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Há segurança com a nebulização de adrenalina?

CARTAS AO EDITOR

Há segurança com a nebulização de adrenalina?

Prezado Sr. Editor,

Foi com satisfação que li o artigo de revisão de Zhang & Sanguebsche1, que aborda a segurança no uso de adrenalina nebulizada em crianças com doenças respiratórias. Os autores foram objetivos quanto à concentração (1/1.000) e ao volume (3 a 5 ml) da droga, que, inclusive, aparecem no título do artigo. Porém, a dosagem diária e, provavelmente, a concentração sérica não eram uniformes, visto que, na seleção, foram incluídos três estudos com inalações únicas, enquanto as inalações foram repetidas até em curtos intervalos de tempo nos outros quatro estudos1,2. Para a avaliação de efeitos colaterais, objeto da revisão, esse aspecto confere maior respaldo às conclusões.

A preocupação com os efeitos colaterais da adrenalina é antiga e justificada pelos antecedentes clínicos e experimentais da ocorrência de efeitos graves: a extrassistolia, a fibrilação ventricular e a morte3-5. Essa seqüência eletrocardiográfica e clínica pode ocorrer em espaço de tempo muito curto2.

Frente a esses aspectos, as evidências escolhidas para basear a revisão de Zhang & Sanguebsche1 pareceram-me insuficientes para assegurar a conclusão de que a adrenalina, na forma avaliada, é sempre segura. Os autores selecionaram estudos randomizados para avaliação de diferentes efeitos colaterais1. Porém, o que tememos essencialmente é a ocorrência ocasional de algum caso de arritmia cardíaca e morte5. Esses efeitos adversos são infreqüentes, independem da freqüência cardíaca e tinham limitada possibilidade de ocorrer na amostra de apenas 238 pacientes analisados pelos autores.

As taquiarritmias e mortes determinadas por adrenalina inalatória poderiam ser evidenciadas, ainda que limitadamente, com outro tipo de busca bibliográfica - de casos isolados. A avaliação de ocorrência desses casos de arritmia e morte seria, ainda assim, bastante difícil, pela restrita utilização da adrenalina em aerossol nas últimas décadas5, pela difícil atribuição da etiopatogenia de efeito colateral cardíaco em paciente com doença aguda viral, além da limitada publicação dos casos de iatrogenia na literatura médica. A complementação na busca bibliográfica quanto à ocorrência de efeitos adversos graves poderia abranger a literatura anterior à constituição das principais bases eletrônicas, período do apogeu no uso clínico da adrenalina para doenças respiratórias3,4.

Preocupa-me, também, a implicação que a assertiva de inocuidade da ação da adrenalina poderá ter nas práticas terapêuticas habituais para as doenças respiratórias. Pode haver o uso repetido de nebulizações a curtos intervalos, prática freqüente em casos de resposta clínica insatisfatória. Como conseqüência, há elevação dos níveis séricos, que podem alcançar patamares arritmogênicos2. O mesmo resultado pode decorrer de equívocos de prescrição. Temo que a conclusão do artigo quanto à segurança no uso adrenalina possa contribuir para essas ocorrências.

Frente aos riscos potenciais com o uso da adrenalina inalatória, sugiro considerar que ainda estamos em fase de avaliação quanto à segurança da droga e que devemos ser cautelosos na indicação clínica. A droga seria recomendável em poucas situações clínicas, como em casos de crupe intenso6. A utilização em casos de bronquiolite e traqueobronquite deveria ser restrita, frente à relativa benignidade da evolução clínica desses casos.

Em síntese, a revisão teve o mérito de estimular a reavaliação do uso da adrenalina inalatória em doenças respiratórias. A ampliação da análise e a cautela na indicação clínica parecem recomendáveis.

Referências

1. Zhang L, Sanguebsche LS. Segurança de nebulização com 3 a 5 ml de adrenalina (1:1000) em crianças: uma revisão baseada em evidência. J Pediatr (Rio J). 2005;81:193-7.

2. Brock WJ, Rush GM, Trochimowicz HJ. Cardiac sensitization: methodology and interpretation in risk assessment. Regul Toxicol Pharmacol. 2003;38:78-90.

