Riscos da vacinação antiinfluenza em crianças com infecção pelo HIV
Influenza immunization risks in HIV infected children
Norma Rubini 1 Norma Rubini - Profª Livre-Docente em Alergia e Imunologia. Coordenadora do Curso de Pós-graduação em Alergia e Imunologia - Universidade do Rio de Janeiro - Uni-Rio.
Na etiopatogenia da infecção pelo HIV observam-se dois fenômenos principais: a ativação imunológica e a imunodepressão. Várias manifestações clínicas da infecção pelo HIV não são decorrentes do quadro de imunodeficiência, mas sim relacionadas aos processos de replicação viral, ativação imunológica e produção excessiva de citocinas pró-inflamatórias. Dentre estas, destacam-se, na população pediátrica, a encefalopatia pelo HIV e a síndrome consumptiva (wasting syndrome). Além disso, a ativação imunológica favorece a replicação do HIV em células que estejam em estado de infecção latente e a entrada do HIV em linfócitos e monócitos/macrófagos não infectados, possibilitando um agravamento da depleção da população de linfócitos T CD4+.
As imunizações contra agentes infecciosos acarretam a ativação do sistema imune, e o seu impacto no curso virológico, imunológico e clínico de pacientes com infecção pelo HIV foi investigado em vários estudos envolvendo adultos e crianças. Teoricamente, o potencial de riscos para o paciente pediátrico, especialmente abaixo dos dois anos de idade, é maior, devido à administração de múltiplas vacinas e à imaturidade do sistema imunológico. Um outro fator agravante é o fato de que as crianças nesta faixa etária apresentam taxas de replicação viral significativamente mais elevadas do que os adultos.
Neste número do Jornal de Pediatria, Carvalho e cols. (1 1. Carvalho AP, Dutra LC, Tonelli E. Vacinação contra influenza em crianças infectadas pelo HIV: alterações imunológicas e na carga viral. J Pediatr (Rio J) 2003;79(1):29-40. ) avaliaram os efeitos da vacinação contra o vírus influenza na taxa de replicação do HIV e na subpopulação de linfócitos T CD4+ em 44 crianças infectadas pelo HIV. Os autores não observaram nenhuma alteração significativa na carga viral secundária à administração da vacina antiinfluenza. Contudo, foi constatado um decréscimo transitório significativo na contagem absoluta dos linfócitos T CD4+, sem uma redução correspondente nos valores percentuais. Estes dados indicam que, provavelmente, a depleção de linfócitos T CD4+ observada ocorreu em função do processo de ativação imunológica, e não de um aumento da atividade viral. Foi observado, ainda, que o esquema anti-retroviral não foi modificado no período de um ano após a aplicação da vacina em 41 (80,4%) pacientes, apontando para a ausência de efeitos deletérios em médio prazo no prognóstico do paciente.
Os estudos investigando o impacto da vacina antiinfluenza em pacientes pediátricos foram realizados com um número pequeno de pacientes e incluíram populações heterogêneas com relação às características virológicas, imunológicas e clínicas, bem como esquemas de terapia anti-retroviral com potência variável. Os resultados destes estudos são controversos, sendo que a maioria indica um aumento transitório da replicação viral, sem observar nenhum agravamento na situação imunológica ou no prognóstico clínico dos pacientes (2-7 2. Yerly S, Wunderli W, Wyler CA, Kaiser L, Hirschel B, Suter S, et al. Influenza immunization of HIV-infected patients does not increase HIV-1 viral load. AIDS 1994;8:1503-4. ). As diferenças observadas nos resultados podem ser ocasionadas pela influência destas variáveis.
No estudo de Carvalho e cols. (1 1. Carvalho AP, Dutra LC, Tonelli E. Vacinação contra influenza em crianças infectadas pelo HIV: alterações imunológicas e na carga viral. J Pediatr (Rio J) 2003;79(1):29-40. ), a maioria dos pacientes (68,7%) encontrava-se em situação imunológica e clínica de graus leve a moderado, sendo que 54,3% não apresentava nenhum déficit imunológico, e 86,3% estava em uso de terapia anti-retroviral efetiva. Portanto, os resultados do estudo permitem concluir que em crianças infectadas pelo HIV estáveis, em situação clínica e imunológica razoável e com boa resposta à terapia anti-retroviral vigente, a administração da vacina antiinfluenza parece ser segura.
Recentemente, Kolber e cols. (8 8. Kolber MA, Gabr AH, De La Rosa A, Glock JA, Jayaweera D, Miller N, et al. Genotypic analysis of plasma HIV-1 RNA after influenza vaccination of patients with previously undetectable viral loads. AIDS 2002;16:537-42. ) investigaram a possibilidade da emergência de cepas de HIV com resistência aos medicamentos anti-retrovirais em adultos com carga viral indetectável (< 200 cópias/ml) em conseqüência da elevação da carga viral secundária à vacinação anti-influenza. Foram avaliados 37 adultos, sendo que somente sete apresentaram elevação da taxa de replicação viral no período pós-vacinal. Dentre estes, foi detectada a emergência de cepas de HIV com mutações conferindo resistência a anti-retrovirais em curto prazo em dois pacientes, e em médio prazo em outros dois pacientes. Os autores concluíram que existe o risco de surgimento de cepas de HIV resistentes à terapia anti-retroviral em um pequeno número de pacientes que apresenta elevação da carga viral pós-imunização antiinfluenza.
Os estudos avaliando o impacto da vacina contra o vírus influenza em pacientes com infecção pelo HIV não permitem, devido ao tamanho das casuísticas, identificar quais os fatores/características de risco para um possível efeito adverso da vacina no quadro virológico, imunológico, falha terapêutica e evolução clínica do paciente. É possível que os riscos da ativação imunológica em pacientes sem uma supressão viral adequada e/ou com déficit imunológico acentuado sejam muito maiores do que em pacientes estáveis.
É importante salientar que no seguimento clínico de crianças com infecção pelo HIV a interpretação de alterações na carga viral e contagem de linfócitos T CD4+ em períodos pós-vacinais deve ser cautelosa, evitando-se uma introdução precoce e/ou mudanças desnecessárias da terapia anti-retroviral nestes períodos. Idealmente, recomenda-se programar o monitoramento virológico e imunológico para um prazo superior a um mês pós-imunização. Além disso, reforços extras de imunizações em pacientes com infecção pelo HIV com esquema vacinal completo e atualizado não devem ser administrados, uma vez que podem resultar em riscos, sem nenhum benefício adicional.
Referências bibliográficas
Título do artigo: "Riscos da vacinação antiinfluenza em crianças com infecção pelo HIV"
Sobe
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Set 2003 -
Data do Fascículo
Fev 2003