Acessibilidade / Reportar erro

Concentrações de interleucina-2 na secreção nasofaríngea de crianças com bronquiolite viral aguda pelo vírus respiratório sincicial

Resumos

OBJETIVO: Avaliar as concentrações de interleucina-2 (IL-2) na secreção nasofaríngea de crianças (0-24 meses) acometidas de bronquiolite viral aguda pelo vírus respiratório sincicial nas primeiras 12 horas de hospitalização e correlacionar os níveis encontrados com a gravidade da doença. MÉTODOS: Estudo prospectivo com amostragem seqüencial realizado no período de junho a agosto de 1999. Foram incluídos 62 pacientes previamente hígidos, internados com diagnóstico de bronquiolite viral aguda caracterizado por pródromos recentes de coriza e/ou obstrução nasal que evoluíram com pelo menos dois dos seguintes sinais: disfunção respiratória, taquipnéia, sibilos ou crepitações. Todos os pacientes tiveram a presença de vírus respiratório sincicial detectada no aspirado nasofaríngeo. As amostras de secreção nasofaríngea foram obtidas nas primeiras 12 horas de hospitalização. As dosagens de IL-2 foram realizadas por ensaio imunoenzimático. A gravidade da doença foi avaliada por: medida da saturação de oxigênio da hemoglobina por oximetria de pulso, sistema de escore clínico modificado, tempo de uso de oxigênio, tempo de hospitalização e necessidade de ventilação mecânica, sendo estas variáveis comparadas em relação às medianas de IL-2 através dos testes de Spearman e Kruskal-Wallis e, para a análise categorizada da interleucina, através do teste de qui-quadrado. RESULTADOS: A mediana de idade dos pacientes foi 2,2 (1,3-4) meses. O sexo masculino foi observado em 54% dos casos. Saturação de oxigênio da hemoglobina por oximetria de pulso na hospitalização foi < 95% em 66,1% dos pacientes. A média do tempo de uso de oxigênio foi 4,7 dias (±3,54). A média do tempo de hospitalização foi de 4,25 dias (±1,76). Ventilação mecânica foi utilizada em 4,8% dos casos. Os níveis de IL-2 na secreção nasofaríngea variaram de 0 a 40.256 ng/ml, com mediana de 86 ng/ml (4,4-457,3). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os níveis de IL-2 e a gravidade da doença. CONCLUSÕES: Os níveis de IL-2 apresentaram valores com grande dispersão. Não houve associação entre bronquiolite viral aguda pelo vírus respiratório sincicial e aumento nos níveis de IL-2 na secreção nasofaríngea.

Interleucina-2; bronquiolite viral aguda; vírus respiratório sincicial; aspirado nasofaríngeo


OBJECTIVE: To assess interleukin-2 concentrations in nasopharyngeal secretion of children (0-24 months) with acute respiratory syncytial virus bronchiolitis, within the first 12 hours of hospital admission, and compare the levels of IL-2 with the severity of the illness. METHODS: Prospective study performed between June and August 1999. The study included 62 patients, previously healthy, hospitalized with acute viral bronchiolitis characterized by recent prodromes of coryza and/or nasal obstruction, which evolved to at least two of the following signs: respiratory dysfunction, tachypnea, wheezing or rales, and detection of respiratory syncytial virus in nasopharyngeal aspirate. The nasopharyngeal specimens were collected within 12 hours of hospital admission. The interleukin-2 levels were obtained by enzyme immunoassay. Severity of illness was assessed through oxygen saturation by pulse oximetry, Modified Clinical Score System, time of supplemental oxygen required, length of hospital stay, and mechanical ventilation. Spearman's correlation and Kruskal-Wallis test were used to compared these variables in relation to the median of interleukin-2. The chi-square test was used for categorical analysis of interleukin-2. RESULTS: The mean age of patients was 2.2 (1.3-4) months. Males comprised 54% of cases. Hemoglobin oxygen saturation by pulse oximetry at hospital admission was below 95% in 66.1% of patients. The mean time of supplemental oxygen use was 4.7 days (±3.54). The mean length of hospital stay was 4.25 days (±1.76). Mechanical ventilation was used in 4.8% of patients. The values of interleukin-2 in nasopharyngeal aspirates varied from 0 to 40,256 ng/ml with median of 86 ng/ml (4.4 - 457.3). The study showed no statistical difference between levels of IL-2 and severity of illness. CONCLUSIONS: The interleukin-2 levels showed a heterogeneous behavior. We found no association between interleukin-2 levels in nasopharyngeal secretion and respiratory syncytial virus bronchiolitis.