3. Galgiani JV, Proescher F, Dock W, Tainter ML. Local and systemic effects from inhalation of strong solutions of epinephrine. J Am Med Ass. 1939;112:1929-33.

4. Benson RL, Perlman F. Clinical effects of epinephrine by inhalation. J Allergy. 1948;19:129-40.

5. Beasley R, Pearce N, Crane J, Burgess C. Beta-agonists: what is the evidence that their use increases the risk of asthma morbidity and mortality? J Allergy Clin Immunol. 1990:104 Suppl:S18-30.

6. Fernandes IC, Fernandes JC, Cordeiro A, Hsin SH, Bousso A, Ejzenberg B, et al. Eficácia e segurança do uso inalatório da adrenalina-L na laringite pós-intubação utilizada em associação com a dexametasona. J Pediatr (Rio J). 2001;77:179-88.

Bernardo Ejzenberg

Livre-docente. Professor, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador de Pesquisas e Publicações, Divisão de Pediatria, Hospital Universitário, USP, São Paulo, SP

Resposta dos autores

Agradecemos ao leitor pelo interesse e comentários sobre nosso artigo de revisão. Apresentamos, a seguir, as respostas aos principais pontos levantados na carta ao editor:

1. Este artigo de revisão foi motivado pelo fato de que a dosagem de adrenalina inalatória recomendada na literatura nacional para crianças com laringotraqueobronquite é geralmente menor do que 3 a 5 ml, dosagem sugerida pela literatura internacional. O objetivo desta revisão foi, inicialmente, apresentar evidências sobre o perfil da segurança desse esquema terapêutico. Somente dois ensaios clínicos avaliaram os efeitos de adrenalina (1:1.000) inalatória em um número total de 45 crianças com laringotraqueobronquite. A fim de aumentar o tamanho de amostra, foram incluídos também os ensaios clínicos em pacientes com bronquiolite, uma outra obstrução respiratória inflamatória aguda. O esquema de tratamento com adrenalina não foi uniforme entre os ensaios clínicos sobre a bronquiolite. Essa heterogeneidade forneceu oportunidade para fazer uma comparação dos efeitos colaterais entre crianças tratadas com diferentes dosagens de adrenalina (ver a Tabela 1 no artigo de revisão). Essa comparação demonstra que não há maior prevalência de efeitos adversos graves em crianças tratadas com maiores dosagens (> 3 ml) de adrenalina, tanto em dose única, quanto em doses repetidas1-5. A inclusão dos ensaios clínicos com diferentes dosagens de adrenalina para esta revisão não afeta a validade do estudo e as conclusões.

2. O ensaio clínico randomizado e controlado é o delineamento mais adequado para avaliar os efeitos da intervenção, sejam beneficiais ou adversos6. Estamos de acordo com o leitor sobre o fato de que, quando efeitos colaterais, como arritmia e morte, associados com adrenalina inalatória são infreqüentes, provavelmente é preciso um número maior do que 238 pacientes analisados nesta revisão para a ocorrência desses efeitos colaterais graves. Infelizmente, a inclusão do relato de casos não soluciona essa limitação, porque a confirmação da relação causal entre a exposição (adrenalina) e o desfecho (arritmia e morte) é muito difícil no estudo de relato de casos, devido aos fatores de confusão. Apesar disso, fizemos uma busca eletrônica no MEDLINE (janeiro de 1949 a julho de 2004), utilizando as seguintes palavras-chave: (adrenaline OR epinephrine) AND (death OR arrhythmia OR cardiotoxic effects) AND (inhal* OR nebul*). Não foram identificados relatos de casos ou estudos adicionais. A busca manual das referências bibliográficas sobre esse assunto, publicadas antes da constituição do banco de dados eletrônico, é provavelmente pouco produtiva, em razão das dificuldades de acesso às literaturas antigas e raridade de publicação dos casos de iatrogenia na literatura médica.

