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Diferentes dispositivos inalatórios na crise aguda de asma: um estudo randomizado, duplo-cego e controlado com placebo

Resumos

OBJETIVO: Verificar a eficácia, eventos adversos e custo do tratamento da crise aguda de asma, utilizando diferentes dispositivos inalatórios. MÉTODOS: Estudo randomizado, duplo-cego e controlado com placebo. Foi utilizado salbutamol em nebulizador, inalador dosimetrado com espaçadores industrial e artesanal e inalador em pó. As avaliações foram feitas em 0, 20, 40 e 60 minutos, seguidas da aplicação de salbutamol e placebo em outro dispositivo. Foram avaliadas 40 crianças em crise aguda de asma, com média de idade = 11±3,5 anos. Utilizou-se escore clínico e função pulmonar, e foram verificados eventos adversos. Foram calculados gastos com o medicamento e o dispositivo inalatório. RESULTADOS: O escore clínico e a variação no volume expiratório forçado no primeiro segundo foram semelhantes entre os grupos ao final do estudo. Foi encontrada uma variação maior na freqüência cardíaca com o uso de nebulizador (35%) do que nos grupos que fizeram uso do espaçador industrial (15%) e do inalador em pó (17%), e também entre os espaçadores artesanal e industrial, 28 e 15%, respectivamente (p = 0,004). O nebulizador e o espaçador artesanal provocaram mais tremores (p = 0,02). O custo do tratamento por paciente foi maior nos grupos nebulizador e espaçador industrial, R$ 22,31 e R$ 16,58, respectivamente (p = 0,0001). CONCLUSÕES: O nebulizador foi o mais caro e consumiu mais droga para apresentar a mesma eficácia. O espaçador artesanal foi o mais barato. No entanto, apresentou mais eventos adversos do que o espaçador industrial e o inalador em pó. O espaçador industrial foi tão caro quanto o nebulizador, porém mais seguro. O inalador em pó foi mais barato e apresentou menos tremores, mas taquicardia semelhante ao espaçador artesanal.

Nebulizadores; inaladores dosimetrados; espaçadores de inalação; espaçador artesanal; criança


OBJECTIVE: To verify the efficacy, side effects, and cost of treatment of acute asthma attacks, using different inhaler devices. METHODS: This is a randomized, double-blind, placebo-controlled study. Salbutamol was administered via a nebulizer, a metered-dose inhaler (attached to a commercially available spacer device), a homemade non-valved spacer device, or a dry powder inhaler. Assessments were made at zero, 20, 40 and 60 minutes, followed by the application of salbutamol and placebo with another device. Forty children (mean age of 11±3.5 years) with acute asthma attacks, were evaluated. Clinical score, forced expiratory volume in one second and side effects were analyzed. The costs for medication and spacer devices were calculated. RESULTS: There is no difference between groups regarding clinical score and variation of forced expiratory volume in one second. There was a major variation in the heart rate response to the nebulizer (35%) compared to the commercially available spacer and dry powder inhaler (15 and 17%) and between the homemade spacer and the commercially available spacer (28 and 15%) (p = 0.004). The nebulizer and homemade spacer caused more tremor (p = 0.02). The cost of treatment was higher for the nebulizer and commercially available spacer (p = 0.0001). CONCLUSIONS: The nebulizer was more expensive and used more medicine, showing the same efficiency. The homemade spacer was cheaper, but presented more side effects. The commercially available spacer was as expensive as the nebulizer, although safer. The dry powder inhaler was cheaper, but, just as the homemade spacer, it also caused tachycardia.

Nebulizers; metered-dose inhalers; inhalation spacers; homemade spacer; child


ARTIGO ORIGINAL

Diferentes dispositivos inalatórios na crise aguda de asma: um estudo randomizado, duplo-cego e controlado com placebo

Herberto J. Chong NetoI; Débora C. Chong-SilvaII; Daniele M. MaraniIII; Flávia KurodaIII; Márcia OlandoskyIV; Lúcia de NoronhaV

IEspecialista em Alergia e Imunologia Pediátrica. Mestrando em Ciências da Saúde, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR

IIEspecialista em Pneumologia Pediátrica, PUCPR, Curitiba, PR

IIIAcadêmica de Medicina, PUCPR, Curitiba, PR

IVMestre. Professora adjunta, PUCPR, Curitiba, PR

VDoutora. Professora adjunta, PUCPR, Curitiba, PR

Correspondência Correspondência Herberto José Chong Neto Av. República Argentina, 2964, Portão CEP 80610-260 – Curitiba, PR Tel./Fax: (41) 345.4800 E-mail: hchong@brturbo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a eficácia, eventos adversos e custo do tratamento da crise aguda de asma, utilizando diferentes dispositivos inalatórios.

