Acessibilidade / Reportar erro

Insuficiência adrenal na criança com choque séptico

Resumos

OBJETIVO: Revisar os critérios para o diagnóstico e o tratamento da insuficiência adrenal nos pacientes com choque séptico. FONTES DOS DADOS: Artigos publicados em revistas nacionais e internacionais, selecionados nas suas páginas eletrônicas e através do Medline, bem como referências citadas em artigos chaves. SÍNTESES DOS DADOS: Nos trabalhos publicados na literatura, o achado de insuficiência adrenal em pacientes com choque séptico tem variado entre 17% a 54%. Os dados publicados até a presente data, na literatura consultada, revelam a inexistência de um consenso para o diagnóstico da insuficiência adrenal em pacientes com doenças críticas, particularmente naqueles com choque séptico. A presença de choque refratário a volume e resistente a catecolaminas pode ser aceito como sugestivo, enquanto que um cortisol basal inferior a 25 µg/dl é um critério diagnóstico indicativo de insuficiência adrenal. O teste de estimulação adrenal é um recurso útil na identificação dos pacientes com insuficiência adrenal relativa. Nossa opção de teste para estimulação adrenal em pediatria é a utilização de corticotropina em baixas doses (0,5 µg/ 1,73 m²). Um aumento inferior a 9 µg/dl no valor do cortisol pós-teste sugere a presença de insuficiência adrenal oculta (relativa). Nos pacientes com choque séptico apresentando insuficiência adrenal, suspeita ou confirmada, a utilização de hidrocortisona em dose de choque ou de estresse pode ser vital na sua evolução favorável. CONCLUSÕES: Os dados existentes na literatura, embora controversos, já nos permitem especular sobre quando iniciar o tratamento de reposição hormonal, sobre qual o nível sérico de cortisol aceito como adequado e em relação à escolha da dose de corticotropina, para a realização do teste de estimulação adrenal e diagnóstico de insuficiência adrenal oculta ou relativa nos pacientes com choque séptico.

Sepse; choque séptico; córtex supra-renal; hipofunção das glândulas supra-renais; glucocorticóides; testes de função do córtex supra-renal


OBJECTIVE: To review the criteria for diagnosing and treating adrenal insufficiency in patients with septic shock. SOURCES OF DATA: Articles published in Brazilian and foreign journals selected through these publications' websites and Medline, as well as references cited in key articles. SUMMARY OF THE FINDINGS: The literature reports a range betwen 17 and 54 % for the finding of adrenal insufficiency in patients with septic shock. There is no consensus for diagnosing adrenal insufficiency in patients suffering from critical diseases, particularly in patients with septic shock. The presence of volume-refractory and catecholamine-resistant septic shock suggests this condition, while basal cortisol under 25 µg/dl is a diagnostic criterion indicating adrenal insufficiency. The adrenal stimulation test is a useful resource for identifying patients with relative adrenal insufficiency. Our testing option for adrenal stimulation in children is the use of corticotropin in low doses (0.5 µg/1,73 m²). An increase of less than 9 µg/dl in the value of postcorticotropin-stimulated cortisol suggests the presence of occult (relative) adrenal insufficiency. In patients with septic shock presenting adrenal insufficiency, either suspected or confirmed, the administration of hydrocortisone in shock or stress doses can be vital for a favorable clinical outcome. CONCLUSIONS: The existing data, although controversial, already provides a basis to determine when to begin hormone replacement therapy, the serum level of cortisol accepted as adequate, and the choice of corticotropin doses for performing the adrenal stimulation test and diagnosing occult or relative adrenal insufficiency in patients with septic shock.

Sepsis; shock; septic; adrenal cortex; adrenal gland hypofunction; glucocorticoids; adrenal cortex function tests


ARTIGO DE REVISÃO

Insuficiência adrenal na criança com choque séptico

Carlos H. CasartelliI; Pedro Celiny Ramos GarciaII; Jefferson P. PivaIII; Ricardo Garcia BrancoIV

IMestrando do curso de Pós-graduação em Pediatria da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Médico Intensivista Pediátrico do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas e do Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre

IIProfessor adjunto Doutor do Departamento de Pediatria e do Curso de Pós-graduação em Pediatria da Faculdade de Medicina da PUCRS. Médico Chefe do Serviço de Terapia Intensiva e Emergência Pediátrica do Hospital São Lucas da PUCRS

IIIProfessor adjunto Doutor do Departamento de Pediatria e do Curso de Pós-graduação em Pediatria da Faculdade de Medicina da PUCRS. Médico Chefe Associado do Serviço de Terapia Intensiva e Emergência Pediátrica do Hospital São Lucas da PUCRS

IVMédico residente do Serviço de Terapia Intensiva e Emergência Pediátrica do Hospital São Lucas da PUCRS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Carlos Henrique Casartelli Rua Eurípedes Monteiro Duarte, 30/701 CEP 90830-250 – Porto Alegre – RS Tel.: (51) 3241.1894 E-mail: gtelli@terra.com

RESUMO

OBJETIVO: Revisar os critérios para o diagnóstico e o tratamento da insuficiência adrenal nos pacientes com choque séptico.

FONTES DOS DADOS: Artigos publicados em revistas nacionais e internacionais, selecionados nas suas páginas eletrônicas e através do Medline, bem como referências citadas em artigos chaves.

SÍNTESES DOS DADOS: Nos trabalhos publicados na literatura, o achado de insuficiência adrenal em pacientes com choque séptico tem variado entre 17% a 54%. Os dados publicados até a presente data, na literatura consultada, revelam a inexistência de um consenso para o diagnóstico da insuficiência adrenal em pacientes com doenças críticas, particularmente naqueles com choque séptico. A presença de choque refratário a volume e resistente a catecolaminas pode ser aceito como sugestivo, enquanto que um cortisol basal inferior a 25 µg/dl é um critério diagnóstico indicativo de insuficiência adrenal. O teste de estimulação adrenal é um recurso útil na identificação dos pacientes com insuficiência adrenal relativa. Nossa opção de teste para estimulação adrenal em pediatria é a utilização de corticotropina em baixas doses (0,5 µg/ 1,73 m²). Um aumento inferior a 9 µg/dl no valor do cortisol pós-teste sugere a presença de insuficiência adrenal oculta (relativa). Nos pacientes com choque séptico apresentando insuficiência adrenal, suspeita ou confirmada, a utilização de hidrocortisona em dose de choque ou de estresse pode ser vital na sua evolução favorável.

