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Fatores de risco ou de proteção?

Risk or protective factors?

EDITORIAL

Fatores de risco ou de proteção?

Risk or protective factors?

Nelson Rosário Filho

Professor Titular de Pediatria, UFPR

Inquéritos epidemiológicos têm indicado um aumento notável na prevalência de asma e de outras expressões da alergia em crianças. Parece pouco provável que fatores genéticos contribuam para esta tendência de aumento e, por isso, ganha importância o papel de fatores ambientais no desenvolvimento da asma na infância. O estudo de caso-controle de Líllian S.L. Moraes et al. publicado neste número do Jornal de Pediatria avalia fatores de risco associados à asma com um exercício estatístico interessante.

Do ponto de vista de método, alguns pontos merecem destaque para a interpretação dos resultados. Como os autores selecionaram os controles? Não bastaria a ausência de sintomas de asma ou rinite, mas justamente se esperaria nos controles que a pesquisa de IgE específica fosse negativa.

Por outro lado, se são atópicos os asmáticos, os testes para IgE específica têm que ser mais freqüentemente positivos que nos controles. A freqüência de positividade a teste cutâneo alérgico ao D. pteronyssinus pode alcançar 98% em crianças asmáticas brasileiras. A exposição aos alérgenos domiciliares não foi avaliada pela detecção da presença e concentração dos alérgenos principais dos diferentes fatores, mas por uma descrição do ambiente, que não foi verificada in loco pelos autores. Os diâmetros das pápulas foram provavelmente medidos, mas os resultados não são apresentados, como também não aparecem o método e os resultados na determinação da exposição à poeira e da umidade do ambiente.

A contagem de eosinófilos no sangue (e não no soro) estava elevada em 61,5% dos controles, acompanhando elevação dos níveis séricos de IgE total, cuja média era muito superior ao que é considerado normal. Diferenças significativas entre asmáticos e controles no número de eosinófilos no sangue e nos níveis séricos de IgE devem, portanto, ser valorizados com cautela nesse estudo.

Brand et al.1, examinando a relação entre os sintomas resultantes da exposição à poeira domiciliar e os parâmetros de alergia em pacientes com asma pulmonar obstrutiva crônica, concluíram que os testes intradérmicos ao D. pteronyssinus são de maior valor preditivo para alergia do que os níveis de IgE total e específica ou contagem de eosinófilos.

Os testes cutâneos são instrumento diagnóstico acurado na avaliação de reações mediadas por IgE. A correlação entre o diâmetro da pápula e o valor de IgE específica para os ácaros demonstra bem a associação entre essas variáveis.

A intensidade da reação e também a rapidez como se desenvolve a reação após a introdução do alérgeno correlacionam-se com níveis séricos de IgE específica, provendo útil informação para o clínico na avaliação do paciente alérgico2.

A exposição aos animais domésticos, mais freqüente em controles do que em casos, pode refletir a observância às medidas de higiene ambiental, que certamente foram instituídas para o controle da doença, instintivamente ou por orientação médica, pois verificou-se maior sensibilização aos animais nos asmáticos.

Uma coorte de 1.314 recém-nascidos, acompanhados durante 7 anos, demonstrou que a indução de respostas IgE específicas a alérgenos intradomiciliares e o desenvolvimento de asma são determinados por fatores independentes3.

Estudos populacionais recentes sugerem que a presença de gato na casa poderia reduzir o risco de sensibilização e asma4,5. Platts-Mills et al.6 investigaram a resposta imunológica aos alérgenos de gato e ácaro, em crianças com asma, pela determinação de anticorpos IgE, IgG e IgG4 a Der f1 e Fel d1. A exposição a gatos produzia uma resposta IgG e IgG4 sem sensibilização ou risco de asma, explicando a observação que animais dentro de casa podem diminuir o risco de asma.

Os fatores que determinam o desenvolvimento de alergia são, pelo menos em parte, diferentes dos que promovem asma na infância. A relação entre sensibilização aos ácaros e asma pode refletir a suscetibilidade de um indivíduo com asma em tornar-se alérgico a esses antígenos mais comuns do ambiente domiciliar, e não o risco aumentado de asma quando expostas aos alérgenos3.

Uma vez ocorrida a sensibilização, e a asma se manifestar clinicamente, a exposição persistente aos alérgenos se associa ao aparecimento de sintomas. Portanto, quando a doença já está estabelecida, a exposição ambiental aos alérgenos oferece risco de desencadear crises, dificultando a interpretação da associação entre a asma e a sensibilização alérgica como sendo de causa e efeito.

Referências bibliográficas

1. Brand PI, Kerstjens HAM, Jansen HM, Kauffman HF, Monchi JGR. Interpretation of skin tests to house dust mite and relationship to other allergy parameters in patients with asthma and chronic obstructive pulmonary disease. J Allergy Clin Immunol 1993; 91: 560-70.

2. Rosario NA, Vilela MMS. Quantitative skin prick tests and serum IgE antibodies in atopic asthmatics. J Invest Allergol Clin Immunol 1997; 7:40-5.

3. Lau S, Illi S, Sommerfeld C, et al. Early exposure to house dust mite and cat allergens and development of childhood asthma: a cohort study. Lancet 2000; 356:1392-97.

4. Roost HP, Kunzli N, Schindler C, et al. Role of current and childhood exposure to cat and atopic sensitization. J Allergy Clin Immunol 1999; 104:941-47.

5. Sporik R, Squillace SP, Ingram JM, et al. Mite, cat and cockroach exposure, allergen sensitization, and asthma in children: a case-control study of three schools. Thorax 1999; 54:675-80.

6. Platts-Mills T, Vaughan J, Squillace S, Woodfolk J, Sporik R. Sensitization, asthma and a modified Th2 response in children exposed to cat allergen: a population-base-cross-sectional study. Lancet 2001;357:752-56.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2001
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