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Atendimento ambulatorial individualizado versus programa de educação em grupo: qual oferece mais mudança de hábitos alimentares e de atividade física em crianças obesas?

Resumos

OBJETIVO: Comparar duas estratégias de manejo da obesidade infantil: atendimento ambulatorial (individual) e programa de educação (em grupo). MÉTODO: Foram recrutados aleatoriamente crianças e adolescentes de 7 a 13 anos de idade, divididos em dois grupos: atendimento individual e atendimento em grupo. Foi criado um programa de educação em obesidade infantil, com encontros mensais que consistiam em aulas expositivas com a participação dos pais e trabalhos em grupos. Simultaneamente, o outro grupo era acompanhado individualmente em ambulatório. O acompanhamento ocorreu por 6 meses, sendo avaliados composição corporal, hábitos alimentares e atividade física, antes e depois das intervenções. RESULTADOS: A amostra foi constituída por 38 crianças e adolescentes com média de idade de 9,9 anos. O programa foi mais efetivo no aumento da atividade física (p = 0,003), especialmente caminhadas (p = 0,003), e na redução do colesterol total (p = 0,038). A redução do índice de massa corporal, do índice de obesidade e do consumo energético foi semelhante para os dois grupos. Quanto aos hábitos alimentares, o grupo acompanhado em ambulatório aumentou o consumo de frutas (p = 0,033) e hortaliças (p = 0,002) e reduziu o de salgadinho e batata frita (p = 0,041), enquanto o grupo que participou do programa reduziu o consumo de refrigerantes (p = 0,022), sanduíches, pizza e fast food (p = 0,006). CONCLUSÕES: Ambas as estratégias de manejo da obesidade infantil foram favoráveis a mudanças de hábitos alimentares e de atividade física. O atendimento em grupo, em um programa de educação em nutrição e saúde, foi tão ou mais efetivo que o atendimento individualizado em um ambulatório de referência, firmando-se como alternativa de tratamento à obesidade.

Obesidade; educação em saúde; hábitos alimentares


OBJECTIVE: To compare two strategies for childhood obesity management: ambulatory assistance (individual) and educational program (in group). METHOD: Children and adolescents from 7 to 13 years of age were selected at random. They were divided into two groups: individually assisted or assisted in groups. An educational program about childhood obesity was created, with monthly meetings that consisted of lectures with parents' participation and group work. Simultaneously, children and teenagers of the other group received individual ambulatory assistance. The program took place for six months. Body complexion, eating habits and physical activities were assessed before and after interventions. RESULTS: The sample comprised 38 children and adolescents whose mean age was 9.9 years old. The program was more effective in increasing physical activity (P=0,003), specially walking (p = 0.003), as well as in reducing total cholesterol (p = 0.038). Reduction of body mass index, obesity index and caloric intake was similar in both groups. As for food habits, ambulatory assistance increased the intake of fruits (p = 0.033) and vegetables (p = 0.002) and reduced the amount of French fries and crisps (p = 0.041), while children participating in the program reduced the intake of soft drinks (p = 0.022), sandwiches, pizza and fast food (p = 0.006). CONCLUSIONS: Both strategies for handling childhood obesity were favorable to changes in food and physical activity habits. Group assistance was as effective as the individual assistance, consolidating as an alternative for the obesity treatment.

Obesity; health education; food habits


ARTIGO ORIGINAL

Atendimento ambulatorial individualizado versus programa de educação em grupo: qual oferece mais mudança de hábitos alimentares e de atividade física em crianças obesas?