CONCLUSÕES: Os dados existentes na literatura, embora controversos, já nos permitem especular sobre quando iniciar o tratamento de reposição hormonal, sobre qual o nível sérico de cortisol aceito como adequado e em relação à escolha da dose de corticotropina, para a realização do teste de estimulação adrenal e diagnóstico de insuficiência adrenal oculta ou relativa nos pacientes com choque séptico.

Palavras-chave: Sepse, choque séptico, córtex supra-renal, hipofunção das glândulas supra-renais, glucocorticóides, testes de função do córtex supra-renal.

Introdução

As funções do sistema endócrino podem, freqüentemente, alterar-se em indivíduos com as mais diversas doenças agudas, sendo o que costuma ocorrer com a função de secreção de glicocorticóide. A secreção de cortisol apresenta-se, geralmente, aumentada em doenças agudas como infarto do miocárdio, infecções, pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos, bem como em situações que cursam com choque1.

Tem merecido destaque a alteração da função adrenal em indivíduos criticamente doentes, especialmente naqueles com choque séptico2. Diversos trabalhos, a maioria realizada em adultos, têm buscado relacionar a função adrenal com a evolução desses pacientes. A maior divergência nos estudos publicados relaciona-se com os critérios utilizados para definir a presença de insuficiência adrenal, assim como da chamada insuficiência adrenal oculta.

A importância dessas definições ganha destaque na medida em que ressurge a controvérsia a respeito da utilização ou não de corticosteróides em pacientes criticamente doentes, principalmente quando apresentam alteração do estado hemodinâmico. Mais especificamente, nos pacientes com choque séptico a utilização de corticosteróides passou por vários momentos. Na década de 70 até meados da década de 80, baseado em pesquisas que demonstravam um efeito benéfico, era freqüente a administração de corticosteróide endovenoso em altas doses no tratamento de doentes com sepse e choque séptico2. Posteriormente, outros estudos evidenciaram que o uso de corticosteróide não apresentava alteração na mortalidade ou poderia até aumentá-la em conseqüência de infecção secundária, fazendo com que a sua utilização deixasse de ser rotineira3-6. Atualmente, novos trabalhos têm sido publicados sobre esse grupo de pacientes com choque séptico, alguns deles demonstrando uma melhor evolução quando utilizado corticosteróide, principalmente no grupo de doentes com dependência da utilização de catecolaminas para manter um adequado equilíbrio hemodinâmico7-11.

Recentemente, diversos estudos têm avaliado a função da glândula adrenal em doentes críticos com sepse e choque séptico, procurando estabelecer a relação de uma resposta adrenal considerada inadequada para o momento com a intensidade das alterações hemodinâmicas, bem como sua repercussão no tratamento e na evolução. Essas pesquisas têm encontrado uma incidência de função adrenal inadequada de 17% a 54%, e algumas delas têm estabelecido uma associação com a severidade da doença12-19.

Em 2002, o Institute of Medicine, dos EUA, requisitou o desenvolvimento de diretrizes e parâmetros de prática clínica para suporte hemodinâmico a neonatos e crianças em choque séptico na busca de, uma vez implementados, melhorar a evolução desses pacientes. Especialistas, afiliados à Society of Critical Care Medicine, avaliaram a literatura, selecionaram recomendações específicas e revisaram as recomendações compiladas. O presidente dessa força-tarefa compilou e modificou continuamente o documento, até que menos de 10% dos especialistas discordassem das recomendações. Essa força-tarefa concorda que a insuficiência adrenal e, particularmente, um estado de hipoaldosteronismo podem ser mais freqüentes do que se imaginava, e que a reposição com hidrocortisona pode salvar vidas de crianças com choque séptico resistente ao uso de catecolaminas. Finalmente, o consenso desse comitê recomenda a utilização de hidrocortisona, e não metilprednisolona, estritamente às crianças com choque resistente a catecolaminas e na suspeita ou confirmação de insuficiência adrenal. Esse comitê também optou por um critério diagnóstico mais conservador de insuficiência adrenal, definindo-a como um cortisol total igual ou abaixo de 18 µg/dl20.

Portanto, acredita-se que, se existe algum benefício com o uso de corticosteróide, esse deve estar relacionado com o grupo de pacientes que apresenta função adrenal inadequada. Assim, para uma reposição mais racional desta substância faz-se necessário definir quais pacientes apresentam uma resposta adrenal inferior à esperada para o momento agudo da sua doença. O objetivo desta revisão é buscar, nos trabalhos publicados na literatura, os critérios que têm sido utilizados pelos diversos pesquisadores para avaliar a função adrenal, fazendo uma análise crítica dos mesmos, por acreditarmos que a insuficiência adrenal aguda é uma alteração comum e pouco diagnosticada nos pacientes criticamente doentes.

Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e a secreção de cortisol

A secreção do cortisol encontra-se controlada pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e costuma apresentar um padrão circadiano, com a mais alta concentração sendo vista pela manhã. Assim, a concentração do cortisol às 8 horas da manhã reflete a atividade endógena do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal21. Diversos estímulos, neurológicos ou hormonais, são percebidos pelo sistema nervoso central e transmitidos para o hipotálamo que, conseqüentemente, aumenta ou diminui a secreção do hormônio de liberação da corticotropina (corticotropin-releasing hormone - CRH). O hormônio CRH, ao chegar até a hipófise anterior, estimula a liberação de corticotropina, também conhecido como hormônio adrenocorticotrófico (adrenocorticotropic hormone - ACTH), o qual vai estimular a glândula adrenal a liberar glicocorticóides. Estes, por sua vez, vão agir sobre o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, estabelecendo um mecanismo de controle negativo, com resultante diminuição da liberação de CRH e ACTH. Uma variedade de substâncias (citoquinas, peptídeos endógenos, outros hormônios) e de situações (dor, injúria tecidual, cirurgia, hipoxemia, hipotensão, hipoglicemia) modulam o eixo, resultando em um sistema que pode responder, em situações de estresse, com alterações minuto a minuto na liberação de cortisol15.