MÉTODOS: Estudo randomizado, duplo-cego e controlado com placebo. Foi utilizado salbutamol em nebulizador, inalador dosimetrado com espaçadores industrial e artesanal e inalador em pó. As avaliações foram feitas em 0, 20, 40 e 60 minutos, seguidas da aplicação de salbutamol e placebo em outro dispositivo. Foram avaliadas 40 crianças em crise aguda de asma, com média de idade = 11±3,5 anos. Utilizou-se escore clínico e função pulmonar, e foram verificados eventos adversos. Foram calculados gastos com o medicamento e o dispositivo inalatório.

RESULTADOS: O escore clínico e a variação no volume expiratório forçado no primeiro segundo foram semelhantes entre os grupos ao final do estudo. Foi encontrada uma variação maior na freqüência cardíaca com o uso de nebulizador (35%) do que nos grupos que fizeram uso do espaçador industrial (15%) e do inalador em pó (17%), e também entre os espaçadores artesanal e industrial, 28 e 15%, respectivamente (p = 0,004). O nebulizador e o espaçador artesanal provocaram mais tremores (p = 0,02). O custo do tratamento por paciente foi maior nos grupos nebulizador e espaçador industrial, R$ 22,31 e R$ 16,58, respectivamente (p = 0,0001).

CONCLUSÕES: O nebulizador foi o mais caro e consumiu mais droga para apresentar a mesma eficácia. O espaçador artesanal foi o mais barato. No entanto, apresentou mais eventos adversos do que o espaçador industrial e o inalador em pó. O espaçador industrial foi tão caro quanto o nebulizador, porém mais seguro. O inalador em pó foi mais barato e apresentou menos tremores, mas taquicardia semelhante ao espaçador artesanal.

Palavras-chave: Nebulizadores, inaladores dosimetrados, espaçadores de inalação, espaçador artesanal, criança.

Introdução

Os b2-agonistas adrenérgicos de curta ação são os principais fármacos no tratamento da crise aguda de asma, e a melhor maneira de administrá-los é via inalatória. A escolha pelo dispositivo inalatório ideal em serviços de emergência depende da idade da criança, fatores econômicos e habilidade do paciente e da equipe em utilizá-lo. Os broncodilatadores inalados podem ser administrados por nebulizador de jato, inaladores dosimetrados com espaçadores e inaladores em pó.

Os nebulizadores são caros, desperdiça-se tempo no seu preparo e uso, consomem energia elétrica e têm menor aceitação entre crianças e familiares. Os inaladores dosimetrados com espaçadores são mais baratos, de fácil manuseio, não necessitam fonte de energia e depositam broncodilatadores nas vias aéreas inferiores com a mesma eficácia que os nebulizadores. Recentemente, foram lançados broncodilatadores em pó, que são mais caros, de manuseio mais fácil e eficácia semelhante aos demais dispositivos, porém necessitam de coordenação e fluxo inspiratório mínimo para o disparo da droga, sendo indicados para crianças acima de 4 ou 5 anos1,2.

Os espaçadores artesanais produzidos com garrafas de refrigerante, água mineral e até mesmo frascos vazios de soro fisiológico têm sido utilizados como alternativa à compra de espaçadores industriais, com eficácia semelhante e custo inferior. Porém, esses estudos foram abertos ou sem controle com placebo3-5.

O objetivo deste estudo foi verificar a eficácia, eventos adversos e custo do tratamento da crise aguda de asma, utilizando broncodilatador em nebulizador, inalador dosimetrado com espaçadores industrial e artesanal, e inalador em pó.