Elza D. de MelloI; Vivian C. LuftII; Flavia MeyerIII

IDoutora em Pediatria. Professora adjunta, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAMED/UFRGS), Porto Alegre, RS

IIAcadêmica de Nutrição, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAMED/UFRGS), Porto Alegre, RS. Aluna voluntária do Programa de Iniciação Científica, PROPESQ/Pró-Reitoria de Pesquisa, UFRGS

IIIDoutora em Medicina do Exercício pela McMaster University. Professora adjunta da Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS

Endereço para correspondência Endereeço para correspondência Elza Daniel de Mello Rua Passo da Taquara, 1414 CEP 91787-731 Porto Alegre - RS Fone: (51) 9982.7448 E-mail: emello@hcpa.ufrgs.br

RESUMO

OBJETIVO: Comparar duas estratégias de manejo da obesidade infantil: atendimento ambulatorial (individual) e programa de educação (em grupo).

MÉTODO: Foram recrutados aleatoriamente crianças e adolescentes de 7 a 13 anos de idade, divididos em dois grupos: atendimento individual e atendimento em grupo. Foi criado um programa de educação em obesidade infantil, com encontros mensais que consistiam em aulas expositivas com a participação dos pais e trabalhos em grupos. Simultaneamente, o outro grupo era acompanhado individualmente em ambulatório. O acompanhamento ocorreu por 6 meses, sendo avaliados composição corporal, hábitos alimentares e atividade física, antes e depois das intervenções.

RESULTADOS: A amostra foi constituída por 38 crianças e adolescentes com média de idade de 9,9 anos. O programa foi mais efetivo no aumento da atividade física (p = 0,003), especialmente caminhadas (p = 0,003), e na redução do colesterol total (p = 0,038). A redução do índice de massa corporal, do índice de obesidade e do consumo energético foi semelhante para os dois grupos. Quanto aos hábitos alimentares, o grupo acompanhado em ambulatório aumentou o consumo de frutas (p = 0,033) e hortaliças (p = 0,002) e reduziu o de salgadinho e batata frita (p = 0,041), enquanto o grupo que participou do programa reduziu o consumo de refrigerantes (p = 0,022), sanduíches, pizza e fast food (p = 0,006).

CONCLUSÕES: Ambas as estratégias de manejo da obesidade infantil foram favoráveis a mudanças de hábitos alimentares e de atividade física. O atendimento em grupo, em um programa de educação em nutrição e saúde, foi tão ou mais efetivo que o atendimento individualizado em um ambulatório de referência, firmando-se como alternativa de tratamento à obesidade.

Palavras-chave: Obesidade, educação em saúde, hábitos alimentares.

Introdução

A obesidade é um traço complexo e multifatorial que envolve a interação de influências metabólicas, fisiológicas, comportamentais e sociais. Entre os fatores ambientais, pode-se citar hábitos alimentares inadequados e sedentarismo.

Freedman et al. demonstraram a tendência de aumento de peso entre crianças num período de 20 anos, já valorizando a necessidade de intervenção1. A prevalência nacional de sobrepeso em crianças e adolescentes de 6 a 18 anos verificada pela Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde em 1996 foi de 13,9%. O aumento de sobrepeso e obesidade é observado mundialmente, fato abordado por Wang et al., que compararam resultados de diferentes países nas últimas décadas2.

Sobrepeso e obesidade são importantes preocupações em saúde pública devido, principalmente, à sua associação com aumento de risco para hipertensão arterial sistêmica, anormalidades lipídicas, diabetes melito e doença coronariana3-5. A obesidade é um problema clínico comum e complexo, fonte importante de frustração para profissionais da saúde e pacientes e, sobretudo, um grande desafio terapêutico6.

São poucos os centros de prevenção e tratamento da obesidade, especialmente infantil. A responsabilidade do pediatra na prevenção e no tratamento é de enorme importância, já que a prevenção envolve condutas de dieta saudável desde o primeiro ano de vida, e o tratamento, manejo da família e ausência de medicamentos liberados. Qualquer manejo da obesidade deve constar de promoção da manutenção ou perda de peso, tratamento das co-morbidades e prevenção de ganho ponderal futuro7,8.

Não há dúvidas de que diminuição da ingestão calórica e aumento da atividade física são estratégias que determinam diminuição de peso9,10. No entanto, o tratamento da obesidade infantil não é uma tarefa fácil. Hábitos inadequados, presentes no âmbito familiar, são ponto central na abordagem terapêutica11.

