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O impacto da L-carnitina no estado nutricional da cardiomiopatia dilatada idiopática na infância

EDITORIAIS

O impacto da L-carnitina no estado nutricional da cardiomiopatia dilatada idiopática na infância

Estela Azeka

Doutora. Councelor da International Pediatric Transplantation Association (IPTA). Médica assistente, Unidade de Cardiologia Pediátrica, InCor, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP

Cardiomiopatias são definidas como doenças do miocárdio associadas à disfunção ventricular. Podem ser classificadas como: dilatada, hipertrófica, restritiva, arritmogênica do ventrículo direito. Há também as não classificadas: fibroelastose, miocárdio não-compactado, disfunção sistólica com dilatação mínima, mitocondriopatia1.

As cardiomiopatias dilatadas caracterizam-se pela dilatação ventricular e disfunção sistólica. Podem ser idiopática, familiar/genética por erros inatos do metabolismo, distrofias musculares, infecções virais e/ou auto-imunes, drogas, toxinas, doença de Kawasaki e histologia não-específica. Nos achados patológicos, observa-se aumento do tamanho do coração e do peso, dilatação ventricular, espessamento da parede normal e disfunção cardíaca maior que a fibrose. Quanto à incidência de cardiomiopatia em lactentes e crianças, o Registro de Cardiomiopatia Pediátrica, realizado nos Estados Unidos, relata incidência anual de 0,6 a 100.000 pessoas por cardiomiopatia em crianças de 0 a 18 anos. Lipshultz et al.2 referem que há predomínio no sexo masculino e em lactentes, e as cardiomiopatias mais freqüentes são as dilatadas. A importância das cardiomiopatias reside no fato de que a doença é grave em crianças que apresentam sintomas, pois 40% delas podem evoluir para insuficiência cardíaca refratária e necessitar de transplante, ou vão ao óbito nos primeiros 2 anos. O tempo para o transplante ou para a evolução ao óbito não melhorou nos últimos 35 anos nos países desenvolvidos ou em desenvolvimento.

A cardiomiopatia dilatada pode se manifestar com quadro de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), arritmias e morte súbita.

Em lactentes, os sintomas de insuficiência cardíaca mais comuns incluem taquipnéia, taquicardia e dispnéia às mamadas3,4. Outros sinais são: hepatomegalia, ritmo de galope no exame físico, cardiomegalia e edema pulmonar na radiografia de tórax. Crianças maiores podem exibir taquicardia e taquipnéia, porém a manifestação típica é fadiga e intolerância ao exercício, sendo a falta de apetite e dificuldade de crescimento pôndero-estatural freqüente. Pode-se observar, também, distensão venosa e edema periférico. Adolescentes apresentam sintomas semelhantes aos adultos, incluindo dispnéia, taquipnéia, fadiga, intolerância ao exercício, ortopnéia, dispnéia paroxística noturna e sintomas gastrointestinais. A classificação modificada, desenvolvida pela New York Heart Association (NYHA)5, é útil para quantificar a insuficiência cardíaca em crianças, bem como a escala de Ross et al.6 para avaliar a insuficiência cardíaca em lactentes.

O manuseio dos sintomas com digital e diuréticos e inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) representam a base terapêutica na maioria dos pacientes. No entanto, a ICC pode progredir em alguns pacientes imediatamente ou no longo prazo, evoluindo para indicação de transplante cardíaco.

Estudos em adultos demonstram efeito benéfico de beta-bloqueadores, melhorando a fração de ejeção, reduzindo a mortalidade e necessidade de hospitalização com melhora da classe funcional NYHA e da tolerância ao exercício. Em crianças, o uso de beta-bloqueadores tem mostrado melhora da função ventricular, embora haja, na literatura, apenas um estudo duplo-cego e randomizado7, com crianças portadoras de cardiomiopatia dilatada e ICC grave, candidatas a transplante cardíaco.

As estratégias de tratamento da ICC crônica em crianças têm, tradicionalmente, seguido as recomendações do tratamento de ICC dos pacientes adultos. A terapêutica farmacológica específica para crianças portadoras de cardiomiopatia é escassa, como por exemplo, para doenças musculares, como distrofia de Duchenne e doença mitocondrial. A maioria das doenças genéticas não possui tratamento específico etiológico.