Métodos

O estudo foi randomizado, duplo-cego e controlado com placebo. Foram avaliados pacientes em crise aguda de asma, com idades > 6 anos e < 18 anos (média = 11±3,5 anos), que procuraram uma Unidade de Saúde 24 Horas da Prefeitura Municipal de Curitiba para tratamento no período entre 1 de janeiro de 2004 e 30 de setembro de 2004. Foram excluídas as crianças que apresentavam história de doenças cardíacas e pulmonares que não fosse asma, escore clínico < 3, volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) menor do que 20 e maior do que 80% do predito. Tabagistas (> 10 maços/ano), crianças que utilizaram b2-agonista de curta e longa ação nas últimas 24 horas, corticosteróides nos últimos 7 dias ou que faziam uso de xantinas também foram excluídos. Todos os pacientes selecionados foram hábeis em realizar as manobras para medida de função pulmonar e de uso correto dos dispositivos inalatórios. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da PUC-PR, e foi obtido um consentimento livre e esclarecido de todos os pacientes. Os pacientes foram alocados em quatro grupos, por meio de um sorteio realizado após a obtenção do consentimento. As crianças retiravam um papel de um recipiente escurecido contendo os números 1, 2, 3 e 4, que identificavam o grupo sorteado. As avaliações foram realizadas em uma sala por um pesquisador "cego", enquanto as randomizações e aplicações da droga e do placebo foram realizadas em outra sala colateral por outro pesquisador com treinamento para o uso correto dos dispositivos.

O salbutamol foi utilizado em diferentes dispositivos, de acordo com o grupo sorteado (1, 2, 3 ou 4) e da seguinte forma:

1) Grupo nebulizador (NEB): salbutamol solução para nebulização (Aerolin®, Glaxo Smithkline do Brasil), 0,15 mg/kg de peso (máximo de 5 mg), solução fisiológica 0,9% completando 3 ml de solução, em compressor Proneb Ultra com nebulizador Pari jet® (Pari Inc, EUA), seguido de quatro jatos de placebo com inalador dosimetrado (IDM) (Glaxo Smithkline do Brasil) + espaçador industrial (EI) Aerochamber® (Monaghan Medical Corporation, New York, EUA). Total de três nebulizações, sendo uma entre T0-T20, T20-T40 e T40-T60.

2) Grupo Inalador dosimetrado + Espaçador industrial (EI): quatro jatos de salbutamol (Aerolin®, Glaxo Smithkline do Brasil), 100 µg/jato com inspiração lenta e profunda, seguido de apnéia durante 10 segundos e intervalos de 30 segundos, associados ao EI de 145 ml (Aerochamber®), seguidos de duas aspirações com Pulvinal® placebo (Farmalab – Chiesi do Brasil). Total de 1.200 µg, sendo 400 µg entre T0-T20, T20-T40 e T40-T60.

3) Grupo Inalador dosimetrado + Espaçador artesanal não-valvulado (EA): quatro jatos de salbutamol (Aerolin®, Glaxo Smithkline do Brasil), 100 µg/jato com inspiração lenta e profunda, seguido de apnéia durante 10 segundos e intervalos de 30 segundos, com EA produzido com garrafa plástica de água mineral de 500 ml adaptado ao IDM, vedado com resina epóxi (Araldite® - Brascola LTDA. São Paulo, Brasil) e testado submerso em água, de maneira que não houvesse escape de ar nessa associação, seguidos de duas aspirações com Pulvinal® placebo (Farmalab – Chiesi do Brasil). Total de 1.200 µg, sendo 400 µg entre T0-T20, T20-T40 e T40-T60.

4) Grupo Inalador em pó (IP): duas aspirações de salbutamol Butovent Pulvinal® (Farmalab – Chiesi do Brasil), 200 µg/aspiração com inspiração lenta e profunda, seguida de apnéia durante 10 segundos e intervalo de 30 segundos, seguidos de quatro jatos de IDM placebo (Glaxo Smithkline do Brasil) + EI Aerochamber®. Total de 1.200 µg, sendo 400 µg entre T0-T20, T20-T40 e T40-T60.

O desenho do estudo é demonstrado na Figura 1.


Todos os pacientes utilizaram clipe nasal durante a aplicação da droga ativa e/ou placebo para assegurar que não houvesse escape.