Programas educacionais inovadores, planejados para ampliar o conhecimento da criança sobre nutrição e saúde, bem como para influenciar de modo positivo a qualidade da alimentação e a atividade física, já foram desenvolvidos12-14. No entanto, estudos sobre sua efetividade ainda são escassos. Ainda assim, tudo indica que estratégias que visam à redução do sedentarismo são úteis15. O tratamento empregado nos programas varia bastante: inclui intervenções de grupo ou individuais, com ou sem supervisão médica, terapia familiar, comportamental ou cognitiva e prescrição farmacológica, de modo que esses são aspectos que podem ser considerados importantes até que se obtenha consenso nas conclusões sobre efetividade16. Alguns programas descritos anteriormente são desenvolvidos com tratamento continuado e intenso, sendo necessário incentivo para que os indivíduos participem semanalmente e mesmo várias vezes por semana, o que restringe sua aplicabilidade na prática17,18.

Aspectos apontados por Barlow & Dietz19 direcionam o tratamento da obesidade para alterações de comportamento, indicando que os programas devem instituir mudanças permanentes, e não dietas a curto prazo ou programas de exercício destinados à rápida perda de peso. O manejo deve ajudar a família a fazer pequenas e graduais mudanças.

Frente à magnitude do problema, justifica-se o desenvolvimento de estratégias mais abrangentes, eficazes e que possam ser úteis em impedir um aumento ainda maior dos índices de obesidade observados. O objetivo deste estudo foi, então, comparar um programa de educação em obesidade infantil (que pudesse ser aplicado por qualquer profissional da saúde) com o atendimento ambulatorial para manejo de obesidade infantil no que diz respeito a mudanças de hábitos alimentares e de atividade física.

Métodos

Foi realizado um ensaio clínico randomizado com crianças e adolescentes de 7 a 13 anos de idade incompletos, de ambos os sexos, residentes e naturais do Estado do Rio Grande do Sul, que procuraram o Serviço de Pediatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, respondendo a um chamado em jornais de grande circulação. Os critérios de inclusão foram índice de massa corporal (IMC) indicativo de obesidade, segundo Cole et al.20, possibilidade de comparecer mensalmente, por oito vezes, com pais e/ou responsáveis que residissem na mesma casa. Não foram incluídas crianças portadoras de doença crônica (definidas como aquelas que necessitam terapêutica de uso contínuo), com doença mental ou psicológica que interferisse na compreensão, ou em caso de recusa ao termo de consentimento informado. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Todos os indivíduos que responderam ao chamamento foram orientados quanto ao estudo – manejo da obesidade infantil – sem se especificar os dois tipos de atendimento: ambulatorial e programa de educação em obesidade infantil. Após, os sujeitos foram alocados para um dos dois grupos, por sorteio, até ser atingido o tamanho amostral estipulado.

Na primeira visita, todos os sujeitos foram submetidos a avaliação física e entrevistados quanto a hábitos de atividade física e ingestão alimentar. Na última visita, depois de 6 meses de participação nos grupos, todas as crianças e adolescentes foram novamente submetidos às avaliações e questionários iniciais. Todos os assistentes da pesquisa foram previamente orientados para a aplicação dos questionários. A avaliação da composição corporal foi realizada por um mesmo assistente de pesquisa previamente preparado. Os instrumentos da pesquisa foram anteriormente aplicados, pelo pesquisador responsável, em 25 crianças e adolescentes na faixa etária estudada para avaliação de sua adequação.

O atendimento ambulatorial foi realizado no ambulatório de suporte nutricional pediátrico já existente no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sob a orientação do pesquisador responsável. Para essas crianças e adolescentes, foi assegurada uma consulta mensal, quando eram pesadas e medidas e orientadas quanto ao manejo da alimentação e aumento da atividade física. Cada sujeito recebeu um manual onde eram abordados os aspectos principais do atendimento e anotadas as orientações. O atendimento foi realizado por três assistentes de pesquisa preparados quanto ao modo de atendimento e que podiam dirigir-se ao orientador do ambulatório sempre que necessário.