Em pacientes graves, como anteriormente citado, é esperado um aumento do cortisol sérico, especialmente naqueles com sepse e choque séptico13,22. Especificamente nesses pacientes, essa resposta deve-se não apenas ao estresse físico, mas também à liberação plasmática de citoquinas, pelas células imunes, durante o processo inflamatório15. As três principais citoquinas envolvidas, fator de necrose tumoral a, interleucina-1 e interleucina-6, contribuem de forma significativa para a estimulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, tanto de forma independente como sinérgica23. Por outro lado, nesses indivíduos criticamente doentes, insuficiência adrenal pode ocorrer por exaustão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, exaustão do córtex adrenal (ausência de reserva adrenal), diminuição da capacidade para produzir cortisol e, na criança, por imaturidade do eixo. A insuficiência adrenal, quando ocorre durante o choque séptico, é transitória, restabelecendo-se a função normal quando o indivíduo se recupera. As citoquinas, mesmo tendo um papel na estimulação do eixo, podem estar relacionadas com a disfunção da glândula nesses pacientes. O fator de necrose tumoral a, por exemplo, apesar de ser um potente indutor da secreção do hormônio adrenocorticotrófico, inibe a função adrenal, por impedir a ação desse hormônio, reduzindo, assim, a síntese de cortisol15.

A grande controvérsia tem sido qual valor de cortisol representa uma resposta adrenal adequada ao estresse e abaixo do qual o paciente deve ser considerado e tratado como um paciente com insuficiência adrenal. Drucker e Shandling,1 em 1985, ao estudar 40 pacientes internados por doença clínica, em uma unidade de tratamento intensivo, encontrou uma média de cortisol sérico basal de 45 µg/dl (1.232 nmol/l). Bone et al.18, em trabalho publicado em 2002, no qual estudaram 65 crianças com doença meningocócica, encontraram um valor médio de cortisol, no momento da admissão, de 41,5 µg/dl (1.122 nmol/l). Rivers et al.24 avaliaram a função adrenal em 104 pacientes submetidos à cirurgia e que necessitaram de vasopressores, encontrando um cortisol basal médio de 29,9 µg/dl. Nesse estudo, um grupo de pacientes tratados com corticosteróide apresentou uma boa resposta, com retirada dos vasopressores em 24 horas. O valor médio do cortisol basal, nesse grupo, foi de 20 µg/dl, e apenas em um indivíduo foi acima de 25 µg/dl. No grupo de pacientes que não responderam ao uso de corticosteróide, o valor médio de cortisol basal foi de 49 µg/dl, e apenas dois apresentaram um cortisol basal abaixo de 25 µg/dl. Esse estudo de Rivers sugere que um cortisol basal abaixo de 25 µg/dl está associado com hipotensão responsiva ao tratamento com corticosteróide. Já Shein et al.25, ao estudar 37 pacientes com choque séptico, encontraram um valor médio de cortisol basal de 50,7 µg/dl, e apenas 8% deles apresentaram um valor de cortisol basal abaixo de 25 µg/dl.

Critérios utilizados para definir insuficiência adrenal

Os autores têm utilizado critérios variados para definir a presença de insuficiência adrenal em pacientes críticos, tornando confusa a interpretação dos resultados e gerando grandes polêmicas em torno dessas pesquisas. A incidência de insuficiência adrenal relatada na literatura, em pacientes com choque séptico, sofre forte influência do critério adotado para definir esse diagnóstico, oscilando entre 17% a 54%12,14,16,18,19,22.

Em relação aos indivíduos adultos, proliferam trabalhos sobre insuficiência adrenal em pacientes graves, principalmente com sepse. Merecem destaque o trabalho de Annane et al.12, realizado em uma unidade de tratamento intensivo da França, e o trabalho de Marik e Zaloga26, realizado em Washington. O trabalho de Annane et al.12 estudou, em indivíduos com choque séptico, o valor progn&oacutestico dos níveis de cortisol basal (T0), coletado imediatamente antes do teste com ACTH sintético, e da resposta do cortisol a esse teste, isto é, a variação máxima ( Dmax) entre o cortisol pós-teste e o basal. Annane12 avaliou a mortalidade em relação a T0 < ou > 34 µg/dl, Dmax < ou > 9 µg/dl e em relação às seguintes combinações de T0 e Dmax: I) T0 < 34 µg/dl e Dmax > 9 µg/dl; II) T0 < 34 µg/dl e Dmax < 9 µg/dl; III) T0 > 34 µg/dl e Dmax < 9 µg/dl. A morte ocorreu mais rapidamente nos indivíduos com T0 > 34 µg/dl (tempo médio de 6 dias), naqueles com Dmax < 9 µg/dl (tempo médio de 11 dias), e na combinação T0 > 34 µg/dl e Dmax < 9 µg/dl (tempo médio de 5 dias). Na análise combinada (T0 e Dmax), considerando o 28º dia do estudo, o grupo I (T0 < 34 µg/dl e Dmax > 9 µg/dl) apresentou o melhor prognóstico, com uma taxa de mortalidade de 28%, o grupo II (T0 < 34 µg/dl e Dmax < 9 µg/dl) situou-se em posição intermediária, com uma taxa de mortalidade de 67%, e o grupo III (T0 > 34 µg/dl e Dmax < 9 µg/dl) obteve o pior prognóstico, com uma taxa de mortalidade de 82%. A incidência de insuficiência adrenal relativa (oculta), considerando o critério definido pelo autor, uma resposta do cortisol ao teste com 250 µg de ACTH sintético inferior a 9 µg/dl, foi de 54%. Ademais, a presença de insuficiência adrenal oculta, tanto isolada quanto associada a um nível de cortisol basal acima de 34 µg/dl esteve relacionada com uma maior mortalidade no grupo de pacientes estudados. Já Marik e Zaloga26 objetivaram determinar qual o melhor discriminador de insuficiência adrenal em 59 pacientes com choque séptico e, para isso, avaliaram como indicadores um cortisol basal inferior a 25 µg/dl, a resposta ao teste com ACTH sintético em doses baixas (1 µg) e a resposta ao teste com ACTH sintético em doses elevadas (250 µg). Esses indicadores foram considerados em relação à retirada das drogas vasoativas em até 24 horas após a introdução do tratamento com hidrocortisona. O grupo de pacientes corticóide responsivo apresentou um cortisol basal de 14,1 + 5,2 µg/dl, enquanto o grupo não responsivo apresentou um cortisol basal de 33,3 + 18 µg/dl. No grupo de indivíduos responsivos à terapia com hidrocortisona, 95% apresentaram um cortisol basal inferior a 25 µg/dl. Por outro lado, enquanto 54% foram diagnosticados como apresentando insuficiência adrenal pelo teste com baixas doses de ACTH, apenas 22% foram assim considerados pelo teste com altas doses. A especificidade desses indicadores foi de 57%, 97% e 100%, respectivamente. Em relação à curva de operadores recebedores de características (Receiver Operating Characteristic Curve, curve ROC), a área sob a curva para um cortisol basal de 25 µg/dl foi de 0,84. O melhor ponto para identificação de insuficiência adrenal, considerando a resposta ao uso de esteróide, foi uma concentração de cortisol basal de 23,7 µg/dl, com uma sensibilidade de 0,86; uma especificidade de 0,66; uma razão de probabilidade (likelihood ratio) de 2,6; um valor preditivo positivo de 0,62 e um valor preditivo negativo de 0,88.