Interleukin-2; acute viral bronchiolitis; respiratory syncytial virus; nasopharyngeal aspirates


ARTIGO ORIGINAL

Concentrações de interleucina-2 na secreção nasofaríngea de crianças com bronquiolite viral aguda pelo vírus respiratório sincicial

Katia M. GiugnoI; Denise C. MachadoII; Sérgio L. AmantéaIII; Sérgio S. Menna BarretoIV

IMestre em Pediatria. Professora assistente, Departamento de Pediatria, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), Porto Alegre, RS

IIDoutora em Imunologia. Professora adjunta, Departamento de Medicina Interna, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS

IIIDoutor em Pneumologia. Professor adjunto, Departamento de Pediatria, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, (FFFCMPA), Porto Alegre, RS

IVProfessor titular, Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Katia M.Giugno Av. Iguaçú, 165/405 CEP 90470-430 - Porto Alegre, RS Fone/Fax: (51) 3334.1247 E-mail: kmgiugno@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar as concentrações de interleucina-2 (IL-2) na secreção nasofaríngea de crianças (0-24 meses) acometidas de bronquiolite viral aguda pelo vírus respiratório sincicial nas primeiras 12 horas de hospitalização e correlacionar os níveis encontrados com a gravidade da doença.

MÉTODOS: Estudo prospectivo com amostragem seqüencial realizado no período de junho a agosto de 1999. Foram incluídos 62 pacientes previamente hígidos, internados com diagnóstico de bronquiolite viral aguda caracterizado por pródromos recentes de coriza e/ou obstrução nasal que evoluíram com pelo menos dois dos seguintes sinais: disfunção respiratória, taquipnéia, sibilos ou crepitações. Todos os pacientes tiveram a presença de vírus respiratório sincicial detectada no aspirado nasofaríngeo. As amostras de secreção nasofaríngea foram obtidas nas primeiras 12 horas de hospitalização. As dosagens de IL-2 foram realizadas por ensaio imunoenzimático. A gravidade da doença foi avaliada por: medida da saturação de oxigênio da hemoglobina por oximetria de pulso, sistema de escore clínico modificado, tempo de uso de oxigênio, tempo de hospitalização e necessidade de ventilação mecânica, sendo estas variáveis comparadas em relação às medianas de IL-2 através dos testes de Spearman e Kruskal-Wallis e, para a análise categorizada da interleucina, através do teste de qui-quadrado.

RESULTADOS: A mediana de idade dos pacientes foi 2,2 (1,3-4) meses. O sexo masculino foi observado em 54% dos casos. Saturação de oxigênio da hemoglobina por oximetria de pulso na hospitalização foi < 95% em 66,1% dos pacientes. A média do tempo de uso de oxigênio foi 4,7 dias (±3,54). A média do tempo de hospitalização foi de 4,25 dias (±1,76). Ventilação mecânica foi utilizada em 4,8% dos casos. Os níveis de IL-2 na secreção nasofaríngea variaram de 0 a 40.256 ng/ml, com mediana de 86 ng/ml (4,4-457,3). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os níveis de IL-2 e a gravidade da doença.

CONCLUSÕES: Os níveis de IL-2 apresentaram valores com grande dispersão. Não houve associação entre bronquiolite viral aguda pelo vírus respiratório sincicial e aumento nos níveis de IL-2 na secreção nasofaríngea.

Interleucina-2, bronquiolite viral aguda, vírus respiratório sincicial, aspirado nasofaríngeo.