No entanto, o fato de a etiologia e fisiopatologia da ICC em crianças apresentarem algumas características próprias justifica o desenvolvimento de estudos randomizados e prospectivos para melhor avaliar o tratamento medicamentoso da ICC nessa faixa etária. Esses dados fornecerão informações que serão úteis no manuseio apropriado, otimizando o tratamento medicamentoso da ICC em crianças. O transplante cardíaco tem sido opção terapêutica em crianças portadoras de ICC grave8, porém apresenta limitações pela escassez de potenciais doadores. Portanto, estratégias terapêuticas que possam diminuir a fila de espera ou mesmo postergar a necessidade de transplante cardíaco permanecem o objetivo principal nesse grupo de pacientes.

Nesse contexto, os estudos realizados por Azevedo et al. assumem importância fundamental9,10. Recentemente, os autores demonstraram que a desnutrição9 é marcadora independente de óbito nas crianças e adolescentes portadores de cardiomiopatia dilatada. Seguindo a mesma linha de pesquisa, os autores estudam os efeitos benéficos do uso da carnitina em crianças portadoras de cardiomiopatia dilatada. Nesse estudo prospectivo aberto de 11 crianças comparadas com 40 controles, pareados para sexo e idade, onde a L-carnitina oral (100 mg/kg/dia) foi administrada, além do tratamento padrão. Foram realizadas 118 pesagens no grupo L-carnitina e 264 nos controles, além de 65 ecocardiogramas no grupo L-carnitina e 144 nos controles. Concluem que a introdução da L-carnitina no início do tratamento da cardiomiopatia dilatada no grupo pediátrico, após excluir as formas de erro inato do metabolismo, nas quais a L-carnitina não tem mostrado ser benéfica, tem o potencial de acelerar a recuperação do estado nutricional e ajudar a prevenir ou reverter caquexia, a qual todo paciente com insuficiência cardíaca pode desenvolver. Os autores observam, também, melhora da função ventricular10.

Referências

1. Richardson P, McKenna W, Bristow M, Maisch B, Mautner B, O'Connell J, et al. Report of the 1995 World Health Organization/International Society and Federation of Cardiology Task Force on the Definition and classification of cardiomyopathies. Circulation. 1996;93:841-2.

2. Lipshultz SE, Sleeper LA, Towbin JA, Lowe AM, Orav EJ, Cox GF, et al. The incidence of pediatric cardiomyopathy in two regions of the United States. N Engl J Med. 2003;348:1647-55.

3. Kay JD, Colan SD, Graham TP, Durbam NC. Congestive heart failure in pediatric patients. Am Heart J. 2001;142:923-8.

4. Auslender M. Pathophysiology of pediatric heart failure. Progress Pediatr Cardiol. 2000;11:175-84.

5. Connolly D, Rutkowski M, Auslender M, Artman M. The New York University Pediatric Heart Failure Index: a new method of quantifying chronic heart failure severity in children. J Pediatr. 2001;138:644-8.

6. Ross RD, Bollinger RO, Pinsky WW. Grading the severity of congestive heart failure in infants. Pediatr Cardiol. 1992;13:72-5.

7. Azeka E, Ramires JA, Valler C, Bocchi E. Delisting of infants and children from the heart transplantation waiting list after carvedilol treatment. J Am Coll Cardiol. 2002;40:2034-8.

8. Azeka E, Marcial MB, Jatene M, Auler Jr JO, Ramirez JA. Eight-year experience of pediatric heart transplantation: clinical outcome using non-invasive methods for the evaluation of acute rejection. Pediatr Transplant. 2002;6:208-13.

9. Azevedo VM, Albanesi Filho FM, Castier MB, Santos MA, Tura BR. O impacto da desnutrição na cardiomiopatia dilatada idiopática na infância. J Pediatr (Rio J). 2004;80:211-6.

10. Azevedo VM, Albanesi Filho FM, Santos MA, Castier MB, Cunha MO. O papel da L-carnitina no estado nutricional e na evolução ecocardiográfica da cardiomiopatia dilatada idiopática da infância. J Pediatr (Rio J). 2005;81:368-72.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2005
  • Data do Fascículo
    Out 2005
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