No que se refere à faixa etária pediátrica, a dificuldade ainda é maior, devido aos poucos trabalhos publicados na literatura recente e, igualmente, pelos variados critérios utilizados para diagnóstico conforme o autor. Nessa faixa etária, merece destaque os trabalhos de Hatheril et al.16, o de Menon e Clarson19, o de Bone et al.18, além do trabalho do Pizarro27 realizado no Brasil (Tabela 1). O de Hatheril et al.16 foi realizado em crianças com idade média de 48 meses (variando entre 01 e 192) e com diagnóstico de choque séptico. Nesse trabalho foi definido como critério principal para o diagnóstico de insuficiência supra-renal o aumento do cortisol sérico em relação ao basal, após estímulo com uma dose de 145 µg/m² de ACTH sintético. Uma elevação em relação ao cortisol basal inferior a 7 µg/dl (200 nmol/l) foi considerada como insuficiência supra-renal, e, por este critério, foi encontrada uma incidência de insuficiência supra-renal de 52%. Se outros critérios tivessem sido utilizados, a incidência, com o mesmo grupo de pacientes, teria variado de 12% a 85%. Por outro lado, Menon e Clarson19 definiram como insuficiência supra-renal o achado laboratorial de um valor de cortisol basal inferior a 7 µg/dl, ou um valor de pico de cortisol após estímulo com ACTH sintético inferior a 18 µg/dl, ou ambos. Esses autores utilizaram uma dose de ACTH sintético de 125 µg em crianças abaixo de 10 kg, e de 250 µg em crianças acima de 10 kg, e pelos critérios adotados encontraram uma incidência de insuficiência supra-renal de 31%. Menon e Clarson19 também compararam seus achados com outros critérios definidos na literatura para diagnóstico de insuficiência supra-renal, encontrando uma variação de 8% a 31%, conforme o critério adotado. Já Bone et al.18 avaliaram o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal em crianças com idade entre 0,2 a 15 anos com diagnóstico de doença meningocócica. Os critérios desses autores para definir insuficiência adrenal foram um valor de cortisol basal matinal inferior a 5 µg/dl (140 nmol/l) ou um pico de cortisol inferior a 18 µg/dl (500 nmol/l), após estimulação adrenal com uma dose de 0,5 µg/m² (500 ng/m²) de ACTH sintético. Dos 65 pacientes estudados e pelos critérios utilizados, 17% apresentaram insuficiência adrenal, e o cortisol basal matinal, quando utilizado um ponto de corte de 14,5 µg/dl (400 nmol/l), apresentou uma sensibilidade de 83% e uma especificidade de 81%, quando comparado ao cortisol pós-teste com ACTH sintético. Finalmente, Pizzaro et al.27 estudaram 48 crianças com sepse severa ou choque séptico. Nesse trabalho, insuficiência adrenal foi definida como a presença de um cortisol basal inferior a 20 µg/dl associado a um aumento igual ou inferior a 9 µg/dl após o teste de estimulação adrenal com uma dose de 250 µg de corticotropina, e insuficiência adrenal relativa como um cortisol basal igual ou superior a 20 µg/dl, mas com um aumento, após o teste, igual ou inferior a 9 µg/dl. A incidência de insuficiência adrenal encontrada foi de 17%, e a de insuficiência adrenal relativa, de 25%.

Testes para avaliação da função adrenal

Muitos testes têm sido utilizados para avaliar a função do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, mas nenhum deles supera a capacidade das situações de estresse endógeno (hipotensão, hipoglicemia, hipoxemia) que avaliam o eixo na sua integralidade. Tem sido utilizado, todavia, o teste de tolerância à insulina, o teste da metapirona, o teste de estimulação padrão com corticotropina e o teste de estimulação com baixas doses de corticotropina21,28.

O teste de tolerância à insulina é considerado por muitos como o mais valioso para determinar insuficiência adrenal. Esse teste, ao provocar hipoglicemia, estimula o hipotálamo e a hipófise para liberar ACTH, possibilitando a avaliação do eixo como um todo. Por outro lado, além de desconfortável para o paciente, pode ser causa de inúmeras complicações, incluindo sintomas adrenérgicos e neuroglicopênicos, sendo contra-indicado em indivíduos com doença cardiovascular, em idosos e quando houver história de antecedentes convulsivos21,29.

O teste da metapirona foi desenvolvido para avaliar especificamente a função adrenal, sendo talvez o mais sensitivo para essa finalidade. A metapirona atua inibindo a enzima adrenal 11ß-hidroxilase, a qual converte o 11-desoxicortisol para cortisol na etapa final da esteroidogênese. O 11-desoxicortisol, por não apresentar atividade glicocorticóide, não inibe a produção de ACTH. A administração de metapirona para um indivíduo normal, ao determinar declínio do cortisol sérico, estimula a produção de ACTH, conduzindo a um acúmulo de 11-desoxicortisol, o que não ocorre em indivíduos com insuficiência adrenal. Na presença de função adrenal adequada, o valor sérico de 11-desoxicortisol encontra-se acima de 7 µg/dl, enquanto um valor abaixo de 7 µg/dl associado a um reduzido cortisol sérico faz o diagnóstico de insuficiência adrenal. O demorado tempo de espera necessário para sua execução, pelo menos 8 horas entre a administração da metapirona e as dosagens séricas, bem como a possibilidade de ser afetado pelo uso de outras drogas – glicocorticóides, fenitoína e fenobarbital –, e a própria redução do cortisol sérico determinada pelo teste, determinam a sua pouca utilidade em pacientes graves, principalmente naqueles com sepse, que parecem apresentar uma evolução mais desfavorável na presença de cortisol diminuído29.

