Acessibilidade / Reportar erro

Colonização de orofaringe por Streptococcus pneumoniae em crianças de creches municipais de Taubaté-SP: correlação entre os principais sorotipos e a vacina pneumocócica conjugada heptavalente

Oropharyngeal carriage of Streptococcus pneumoniae by children attending day care centers in Taubaté, SP: correlation between serotypes and the conjugated heptavalent pneumococcal vaccine

Resumos

OBJETIVO: o Streptococcus pneumoniae habitualmente coloniza a orofaringe de pessoas sadias. O estado de portador assintomático está relacionado à invasão de estruturas adjacentes e ao surgimento de doença invasiva. Foi realizado estudo transversal, descritivo, objetivando verificar a prevalência de colonização de orofaringe pelo S. pneumoniae em crianças que freqüentam creches no município de Taubaté, SP, verificar a freqüência de sorotipos de Streptococcus pneumoniae nas cepas isoladas e relacionar os sorotipos mais freqüentes com os sorotipos presentes na composição da vacina pneumocócica heptavalente conjugada atualmente em uso. MÉTODOS: foram coletados, de 29 de junho a 15 de dezembro de 1998, 987 swabs de orofaringe de crianças entre 8 e 71 meses de idade, matriculadas nas creches municipais de Taubaté, SP. A identificação do S. pneumoniae foi baseada na observação das colônias que apresentassem hemólise parcial nos meios AS e AS-G, e pela observação da inibição do crescimento ao redor do disco de optoquina. A sorotipagem foi realizada pela reação de Quellung, utilizando anti-soros específicos, e adotado o sistema de nomenclatura dinamarquês. RESULTADOS: o Streptococcus pneumoniae foi isolado em 209 das 987 crianças (taxa de colonização= 21,1%). Vinte e oito sorotipos foram identificados. Os sete sorotipos mais freqüentes foram: 6A/6B (21,5%), 19F (14,8%), 18C (7,4%), 23F (7,4%), 9V (6,7%),14 (5,2%) e 10A (4,4%). Com exceção do sorotipo 10A, todos os outros seis estão incluídos na vacina. O único sorotipo vacinal não encontrado foi o sorotipo 4. CONCLUSÃO: estima-se, então, uma concordância de 63% entre os sorotipos colonizadores de orofaringe e os sorotipos presentes na vacina.

Streptococcus pneumoniae; vacinas; creches; crianças


OBJECTIVE: Streptococcus pneumoniae usually colonizes the oropharynx of healthy people. Oropharyngeal carriage is related to the invasion of adjacent structures and to the development of invasive disease. A descriptive cross-sectional study was performed aiming at verifying the prevalence of oropharyngeal colonization by S. pneumoniae in children attending day care centers in the city of Taubaté - SP; verifying the frequency of S. pneumoniae serotypes in isolated strains; and relating the most frequent serotypes to the composition of the conjugated heptavalent pneumococcal vaccine currently in use. METHODS: from June 29 to December 15 1998, samples of oropharyngeal material were collected from 987 children, ranging from 8 to 71 months old, enrolled in day care centers in Taubaté - SP. The identification of S. pneumoniae was based on the observation of the colonies that presented partial hemolysis in agar-blood and agar-blood with gentamycin plates and on the observation of inhibited growth around the optochin disc. Serotyping was performed by the Quellung reaction, using specific antiserum, provided by the Centers for Disease Control and Prevention (Atlanta, GA/USA), and the Danish nomenclature system. RESULTS: as a result, S. pneumoniae was isolated from the oropharynx in 209 out of 987 children (colonization rate of 21.2%). Twenty eight serotypes were identified. The seven most frequent serotypes were: 6A/6B (21.5%), 19F (14.8%), 18C (7.4%), 23F (7.4%), 9V (6.7%), 14 (5.2%), 10A (4.4%). Except for serotype 10A, all the other six are included in the vaccine. The only vaccine serotype which was not found was serotype 4. CONCLUSION: agreement of 63% between the oropharynx colonizer serotypes and the serotypes present in the vaccine was found.

