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Redução de lesões por causas externas: o pediatra pode intervir?

EDITORIAIS

Redução de lesões por causas externas: o pediatra pode intervir?

Renata D. Waksman

Presidente do Departamento Científico de Segurança da Criança e do Adolescente, Sociedade Brasileira de Pediatria. Doutora em Pediatria pela Universidade de São Paulo (USP). Médica, Departamento de Pediatria, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP

Este número do Jornal de Pediatria apresenta um artigo que analisa alguns fatores relacionados às injúrias físicas em crianças e adolescentes que resultaram em hospitalizações, de autoria de Gaspar et al.1.

Trata-se de uma pesquisa prospectiva realizada no período de 1 ano e que incluiu menores de 19 anos que foram hospitalizados como conseqüência de injúrias não-intencionais (acidentes), o que suscitou várias considerações de interesse para os pediatras.

A incidência das injúrias físicas intencionais e não-intencionais (causas externas: acidentes e violências) é visivelmente maior na área urbana, que acumula cerca de 75% do total de mortes por essas causas2.

O impacto dessas mortes pode ser analisado por meio do indicador relativo aos anos potenciais de vida perdidos (APVP), que aumentou 30% (de 1981 a 1991) em relação às causas externas. Calcula-se que as mortes e incapacitações devidas a essas causas crescerão em torno de 20% nos próximos anos2,3.

Essas causas ocupam, em média, 10 a 30% dos leitos hospitalares. No estudo em questão, as injúrias representaram 9,9% das hospitalizações.

O impacto econômico dos acidentes e violências no Brasil pode ser medido diretamente por meio dos gastos hospitalares com internação e dias de permanência geral. Em 1997, eles representaram aproximadamente 8% do total de gastos com internações por todas as causas. Embora esses valores estejam bem subestimados e se refiram às internações via SUS, sem contar hospitais particulares ou conveniados, o gasto/dia das hospitalizações por lesões e envenenamentos é 60% superior à média geral das demais internações2.

Embora este assunto configure um problema de grande magnitude para a sociedade brasileira, existe ainda uma grande desproporção entre a sua importância e a quantidade de estudos a ele relacionados. Segundo Blank, trata-se de uma questão que, apesar do mau prognóstico, seguimos menosprezando4.

Apesar do crescimento constante do número das injúrias físicas, a inconsistência dos dados, a ausência de registros e o desconhecimento sobre certos agravantes dificultam para o pediatra o entendimento dos fatores determinantes das causas externas. Gaspar et al., ao avaliar as crianças internadas por essas causas, traçam um perfil de quem está sujeito e a que tipo específico de risco, no local onde o estudo foi realizado.

Trabalhos publicados mostram que os principais fatores de risco para as injúrias físicas dependem da idade, do sexo, do nível socioeconômico e cultural e da urbanização5-7. De um modo geral, crianças menores sofrem mais queimaduras, afogamentos, quedas e intoxicações; os maiores sofrem mais atropelamentos, quedas de bicicletas; adolescentes estão mais sujeitos a afogamentos, traumas no trânsito e lesões por armas de fogo3,8.

Sabe-se que, para cada morte de criança por causas externas, ocorrem de 20 a 50 hospitalizações; um terço evolui com seqüelas temporárias ou incapacidade permanente, gerando até 1.000 atendimentos ambulatoriais. O custo emocional e econômico deste panorama é incalculável5.

No estudo de Gaspar et al., houve uma grande proporção de acidentes com ciclistas; no geral, predominou o gênero masculino (2,3:1), dado este que está de acordo com pesquisas anteriores – no entanto, essa análise deve ser muito cuidadosa, porque sabe-se que algumas injúrias físicas (por exemplo, as que ocorrem com crianças ciclistas) não parecem ter correlação com as diferenças do desenvolvimento, como coordenação ou força muscular, enquanto que outras, como o atropelamento, estão relacionadas a diferenças de comportamento3.

A idade influencia a causa das lesões; por exemplo, as quedas aparecem em grande proporção nas faixas etárias mais baixas, no espaço domiciliar, enquanto que os acidentes de transporte ultrapassam as quedas a partir dos 10 anos. No domicílio, a cozinha obteve a terceira posição, por ordem de freqüência, sendo um local tradicional de ocorrência de lesões.

Ao se conhecer a freqüência e a gravidade regional das injúrias físicas e ao se ter noção dos custos e seqüelas para as vítimas e para a sociedade, o pediatra torna-se excelente instrumento de intervenção, enfatizando os aspectos preventivos no local onde atua.

Todo esforço pela integridade física das crianças e dos adolescentes deve ser canalizado para que as ações estratégicas da prevenção de injúrias sejam apoiadas em evidências científicas, através da aplicação prática da epidemiologia, pois só através do conhecimento dos fatores de risco é que se alcançará um progresso significativo na área de controle das causas externas.

Ao se incorporar o tema como problema de saúde pública, a sociedade como um todo e o pediatra em particular devem participar na construção da cidadania, adotando estratégias que previnam agravos e promovam a saúde.

Referências

1. Gaspar VLV, Lamounier JA, Cunha FM, Gaspar JC. Fatores relacionados a hospitalizações por injúrias em crianças e adolescentes. J Pediatr (Rio J). 2004;80:447-52.

2. Brasil. Ministério da Saúde.Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Portaria MS/GM nº 737 de 16/5/2001 publicada no DOU nº 96 seção 1E, de 18/5/01/ Ministério da Saúde – Brasília: Ministério da Saúde, 2001.

3. Campos JA, Paes CEN, Blank D, Costa DM, Pfeiffer L, Waksman RD. Manual de Segurança da Criança e do Adolescente. Sociedade Brasileira de Pediatria/Nestlé Nutrição, 2004.

4. Blank D. Prevenção e controle de injúrias físicas: saímos ou não do século 20?. J Pediatr (Rio J). 2002;78:84-6.

5. UNICEF [homepage on the Internet]. A league table of child deaths by injury in rich nations. Mag Innocenti Report Card No 2; 2001; [36 p.]. Available from: http://www.unicef-icdc.org/publications/pdf/repcard3e.pdf

6. Blank D. Manual de Acidentes e Intoxicações na Infância e Adolescência. Sociedade Brasileira de Pediatria. Comitê de Acidentes. Rio de Janeiro: Schering-Plough; 1994.

7. Committee on Injury and Poison Prevention, American Academy of Pediatrics. Injury Prevention and Control for Children and Youth. 3rd ed. Elk Grove Village, IL: AAP; 1997.

8. Waksman RD, Gikas RMC. Série Atualizações Pediátricas. Segurança na Infância e Adolescência. Sociedade de Pediatria de São Paulo. Departamento de Segurança da Criança e do Adolescente.São Paulo: Atheneu; 2003.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Fev 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2004
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