No grupo de pacientes com doenças agudas, particularmente nos com sepse e choque séptico, tem sido dada preferência ao teste com corticotropina. Uma parcela significativa de pesquisadores tem preferido a utilização de uma dose de 250 µg desse hormônio, considerado-o o teste padrão. A utilização dessa dose tem demonstrado que alguns pacientes com uma resposta adequada ao teste são, posteriormente, diagnosticados como tendo insuficiência adrenal. Em virtude disso, um grupo também expressivo de pesquisadores tem utilizado uma dose significativamente menor de ACTH, de 0,5 a 2 µg, para estímulo da glândula adrenal. Outra grande variação diz respeito à forma como essas doses são utilizadas: enquanto alguns utilizam-nas de forma fixa, outros o fazem em relação à superfície corporal.

Em pediatria, os autores que preferem a utilização do teste padrão (doses altas) também têm utilizado doses variáveis: Hatheril et al.16 utilizaram 145 µg/m²; Menon e Clarson19, doses fixas de 125 µg para crianças abaixo de 10 kg, e de 250 µg para crianças acima desse peso. Já Bone et al.18 optaram pelo teste com doses baixas e utilizaram 0,5 µg (500 ng) de 1-24 corticotropina/m².

A grande popularidade do teste com ACTH sintético para avaliar a função do eixo hipotálamo-hipófise adrenal deve-se à simplicidade e rapidez com que pode ser realizado. Os outros testes, como já descrevemos, embora de resultados mais confiáveis, são de execução mais difícil e contra-indicados em alguns pacientes.

O teste padrão com ACTH sintético é realizado com a administração de 250 µg de ACTH sintético endovenoso ou intramuscular associado à mensuração do nível de cortisol sérico no momento imediatamente anterior e após 30 e 60 minutos da sua aplicação. Mais recentemente, a partir do início dos anos 90, alguns pesquisadores têm defendido a utilização de uma dose mais baixa (1 µg) de ACTH. Dickstein et al.30, em 1991, analisaram a resposta cortisol à estimulação com ACTH na dose de 250, 5 e 1 µg. Nos indivíduos saudáveis, o cortisol sérico dosado aos 30 minutos foi similar, independentemente da dose de ACTH utilizada; entretanto, em seis pacientes usando esteróide cronicamente, o resultado do cortisol sérico foi considerado normal após a dose de 250 µg de ACTH, mas em 5 deles foi considerado abaixo do normal, quando utilizada estimulação com 1 µg de ACTH. Tordjman et al.31, em 1995, compararam a utilização de ACTH contra os testes da metapirona e de tolerância à insulina, em indivíduos saudáveis e com alteração comprovada do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Nesse estudo, foram identificados todos os indivíduos com insuficiência adrenal através da determinação do cortisol sérico 30 minutos após a dose de 1 µg de ACTH. No entanto, 70% dos pacientes com insuficiência adrenal não foram identificados quando a dose de ACTH utilizada foi de 250 µg ou de 5 µg. Ainda Tordjman et al.32, em 2000, avaliaram a performance do teste com ACTH sintético, utilizando doses de 250 µg e 1 µg, como triagem para estabelecer falha do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Esse estudo, que utilizou como critério para uma resposta adrenal considerada adequada um valor de cortisol pós-teste de 18 µg/dl (500 nmol/l), foi realizado com três grupos de indivíduos: saudáveis, com doença de hipófise com função normal do eixo, e com doença de hipófise com falha de função do eixo. O teste de estímulo adrenal com 1 µg de ACTH identificou 18 dos 19 indivíduos com função do eixo alterada, apresentando uma sensibilidade de 94,7% e uma razão de probabilidade de 0,0588 para um teste negativo. Em contraste, o teste com 250 µg de ACTH apresentou, nesse mesmo grupo, uma sensibilidade de apenas 6,2% e uma razão de probabilidade de 0,875 para um teste negativo, deixando de identificar 15 dos 16 indivíduos que também realizaram esse teste. Além do mais, o teste com 1 µg de ACTH obteve uma resposta adequada em todos os indivíduos do grupo saudáveis e em 36 dos 43 do grupo com doença de hipófise, mas com função do eixo considerada normal por outros testes, apresentando, portanto, uma especificidade de 90%.

Igualmente importantes são os trabalhos de Crowley et al.33,34, publicados em 1991 e 1993, que compararam a dose padrão de 250 µg/1,73 m² de ACTH com uma dose ainda menor, de apenas 0,5 µg/1,73 m². Esses estudos demonstraram que essa baixa dose foi suficiente para provocar um estímulo adrenal máximo em todos os participantes, e que a magnitude do aumento do cortisol ao longo dos primeiros 20 minutos foi idêntica com qualquer das doses; no entanto, houve uma diferença significativa entre elas após 30 minutos. Com a dose de 250 µg/1,73m² a concentração de cortisol sérico aumentou até os 75 minutos, mas iniciou uma queda aos 30 minutos quando utilizada a dose de 0,5 µg/1,73 m². Esse resultado é similar ao estudo de Dickstein et al.30, que verificou a capacidade de uma dose de 1 µg de ACTH provocar uma resposta cortisol máxima aos 30 minutos da sua aplicação.