Os espaçadores foram utilizados previamente ao estudo com 15 jatos de Aerolin® e lavados com detergente neutro para redução da carga eletrostática. A esterilização foi realizada com hipoclorito de sódio 1% e água, na diluição de 1:3, durante 30 minutos.

O escore clínico utilizado por Tal et al., que consiste da avaliação de freqüência respiratória, presença de sibilos, cianose, retrações torácicas e saturação transcutânea de oxigênio, foi avaliado em 0, 20, 40 e 60 minutos, variando entre 0 e 15 pontos6.

Para obtenção do VEF1, utilizou-se o monitor digital portátil Airwatch® (Enatec Health Management Systems Inc., EUA). O maior valor de três tentativas consecutivas de expiração forçada foi anotado em 0, 20, 40 e 60 minutos. Utilizou-se a porcentagem de variação do previsto do VEF1, para evitar que sofresse influência de outras variáveis.

Os eventos adversos avaliados foram taquicardia, tremores, náuseas e/ou vômitos e hipocalemia após 60 minutos.

Para o cálculo do custo direto, foi elaborada uma fórmula própria, de acordo com as circunstâncias do sistema de saúde local, pois todo o material foi adquirido pelos pesquisadores. A expressão da fórmula ficou da seguinte forma: custo = (número de doses versus valor da dose) + custo do dispositivo/número de pacientes.

Análise estatística

De um estudo piloto prévio com 20 crianças, determinou-se que o tamanho de amostra necessário para demonstrar diferenças significativas (p < 0,05) entre os quatro tratamentos considerados, para um incremento de 15% no VEF1 no momento da avaliação de 60 minutos, com um poder do teste de 80%, foi de 40. As variáveis quantitativas foram expressas por médias e desvios padrões, e as variáveis categóricas, por freqüências e percentuais. A comparação dos grupos em cada momento do tratamento foi feita aplicando a análise de variância, avaliando a homogeneidade das variâncias pelo teste de Cochran e a condição de normalidade pelo teste de Shapiro-Wilks. Comparações múltiplas foram feitas usando o teste de LSD. Nas comparações em que não foi possível fazer uma análise de variância, aplicou-se o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis. Em todos os testes, um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significante.

Resultados

Quarenta crianças em crise aguda de asma leve a moderada foram envolvidas e completaram o estudo. A amostra foi homogênea para idade, sexo, raça, peso, altura e gravidade da crise aguda de asma no início do estudo. Os dados de distribuição demográfica, escore clínico e porcentagem do previsto do VEF1 no início do estudo são apresentados na Tabela 1.

Houve melhora significativa do escore clínico e da porcentagem de variação do VEF1 em todos os tratamentos e em todos os tempos, não havendo diferença entre os grupos (Figuras 2 e 3). Nenhum paciente necessitou ser transferido para internação, e todos receberam alta para o domicílio com b2-agonistas e anticolinérgicos para nebulização.



O nebulizador provocou uma variação maior na freqüência cardíaca do que o espaçador industrial e o inalador em pó. O espaçador artesanal provocou maior taquicardia do que o espaçador industrial, e houve uma tendência de maior taquicardia com o uso do espaçador artesanal em relação ao inalador em pó (Figura 4). Os tremores foram mais freqüentes com o uso de nebulizador e espaçador artesanal, e vômitos surgiram em apenas uma criança que usou espaçador artesanal. A dosagem de potássio sérico foi normal em todas as crianças após 60 minutos. O custo direto do tratamento por paciente foi maior com o nebulizador e o espaçador industrial (Tabela 2).


Discussão

Estão disponíveis, comercialmente, várias opções de drogas e dispositivos inalatórios para o uso em crise aguda de asma, indicados para crianças em todas as idades pelos mais importantes consensos nacionais e internacionais. A escolha do dispositivo ideal é feita por sua disponibilidade, idade da criança e capacidade da equipe e familiares em saber utilizá-lo1,2.

Na unidade de saúde onde foi realizado o estudo, são atendidas mais de 2.000 crianças/ano com idade entre 0 e 14 anos, em crise aguda de asma, e por isso decidimos avaliar o uso dos diferentes dispositivos inalatórios nesse centro.