Introdução

Bronquiolite viral aguda (BVA) é a causa mais comum de hospitalização entre lactentes menores de 6 meses de idade nos países desenvolvidos1. Em nosso meio, a BVA é igualmente responsável por um expressivo número de hospitalizações em crianças abaixo de 1 ano de idade2. O vírus respiratório sincicial (VRS) é considerado o principal agente etiológico da doença3,4. Em lactentes e crianças menores, a infecção pelo VRS causa doença com gravidade variada, desde leve infecção do trato respiratório superior até grave infecção do trato respiratório inferior5. A mortalidade das crianças hospitalizadas por BVA varia em torno de 1% naquelas previamente hígidas e 3,5% nas crianças com história prévia de problemas cardíacos ou respiratórios6. Os dados em nosso meio também demonstram ser baixa a mortalidade por BVA, mas a morbidade é significativa em lactentes previamente saudáveis2. As infecções pelo VRS não conferem imunidade completa, sendo comuns as reinfecções durante a vida7.

As crianças acometidas de BVA pelo VRS têm uma maior tendência a apresentar episódios posteriores de sibilância e asma8-10. A explicação para esta relação ainda é incerta. A primeira hipótese seria a conseqüência da infecção pelo VRS afetando os sistemas respiratório e imune ainda imaturos, predispondo o paciente a novas infecções e a hiper-reatividade brônquica11. A hipótese alternativa considera a predisposição do paciente em função de diminuição da função pulmonar preexistente ou suscetibilidade genética para desenvolver doença pulmonar12.

O conhecimento sobre as interações do VRS com o hospedeiro humano é muito limitado, e o comportamento clínico da BVA causada por este vírus desperta curiosidade sobre vários aspectos intrigantes na relação VRS-hospedeiro. Evidências clínicas sugerem que a BVA causada pelo VRS seja uma doença imunomediada3. A maneira como o VRS desencadeia os achados patológicos da BVA permanece pouco esclarecida13. Parece haver um delicado balanço entre a imunopatologia e a imunoproteção14. Existem evidências sobre a participação das células T na defesa antiviral, tendo sido estas células associadas tanto com a eliminação do vírus quanto com o desenvolvimento da doença na infecção pelo VRS. A IL-2 é uma citocina envolvida na ativação, crescimento e diferenciação das células T, assim como na indução do crescimento, diferenciação e ativação funcional de uma variedade de outras células que participam da resposta imune15. A IL-2 produzida por uma célula T ativada de maneira autócrina estimula o crescimento e a proliferação de linfócitos T antígeno-específicos, assim como de células B9.

Existem relatos divergentes na literatura sobre o comportamento das citocinas IL-2, IL-4, IL-6, IL-8, IL-10, IL-12, interferon gama, entre outras, em pacientes com BVA pelo VRS, medidas em soro e secreções das vias aéreas16-19. As publicações sobre concentrações de citocinas na secreção nasofaríngea de pacientes com infecções graves das vias aéreas inferiores pelo VRS surgiram no final da década passada. Encontram-se relatos de aumento nos níveis de IL-2, IL-6, IL-8, IL-10, entre outras, na vigência de BVA pelo VRS, e outros autores não conseguiram demonstrar o aumento de algumas dessas citocinas16,17,20-22.

Mais especificamente, a resposta imune do tipo Th1, através da produção de IL-2 e interferon gama, tem sido alvo do interesse dos pesquisadores. Entretanto, podem ser verificados resultados divergentes, como os de autores que sugeriram ser a IL-2 uma forma adequada de medir a resposta inflamatória de pacientes com BVA grave na fase aguda da doença, enquanto que outros autores não conseguiram demonstrar a resposta imune do tipo Th1, medida pelo interferon gama, em nenhuma fase da doença16,17.

No presente estudo, avaliamos o envolvimento das células T do tipo Th1 na fase aguda da doença, medido pela produção de IL-2 na secreção nasofaríngea, visando testar a hipótese de que esta citocina se encontraria aumentada na secreção nasofaríngea dos pacientes acometidos de BVA pelo VRS, predominantemente nos quadros mais graves da doença.

O melhor entendimento sobre o mecanismo da resposta inflamatória na BVA pelo VRS poderá permitir o desenvolvimento de estratégias de proteção nos pacientes que contraem infecções pelo VRS enquanto a imunização contra o vírus não estiver disponível.