Ainda em relação ao teste de estimulação com ACTH, dois artigos merecem citação por terem estudado indivíduos dentro da faixa etária pediátrica: o de Broide et al.35 e o de Agwu et al.21. Broide et al.35 utilizaram a baixa dose de ACTH de 0,5 µg/1,73 m² em comparação com a dose padrão de 250 µg/1,73 m², para diagnosticar insuficiência adrenal leve em pacientes asmáticos, na sua maioria crianças (30 de 46), utilizando corticosteróides inalados, e concluíram que o teste de estimulação adrenal com baixa dose de ACTH apresentou maior capacidade de identificar os pacientes com insuficiência adrenal leve. Já Agwu et al.21 realizaram seu estudo em 32 indivíduos com idade entre 2 e 19 anos e com suspeita de insuficiência adrenal. Esse autor utilizou o teste com ACTH na dose de 250 µg/1,73 ² e 0,5 µg/1,73 m², e determinou a resposta cortisol aos 30 minutos. O diagnóstico de insuficiência adrenal foi definido pelo resultado de um cortisol pós-teste abaixo de 18 µg/dl (500 nmol/l) ou por um aumento inferior a 7 µg/dl (200 nmol/l) em relação ao cortisol prévio a aplicação do ACTH. Dos 32 pacientes avaliados, 21 apresentaram resposta cortisol adequada, e 3 uma resposta inadequada com ambos os testes, enquanto 8 pacientes apresentaram uma resposta considerada adequada com o teste com alta dose de ACTH, mas uma resposta inadequada, para ambos os critérios, com a dose de 0,5 µg/1,73 m². A limitação desse trabalho foi o fato dos resultados não terem sido comparados com um teste mais fidedigno, como o teste de tolerância à insulina, havendo a possibilidade de insuficiência adrenal ter sido diagnosticada acima do real. Essa comparação, entretanto, foi realizada por Rasmussen et al.36, que demonstraram uma maior correlação entre o teste com 1 µg de ACTH e o teste de tolerância à insulina que a obtida em relação ao teste padrão com 250 µg de ACTH. Além do mais, o teste utilizando 250 µg de ACTH pode ocasionar uma concentração desse hormônio no sangue de até 60.000 pg/ml, enquanto no com doses baixas (0,5 a 1 µg) a sua concentração fica em torno de 100 pg/ml, similar às concentrações obtidas durante situações de estresse, em que varia de 40 a 200 pg/ml26.

Alguns trabalhos questionam essa maior capacidade do teste com baixas doses de ACTH em diagnosticar insuficiência adrenal. Nesse caso, inclui-se o trabalho de Mayenchnecht et al., mas mesmo este confere ao teste com baixas doses uma resposta similar àquelas obtidas com o teste considerado padrão37.

Numa interessante avaliação sobre os testes disponíveis para diagnosticar insuficiência adrenal, Thaler e Blevins38 analisaram diversos artigos, procurando estabelecer a razão de probabilidade (likelihood ratio), a sensibilidade e a especificidade desses testes. A razão de probabilidade é a razão entre a probabilidade de determinado resultado do teste em sujeitos doentes pela probabilidade do mesmo resultado do teste em sujeitos sadios. No caso da insuficiência adrenal, a razão de probabilidade indica quantas vezes determinado resultado do teste é mais provável para ocorrer em indivíduos com insuficiência adrenal em relação aos indivíduos sem esse diagnóstico. Os resultados desse estudo demonstram que a utilização de 1 µg de ACTH é altamente sensível (94% a 100%), específico (88% a 100%), e apresenta uma razão de probabilidade que determina significativas mudanças na probabilidade pré-teste em relação a pós-teste. Comparativamente com o teste utilizando 250 µg de ACTH, o com 1 µg apresenta uma razão de probabilidade menor para um teste negativo (0 a 0,06), permitindo uma maior confiabilidade na capacidade da glândula adrenal em produzir corticosteróides quando o teste resulta normal.

Sepse e o ritmo circadiano

Diversos estímulos (dor, hipovolemia, hipotensão, dano tecidual) determinam um aumento persistente do hormônio ACTH e da secreção de cortisol, levando à perda da variação diurna desses hormônios. Essa perda do ciclo circadiano em pacientes criticamente doentes ou submetidos a procedimentos cirúrgicos tem sido demonstrada em diversos trabalhos. Nesses pacientes, há um aumento da produção do hormônio de liberação de corticotropina e de corticotropina, bem como redução do mecanismo de controle negativo determinado pelo aumento do cortisol sérico39-42.

Comentários finais

Os diversos critérios adotados pelos diferentes autores demonstram a inexistência de um consenso para definir claramente o diagnóstico de insuficiência adrenal em pacientes com doenças críticas, particularmente, naqueles com choque séptico.

Parece, conforme o trabalho de Annane et al.12, que um cortisol acima de 34 µg/dl representa uma resposta intensa nos pacientes com sepse, estando, inclusive, relacionado com gravidade e mau prognóstico. A intensidade dessa resposta guarda, certamente, uma relação com a intensidade do estresse, ou seja, a severidade do quadro de sepse nesses pacientes. Por outro lado, os diversos trabalhos citados no subtítulo dessa revisão, eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e a secreção de cortisol, demonstram que em pacientes com doença crítica a média de cortisol basal encontrado foi superior a 25 µg/dl, e no trabalho de Rivers et al.24, bem como no de Marik e Zaloga26, esse ponto representou os pacientes em uso de vasopressores que responderam ou não à terapia com corticosteróide, indicando, provavelmente, o grupo de pacientes com uma resposta adrenal inadequada para o nível de estresse apresentado. Dessa forma, acreditamos que um cortisol basal acima de 25 µg/dl representa de forma mais segura os pacientes com choque séptico com resposta adrenal adequada.

