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ECEP, ECET, ECEA, ECEH, ECEI, ECAD: a E. coli revisitada no contexto da diarréia aguda

Escherichia coli subtypes EPEC, ETEC, EAEC, EHEC, EIEC, and DAEC in acute diarrhea

ECEP, ECET, ECEA, ECEH, ECEI, ECAD: a E. coli revisitada no contexto da diarréia aguda

Escherichia coli subtypes EPEC, ETEC, EAEC, EHEC, EIEC, and DAEC in acute diarrhea

Aderbal Sabrá* * Aderbal Sabrá – Professor Titular de Clínica Médica da Criança e do Adolescente – UNIGRANRIO. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina.

A síndrome diarréica é uma das causas mais importantes de morbidade e mortalidade na infância em todo o mundo, levando-se em conta aspectos locais na sua prevalência e patogenicidade.

Nas regiões carentes, onde é baixo o poder aquisitivo, onde não existem água encanada e esgoto sanitário, a poucos quilômetros dos centros urbanos, ou nas favelas, a mortalidade infantil é superior a 100, e a diarréia é responsável por mais de 50% destes óbitos, causada principalmente por bactérias. Por outro lado, nas regiões urbanas, com água encanada e esgoto sanitário, região habitada por populações educadas e de alto poder aquisitivo, onde a mortalidade infantil é inferior a 20, a diarréia é responsável por menos de 1% dos óbitos, prevalecendo como principal agente causal o vírus(1).

O Brasil é um país continental, com regiões ricas e industrializadas cercadas por bolsões de extrema pobreza. Lado a lado convivem indivíduos educados e que dispõem de todo o conforto disponível do século XXI, com populações carentes sem noções mínimas de higiene e sem água encanada a seu dispor. Se para o primeiro grupo a renda per capita ultrapassa a 20 salários mínimos, e suas residências, em zona urbana, têm o conforto do saneamento básico, para o segundo grupo não se fala em renda per capita, pois a maioria não ganha sequer o salário mínimo e quanto ao esgoto diríamos, sem exagero, que é onde vivem, pois as "valas negras" são abertas no terreno onde constroem seus casebres nas favelas.

Vivemos paradoxalmente estas duas situações. De extrema pobreza e de fausta riqueza. Razão por que não será sempre tão simples interpretar a diarréia aguda e seus agentes causais, principalmente porque grande parte de nossas crianças vive em situações intermediárias, como nos países em vias de desenvolvimento.

O primeiro passo na caracterização dos agentes causais é a sua identificação. É portanto fundamental o isolamento do agente infeccioso. Para isto, contamos hoje com as culturas em meios seletivos, com as verificações de seus estímulos antigênicos, com os testes de radioimunoensaio específicos, com o recurso da microscopia ótica e eletrônica para visualização direta do agente agressor e com os testes específicos para identificação de cepas patogênicas. Neste aspecto o trabalho do prof. Okay e colaboradores é o mais completo entre nós, sobretudo no que diz respeito à participação da E. coli na diarréia aguda.

A presença de um agente bacteriano ou viral reconhecido como causador de diarréia aguda infecciosa é importante, mas não define o diagnóstico etiológico, por conta da possibilidade do portador são e das associações de patógenos isolados em uma amostra fecal, como tão bem evidencia o trabalho de grupo do prof. Yassuhiko Okay(2).

É necessária, portanto, uma coerência entre o agente causal isolado e os achados laboratoriais que indicam ser aquela crise aguda de mesma origem fisiopatogênica. O uso destes elementos em conjunto, isolamento etiológico e laboratório mínimo, nos permite afastar as chances de associações etiológicas ou falso-positivos. Hoje sabe-se que, para cada agente causal, há uma fisiopatologia bem definida, que gera alterações laboratoriais específicas. Este detalhamento laboratorial, que não foi feito, enriqueceria o trabalho da Dra. Eloísa Souza e colocaria em evidência o patógeno principal dentre os isolados nas ditas associações.

É importante que na diarréia por vírus haja concordância de elementos anormais levemente tocados, com leucócitos e sangue negativos, um sódio fecal baixo e o vírus positivo na pesquisa laboratorial. As alterações dos elementos anormais estão justificadas pelas fisiopatologia da agressão viral, onde sabidamente resultam fenômenos osmóticos pela grave lesão epitelial, com o sódio fecal diminuindo de seus valores normais(3-5).

Nas diarréias infecciosas toxigênicas o que prevalece, sobretudo, é o sódio fecal muito elevado em um paciente que tem diarréia aquosa de grande volume. Os elementos anormais estão ausentes. O que ocorreu foi a secreção ativa de cloro e a não reabsorção do sódio, que se perde nas fezes(6).

Nas diarréias infecciosas bacterianas invasoras aparece o sangue nas fezes, onde os elementos anormais ficam positivos para leucócitos e hemácias, com o sódio fecal em torno de 40 a 70 mEq/L. Leucócitos negativos falam a favor em ECEH, e quando faltam ambos, deve-se pensar em ECEP(7).