Streptococcus pneumoniae; vaccines; day care centers; children


®see this article in English

ARTIGO ORIGINAL

Colonização de orofaringe por Streptococcus pneumoniae em crianças de creches municipais de Taubaté-SP: correlação entre os principais sorotipos e a vacina pneumocócica conjugada heptavalente

Oropharyngeal carriage of Streptococcus pneumoniae by children attending day care centers in Taubaté, SP: correlation between serotypes and the conjugated heptavalent pneumococcal vaccine

Bianca R. LucarevschiI; Evandro R. BaldacciII; Lúcia F. BricksIII; Ciro J. BertoliIV; Lúcia Martins TeixeiraV; Caio M. F. MendesIII; Carmem OplustilVI

IEspecialista em Infectologia Pediátrica, Universidade de Taubaté

IILivre-Docente - Universidade de São Paulo, USP

IIIDoutor, USP

IVDoutor

VDoutora, Universidade Federal do Rio de Janeiro

VILaboratório Fleury

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Bianca R. Lucarevschi Rua Alcaide Mor Camargo, 119 - ap. 11 - Jardim Russi CEP 12010-240 - Taubaté, SP Tels.: (12) 232.9147 E-mail: bfh@horizon.com.br

RESUMO

OBJETIVO: o Streptococcus pneumoniae habitualmente coloniza a orofaringe de pessoas sadias. O estado de portador assintomático está relacionado à invasão de estruturas adjacentes e ao surgimento de doença invasiva. Foi realizado estudo transversal, descritivo, objetivando verificar a prevalência de colonização de orofaringe pelo S. pneumoniae em crianças que freqüentam creches no município de Taubaté, SP, verificar a freqüência de sorotipos de Streptococcus pneumoniae nas cepas isoladas e relacionar os sorotipos mais freqüentes com os sorotipos presentes na composição da vacina pneumocócica heptavalente conjugada atualmente em uso.

MÉTODOS: foram coletados, de 29 de junho a 15 de dezembro de 1998, 987 swabs de orofaringe de crianças entre 8 e 71 meses de idade, matriculadas nas creches municipais de Taubaté, SP. A identificação do S. pneumoniae foi baseada na observação das colônias que apresentassem hemólise parcial nos meios AS e AS-G, e pela observação da inibição do crescimento ao redor do disco de optoquina. A sorotipagem foi realizada pela reação de Quellung, utilizando anti-soros específicos, e adotado o sistema de nomenclatura dinamarquês.

RESULTADOS: o Streptococcus pneumoniae foi isolado em 209 das 987 crianças (taxa de colonização= 21,1%). Vinte e oito sorotipos foram identificados. Os sete sorotipos mais freqüentes foram: 6A/6B (21,5%), 19F (14,8%), 18C (7,4%), 23F (7,4%), 9V (6,7%),14 (5,2%) e 10A (4,4%). Com exceção do sorotipo 10A, todos os outros seis estão incluídos na vacina. O único sorotipo vacinal não encontrado foi o sorotipo 4.

CONCLUSÃO: estima-se, então, uma concordância de 63% entre os sorotipos colonizadores de orofaringe e os sorotipos presentes na vacina.

Palavras-chave:Streptococcus pneumoniae, vacinas, creches, crianças.

ABSTRACT

OBJECTIVE:Streptococcus pneumoniae usually colonizes the oropharynx of healthy people. Oropharyngeal carriage is related to the invasion of adjacent structures and to the development of invasive disease. A descriptive cross-sectional study was performed aiming at verifying the prevalence of oropharyngeal colonization by S. pneumoniae in children attending day care centers in the city of Taubaté - SP; verifying the frequency of S. pneumoniae serotypes in isolated strains; and relating the most frequent serotypes to the composition of the conjugated heptavalent pneumococcal vaccine currently in use.

METHODS: from June 29 to December 15 1998, samples of oropharyngeal material were collected from 987 children, ranging from 8 to 71 months old, enrolled in day care centers in Taubaté - SP. The identification of S. pneumoniae was based on the observation of the colonies that presented partial hemolysis in agar-blood and agar-blood with gentamycin plates and on the observation of inhibited growth around the optochin disc. Serotyping was performed by the Quellung reaction, using specific antiserum, provided by the Centers for Disease Control and Prevention (Atlanta, GA/USA), and the Danish nomenclature system.

RESULTS: as a result, S. pneumoniae was isolated from the oropharynx in 209 out of 987 children (colonization rate of 21.2%). Twenty eight serotypes were identified. The seven most frequent serotypes were: 6A/6B (21.5%), 19F (14.8%), 18C (7.4%), 23F (7.4%), 9V (6.7%), 14 (5.2%), 10A (4.4%). Except for serotype 10A, all the other six are included in the vaccine. The only vaccine serotype which was not found was serotype 4.