Pacientes e métodos

Foi realizado um estudo de coorte durante o pico sazonal do VRS em Porto Alegre, entre junho e agosto de 1999, incluindo todos os pacientes com faixa etária entre 0 e 24 meses de idade internados no Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA) e no Centro de Tratamento Intensivo Pediátrico do Hospital Moinhos de Vento (CTIP-HMV). Todos os pacientes eram crianças previamente hígidas e admitidas com diagnóstico clínico de BVA. O diagnóstico foi baseado na história de pródromos com coriza e/ou obstrução nasal nos últimos dias levando a hospitalização, com pelo menos dois dos seguintes sinais: disfunção respiratória, taquipnéia, sibilos ou crepitações23. Todos os pacientes tiveram a presença do VRS detectada na secreção nasofaríngea por imunofluorescência indireta ou ensaio imunoenzimático. Foram excluídos os pacientes com história de: doença respiratória perinatal, ventilação mecânica prévia, episódio anterior de sibilância, uso atual ou prévio de broncodilatadores e/ou corticosteróides, presença de cardiopatia congênita e refluxo gastroesofágico em tratamento ou história sugestiva dessa doença.

A secreção nasofaríngea foi obtida nas primeiras 12 horas de hospitalização por aspirado sem instilação de soro fisiológico, como parte da rotina para a identificação viral em ambos os hospitais, sendo congelada em frasco separado uma amostra de 0,5 ml e, logo após, mantida a -80 ºC para posterior dosagem da IL-2. O diagnóstico etiológico viral foi estabelecido por imunofluorescência indireta ou por ensaio imunoenzimático com o Abbott TestpackRSV.

Em todas as amostras, os testes para IL-2 foram realizados em duplicata. A técnica para dosagem de IL-2 foi o ensaio imunoenzimático utilizando o kit Human IL-2 OPT EIA Set Pharmingen, EUA. A leitura foi realizada por espectrofotometria no Benchmarck Microplate Reader BIO-RAD com filtro de 450 nm, e os valores foram obtidos por análise de regressão linear. Os resultados foram apresentados em ng/ml. As dosagens por ensaio imunoenzimático foram realizadas no Laboratório de Pneumologia do Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Os pesquisadores não participaram direta ou indiretamente da indicação de internação de nenhum dos pacientes. A mesma era de exclusiva responsabilidade da equipe assistente. Todos os pacientes foram acompanhados até a alta hospitalar, não havendo interferência dos pesquisadores no tratamento e/ou nos critérios para alta.

Gênero, idade e peso foram estudados para caracterizar a amostra. A gravidade do quadro de BVA foi avaliada através de: medida da saturação de oxigênio da hemoglobina em ar ambiente com oxímetro Ohmeda, modelo 3800 (EUA), na admissão hospitalar, sistema de escore clínico modificado (Tabela 1), tempo de uso de oxigênio, tempo de hospitalização e necessidade de ventilação mecânica (VM)23.

A coleta dos dados foi realizada por três médicos intensivistas e três médicos residentes de terceiro ano em medicina intensiva pediátrica.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram descritas através de proporções. As variáveis contínuas com distribuição normal foram descritas através de médias e desvio padrão. A IL-2 foi descrita através de mediana e intervalo interquartil 25-75.

As variáveis de gravidade foram categorizadas da seguinte forma: saturação de oxigênio (> 95%, 90-94%, < 90%), sistema de escore clínico modificado (< 3 normal, 4-6 leve, 7-9 moderado, 10-12 grave), tempo de uso de oxigênio (sem uso, 1-3 dias, 4-7 dias, 8 dias ou mais), tempo de hospitalização (até 5 dias, 6-10 dias, mais de 10 dias) e uso de VM (sim ou não). As medianas de IL-2 foram comparadas entre as diversas categorias das variáveis de gravidade através do teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis.

Foram realizadas correlações bivariadas de Spearman para avaliação da associação entre IL-2 e as variáveis de gravidade sob a forma contínua.

Adicionalmente, a IL-2 foi categorizada em dois estratos, de acordo com a mediana, e comparada através do teste do qui-quadrado com as variáveis de desfecho, também categorizadas. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para avaliar as diferenças de medianas das variáveis de gravidade entre os dois estratos categorizados de IL-2.