A interpretação destes dados associados ao isolamento do agente causal, vírus ou bactéria, nos permite postular a etiopatogenia e a compreensão de seu mecanismo fisiopatológico. A par do grande valor no diagnóstico, estes achados indicam a clareza da conduta correta na reidratação, principalmente no que diz respeito ao manejo do sódio na hidratação oral. Diarréias com sódio fecal elevado causam desidratação que só se reidrata com soluções orais que tenham alto teor de sódio, como a preconizada pela OMS. Assim, as soluções com sódio 60, ou menos, falham na reidratação das diarréias toxigênicas. Por outro lado, soluções com sódio 90 podem levar lactentes jovens à hipernatremia quando a diarréia é por vírus, onde a perda fecal de sódio é baixa(5).

Embora existam muitos trabalhos para o estudo etiológico da diarréia aguda infecciosa, poucos são aqueles que fazem uma avaliação abrangente sobre todos os agentes patogênicos, como o deste levantamento feito pela Divisão de Pediatria do Hospital Universitário da USP, em um grupo de crianças de baixo nível socioeconômico do distrito de Butantã, em São Paulo, onde a diarréia aguda é a segunda causa de consulta e internação pediátricas nos últimos 5 anos. Cabe, portanto, uma comparação entre estes preciosos achados com o que está registrado na literatura, nos últimos 40 anos(8-10).

Estes diferentes trabalhos, feitos em cidades distintas, ao longo dos últimos 40 anos, que têm em comum o subdesenvolvimento das populações estudadas, mostram semelhanças com o trabalho agora concluído, na virada do século, pelo grupo do Prof. Okay(11).

O agente Rotavírus foi isoladamente o patógeno mais freqüentemente identificado, variando sua incidência de 17,1% no México para 45,3% em Costa Rica. No trabalho em evidência, ele apareceu isoladamente em 20,8% dos casos estudados, e considerando-se também as associações em 34,9% dos pacientes.

Dentre as bactérias, em todos os estudos das últimas décadas em populações de baixo poder aquisitivo, prevaleceu a ECET. Quanto mais pobreza, mais E. coli toxigênica. Em São Paulo, tanto nos trabalhos anteriores de Trabulsi e Kitagawa, como neste, prevaleceu a ECEP.

Tabela

Quanto à presença das bactérias invasoras, nos estudos do Rio prevaleceu a Salmonella, enquanto que nos demais trabalhos anteriores, e neste atual, a Shiguella foi a mais freqüente. Campylobacter, ECEH, Yersinia e ECEI são considerados a seguir, nessa ordem, em todo o mundo(12,13).

Merece destaque neste trabalho da Drª Eloísa Souza e colaboradores o detalhado estudo da participação da E. coli na diarréia aguda em populações carentes do estado de São Paulo. Acredito ser isto fruto da influência do eminente cientista e professor Luiz Rachid Trabulsi, pioneiro nos estudos relativos à participação da ECEP na diarréia aguda em nosso meio, a quem rendo minhas homenagens, extensiva a todos que participaram desta excelente revisão etiopatogênica da diarréia aguda em São Paulo, sob a liderança do professor Yassuhiko Okay.

Sobe

Sobe

  • 1. Sabrá A. Diarréia Aguda e Crônica em Pediatria. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Cultura Médica; 1994.p.93.
  • 2. Souza EC, Martinez MB, Taddei CR, Mukai L, Gilio AE, Racz ML, et al. Perfil etiológico das diarréias agudas de crianças atendidas em São Paulo. J Pediatr (Rio J) 2002;78(1):31-38.
  • 3. Wrong O, Metcaff -Gibson A. The electrolyte content of feces. Proc Roy Soc Med 1965; 58: 1007.
  • 4. Kerzner B, Kelly M, Gall D, Butler D, Hamilton J. Transmissible gastroenteritis - sodium transport and the intestinal epithelium during the course of viral enteritis. Gastroenterology 1977; 72:457.
  • 5. Sabrá A. Diarréia Aguda e Crônica em Pediatria. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Cultura Médica; 1994.p.110.
  • 6. Sharp C, Hynie S. Stimulation of intestinal adenyl cyclase by cholera toxin. Nature 1971; 229: 226.
  • 7. Sabrá A. Diarréia Aguda e Crônica em Pediatria. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Cultura Médica; 1994.p. 97.
  • 8. Guerrant RL, Hughes JM, Lima NL, Crane J. Diarrhea in developed and developing countries: magnitude, special setting, and etiologies. Rev Infect Dis 1990; 12(S):41.
  • 9. Kitagawa SMS, Toledo MRF, Trabulsi LR, et al. Etiologia da diarréia infecciosa endêmica da criança de baixo nível sócio-econômico em São Paulo. Am J Trop Med Hyg 1986; 35:1013.
  • 10. Sabrá A. Diarréia Aguda e Crônica em Pediatria. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Cultura Médica; 1994.p.104.
  • 11. Silva LR. Diarréia aguda em crianças. 1ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Medsi; 1988; 73.
  • 12. Stumph M, Ricciardi ID, Oliveira N, Sabrá A, Bernhoeft M. Yersinia enterocolítica as a cause of infantile diarrhoea in Rio de Janeiro. Rev Bras Pesq Med Biol 1979; 11: 383.
  • 13. Ricciardi ID, Ferreira MCS, Otto SS, Oliveira N, Sabrá A, Fontes CF. Thermophilic Campylobacter - Associeted Diarrhea in Rio de Janeiro. Rev Bras Pesq Med Biol 1979; 12: 189.
  • *
    Aderbal Sabrá – Professor Titular de Clínica Médica da Criança e do Adolescente – UNIGRANRIO. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Nov 2002
    • Data do Fascículo
      Fev 2002
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