CONCLUSION: agreement of 63% between the oropharynx colonizer serotypes and the serotypes present in the vaccine was found.

Key words:Streptococcus pneumoniae, vaccines, day care centers, children.

Introdução

O Streptococcus pneumoniae (pneumococo) é conhecido como um importante agente causal de morbidade e mortalidade em indivíduos de todas as idades, há mais de 100 anos1. É um agente habitualmente colonizador de orofaringe de pessoas sadias, consideradas portadores assintomáticos. A partir desse estado de colonização, são transmitidos de pessoa a pessoa em perdigotos2. Esse estado de portador assintomático está teoricamente relacionado ao surgimento de doença invasiva, pois pode haver invasão de estruturas adjacentes pelo S. pneumoniae, como a orelha média, os seios paranasais, as meninges e a corrente sangüínea3,4. O estudo epidemiológico da doença invasiva pneumocócica está intimamente relacionado à identificação dos pneumococos colonizadores do trato respiratório superior. Com o surgimento e a disseminação de cepas bacterianas resistentes aos antibióticos mais usuais, a vacinação rotineira tem se tornado cada vez mais importante.

A prevalência de doença pneumocócica é maior nos dois primeiros anos de vida5,6, idade em que a vacina pneumocócica polissacarídica não é eficaz. A conjugação dos antígenos polissacarídicos capsulares com proteínas pode melhorar a imunogenicidade da vacina pneumocócica em crianças menores de dois anos, por permitir uma resposta imunológica do tipo T-dependente5,6.

Um obstáculo a essa proposta é a existência de 90 sorotipos de S. pneumoniae. Não parece que seja possível incluir um grande número de antígenos em uma vacina conjugada, o que significa que os indivíduos vacinados continuariam suscetíveis aos sorotipos não incluídos na vacina6.

A vacina pneumocócica conjugada licenciada nos EUA atualmente é composta de sacarídeos dos antígenos capsulares dos sorotipos 4, 6B, 9V, 14, 18C, 19F e 23F de S. pneumoniae, conjugados individualmente com a proteína diftérica CRM197.

O presente estudo teve como objetivos verificar a prevalência geral de colonização de orofaringe pelo S. pneumoniae em crianças que freqüentam creches no município de Taubaté-SP, verificar a freqüência de sorotipos de Streptococcus pneumoniae nas cepas isoladas, e relacionar os sorotipos mais freqüentes com os sorotipos presentes na composição da vacina pneumocócica heptavalente conjugada, atualmente em uso.

Métodos

Optou-se por inclusão universal das crianças menores de seis anos de idade, matriculadas nas creches municipais da cidade de Taubaté. O responsável legal por cada criança incluída no estudo foi informado pelo pesquisador quanto aos objetivos da pesquisa e metodologia a ser utilizada, e forneceu seu consentimento através do preenchimento e assinatura do termo de consentimento pós-informação, padronizado pela Universidade de Taubaté.

As amostras foram coletadas pelo pesquisador, previamente treinado pelo setor de microbiologia especial do laboratório de investigação médica do Instituto de Medicina Tropical, utilizando-se swab estéril, que era introduzido pela boca até tocar a orofaringe7. O swab, então, era acondicionado em meio de transporte (Amies com carvão) que permite a viabilidade das cepas em temperatura ambiente por 24 horas, e enviado ao setor de microbiologia especial do laboratório de investigação médica (LIM 54) do Instituto de Medicina Tropical - FM/USP, em um prazo médio de quatro horas após a coleta. No momento da coleta, as crianças estavam em jejum de pelo menos duas horas7. Não houve avaliação clínica das crianças submetidas ao estudo.

As amostras foram processadas no setor de microbiologia especial do laboratório de investigação médica (LIM 54) da FM/USP. Foram semeadas em meios de cultura: ágar-sangue (AS) e ágar-sangue com gentamicina (AS-G). As placas foram incubadas a 35oC, em atmosfera de 5% de CO2, por 48 horas8.

A identificação do S. pneumoniae foi baseada na observação das colônias que apresentassem hemólise parcial nos meios AS e AS-G e pela observação da inibição do crescimento ao redor do disco de optoquina (disco de 5 µg)7.

As amostras foram enviadas para o laboratório de apoio bacteriológico do departamento de microbiologia médica do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IM-UFRJ) para sorotipagem. Foi realizada a reação de Quellung, utilizando anti-soros específicos, fornecidos pelo Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA/ EUA, e o sistema de nomenclatura dinamarquês.