Foram estabelecidos como significativos os valores de p < 0,05. Utilizou-se o Statistical Package for Social Science: SPSS como recurso de informática para a realização dos testes estatísticos.

O tamanho da amostra foi estimado em 32 pacientes para demonstrar diferenças de IL-2 entre os escores (de normal para grave) em torno de 8.000 ng e 60 pacientes para diferenças de aproximadamente 3.000 ng de IL-2 entre as categorias de saturação > 95% e < 95%, considerando-se um alfa de 0,05 e um beta de 0,20. Para as correlações, foi estimado um n de 62 pacientes para detectar uma correlação de 0,35 com alfa 0,05 e beta 0,20.

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa do Complexo Hospitalar Santa Casa e aprovado pelas chefias dos serviços envolvidos. Consentimento informado foi obtido de pais ou responsáveis em todos os casos.

Resultados

No HCSA, foram admitidos 96 pacientes com diagnóstico clínico de BVA durante o período do estudo. Foi encontrado resultado positivo da pesquisa do VRS na secreção nasofaríngea em 51 (53,1%) pacientes. Duas crianças foram excluídas por estarem utilizando corticosteróides no momento da internação, restando 49 pacientes incluídos na pesquisa. No CTIP-HMV, foram admitidos 24 pacientes com diagnóstico clínico de BVA no período do estudo. Desses doentes, 15 (62,5%) apresentaram VRS positivo na secreção nasofaríngea. Em função de duas perdas, 13 pacientes foram incluídos em nossa amostra.

O estudo compreendeu um total de 62 crianças. As medianas de distribuição de idade e peso foram, respectivamente, 2,2 (1,3-4) meses e 5.050 (3.800-6.675) g. Trinta e quatro pacientes (54%) foram do sexo masculino.

Os resultados das concentrações de IL-2 mostraram uma grande dispersão. Os valores da IL-2 na secreção nasofaríngea variaram de 0 a 40.256 ng/ml, com mediana de 86 ng/ml (4,4-457,3).

A avaliação da gravidade da BVA através da medida da saturação de oxigênio da hemoglobina mostrou que 66,1% dos pacientes apresentavam comprometimento da oxigenação arterial, caracterizado por saturações abaixo de 95%, medidas por oximetria de pulso. Em 20,9% dos pacientes, verificou-se um maior comprometimento da oxigenação, demonstrado por medidas de saturação abaixo de 90%. Não foi observada correlação entre os níveis de IL-2 na secreção nasofaríngea e a saturação de oxigênio (r = -0,01, p = 0,93) ou diferenças estatisticamente significativas nos níveis de IL-2 entre os diferentes estratos de saturação de oxigênio (p = 0,47) (Tabela 2).

A avaliação da gravidade da BVA através do sistema de escore clínico modificado mostrou que 46,8% dos casos apresentavam doença com gravidade moderada ou intensa. Em 41,9% dos pacientes, a doença apresentava grau leve de gravidade. Foram observados escores compatíveis com a normalidade em 11,3% dos pacientes. A comparação dos níveis de IL-2 na secreção nasofaríngea com os diferentes valores do escore de gravidade não evidenciou diferença estatisticamente significativa (p = 0,63) (Tabela 3). Também não foi observada correlação entre essas variáveis quando analisadas de forma contínua (r = 0,16, p = 0,20).

O tempo médio de uso de oxigênio entre os casos estudados foi de 4,7 dias (±3,54). Igualmente aos demais critérios de gravidade avaliados, o tempo de uso de oxigênio, quando categorizado, não demonstrou diferença estatisticamente significativa ao ser comparado com os níveis de IL-2 (p = 0,42) (Figura 1). Também não foi observada correlação entre essas variáveis quando analisadas sob a forma contínua (r = 0,09, p = 0,50).


O tempo médio de hospitalização foi de 4,25 dias (±1,76), não sendo observada diferença estatisticamente significativa entre os níveis de IL-2 e o tempo de hospitalização, quando categorizado (p = 0,11) (Figura 2); também não houve correlação entre as variáveis quando analisadas de forma contínua (r = 0,06, p = 0,63).


