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Pneumonia aguda: tema que todos devemos estudar

EDITORIAL

Pneumonia aguda – tema que todos devemos estudar

Otelo S. FerreiraI; Murilo C. A. BrittoII

IMestre, Ex-Professor das Disciplinas de Clínica Pediátrica e Pneumologia, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco (CCS/UFPE)

IIDoutor em Saúde Pública. Pediatra Pneumologista, Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP)

O qualificado estudo de Sarria et al. que aborda o diagnóstico da pneumonia aguda (PA), neste número do nosso e cada vez melhor Jornal de Pediatria, é muito bem-vindo1. Trata-se de um tema sobre o qual até os profissionais mais vividos devem continuamente se atualizar.

Embora os fundamentos científicos sobre a PA permaneçam imutáveis há décadas, os dados epidemiológicos atuais e a dinâmica do tema, que é própria da medicina, estimulam que todos leiamos com atenção sobre a temática.

Cerca de 10% a 20% de todas as crianças menores de cinco anos, nos países pobres, apresentam PA a cada ano2. Em 1995, das 11,6 milhões de mortes nos menores de cinco anos, 4 milhões ocorreram por PA, a causa mais comum. Dessas, 95% ocorreram em países pobres, e 50% a 75% atingiram crianças com menos de um ano2,3.

No Brasil, em 1998, 5,4% e 12,8% dos falecimentos de menores de um ano e de crianças entre um e quatro anos, respectivamente, foram produzidos pela PA3. As estatísticas mais recentes informam que as infecções respiratórias agudas (IRA) constituem a segunda ou terceira causa de morte em menores de cinco anos, nas distintas regiões, e que 85% dos óbitos dependentes das IRA são por PA2,3. Em 1999, no Brasil, 8,1% das hospitalizações em todas as idades foram produzidas pela PA. Nos menores de cinco anos, esse dado atingiu a cifra de 26,7%3. Nas Américas, as IRA são a causa de 20% a 40% de todas as internações em menores de cinco anos3.

A PA é causa de morte evitável por medidas simples, acessíveis, de baixo custo e que não exigem tecnologia diagnóstica nem recursos terapêuticos sofisticados, na maioria das vezes3,4. É a afecção na qual mais se pode intervir para reduzir a mortalidade infantil e de menores de cinco anos de idade4,5. Participam no óbito por PA, a não ser em casos excepcionais, o atraso ou o erro no diagnóstico e/ou na terapêutica. E, como regra, criança rica não falece com PA. O médico deve estar sempre alerta para isso.

A busca pelo aperfeiçoamento diagnóstico, sobretudo para responder se a PA é viral ou bacteriana, continua importante. Com freqüência, são encontradas publicações recentes sobre o tema, como a de Virkki et al.6, que demonstraram que 71% dos pacientes com infiltrado alveolar tinham provável infecção bacteriana. Então, existem 29% de casos com esse padrão radiológico em que não foi demonstrada a origem bacteriana. Por outro lado, os autores observaram que 72% dos portadores de presumível doença bacteriana tinham infiltrado alveolar. Assim, 28% dos casos com um padrão bacteriano de doença não apresentaram infiltrado alveolar. Além disso, metade dos enfermos com padrão radiológico de infiltrado intersticial tinham quadro sugestivo de doença bacteriana. Em 49% dos pacientes apenas com infecção viral houve alterações alveolares e, em 15% deles, a do tipo lobar. Na experiência desses autores, a contagem leucocitária e a proteína C-reativa não foram úteis para separar a doença viral da bacteriana6.

Pouco avanço foi conseguido para resolver o dilema diagnóstico e para definir o tratamento com mais precisão. O médico continua a usar os métodos de cerca de 30 ou 40 anos para definir a conduta: "é pneumonia por critérios clínicos e radiológicos (taquipnéia e outros; condensação lobar, segmentar ou multifocal e outros) e devo indicar antibiótico para o paciente". Ou o quadro é de PA e "existem critérios que demonstram gravidade (desnutrição, cianose, desidratação, anemia, cardiopatias, pneumopatias ou outras enfermidades concomitantes, uso prévio de antibióticos, dentre outros) e devo intervir com mais vigor". Está bem demonstrado que isso é suficiente para reduzir a grande mortalidade ainda observada nos países pobres.

O estudo de Sarria et al. é relevante e original. Investigou a variabilidade interobservador, um dos aspectos polêmicos sobre o emprego de raio-X de tórax no diagnóstico das IRA baixas. Com metodologia apropriada e cuidados no cálculo do tamanho amostral, os autores notaram que a concordância entre vários observadores deixa a desejar na identificação da PA7. Outros já demonstraram isso.

Alguns aspectos merecem discussão. Ao se avaliar um teste diagnóstico, é fundamental ter um padrão-ouro8. Os autores utilizaram como padrão de referência o tratamento clínico, apropriado do ponto de vista operacional. É improvável que esse viés potencial tenha influenciado significativamente os resultados, mas deve ser levado em conta. Outro aspecto relevante é que, salvo a qualidade das radiografias, toda a avaliação foi feita em condições ideais, o que torna o estudo apropriado para avaliar eficácia e não efetividade8. Pode-se também deduzir que, nas condições reais de trabalho, com tempo escasso e pessoal com menor qualificação, a variabilidade interobservador seja ainda maior. Como o grupo de crianças estudadas foi hospitalizado, a validade externa da pesquisa é limitada aos casos mais graves, não podendo ser extrapolada para as PA tratadas no ambulatório.

No entanto, o estudo contribui significativamente para a pesquisa científica e para o conhecimento do tema.

Referências bibliográficas

1. Sarria E, Fischer GB, Lima JAB, Menna Barreto SS, Flôres JAM, Sukiennik R. Concordância no diagnóstico radiológico das infecções respiratórias agudas baixas em crianças. J Pediatr (Rio J). 2003;79:497-503.

2. CDC. Division of Bacterial and Mycotic Diseases. Pneumonia among Children in Developing Countries. 2003; March 6: 2p.

3. Nascimento-Carvalho CM, Souza-Marques, H. Recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria para Antibioticoterapia de Crianças e Adolescentes com Pneumonia Comunitária. 2002; Julho: 8p.

4. Filerman J, Chatkin JM, Chatkin M. Epidemiologia das infecções respiratórias agudas (IRAs). In: Silva LCC, Menezes AB. Epidemiologia das Doenças Respiratórias. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p. 90-103.

5. Sazawal S, Black RE. Meta-analysis of intervention trials on case-management of pneumonia in community settings. Lancet. 1992;340:528-33.

6. Virkki R, Rikalainen H, Sverdström E, Mertsola J, Ruuskanen O. Differentiation of bacterial and viral pneumonia in children. Thorax. 2002;57:438-41.

7. Schmidt MI, Duncan B. Epidemiologia clínica e a medicina embasada em evidências. In: Roquayrol Z. Epidemiologia e Saúde. Rio de Janeiro: Medsi; 1999. p. 183-206.

8. Cochrane AL. Effectiveness and efficiency. Random reflections on health services. Londres: BMJ Publishing Group; 1991. p. 1-103.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2004
  • Data do Fascículo
    Nov 2003
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