Resultados

População estudada

Foram obtidas amostras de secreção de orofaringe de 987 crianças matriculadas em 29 creches municipais da cidade de Taubaté (SP).

De um total de 1.200 crianças menores de seis anos de idade matriculadas nas creches municipais de Taubaté, foram excluídas 213 crianças. As crianças excluídas foram aquelas cujos pais ou responsáveis não autorizaram a coleta, as que não compareceram à creche na data da coleta, e as que não se encontravam em jejum no momento da coleta.

A idade variou de 8 a 71 meses (média = 50,6 meses; mediana = 53 meses; desvio padrão = 9,76). Vinte crianças tinham idade menor ou igual a 24 meses, idade em que o sistema imunológico ainda não está apto a lidar com a cápsula polissacarídica de determinados agentes, como é o caso da cápsula do S. pneumoniae. As 967 crianças restantes tinham mais de 24 meses.

Quanto à distribuição por gênero, 498 crianças (50,5%) eram do sexo masculino. Quanto à distribuição por raça, 812 crianças (82,3%) eram brancas, 98 (9,9%) pardas, 71 (7,2%) negras e seis (0,6%) da raça amarela (Tabela 1).

Prevalência de colonização de orofaringe pelo S. pneumoniae

O Streptococcus pneumoniae foi isolado da orofaringe de 209 das 987 crianças, representando uma taxa de colonização de 21,1%.

Identificação dos sorotipos

Foi possível a sorotipagem de 135 amostras de Streptococcus pneumoniae (64,59%), pois algumas cepas (74 cepas - 35,40%) foram perdidas durante o processo de armazenamento e transporte. Foram encontrados 28 sorotipos, listados a seguir, em ordem de freqüência: 19F (n = 20; 14,8%), 6A (n = 15; 11,1%), 6B (n = 14; 10,4%), 18C (n = 10; 7,4%), 23F (n = 10; 7,4%), 9V (n = 9; 6,7%), 14 (n = 7; 5,2%), 10A (n = 6; 4,4%), 15B (n = 5; 3,7%), 20 (n = 5; 3,7%), 11A (n = 4; 3%), 22F (n = 4; 3%), 7C (n = 3; 2,2%), 15C (n = 3; 2,2%), 16 (n = 3; 2,2%), 3 (n = 2; 1,5%), 37 (n = 2; 1,5%). Os sorotipos 5, 13, 15A, 16F, 17F, 19A, 23A, 23B, 24B, 35B e 35F foram observados em apenas uma amostra cada. Em duas amostras (1,5%), foram isolados Streptococcus pneumoniae não-tipáveis (Figura 1).


Discussão

O presente estudo teve como objetivo principal determinar a prevalência geral de colonização pelo S. pneumoniae em crianças que freqüentam creches municipais de Taubaté, SP. Para isso, houve inclusão universal das crianças menores de seis anos, matriculadas em todas as creches municipais de Taubaté. Como cada creche serve a um bairro, a amostra obtida possibilitou que fossem avaliadas crianças moradoras de todos os bairros da cidade.

A população de estudo também foi homogênea com relação à idade, sexo e raça, conforme a descrição dos resultados.

Os critérios de exclusão foram a recusa em participar, por parte dos responsáveis, o não comparecimento à creche na data da coleta e a falta de jejum no momento da coleta. Esses critérios de inclusão e exclusão permitiram que houvesse uma perda homogênea entre as diversas creches, bem como com relação à faixa etária e quanto ao sexo. No entanto, o elevado índice de perdas na população estudada (17,7%) deve ser considerado uma limitação do estudo, que pode ter subestimado, ou mesmo superestimado, a real prevalência de colonização na população de crianças de creches de Taubaté.

A identificação do S. pneumoniae como agente colonizador de orofaringe em um indivíduo depende diretamente da metodologia utilizada. Os resultados podem variar de acordo com a técnica de coleta, o transporte do material obtido até o laboratório, o meio de cultura e a técnica de cultivo empregados, e as condições de incubação.

Para a realização deste trabalho foram utilizados swabs de orofaringe, cuja coleta foi feita exclusivamente pelo próprio pesquisador, previamente treinado, minimizando possíveis vieses relacionados a diferentes métodos de coleta. A escolha da orofaringe para obtenção do swab foi feita pelo fato de ser este um método menos agressivo de coleta.