A necessidade de VM ocorreu em 4,8% dos pacientes. Não houve diferença estatisticamente significativa nos níveis de IL-2 entre os pacientes com ou sem necessidade de VM (p = 0,48).

A IL-2, categorizada de acordo com a sua mediana, foi avaliada em relação às categorias de desfechos, não havendo diferenças estatisticamente significativas em relação a: saturação de oxigênio da hemoglobina em ar ambiente, sistema de escore clínico modificado, tempo de uso de oxigênio, tempo de hospitalização e uso de VM. Também não houve diferenças estatisticamente significativas entre as medianas dessas mesmas variáveis quando comparadas em duas categorias de interleucina.

Discussão

A BVA é uma doença com espectro variado de manifestações clínicas e com comprometimento pulmonar de intensidade variável. A falta de entendimento sobre os mecanismos responsáveis por essa doença, que possui alta prevalência na população pediátrica em todos os continentes, tem determinado uma incessante busca de respostas.

Este estudo visou investigar o envolvimento da imunidade celular na BVA, medido através de uma citocina. Apesar das divergências nas pesquisas em seres humanos, no modelo animal já está bem demonstrada a participação das células T, principalmente do tipo Th1, na eliminação do patógeno viral, assim como na gênese da doença, tanto na infecção primária como na secundária10. A detecção de citocinas em cultura de células do sangue periférico de seres humanos adultos igualmente mostrou resposta imune do tipo Th1 ao VRS, manifestada pela determinação dos níveis de IL-2 e interferon gama18. Mais recentemente, a investigação sobre a imunidade celular, como um todo, inclui os relatos sobre as dosagens de diferentes interleucinas nas secreções das vias aéreas16,17,20-22. O conhecimento sobre o complexo envolvimento da IL-2 na resposta imune foi responsável pela definição da medida desta citocina em nosso estudo. Buscávamos testar a hipótese de que a IL-2 se encontraria aumentada nas secreções das vias aéreas dos pacientes acometidos de BVA pelo VRS com necessidade de internação hospitalar16.

Conhecedores dos dados de Joshi et al., que demonstraram que as concentrações da IL-2 em vias aéreas superiores e vias aéreas inferiores apresentam o mesmo comportamento durante a BVA, decidimos pela dosagem desta citocina na secreção nasofaríngea17. A facilidade de obtenção do material, associada ao baixo risco de dano ao paciente para a colheita, foram fundamentais para a opção por esta via sobre o lavado bronco-alveolar, que é utilizado para colher a secreção das vias aéreas inferiores.

O perfil de gravidade da doença no grupo estudado demonstrou ser a nossa amostra representativa do comportamento da doença descrito por diferentes autores24,25,27-29.

Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre os níveis de IL-2 na secreção nasofaríngea e a gravidade da doença avaliada por: saturação de oxigênio da hemoglobina por oximetria de pulso, sistema de escore clínico modificado, tempo de uso de oxigênio, tempo de hospitalização e uso de VM. O critério de necessidade de internação em unidade de terapia intensiva não foi contemplado para análise de gravidade por terem sido os pacientes recrutados em dois serviços com peculiaridades assistenciais distintas.

Este estudo foi desenhado para detectar relações clinicamente significativas. Embora possa ter havido menor poder estatístico para associações abaixo do nível predeterminado, estes valores foram escolhidos para evitar a valorização de associações sem significância clínica. O resultado de nosso estudo une-se a outros que avaliaram a participação das células do tipo Th1 em diferentes materiais, tanto em animais quanto em seres humanos, e não conseguiram demonstrar o esperado aumento das citocinas relacionadas a essas células durante a infecção das vias aéreas inferiores pelo VRS9,16. Acreditamos que este estudo sirva para sugerir que a IL-2 não se constitui num bom parâmetro de avaliação da resposta imune na BVA pelo VRS no momento da hospitalização se comparada com a maior facilidade na demonstração do aumento de outras citocinas nesta mesma doença.