Apesar da existência de um amplo arsenal terapêutico e de todo o conhecimento adquirido, os nebulizadores de jato ainda predominam em nossos serviços de emergência, e pouco se pesquisou, em crianças de nosso país, como essas outras opções de administrar drogas inaladas podem ou não trazer benefício4,5.

Schuh et al., em um estudo randomizado e duplo-cego, avaliou 90 crianças em crise aguda de asma leve, com idade entre 5 e 17 anos e VEF1 inicial de 50 a 70%. Foi utilizado albuterol com nebulizador (0,15 mg/kg) e em inalador dosimetrado com Aerochamber, 200 µg e 600 a 1.000 µg. Não houve diferença significativa na variação do VEF1 entre os grupos7.

Resultado semelhante foi encontrado por Kerem et al., em outro estudo com 33 crianças em crise aguda de asma grave, idade entre 6 e 14 anos, comparando albuterol em nebulizador (0,15 mg/kg) e no inalador dosimetrado com espaçador industrial de grande volume (750 ml), 600 a 1000 µg8.

Em crianças de 2 a 24 meses e de 1 a 5 anos, também houve eficácia semelhante entre o nebulizador e o espaçador industrial com o uso de albuterol, medida através de escore clínico9,10.

Comparou-se o sulfato de terbutalina em inalador em pó e em inalador dosimetrado com espaçador industrial em um estudo randomizado e duplo-cego por Drblik et al. Foram avaliadas crianças com idade entre 6 e 16 anos em crise aguda de asma. Não foi encontrada diferença significativa na variação do VEF1 e escore clínico entre os grupos ao final do estudo11.

Zar et al. avaliou 88 crianças com idade entre 5 e 13 anos, com obstrução das vias aéreas moderada a grave. Foi utilizado fenoterol em inalador dosimetrado com Aerochamber®, garrafa plástica de 500 ml vedada com cola, garrafa plástica de 500 ml não vedada e copo plástico de 200 ml. Houve melhora significativa na função pulmonar com o uso de espaçador industrial e garrafa plástica vedada com cola em relação à garrafa não vedada e ao copo plástico3.

Em outro estudo com crianças em crise aguda de asma, utilizando salbutamol em nebulizador e inalador dosimetrado com garrafa plástica de água mineral não valvulada e não vedada, Duarte & Camargos não encontraram diferença na avaliação de escore clínico e função pulmonar desses pacientes4.

Neste estudo, em escolares e adolescentes em crise aguda de asma leve a moderada, a eficácia medida por escore clínico e porcentagem de variação do VEF1 foi semelhante em todos os tempos com o uso de nebulizador, inalador dosimetrado com espaçador industrial e artesanal, e inalador em pó.

Alguns consensos sugerem o uso de salbutamol, de dois a quatro jatos, em inalador dosimetrado a cada 10 a 20 minutos, ou 0,15 mg/kg/dose em solução para nebulização a cada 20 minutos, na primeira hora de tratamento da crise aguda de asma em pediatria1,2.

Amirav & Newhouse, em uma meta-análise de estudos randomizados, avaliou o uso de diferentes dispositivos inalatórios em crianças em crise aguda de asma hospitalizadas ou nos serviços de emergência, demonstrando melhora clínica e de função pulmonar com os broncodilatadores variando em proporções de 1:1 até 1:6,912.

Em uma revisão sistemática de estudos randomizados e controlados com o uso de b2-agonistas para crise aguda de asma, Ram et al. encontraram 64 estudos utilizando salbutamol com doses variando entre 100 µg e 4.200 µg, 15 estudos com terbutalina com doses variando entre 0,25 mg e 4 mg, e cinco estudos com fenoterol com doses entre 200 µg e 600 µg. Desses 84 estudos, 13 foram realizados em crianças13.

Neste estudo, foi utilizada uma dose cumulativa superior de salbutamol com nebulizador (12,5 vezes) em relação aos outros dispositivos para atingir a mesma eficácia, fato que não nos surpreendeu, visto que, na literatura, os broncodilatadores promoveram a mesma eficácia utilizando proporções variadas em nebulizadores em relação a outros dispositivos12,13.

Nos estudos de Kerem et al. e Schuh et al., os nebulizadores provocaram uma variação maior da freqüência cardíaca do que os inaladores dosimetrados com espaçadores7,8.