O programa constou de encontros mensais com aula expositiva de 45 minutos. Cada aula foi ministrada por um assistente de pesquisa orientado quanto à postura e forma de exposição. As aulas foram preparadas pelo assistente de pesquisa e pelo pesquisador responsável e tinham abordagem prática. Após a aula, crianças e adolescentes eram divididos em quatro grupos fixos, de acordo com sexo e idade, e tinham atividades individualizadas (revisão da aula e do compromisso do encontro anterior, realização de uma tarefa relacionada com o assunto da aula, planejamento dos objetivos para serem cumpridos no mês seguinte e atividade livre), monitorados por um mesmo assistente de pesquisa. Os pais e/ou responsáveis eram agrupados para discutir suas dificuldades e maneiras de alterar hábitos alimentares, também com um assistente de pesquisa e com o pesquisador responsável. O programa compreendeu seis encontros, além do primeiro e do último, quando foram aplicados os instrumentos de avaliação. Os assuntos abordados foram os seguintes: o que é obesidade e suas complicações; alimentos e pirâmide alimentar; substituições e formas de preparo de alimentos; como ficar mais ativo; aspectos comportamentais, posturais e de auto-estima; e como manter os hábitos saudáveis sugeridos.

A avaliação física tinha como objetivo classificar a maturidade sexual e realizar avaliação antropométrica: peso, estatura, IMC e índice de obesidade (IO, peso atual/peso esperado para o percentil 50/altura atual/altura esperada para o percentil 50 x 100)21.

O questionário referente à atividade física foi dirigido aos sujeitos e pais e/ou responsáveis. Foi realizada uma adaptação de questionários existentes para crianças e adolescentes, em relação ao meio e à idade22,23, sendo utilizados relatos rápidos para a análise de aspectos da prática desportiva.

O hábito alimentar foi avaliado pelo registro da ingestão alimentar (24 horas) da criança ou adolescente, onde eram listados alimentos, tipos de preparações e quantidades ingeridas no dia anterior à consulta24. Também foi registrado o hábito geral de ingerir certos alimentos: leite, carne, frutas, hortaliças, pães, doces, sanduíches, bolachas, salgadinhos, batata frita, pizza e outros. Esse método objetiva a quantificação do consumo de alimentos em um período. Foi utilizada a freqüência mensal de ingestão de cada alimento25. Para tanto, foram detalhadas e fotografadas anteriormente as porções dos alimentos questionados para uma melhor precisão da informação obtida. Os dois tipos de registro são sujeitos a falhas, e ambos se complementam25-27. Para a realização do cálculo das calorias da dieta, foi utilizado programa padrão de cálculo de dietas do Serviço de Nutrição e Dietética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. As proporções relativas de ingestão de calorias foram calculadas pela diferença entre o consumido e o esperado para aquela idade e sexo.

Inicialmente foi avaliado o comportamento individual das variáveis basais e finais para os dois grupos. As variáveis quantitativas foram analisadas pelo teste t de Student. Quando as suposições do teste não foram atendidas, foram utilizados os testes não-paramétricos de Mann-Whitney e Wilcoxon. Após, foram avaliados os principais desfechos ajustados pelas variáveis basais através da análise de covariância. Para as variáveis qualitativas, utilizou-se o teste exato de Fisher e verificou-se a diferença entre o antes e o depois com o teste de McNemar. Para comparar a eficiência entre as duas intervenções (ambulatório e programa), foi realizada comparação entre as incidências de desfechos positivos para os dois grupos através do cálculo do risco relativo, considerando o grupo ambulatório como referência base. Para as variáveis com significância estatística (p < 0,05), também foi calculado o número dos que necessitam tratamento (NNT). Para tanto, as variáveis foram analisadas de forma dicotômica, sendo eleitos como desfechos positivos: redução do IMC, do IO, do colesterol total, dos triglicerídeos e do consumo energético e aumento da prática desportiva e da fração HDL-colesterol. Também foi considerado positiva a não-piora dos valores iniciais, ou seja, sua manutenção. Para avaliar os resultados, foi considerada uma significância de 5%28-31.