Existem controvérsias na literatura médica a respeito da sensibilidade do swab de orofaringe em comparação com o swab de nasofaringe. Em 1961, Box et al.9 realizaram estudo da flora bacteriana do trato respiratório superior, em que foram comparados swabs de região nasal anterior, nasofaringe e orofaringe. Foi concluído que a nasofaringe e a orofaringe são semelhantes no que diz respeito à flora bacteriana, e o material colhido de nasofaringe é semelhante ao colhido de orofaringe.

No entanto, em 1997, Rapola et al.10 realizaram novo estudo comparativo das técnicas de coleta, quanto à pesquisa da presença do pneumococo. Houve 30% de positividade no material colhido de nasofaringe contra 20% de positividade no material de orofaringe. Yomo et al.11, no mesmo ano, determinaram a prevalência de colonização de orofaringe pelo S. pneumoniae, tanto em nasofaringe quanto em orofaringe. A prevalência de colonização de nasofaringe foi de 96%, e a de orofaringe foi de 84%, o que demonstra que a técnica de coleta de nasofaringe pode ser mais eficaz na detecção de portadores assintomáticos do pneumococo.

No presente estudo, o material foi incubado, após a coleta, em meio de transporte adequado (Amies com carvão), capaz de preservá-lo por 24 horas. No entanto, os swabs eram transportados ao laboratório de microbiologia em, no máximo, 4 horas, tempo este necessário para o transporte de Taubaté (cidade onde foi realizada a coleta) a São Paulo (onde está localizado o laboratório).

Foi observada uma prevalência de colonização de orofaringe, pelo S. pneumoniae, de 21%, considerada baixa, se comparada aos dados de literatura médica nacional e internacional.

No Brasil, Ferreira et al.12 descreveram uma prevalência de colonização nasofaríngea por S. pneumoniae de 34,8% em crianças com rinofaringite aguda, na cidade de São Paulo (SP), entre junho de 1997 e maio de 1998. Os resultados mostram uma prevalência mais alta que a encontrada no presente estudo. Tal fato pode ser explicado parcialmente pela diferença geográfica, pois a prevalência de colonização varia nas diversas regiões, de acordo com condições climáticas e geográficas. Além disso, a coleta ocorreu cerca de um ano antes da coleta referente a este trabalho, e sabe-se que a colonização também varia ao longo do tempo. A variabilidade da prevalência de colonização quanto ao tempo e região geográfica foi bem estabelecida por diversos autores13. Além disso, o método utilizado foi o da coleta de swab de orofaringe. Apesar de ainda ser controverso, alguns estudos sugerem que haja maior prevalência de colonização quando se estuda a nasofaringe9,10. E, ainda, foram incluídas apenas crianças com rinofaringite aguda, o que pode ser considerado, por alguns autores, um fator de risco para colonização14.

Rey et al.15, em estudo realizado em Fortaleza (CE), em 1998, determinaram a prevalência de colonização de nasofaringe em crianças sadias, admitidas em postos de vacinação, crianças de creches e crianças com pneumonia. No grupo de crianças sadias recrutadas em postos de vacinação, a prevalência de colonização de nasofaringe pelo pneumococo foi de 49%, enquanto no grupo de crianças de creches, a prevalência foi muito mais alta (72%). Como ambos os grupos foram submetidos à coleta pela mesma técnica, no mesmo período, ficou claro que a freqüência à creche é um fator de risco para colonização. No entanto, mesmo considerando-se que o material foi obtido de nasofaringe, os resultados do estudo de Rey et al.15 mostram que a prevalência de colonização em Fortaleza é muito mais alta do que a encontrada em Taubaté, deixando clara a variação da prevalência de colonização em diversas regiões geográficas.

Em Salvador (BA), Ribeiro et al.16 relataram que a prevalência de colonização de nasofaringe por pneumococo em crianças menores de 6 anos, provenientes de creches, foi de 69,7%, também mais alta que a encontrada no presente estudo.

A prevalência de colonização observada em Taubaté também foi considerada baixa, se comparada aos dados de outros países que, no entanto, diferiram metodologicamente entre si. Woolfson et al.17 demonstraram uma prevalência de colonização de 71,9% em nasofaringe de crianças africanas menores de 6 anos, com rinofaringite aguda. Arnold et al.18 encontraram 47% de portadores nos EUA, com metodologia semelhante. Dagan et al.19, em Israel, encontraram elevada prevalência de colonização (63%) em crianças sadias. Boken et al.20 descreveram 59% em crianças de dois a 24 meses, freqüentadoras de creches em Omaha (EUA), em 1995, e 55% em população semelhante em Nebraska (EUA), no ano seguinte21.