No estudo de Drblik et al., a terbutalina em inalador em pó promoveu variação da freqüência cardíaca semelhante à utilizada em inalador dosimetrado com espaçador11.

Zar et al., comparando espaçador industrial com espaçadores artesanais, não encontrou diferença no índice de eventos adversos provocados3.

Na avaliação de Duarte & Camargos, foram encontrados eventos adversos em 17% das crianças que utilizaram nebulizador e em 4% dos pacientes que usaram espaçador artesanal, sendo esse estudo randomizado, porém aberto4.

Nesta avaliação, crianças dos grupos NEB, EA e IP apresentaram maior variação na freqüência cardíaca do que as do grupo EI. Os tremores foram mais freqüentes em NEB e EA do que nos grupos EI e IP, fato contrário à literatura, possivelmente devido à maior deposição do broncodilatador em orofaringe e trato gastrintestinal, com conseqüente maior absorção sistêmica1. Outra hipótese é devido ao fato de que os outros estudos foram abertos ou sem controle com placebo.

Não foi encontrada hipocalemia após 60 minutos do uso de broncodilatador, resultados que devemos valorizar com cautela, pois não coletamos potássio sérico no início do estudo.

Leversha et al., calculando gastos com medicamento e dispositivo inalatório, verificou que crianças atendidas em serviço de emergência com crise aguda de asma, tendo utilizado inalador dosimetrado com espaçador, custaram NZ$ 30,60, sendo que, com a nebulização, o custo foi de NZ$ 3,5214.

Em outro estudo em adultos com crise aguda de asma, Raimondi et al. encontrou os seguintes gastos: com nove nebulizações, U$ 11,25; com inalador dosimetrado com espaçador (36 jatos), U$ 21,44; e com inalador em pó (36 cápsulas), U$ 18,72 por paciente15.

No Brasil, Vilarinho et al., utilizando nebulizador e inalador dosimetrado com espaçador artesanal, constatou que o custo do tratamento com aerossol representou 22% do custo com nebulizador, porém ambos os grupos necessitavam oxigênio inalado, o qual foi ofertado apenas às crianças que utilizaram nebulização, aumentando significativamente os gastos com o nebulizador5.

A média de custo direto do tratamento por criança foi calculada através de uma fórmula desenvolvida para este estudo, com resultado inversamente proporcional ao número de pacientes que utilizaram determinado dispositivo e diretamente proporcional ao valor do dispositivo. Para a amostra deste estudo, NEB e EI foram significativamente mais caros, porém esses gastos foram calculados apenas com droga e dispositivos, o que não traduz os custos reais dessas formas de tratamento nesta unidade. Um cálculo minucioso, inserindo drogas e dispositivos, tempo despendido para o manuseio e consumo da medicação, gastos com energia elétrica, custo da mão-de-obra e tempo de permanência no serviço de emergência deve ser realizado, para que tenhamos a noção exata do custo dos diversos tratamentos das crianças com crise aguda de asma em nosso meio, visando encontrar alternativas de eficácia semelhante e custos inferiores.

Concluímos que, para crise aguda de asma leve a moderada em escolares e adolescentes, o inalador dosimetrado com espaçador industrial é tão eficaz quanto o nebulizador, espaçador artesanal e inalador em pó, além de apresentar menos eventos adversos, porém com custo elevado. O nebulizador deve ser considerado como dispositivo de segunda linha na opção para tratar a crise aguda de asma. O inalador dosimetrado com espaçador artesanal é uma opção eficaz e de fácil aquisição por parte de pacientes e serviços de emergência, porém deve ser utilizado com cautela, pois promove mais taquicardia e tremores do que o espaçador industrial, eventos que são constantes temores dos emergencistas e familiares de asmáticos.

Agradecimentos

Os autores agradecem à toda a equipe de saúde da Unidade de Saúde 24 Horas Boa Vista, pelo empenho e dedicação à logística e colaboração na realização deste estudo.

Artigo submetido em 04.11.04, aceito em 16.03.05

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  • Correspondência

    Herberto José Chong Neto
    Av. República Argentina, 2964, Portão
    CEP 80610-260 – Curitiba, PR
    Tel./Fax: (41) 345.4800
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      16 Mar 2005
    • Recebido
      04 Nov 2004
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