Em relação ao teste com ACTH, consideramos que ele é útil na identificação dos pacientes que apresentam insuficiência adrenal relativa. Temos optado pelo teste com baixa dose de ACTH, 0,5 µg/1,73m2, por considerarmos, pelos trabalhos apresentados, que o teste com doses altas, 250 µg/1,73 m2, determina uma resposta suprafisiológica, acima de 100 vezes a resposta normal ao estresse, podendo levar a uma resposta adrenal considerada adequada, mas que, na verdade, não corresponde à realidade. O critério que nos parece mais adequado é a magnitude da elevação do valor do cortisol pós-teste em relação ao basal, e temos optado por uma elevação acima de 9 µg/dl como critério para afastar o diagnóstico de insuficiência adrenal relativa (oculta). Na realização desse teste, precisamos levar em consideração o nível de cortisol pré-teste, já que nos indivíduos com cortisol muito alto, por exemplo 45 µg/dl ou mais, talvez a glândula adrenal já esteja trabalhando no seu limite e não consiga incrementar ainda mais a sua produção, podendo esse aumento apresentar uma relação inversa em relação ao cortisol basal26,29. O teste de estimulação adrenal com ACTH sintético também orienta o ponto do eixo que se encontra alterado. Aqueles pacientes com cortisol basal abaixo de 25 µg/dl que não respondem ao teste de estimulação adrenal com ACTH sintético representam, provavelmente, o grupo com insuficiência adrenal primária. Nesse grupo, encontram-se alguns indivíduos que talvez respondessem ao teste com altas doses de ACTH, representando, quem sabe, a presença de uma resistência à ação do ACTH. O grupo de pacientes com ACTH abaixo de 25 µg/dl, mas com uma resposta adequada ao estímulo com ACTH em doses baixas, representa o grupo com falha em porção hipotálamo-hipofisária do eixo, ou seja, aqueles com insuficiência adrenal secundária, que apresentam insuficiente produção de corticotropina ou do hormônio de liberação de corticotropina (CRH)26.

Na prática a insuficiência supra-renal deve ser suspeitada em todos os pacientes com choque séptico refratário à reposição de adequado volume e resistente às catecolaminas. Não devemos esquecer os pacientes com risco aumentado para insuficiência supra-renal e que incluem aqueles com purpura fulminans e síndrome de Waterhouse-Friedchson associada, os que foram submetidos previamente a tratamento crônico com esteróides e os que apresentam anormalidades hipofisárias e adrenais.

Essa revisão não foi realizada com o propósito de avaliar o tratamento do choque séptico e, tampouco, os benefícios e riscos do uso de glicocorticóides no tratamento desses pacientes. Vale referir, todavia, que apesar de estudos anteriormente publicados4,43 não terem demonstrado efeitos benéficos com o uso de corticosteróides no tratamento do choque séptico, trabalhos mais recentemente publicados na literatura médica têm relatado melhora clínica mais rápida e redução da taxa de mortalidade em pacientes tratados com esteróides7-11. Temos utilizado um esquema de suporte farmacológico (Figura 1) muito similar ao definido pelo consenso do American College of Critical Care Medicine20. Na insuficiência adrenal confirmada ou suspeita as doses recomendadas variam desde um ataque de 1-2 mg/kg para cobertura de estresse, até 50 mg/kg seguidas da mesma dose administrada em infusão de 24h. Outros autores indicam uma infusão de 10-20mg/kg ao longo de 24 horas44. No nosso serviço, utilizamos a dose de ataque de 50 mg/kg apenas nos pacientes com menigococemia, enquanto que nos pacientes com sepse grave e choque séptico utilizamos a manutenção de 5-10 mg/kg a cada seis horas, ou infusão contínua de 1-2 mg/kg/dia. Faltam, no entanto, estudos em pediatria para definir qual dose seria a mais adequada45. A determinação do cortisol sérico basal e a realização do teste de estimulação adrenal com corticotropina nos pacientes com sepse severa ou choque séptico podem colaborar não apenas na decisão de indicar o tratamento com hidrocortisona, mas, principalmente, na de manter ou não essa indicação quando o seu uso tiver sido baseado apenas em parâmetros clínicos.


