obteve-se p = 0,68. Observou-se também excelente grau de concordância estatística, visto que Kappa = 0,9 e p < 0,0001 (Tabela 3).

Discussão

O teste ideal para a definição da etiologia bacteriana da infecção meníngea deveria apresentar sensibilidade, especificidade e valores preditivos idealmente próximos de 100%, significando que não deixaria de identificar nenhum caso desta doença cujo diagnóstico precoce pressupõe melhor recuperação e prognóstico evolutivo. Nem mesmo a citobioquímica liquórica rotineira (citometria, citologia, glicose e proteínas) identifica todos os casos da infecção meníngea, devendo-se analisar em conjunto o quadro clínico-evolutivo e outros exames laboratoriais complementares.

Testes rápidos, que permitam decidir, ainda à beira do leito do paciente, a necessidade da antibioticoterapia, devem ser estimulados. Este foi o objetivo desta investigação ao estudar o emprego de método extremamente simples, com reação que fornece o resultado em segundos. Embora a pesquisa de antígeno seja amplamente divulgada devido a sua alta sensibilidade e execução rápida, depende de técnica confiável e de recursos não disponíveis em muitos locais. O emprego de fitas reagentes como procedimento de rotina poderia constituir método auxiliar útil para o diagnóstico precoce de meningite bacteriana, especialmente em casos de dificuldade de obtenção de volume de líquor suficiente ou na decisão rápida para início da antibioticoterapia8,9,12,17.

A variação e subjetividade da avaliação da coloração da fita são aspectos que podem interferir na interpretação, sendo necessário o treinamento dos responsáveis pela leitura. Os trabalhos já publicados mostram a dificuldade na definição de valores normais e alterados. Além disso, ressaltam que as pequenas alterações podem não ser detectadas9,10,11,15,16. Portanto, na presente investigação, houve necessidade de se seguir critérios bem definidos para o diagnóstico de meningite. O aumento isolado de qualquer um dos parâmetros não definiu o diagnóstico, o que necessitou alterações de células, glicose e proteínas.

Moosa et al.8 estudaram, através deste método, as reações para leucócitos, proteínas e glicose no líquor de 234 crianças, encontrando sensibilidade de 97%2. Schwartz et al.9 avaliaram apenas reação para proteínas e glicose nas fitas, empregando fitas da mesma marca utilizada na presente investigação. Em 58 amostras de líquor, de 43 pacientes, concluíram que, apesar das dificuldades para a definição dos valores limítrofes da normalidade, haviam identificado rapidamente os casos com alterações bem definidas. Fleibloom & Muller10,11 investigaram reações de glicose em líquor de 119 e 54 pacientes, respectivamente, e também registraram dificuldade na identificação de casos com pequenas alterações. Salvador et al.12 fizeram estudo com 68 pacientes, analisando separadamente a sensibilidade e a especificidade para cada um dos itens avaliados nas fitas reagentes, validando o teste para o diagnóstico de meningites bacterianas. Eles ressaltam a necessidade da presença de leucócitos polimorfonucleares, os quais apresentam estearase, enzima que reage com o local correspondente na fita reagente.

No entanto, não houve discordância estatisticamente significante no diagnóstico de meningites bacterianas pelos dois métodos no presente estudo (p = 0,68). Pode-se inferir que as fitas reagentes tiveram boa sensibilidade na amostra estudada (90%). Além disso, a concordância diagnóstica significativa (p < 0,0001) indica que o método de fitas reagentes possa ser exame diagnóstico auxiliar promissor para infecções meníngeas, principalmente em casos de dificuldades técnicas, direcionando a conduta o mais precocemente possível. É necessário que estudos com maiores amostras sejam realizados para recomendar ou não a utilização rotineira do teste.

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  • Endereço para correspondência:
    Dra. Roberta Maia de Castro Romanelli
    Alameda Ezequiel Dias, 345 - 3o andar - Santa Efigênia
    CEP 30130-110 - Belo Horizonte, MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2001
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