Resultados

Das 66 crianças e adolescentes que responderam ao chamado, 28 (14 por grupo) não prosseguiram a partir do segundo encontro por: dificuldades dos pais e/ou responsáveis em comparecer, não-comprometimento nas combinações por parte das crianças e adolescentes, pelo entendimento de que a proposta fosse algo mais "mágico" e/ou pela não-disponibilidade dos pais em mudar hábitos. Quando comparadas as características demográficas e o IMC dos desistentes às dos 38 que consistiram o grupo, não foram identificadas diferenças significativas.

As crianças e adolescentes acompanhados tinham em média 9,9±1,5 (7,6-12,5) anos de idade, e 57,9% (22) eram do sexo masculino. Segundo relatos obtidos por entrevista, 28,9% (11) eram filhos únicos, 57,9% contavam com renda familiar de até seis salários mínimos, 50% (19) já haviam realizado dieta para emagrecimento e 71,1% (27) tinham ao menos um familiar com obesidade, sendo 39,5% (15) dos pais obesos.

Quando comparados os dois grupos em estudo – ambulatório e programa – quanto à ocorrência inicial das variáveis, não foram observadas diferenças no que se refere a idade, sexo, obesidade familiar, realização de dieta anteriormente, IMC, IO, colesterol, triglicerídeos, hábitos de jogar futebol, assistir televisão e jogar video game, sentir-se sedentário, considerar sua alimentação ruim e comer entre as refeições (p > 0,05). A prática desportiva em geral (p = 0,027), aos finais de semana (p = 0,022) e caminhadas (p = 0,004) eram mais freqüentes no grupo ambulatório.

Após a intervenção, analisando os sujeitos do grupo ambulatório, foi verificada redução no sedentarismo (p = 0,046). As demais variáveis mantiveram-se estáveis ou com melhorias, ainda que sem significância estatística (Tabela 1).

Nos indivíduos do grupo programa, foi verificado aumento na prática desportiva (p = 0,004), na freqüência de caminhada (p = 0,019) e em atividades de fim de semana (p = 0,033). Houve redução no IO (p = 0,038) e no colesterol total (p = 0,003). Tendências de aumento na prática de futebol (p = 0,068) e na fração HDL-colesterol (p = 0,060) e de redução no sedentarismo (p = 0,052) também foram observadas. Valores de IMC e triglicerídeos, auto-avaliação de ter uma alimentação ruim e a ingestão de lanches entre as refeições tiveram redução percentual, porém sem significância estatística (p > 0,05). As demais variáveis mantiveram-se estáveis (Tabela 1).

Quando comparadas as mudanças por grupo de alocação (Tabela 1), foi verificado que, no grupo programa, houve aumento significativamente maior na atividade física (p = 0,003) e na prática de caminhadas (p = 0,003). Também foi verificado que esse grupo apresentou uma tendência de maior aumento na prática do futebol (p = 0,068) e da atividade física nos finais de semana (p = 0,059). O grupo ambulatório, por sua vez, passou a sentir-se menos sedentário (p = 0,008) e indicou tendência a maior redução no consumo de lanches entre as refeições (p = 0,058). Nas demais variáveis, não foi observada diferença estatística (p > 0,05).