  • 1. Drucker D, Shandling M. Variable adrenocortical function en acute medical illness. Crit Care Med 1985;13(6):477-9.
  • 2. Schumer W. Steroids in the treatment of clinical septic shock. Ann Surg 1976;184:333-41.
  • 3. Sprung CL, Caralis PV, Marcial EH, Pierce M, Gelhard MA, Long WM, et al. The effect of high-dose corticosteroids in patients with septic shock : a prospective, controlled study. N Engl J Med 1984;311:1137-43.
  • 4. Bone RC, Fisher CJ Jr, Clemmer TP, Slotman GJ, Metz CA, Balk RA. A controlled clinical trial of high-dose methylprednisolone in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med 1987;317:653-8.
  • 5. Cronin L, Cook DJ, Carlet J. Corticosteroid treatment for sepsis: critical appraisal and meta-analysis of the literature. Crit Care Med 1995;23:1430-9.
  • 6. The Veterans Administration Systemic Sepsis Cooperative Study Group. Effect of high dose glucocorticoid therapy on mortality in patients with clinical signs of systemic sepsis. N Engl J Med 1987;317:659-65.
  • 7. Yildiz O, Doganay M, Aygen B, Güven M, Kelestimur F, Tutus A. Physiological-dose steroid therapy in sepsis. Critical Care 2002;6:251-8.
  • 8. Annane D. Corticosteroids for septic shock. Crit Care Med 2001;29(7 Suppl):117-20.
  • 9. Bollaert PE, Charpentier C, Levy B, Debouverie M, Audibert G, Larcan A. Reversal of late septic shock with supraphysiologic doses of hydrocortisone. Crit Care Med 1998;26:645-50.
  • 10. Briegel J, Forst H, Haller M, Schelling G, Kilger E, Kuprat G, et al. Stress doses of hydrocortisone reverse hyperdinamic septic shock: A prospective, randomized, double-blind, single-center study. Crit Care Med 1999;27:723-32.
  • 11. Annane D, Sebille V, Charpentier C. Effect of treatment with low doses of hydrocortisone and fludrocortisone on mortality in patients with septic shock. JAMA 2002;288:862-71.
  • 12. Annane D, Sébile V, Troché G, Raphaël J-C, Gajdos P, Bellissant E. A 3-level prognostic classification in septic shock based on cortisol levels and cortisol response to corticotropin. JAMA 2000;283(8):1038-45.
  • 13. Aygen B, Inan M, Doganay M, Kelestimur F. Adrenal functions in patients with sepsis. Exp Clin Endocrinol Diab 1997;105:182-6.
  • 14. Soni A, Pepper GM, Wyrwinski PM. Adrenal insufficiency occurring during septic shock: incidence, outcome, and relationship to peripheral cytokine levels. Am J Med 1995;98:266-71.
  • 15. Zaloga GP. Sepsis-induced adrenal deficiency syndrome. Crit Care Med 2001;29(3):688-90.
  • 16. Hatherill M, Tibby SM, Hilliard T, Turner C, Murdoch IA. Adrenal insufficiency in septic shock. Arch Dis Child 1998;80:51-5.
  • 17. Chang SS, Liaw SJ, Bullard MJ. Adrenal insufficiency in critically ill emergency department patients: a Taiwan preliminary study. Acad Emerg Med 2001;8:761-4.
  • 18. Bone M, Diver M, Selby A, Sharples A, Addison M, Clayton P. Assessment of adrenal function in the initial phase of meningococcal disease. Pediatrics 2002;110(3):563-9.
  • 19. Menon K, Clarson C. Adrenal function in pediatric critical illness. Pediatr Crit Care 2002;3:112-6.
  • 20. Carcillo JA, Fields AI, Members TFC. Clinical practice parameters for hemodynamic support of pediatric and neonatal patients in septic shock. Crit Care Med 2002;30(6):1365-78.
  • 21. Agwu JC, Spoudeas H, Hindmarsh PC, Pringle PJ, Brook CGD. Tests of adrenal insufficiency. Arch Dis Child 1999;80:330-3.
  • 22. Bouachour G, Tirot P, Gouello JP, Mathiieu E, Vincent JF, Alquier PH. Adrenocortical function during septic shock. Intensive Care Med 1995;21:57-62.
  • 23. Chrousos GP. The hypothalamic-pituitary-adrenal axis and immune-mediated inflammation. N Engl J Med 1995;332:1351-62.
  • 24. Rivers EP, Gaspari M, Saad GA, Mlynarek M, Fath J, Horst HM, et al. Adrenal insufficiency in high-risk surgical ICU patients. Chest 2001;119(3):889-96.
  • 25. Schein R, Sprung C, Marcial E. Plasma cortisol levels in patients with septic shock. Crit Care Med 1990;18:259-63.
  • 26. Marik P, Zaloga GP. Adrenal insufficiency during septic shock. Crit Care Med 2003;31:141-5.
  • 27. Pizzaro CF, Troster EJ, Damiani D. Comunicação pessoal. 2003.
  • 28. Zaloga GP, Marik P. Endocrine and metabolic dysfunction syndromes in the critically ill. Crit Care Med 2001;17:25-41.
  • 29. Grinspoon SK, Biller BMK. Laboratory assessment of adrenal insufficiency. J Clin Endocrinol Metab 1994;79:923-31.
  • 30. Dickstein G, Shechner C, Nicholson WE, Rosner I, Shen-Orr Z, Adawi F, et al. Adrenocorticotropin stimulation test: effects of basal cortisol level, time of day, and suggested new sensitive low dose test. J Clin Endocrinol Metab 1991;72:773-8.
  • 31. Tordjman K, Jaffe A, Grazas N, Apter C, Stern N. The role of the low dose (1 µg) adrenocorticotropin test in the evaluation of patients with pituitary diseases. J Clin Endocrinol Metab 1995;80:1301-5.
  • 32. Tordjman K, Jaffe A, Trostanetsky Y, Greenman Y, Limor R, Stern N. Low dose (1 microgram) adrenocorticotrophin (ACTH) stimulation as a screening test for impaired hypothalamo-pituitary-adrenal axis function: sensitivity, specificity and accuracy in comparison with the high-dose (250 microgram) test. Clin Endocrinol 2000;52(5):633-40.
  • 33. Crowley S, Hindmarsh PC, Honour JW, Brook CGD. Reproducibility of the cortisol response to stimulation with a low dose of ACTH(1-24): the effect of basal cortisol levels and comparison of low-dose with high-dose secretory dynamics. J Endocrinol 1993;136:167-72.
  • 34. Crowley S, Hindmarsh PC, Holownia P, Honour JW, Brook CG. The use of low doses de ACTH in the investigation of adrenal function in man. J Endocrinol 1991;130(3):475-9.
  • 35. Broide J, Soferman R, Kivity S, Golander A, Dickstein G, Spirer Z, et al. Low-dose adrenocorticotropin test reveals impaired adrenal function in patients taking inhaled corticosteroids. J Clin Endocrinol Metab 1995;80:1243-6.
  • 36. Rasmussen S, Olsson T, Hagg E. A low dose ACTH test to assess the function of the hypothalamic-pituitary-adrenal axis. Clin Endocrinol 1996;44:151-6.
  • 37. Mayenknecht J, Diederich S, Bähr V, Plöckinger U, Oelkers W. Comparison of low and high dose corticotropin stimulation tests in patients with pituitary disease. J Clin Endocrinol Metab 1998;83(5):1558-62.
  • 38. Thaler LM, Blevins LSJ. The low dose (1 µg) adrenocorticotropin stimulation test in the evaluation of patients with suspected central adrenal insufficiency. J Clin Endocrinol Metab 1998;83(8):2726-9.
  • 39. Bornstein SR, Licinio J, Tauchnitz R, Engelmann L, Negrao AB, Gold P, et al. Plasma leptin are increased in survivors of acute sepsis: associated loss of diurnal rhythm in cortisol and leptin secretion. J Clin Endocrinol Metab 1998;83:280-3.
  • 40. Naito Y, Fukata J, Tamai S, Seo N, Nakai Y, Mori K, et al. Biphasic changes in hypothalamic-pituitary-adrenal function during the early period after mayor abdominal surgery. J Clin Endocrinol Metab 1991;73:111-7.
  • 41. Perrot D, Bonneton A, Dechaud H, Motin J, Pugeat M. Hypercortisolism in septic shock is not suppressible by dexamethasone infusion. Crit Care Med 1993;21:396-401.
  • 42. Lamberts SW, Bruining HA, de Jong FH. Corticosteroid therapy in severe illness. N Engl J Med 1997;337(18):1285-92.
  • 43. Effect of high-dose glucocorticoid therapy on mortality in patients with clinical signs of systemic sepsis. The Veterans Administration Systemic Sepsis Cooperative Study Group. N Engl J Med 1987;317(11):659-65.
  • 44. Carcillo JA. Pediatric septic shock and multiple organ failure. Critical Care Clinics 2003;19(3):413-40.
  • Endereço para correspondência
    Dr. Carlos Henrique Casartelli
    Rua Eurípedes Monteiro Duarte, 30/701
    CEP 90830-250 – Porto Alegre – RS
    Tel.: (51) 3241.1894
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Nov 2003
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br