Entre as 209 cepas isoladas, foi possível realizar a sorotipagem de 135 amostras de S. pneumoniae, pois algumas cepas foram perdidas durante o processo de armazenamento e transporte. Houve, portanto, uma perda de 35% das amostras positivas para S. pneumoniae. Esta perda foi significativa o suficiente para ser apontada como uma limitação do presente estudo, que pode ter apontado, para cada sorotipo encontrado, uma freqüência maior ou menor que a realmente ocorrida na população. Da mesma forma, sorotipos considerados de pouca expressividade no presente estudo podem ter tido sua expressão minimizada, devido ao grande percentual de perdas.

Dos 90 sorotipos conhecidos, foram encontrados 28. Do total de cepas, 15 fazem parte da composição da vacina polissacarídica 23-valente, e, levando-se em conta a imunidade cruzada entre os sorotipos, 91,1% das cepas isoladas podem ser consideradas imunopreviníveis com a utilização dessa vacina.

Os sete sorotipos mais prevalentes, em ordem decrescente de freqüência, foram os seguintes: 19F, 6A, 6B, 18C, 23F, 9V e 14. Com exceção do sorotipo 6A, todos os outros seis sorotipos estão incluídos na vacina heptavalente conjugada, disponível atualmente. Como os sorotipos 6A e 6B são geneticamente relacionados, havendo resposta imunológica cruzada entre eles, pode-se dizer que os sete sorotipos mais prevalentes no presente estudo estão incluídos na vacina heptavalente conjugada. O sorotipo quatro foi o único sorotipo incluído na vacina que não teve expressão relevante no presente estudo. Dessa forma, considerando-se a vacina conjugada heptavalente disponível atualmente, a cobertura vacinal, com relação aos sorotipos mais freqüentemente encontrados, pode ser estimada em 63%, muito próximo aos 59,3% estimados por Brandileone et al.22, em relação a cepas causadoras de doença invasiva.

O sorotipo 19F foi o sorotipo mais freqüente, encontrado em 14,8% das amostras. Este sorotipo é mais freqüentemente encontrado em crianças22. Este fenômeno acontece porque a resposta imunológica aos diferentes antígenos polissacarídicos capsulares varia de acordo com a idade23. O sorotipo 19F é também um dos sorotipos que mais freqüentemente apresentam resistência à penicilina, talvez pelo fato de ser um dos mais prevalentes em crianças e, conseqüentemente, um dos mais freqüentemente expostos à pressão seletiva pelo uso contínuo ou repetitivo de antibióticos24.

O sorotipo 6A foi o segundo mais freqüente (11,1%), seguido pelo sorotipo 6B (10,4%). Esses dois sorotipos são capazes de induzir resposta imunológica do tipo cruzada, ou seja, crianças que desenvolvem imunidade contra o sorotipo 6A também o fazem contra o sorotipo 6B. Isso acontece porque ambos compartilham o mesmo antígeno a, que significa o fator característico de um tipo individual ou comum aos tipos de um mesmo grupo. Somando-se os dois sorotipos, são responsáveis por 21,5% dos sorotipos colonizadores de orofaringe na população estudada. Esses sorotipos também são freqüentemente encontrados na população pediátrica e resistentes à penicilina, à semelhança do sorotipo 19F22.

Os sorotipos 18C e 23F foram os terceiros mais prevalentes, isolados em 7,4% dos casos, cada um. Também fazem parte do grupo dos mais freqüentes em crianças e com maior prevalência de resistência à penicilina, e a infecção pneumocócica por esses agentes pode ser prevenida pela vacinação, pelo fato de estes sorotipos fazerem parte da vacina conjugada atualmente disponível22.

O sorotipo 14 foi encontrado em 5,2% dos casos. Os sorotipos 14 e 23F são os sorotipos que mais freqüentemente apresentam resistência à mais de um antibiótico (cepas multirresistentes)22.

Curiosamente, os sorotipos 1 e 5, altamente prevalentes em isolados de fluidos corpóreos de pacientes com doença invasiva pneumocócica, no Brasil e em outros países da América do Sul22,25-29, não foram encontrados de maneira expressiva em nosso estudo. Tal fato pode ser explicado pelas diferenças regionais e temporais com relação aos diferentes sorotipos, bem como pelo fato de algumas cepas causadoras de doença invasiva (por exemplo, as de sorotipo 1 e 5) serem pouco expressivas em termos de colonização.