Comparando as incidências dos desfechos dicotômicos (Tabela 2), foi identificado que o grupo programa apresentou efeitos de magnitude semelhante ao atendimento individual (grupo ambulatório), exceto para redução da colesterolemia, onde apresentou vantagem significativa. O grupo programa foi 42,5% mais efetivo em reduzir o colesterol total. Com o cálculo da redução absoluta de risco (RAR), estima-se que a cada 100 crianças e adolescentes submetidos ao programa, 73 apresentarão redução no colesterol total (RAR = 72,25/100 crianças e adolescentes), de modo que, a cada dois sujeitos submetidos ao programa, um irá reduzir o colesterol total em 6 meses (NNT = 1,38). Nas demais variáveis, não foi verificada diferença entre as duas intervenções.

Ao início do estudo, o consumo alimentar – estimado pela análise de freqüência – foi semelhante nos dois grupos. Após as intervenções, verificou-se que o consumo de frutas (p = 0,033) e hortaliças (p = 0,002) aumentou significativamente no grupo ambulatório. Nesse mesmo grupo, os sujeitos passaram a comer menos feijão (p = 0,010) e salgadinho + batata frita (0,024). No grupo programa, o consumo de refrigerante reduziu (p = 0,022), com tendência de aumento no consumo de água (p = 0,064), e as crianças e adolescentes passaram a comer menos sanduíche + bauru (p = 0,022), sanduíche + bauru + pizza (p = 0,025), sanduíche + bauru + pizza + fast food (p = 0,006) (Tabela 3).

Discussão

Programas de educação planejados para ampliar o conhecimento da criança e do adolescente sobre nutrição e saúde, bem como para influenciar de modo positivo a dieta e a atividade física, surgem como proposta no manejo da obesidade infantil14,16. Este estudo mostrou que um programa educativo, que pode ser ministrado por qualquer profissional da saúde, em qualquer local, não se revelou menos efetivo que o atendimento tradicional individualizado à obesidade infantil, e ainda apontou algumas vantagens. O programa apresentou incidência de redução nos índices de composição corporal e consumo calórico semelhante ao atendimento individual em ambulatório. Entretanto, foi mais efetivo em reduzir a colesterolemia no cálculo de RAR. Esse é um achado alentador em saúde pública, já que obesidade e dislipidemia estão associadas a um maior risco para doenças crônicas, arteriosclerose e cardiopatias3-5.

O tamanho amostral pode, de fato, ter sido uma limitação deste estudo, comprometendo a afirmação de seus resultados. No entanto, a iniciativa proposta surge como alternativa potencial no tratamento da obesidade, ainda que seu impacto, comparado ao tratamento convencional, não possa ser totalmente estabelecido.

O período de intervenção de 6 meses pode ser considerado pequeno para que se obtenha grandes resultados no tratamento da obesidade infantil. É por essa razão que tendências de melhora de hábitos de atividade física e alimentação, além dos níveis lipídicos e dos índices de composição corporal, são resultados que podem ser valorizados.

Os programas de tratamento de crianças e adolescentes com sobrepeso que envolvem atividade física rigorosa demonstram benefício significativo na obtenção da perda de peso, mas não duradouro16. Já foi verificado que a atividade física incorporada como estilo de vida, ou seja, na realização de atividades diárias, assim como iniciativas que reforçam a redução de comportamentos sedentários, potencializam os efeitos da perda de peso16. O programa de educação, realizado em grupo, conferiu maior aumento da atividade física global, inclusive em finais de semana, com tendência à redução do percentual de crianças e adolescentes que se sentiam sedentários. Nessa idade, isso é extremamente positivo, já que a aquisição de hábitos saudáveis pode ser mantida no decorrer da vida.