3. As crianças asmáticas tratadas com adrenalina inalatória não foram incluídas nesta revisão. Porém, os dados originados de pacientes asmáticos podem trazer informações úteis sobre o perfil da segurança de adrenalina inalatória. Apesar do surgimento de beta-2 agonistas, a adrenalina inalatória continua sendo utilizada em pacientes asmáticos nos Estados Unidos7. Entre 1975 e 1997, foram vendidos, naquele país, 115 milhões de inaladores de Primatene Mist (adrenalina). Nesse período, foram relatados 13 óbitos associados com uso de inalador de adrenalina. Porém, as doenças concomitantes foram consideradas os fatores responsáveis pelas três mortes. Nas 10 mortes restantes, a relação entre o uso de adrenalina e o desfecho fatal não foi confirmada, devido aos fatores de confusão, tais como abuso de drogas, uso incorreto do inalador e outros problemas de saúde. Baseado no relatório anual da American Association of Poison Control Centers, dois óbitos foram associados com abuso de adrenalina inalatória entre 1994 e 19988,9. Os dados apresentados acima refletem a infreqüência dos efeitos colaterais graves da adrenalina inalatória.

4. A preocupação do leitor com a implicação deste trabalho nas práticas terapêuticas habituais para as doenças respiratórias é válida. Chamamos atenção para o fato de que as evidências atuais não sugerem o uso de adrenalina inalatória em crianças com bronquiolite viral aguda. Portanto, a implicação deste trabalho é mais adequada para pacientes com laringotraqueobronquite, cuja gravidade justifica o uso de adrenalina inalatória. Neste caso, deve-se indicar de 3 a 5 ml de adrenalina (1:1.000) através de nebulização, conforme a literatura internacional. As evidências apresentadas nesta revisão são suficientes para demonstrar a segurança desse esquema terapêutico. Em casos de resposta clínica insatisfatória, as doses podem ser repetidas. Porém, os potenciais benefícios e efeitos adversos devem ser analisados, e uma monitorização cuidadosa deve ser feita, como com qualquer terapia que apresente potenciais efeitos indesejáveis relevantes.

Referências

1. Waisman Y, Klein BL, Boenning DA, Young GM, Chamberlain JM, O'Donnell R, Ochsenschlager DW. Prospective randomized double-blind study comparing L-epinephrine and racemic epinephrine aerosols in the treatment of laryngotracheitis (croup). Pediatrics. 1992;89:302-6.

2. Fitzgerald D, Mellis C, Johnson M, Allen H, Cooper P, van Asperen P. Nebulized budesonide is effective as nebulized adrenaline in moderately severe croup. Pediatrics. 1996;97:722-5.

3. Abul-Ainine A, Luyt D. Short term effects of adrenaline in bronchiolitis: a randomized controlled trial. Arch Dis Child. 2002;86:276-9.

4. Wainwright C, Altamirano L, Cheney M, Cheney J, Barber S, Price D, et al. A multicenter, randomized, double-blind, controlled trial of nebulized epinephrine in infants with acute bronchiolitis. N Engl J Med. 2003;349:27-35.

5. Menon K, Sutcliffe T, Klassen TP. A randomized trial comparing the efficacy of epinephrine with salbutamol in the treatment of acute bronchiolitis. J Pediatr. 1995;126:1004-7.

6. Greenberg RS. Clinical trial. In: Greenberg RS, Daniels SR, Flanders WD, Eley JW, Boring JR, editors. Medical epidemiology. 3rd ed. New York: Lange Medical Books; 2001. p. 91-111.

7. Dickinson BD, Altman RD, Deitchman SD, Champion HC. Safety of over-the-counter inhalers for asthma. Chest. 2001;118:522-6.

8. Litovitz TL, Felberg L, Soloway RA, Ford M, Geller R. Annual report of the American Association of Poison Control Centers Toxic Exposure Surveillance System. Am J Emerg Med. 1995;13:551-97.

9. Litovitz TL, Smilkstein M, Felberg L, Klein-Schwartz W, Berlin R, Morgan JL. Annual report of the American Association of Poison Control Centers Toxic Exposure Surveillance System. Am J Emerg Med. 1997;15:447-500.

Linjie Zhang

Doutor. Professor adjunto, Departamento Materno-Infantil, Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande, RS

Lucas Soares Sanguebsche

Médico residente, Hospital Universitário, Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande, RS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 2005
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