Conclusões

Para a população estudada, podemos concluir que:

- a prevalência da colonização orofaríngea pelo Streptococcus pneumoniae em crianças entre 8 e 71 meses, que freqüentam creches municipais de Taubaté, foi de 21,1%;

- os 7 sorotipos mais prevalentes foram: 19F, 6A/6B, 18C, 23F, 9V, 14 e 10A, que correspondem a 67,4% das cepas;

- estima-se uma concordância de 63% entre os sorotipos colonizadores de orofaringe e os sorotipos presentes na vacina penumocócica heptavalente conjugada atualmente em uso.

Agradecimentos

Agradecemos ao Dr. Crésio Romeu Pereira, e à bióloga Margarete Neila Prats da Silva.

Artigo submetido em 03.10.02, aceito em 31.01.03.

Fontes financiadoras: Laboratórios Farmacêuticos Merck Sharp & Dome, Universidade de Taubaté.

  • 1. Austrian R. Pneumococcus: the first one hundred years. Rev Infect Dis 1981;3:183-9.
  • 2. Gwaltney JM Jr, Sande MA, Austrian R, Hendley JO. Spread of Streptococcus pneumoniae in families. II. Relationship of transfer of S. pneumoniae to incidence of colds and serum antibody. J Infect Dis 1975;132:62-8.
  • 3. Gray BM, Coverse GM, Dillon HC. Epidemiological studies of Streptococcus pneumoniae in infants: acquisition, carriage and infection during the first 24 months of life. J Infect Dis 1980;142:923-33.
  • 4. Zenni MK, Cheatham SH, Thompson JM, Reed GW, Batson AB, Palmer PS, et al. Streptococcus pneumoniae colonization in the young child: association with otitis media and resistance to penicillin. J Pediatr 1995;127:533-7.
  • 5. Butler JC. Epidemiology of pneumococcal serotypes and conjugate vaccine formulations. Microb Drug Resist 1997;3(2):125-9.
  • 6. Butler JC, Shapiro ED, Carlone GM. Pneumococcal vaccines: history, current status and future directions. Am J Med 1999;107(1A):69S-76S.
  • 7. Isenberg HD, editor. Clinical Microbiology Procedures Handbook. Washington: ASM Press; 1992.
  • 8
    National Committee for Clinical Laboratory Standards. Performance standards for antimicrobial disk susceptibility tests. Approved standard M2-A5. Wayne, PA; 1998.
  • 9. Box QT, Cleveland RT, Willard CY. Bacterial flora of the upper respiratory tract. 1. Comparative evaluation by anterior nasal, oropharyngeal, and nasopharyngeal swabs. Am J Dis Child 1961;102:293-301.
  • 10. Rapola S, Sano E, Kiiski P, Leinonen M, Takala AK. Comparison of four different sampling methods for detecting pharyngeal carriage of Streptococcus pneumoniae and Haemophilus influenzae in children. J Clin Microbiol 1997;35:1077-9.
  • 11. Yomo A, Subramanyam YR, Fudzulani R, Kamanga H, Graham SM, Broadhead RL, et al. Carriage of penicillin-resistant pneumococci in Malawian children. Ann Trop Paediatr 1997;17:239-43.
  • 12. Ferreira LLM, Carvalho ES, Berezin EN, Brandileone MC. Colonização e resistência antimicrobiana de Streptococcus pneumoniae isolado em nasofarine de crianças com rinofaringite aguda. J Pediatr (Rio J) 2001;77:227-34.
  • 13. Jacobs MR, Koornhof HJ, Robins-Browne RM, Stevenson CM, Vermaak ZA, et al. Emergence of multiply resistant pneumococci. N Engl J Med 1978;299:735-40.
  • 14. Appelbaum PC, Gladkova C, Hryniewicz W, Kojouharov B, Kotulova D, Mihalcu F, et al. Carriage of antibiotic-resistant of Streptococcus pneumoniae by children in Eastern Europe and Central Europe - A multi-center study with use of standardized methods. Clin Infect Dis 1996;23:712-7.
  • 15. Rey LC, Wolf B, Moreira JLB, Verhoef J, Farhat CK. S. pneumoniae isolados da nasofaringe de crianças sadias e com pneumonia: taxa de colonização e susceptibilidade aos antimicrobianos. J Pediatr (Rio J) 2001;78:105-12.