Há aproximadamente duas décadas, Epstein et al. avaliaram o efeito da atividade física incorporada ao estilo de vida comparada a exercícios aeróbicos estruturados. Ambas as intervenções reduziram peso após 12 meses de atividade. No entanto, após 2 anos, o grupo que trabalhou estilo de vida apresentou significativamente menor percentual de sobrepeso, mantendo a mudança relativa alcançada, enquanto o grupo que havia sido submetido a exercícios sistemáticos retomou seus índices iniciais32. Mais recentemente, o mesmo autor, ao comparar o efeito de estratégias de redução de comportamentos sedentários e de regimes de atividade física intensa de 10 e 20 horas, verificou reduções semelhantes no percentual de sobrepeso, não havendo diferenças significativas33. Os esforços para reduzir a inatividade frente ao televisor, video game e jogos de computador parecem produzir efeito positivo, já que as horas gastas assistindo televisão estão correlacionadas à obesidade34. Esse hábito foi bem observado no presente estudo e não mudou com a intervenção, podendo significar que, para tanto, seja necessário proporcionar outras atividades às crianças.

Além de favorecer melhor aptidão física e socialização, o que pode vir a facilitar a adesão ao tratamento, a atividade física também pode contribuir para motivar a escolha por alimentos menos calóricos9. Schwingshandl et al., em 1999, verificaram que, após 3 meses, crianças e adolescentes que se submeteram a treinamento físico juntamente ao aconselhamento dietético tiveram, significativamente, maior alteração de massa corporal do que o grupo que recebeu somente orientação dietática35. A redução do consumo de alimentos mais calóricos, fontes de gordura e carboidratos, que extrapolam uma alimentação diária saudável, foi um dos objetivos do programa, que alcançou bons resultados após a intervenção. A redução do consumo de refrigerantes foi mais evidente no grupo do programa, com tendência a maior ingestão de água. Essa redução é importante na medida em que a alta ingestão habitual de refrigerantes pode constituir a principal fonte de açúcar simples da dieta, agregando conseqüente impacto calórico36.

A adesão a propostas de manejo da obesidade infantil é baixa37, constituindo uma das grandes dificuldades para o tratamento38. Este fato foi observado no presente estudo. O achado de que 50% das crianças e adolescentes já haviam realizado dieta para emagrecer em algum momento de suas vidas aponta o freqüente insucesso obtido nas tentativas de redução da obesidade. A realização de dietas prévias a um tratamento foi recentemente apontada como fator preditivo de baixa adesão39. Esta talvez possa ser uma razão que limita a motivação para iniciar um tratamento que, já como proposta, não promete um corpo magro em curto prazo.

O ambiente familiar é um fator importante no manejo da obesidade infantil40. No presente estudo, foi verificado que 71,1% das crianças e adolescentes tinham a obesidade presente na família, sendo 39,5% dos pais obesos. Já foi descrito que crianças com pais obesos tendem a apresentar piores resultados ao tratamento39. Portanto, a inclusão da família no manejo da obesidade, como proporcionado no programa de educação, parece ser uma iniciativa coerente.

Embora obesidade seja doença, ela continua subestimada como tal. Polanczyk et al.41, em um estudo realizado em Porto Alegre, concluíram que os indivíduos obesos não tinham consciência dos efeitos adversos da obesidade para a saúde. Esse fato pode ser um fator que torna o manejo da obesidade ainda mais difícil. Por essa razão, iniciativas de educação em nutrição e saúde e de manejo da obesidade são propostas que potencialmente apresentam benefícios.

É necessário inovar de forma eficaz e prática no manejo da obesidade infantil, uma doença crônica epidêmica e em cujo tratamento o sistema de saúde atual vem apresentando dificuldades. Medidas básicas de controle e modificação de hábitos de vida podem e devem ser instituídas o mais precocemente possível. A cooperação de todos os familiares com a criança é de fundamental importância. A principal meta é tentar fazer com que crianças e adolescentes aprendam sobre hábitos saudáveis para que, com o tempo, possam mudá-los e, conseqüentemente, alterem sua composição corporal18.

Bons resultados podem ser alcançados em uma intervenção que, por ser realizada em grupo, pode beneficiar um maior número de sujeitos por profissional envolvido em um mesmo atendimento.

Artigo submetido em 08.10.03, aceito em 22.09.04

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  • Endereeço para correspondência
    Elza Daniel de Mello
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      08 Out 2003
    • Aceito
      22 Set 2004
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