Nos dados da literatura encontram-se correlações entre níveis elevados de interleucinas na fase aguda da doença e a gravidade do quadro. Há relatos sobre níveis elevados de IL-2 e IL-8 em pacientes submetidos à VM em conseqüência de BVA pelo VRS16,17. Em função do pequeno número de pacientes submetidos à VM, o trabalho aqui relatado deixa em aberto o comportamento da IL-2 na secreção nasofaríngea de pacientes exclusivamente com BVA muito grave, definida pela necessidade de VM. Esta pergunta poderá ser respondida em outro estudo, envolvendo vários centros ou mais de uma epidemia do VRS, se considerarmos os percentuais de pacientes com BVA pelo VRS que evoluem para VM.

Dados mais recentes sugerem que a proporção de citocinas liberadas nos processos inflamatórios possa estar relacionada a diferenças determinadas por polimorfismos genéticos, o que deverá ser enfocado em novos estudos sobre BVA30.

Os resultados deste estudo vêm somar-se aos dados disponíveis na literatura na tentativa do entendimento da patogênese da BVA causada pelo VRS. A necessidade de pesquisa na área persiste, em busca de respostas que favoreçam progressos na conduta terapêutica desta doença.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos colegas Helena Müller, Ângela Bagatini, Cláudia Costa e Silva, Luciano Guerra e Sônia Mastela pela contribuição no recrutamento dos pacientes.