  • 16. Ribeiro GS, Ribeiro C, Pinheiro RM, Palma T, Reis JN, Reis MG, et al. Prevalência do Streptococcus pneumoniae na comunidade: estudo de colonização nasofaríngea, Salvador-Ba. Rev Soc Bras Med Trop 2001;34 Suppl 1:104.
  • 17. Woolfson A, Huebner R, Wasas A, Chola S, Godfrey-Faussett P, Klugman K. Nasopharyngeal carriage of community-acquired, antibiotic-resistant Streptococcus pneumoniae in a Zambian paediatric population. Bull World Health Organ 1997;75(5):453-62.
  • 18. Arnold KE, Leggiadro RJ, Breiman RF, Lipman HB, Schwartz B, Appleton MA, et al. Risk factors for carriage of drug-resistant Streptococcus pneumoniae among children in Memphis, Tennessee. J Pediatr 1996;128:757-64.
  • 19. Dagan R, Leibovitz E, Greenberg D, Yagupsky P, Fliss DM, Leiberman A. Dynamics of pneumococcal nasopharyngeal colonization during the first days of antibiotic treatment in pediatric patients. Pediatr Infect Dis J 1998;17:880-5.
  • 20. Boken DJ, Chartrand AS, Goering RV, Kruger R, Harrison CJ. Colonization with penicillin-resistant Streptococcus pneumoniae in a child-care center. Pediatr Infect Dis J 1995;14:879-84.
  • 21. Boken DJ, Chartrand AS, Moland ES, Goering RV. Colonization with penicillin-nonsusceptible Streptococcus pneumoniae in urban and rural child care centers. Pediatr Infect Dis J 1996;15:667-72.
  • 22. Brandileone MC, Vieira VS, Casagrande ST, Zanella RC, Guerra ML, Bokermann S, et al. Prevalence of serotypes and antimicrobial resistance of Streptococcus pneumoniae strains isolated from Brazilian children with invasive infections. Microb Drug Resist 1997;3:141-6.
  • 23. Nunes PB. Avaliação de anticorpos ao Streptococcus pneumoniae, antes e depois de vacina polissacarídica, em crianças e adultos saudáveis [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Faculdade de Medicina, UNIFESP; 1999.
  • 24. Klugman KP, Koornhof HJ. Drug resistance patterns and serogroups or serotypes of pneumococcal isolates from cerebrospinal fluid or blood, 1979-1986. J Infect Dis 1988;158:959-64.
  • 25. Castañeda E, Leal AL, Castillo O, De La Hoz F, Vela MC, Arango M, et al. Distribution of capsular types and antimicrobial susceptibility of invasive isolates of Streptococcus pneumoniae in Colombian children. Microb Drug Resist 1997;3(2):147-51.
  • 26. Hortal M, Algota G, Bianchi I, Borthagaray G, Cetau I, Camou T, et al. Capsular type distribution and susceptibility to antibiotics of Streptococcus pneumoniae clinical strains isolated from Uruguayan children with systemic infections. Microb Drug Resist 1997;3(2):159-63.
  • 27. Rossi A, Ruvinsky R, Regueira M, Corso A, Pace J, Gentile A, et al. Distribution of capsular types and penicillin-resistance of strains of Streptococcus pneumoniae causing systemic infections in Argentinean children under 5 years of age. Microb Drug Resist 1997;3(2):135-40.
  • 28. Sessegolo JF, Levin ASS, Levy CE, Asensi M, Facklam RR, Teixeira, LM. Distribution of serotypes and antimicrobial resistance of Streptococcus pneumoniae strains in Brazil from 1988 to 1992. J Clin Microbiol 1994;32:906-11.
  • 29. Di Fabio JL, Homma A., De Quadros C. Pan American Health Organization Epidemiological Surveillance Network for Streptococcus pneumoniae Microb Drug Resist 1997;3(2):131-3.
  • Endereço para correspondência
    Dra. Bianca R. Lucarevschi
    Rua Alcaide Mor Camargo, 119 - ap. 11 - Jardim Russi
    CEP 12010-240 - Taubaté, SP
    Tels.: (12) 232.9147
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Nov 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 2003

    Histórico

    • Aceito
      31 Out 2002
    • Recebido
      03 Out 2002
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br