Artigo submetido em 24.11.03, aceito em 26.05.04

  • 1. Shay DK, Holman RC, Newman RD, Liu LL, Stout JW, Anderson LJ. Bronchiolitis-associated hospitalizations among US children, 1980-1996. JAMA. 1999;282:1440-6.
  • 2. Rubin FM, Fischer GB. Características clínicas e da saturação transcutânea de oxigênio em lactentes hospitalizados com bronquiolite viral aguda. J Pediatr (Rio J). 2003;79:435-42.
  • 3. Kimpen JLL, Heymans HSA. Respiratory syncytial virus: immunity and immune injury. Immunol Infect Dis. 1993;3:281-8.
  • 4. Anderson LJ, Heilman CA. Protective and disease-enhancing immune responses to respiratory syncytial virus. J Infect Dis. 1995;171:1-7.
  • 5. Simoes EAF, Estrany XC. Impact of severe disease caused by respiratory syncytial virus in children living in developed countries. Pediatr Infect Dis J. 2003;22:S13-20.
  • 6. Welliver RC. Respiratory syncytial virus and other respiratory viruses. Pediatr Infect Dis J. 2003;22:S6-12.
  • 7. Hall CB, McCarthy CA. Respiratory syncytial virus. In: Mandell GL, Bennett JE, Dolin R, editors. Mandell, Douglas, and Bennett's Principles & Practice of Infectious Diseases. 5th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2000.
  • 8. Sigurs N, Bjarnason R, Sigurbergsson F, Kjellman B. Respiratory syncytial virus bronchiolitis in infancy is an important risk factor for asthma and allergy at age 7. Am J Respir Crit Care Med. 2000;161:1501-7.
  • 9. Hussell T, Spender LC, Georgiou A, O'Garra A, Openshaw PJ. Th1 and Th2 cytokine induction in pulmonary T cells during infection with respiratory syncytial virus. J Gen Virol. 1996;77:2447-55.
  • 10. Kimpen JLL. Respiratory syncytial virus immunology. Pediatr Allergy Immunol. 1996;7 Suppl 9:S86-90.
  • 11. Openshaw PJM, Dean GS, Culley FJ. Links between respiratory syncytial virus bronchiolitis and childhood asthma: clinical and research approaches. Pediatr Infect Dis J. 2003;22:S58-65.
  • 12. Martinez F. Viruses and atopic sensitization in the first years of life. Am J Respir Crit Care Med. 2000;162:S95-9.
  • 13. Prince GA, Horswood RL, Chanock RM. Quantitative aspects of passive immunity to respiratory syncytial virus infection in infant cotton rats. J Virol. 1985;55:517-20.
  • 14. Ruuskanen O, Ogra PL. Respiratory syncytial virus. Curr Probl Pediatr. 1993;23:50-79.
  • 15. Bont L, Heijnen CJ, Kavelaars A, van Aalderen WM, Brus F, Draaisma JT, et al. Monocyte IL-10 production during respiratory syncytial virus bronchiolitis is associated with recurrent wheezing in a one-year follow-up study. Am J Respir Crit Care Med. 2000;161:1518-23.
  • 16. Bont L, Heijnen CJ, Kavelaars A, van Aalderen WM, Brus F, Draaisma JT, et al. Peripheral blood cytokine responses and disease severity in respiratory syncytial virus bronchiolitis. Eur Respir J. 1999;14:144-9.
  • 17. Joshi P, Kakakios A, Jayasekera J, Isaacs D. A comparison of IL-2 levels in nasopharyngeal ans endotracheal aspirates of babies with respiratory syncytial viral bronchiolitis. J Allergy Clin Immunol. 1998;102:618-20.
  • 18. Jackson M, Scott R. Different patterns of cytokine introduction in cultures of respiratory syncytial (RS) virus-specific human TH cell lines following stimulating with RS virus and RS virus protein. J Med Virol. 1996;49:161-9.
  • 19. Renzi PM, Turgeon JP, Yang JP, Drblik SP, Marcotte JE, Pedneault, et al. Cellular immunity is activated and a TH-2 response is associated with early wheezing in infants after bronchiolitis. J Pediatr. 1997;130:584-93.
  • 20. Sheeran P, Jafri H, Carubelli C, Saavedra J, Johnson C, Krisher K, et al. Elevated cytokine concentrations in the nasopharyngeal and tracheal secretions of children with respiratory syncytial virus disease. Pediatr Infect Dis. 1999;18:115-22.
  • 21. Abu-Harb M, Bell F, Finn A, Rao WH, Nixon L, Shale D, et al. IL-8 and neutrophil elastase levels in the respiratory tract of infants with RSV bronchiolitis. Eur Respir J. 1999;14:139-43.
  • 22. Hornsleth A, Klug B, Nir M, Johansen J, Hansen KS, Christensen LS, et al. Severity of respiratory syncytial virus disease related to type and genotype of virus and to cytokine values in nasopharyngeal secretions. Pediatr Infect Dis J. 1998;17:1114-21.
  • 23. De Boeck K, Van der Aa N, Van Lierde S, Corbeel L, Eeckels R. Respiratory syncytial virus bronchiolitis: a double-blind dexametasone efficacy study. J Pediatr. 1997;131:919-21.
  • 24. Simoes EA. Respiratory syncytial virus infection. Lancet. 1999;354:847-52.
  • 25. Behtendt CE, Decker MD, Burch DJ, Watson PH. International variation in the management of infants hospitalized with respiratory syncytial virus. Eur J Pediatr. 1998;157:215-20.
  • 26. Wang EEL, Law BJ, Boucher FD, Stephens D, Robinson JL, Dobson S, et al. Pediatric Investigators Collaborative Network on Infections in Canada (PICNIC) prospective study of risk factors and outcomes in patients hospitalized with respiratory syncytial virus lower respiratory tract infection. J Pediatr. 1995;126:212-9.
  • 27. Wang EEL, Law BJ, Boucher FD, Stephens D, Robinson JL, Dobson S, et al. Pediatric Investigators Collaborative Network in Canada (PICNIC) study of admission and management variation in patients hospitalized with respiratory syncytial viral lower respiratory tract infection. J Pediatr. 1996;129:390-5.
  • 28. Rodriguez WJ, Gruber WC, Groothuis JR, Simoes EAF, Rosas AJ, Lepow M, et al. RSV-IGIV Study Group. Respiratory syncytial virus immune globulin treatment of RSV lower respiratory tract infection in previously healthy children. Pediatrics. 1997;100:937-42.
  • 29. Leader S, Kohlhase K. Recent trends in severe respiratory syncytial virus (RSV) among US infants, 1997 to 2000. J Pediatr. 2003;143:S127-32.
  • 30. Villar J, Flores C, Méndez-Alvarez S. Genetic susceptibility to acute lung injury. Crit Care Med. 2003;31:S272-75.
  • Endereço para correspondência

    Katia M.Giugno
    Av. Iguaçú, 165/405
    CEP 90470-430 - Porto Alegre, RS
    Fone/Fax: (51) 3334.1247
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Out 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      26 Maio 2004
    • Recebido
      24 Nov 2003
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br