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Vamos alimentar o pulmão prematuro

EDITORIAIS

Vamos alimentar o pulmão prematuro

Alan H. Jobe

MD, PhD. Professor of Pediatrics/Neonatology, Cincinnati Children's Hospital, Cincinnati, USA

O pulmão, depois do seu crescimento completo, é geralmente visto como uma estrutura estática. Seu tamanho ou capacidade de regeneração passam a ter interesse, entretanto, quando afetado por doenças ou estresse fisiológico. Costuma-se ensinar que o pulmão humano inicia a septação entre 32-36 semanas de gestação, formando alvéolos, e que esse processo continua até que a criança tenha vários anos. O crescimento subseqüente se dá no tamanho do pulmão até mais ou menos 20 anos, com um número constante de aproximadamente 500 milhões de alvéolos. O número de alvéolos e a elasticidade do pulmão passam, então, a diminuir progressivamente com a idade. A perda pela destruição de alvéolos em caso de enfisema parece ser um processo irreversível. Entretanto, o crescimento do pulmão e o desenvolvimento de alvéolos podem ocorrer mesmo no pulmão maduro. Sabe-se que a ressecção do pulmão em animais jovens resulta em um imediato crescimento e expansão da área da superfície de trocas gasosas no pulmão restante. Ainda mais relevante para o artigo sobre efeitos nutricionais no desenvolvimento do pulmão publicado por Mataloun et al.1 no Jornal de Pediatria são os estudos sobre os efeitos da privação nutricional no pulmão adulto. A autópsia de seres humanos que morreram de fome no Gueto de Varsóvia na Segunda Guerra Mundial mostrou que eles tinham enfisema2. Moças com anorexia nervosa têm enfisema, comprovado por tomografia computadorizada3. Essas observações indicam que mudanças na estrutura do pulmão ocorrem no pulmão adulto, e que o estado nutricional é um modulador da estrutura pulmonar.

Vários estudos experimentais demonstraram quão "dinâmicas" podem ser as mudanças estruturais do pulmão. A privação de alimentação em ratos adultos altera as curvas de pressão e volume nos pulmões e diminui a quantidade de surfactante. Don Massaro e seu grupo de estudos mostraram que uma restrição calórica de 33% dos valores normais reduziu o número de alvéolos em 55% (perda ou destruição alveolar) e a área de superfície alveolar em 25%4. Essa perda de alvéolos é acompanhada por um aumento da apoptose e da perda de DNA nas paredes alveolares. A restrição calórica resultou em um aumento da expressão de genes de granzima e de caspase em um espaço de horas5. Talvez ainda mais impressionante seja o fato de que, 72 horas após o reinício da alimentação, os pulmões dos ratos tinham um número de alvéolos e área de superfície normais, numa clara demonstração de que o pulmão adulto pode desenvolver alvéolos. Apesar do foco da maioria das pesquisas ser a desnutrição e a estrutura do pulmão, há outros múltiplos efeitos que podem ser clinicamente importantes. Por exemplo, Sakuma et al.6 relataram que ratos privados de alimentação apresentaram uma diminuição de 38% na taxa de eliminação do fluido alveolar. A desnutrição interferiu nas vias amilorida-insensíveis e dibutiril cGMP-sensíveis de eliminação de fluidos. Essa anormalidade foi revertida pela realimentação.

Para os pneumologistas, o enfisema é um processo destrutivo relacionado à exposição a poluentes industriais e ao tabagismo. Pulmões com aparência semelhante podem ser resultado de um atraso no desenvolvimento, em função de uma parada no processo de septação secundária. Em múltiplos modelos transgênicos usando camundongos, a inflamação durante o período de alveolarização, entre 3 dias e 3 semanas de vida, levou ao desenvolvimento de um pulmão enfisematoso7. A inflamação interfere no desenvolvimento do pulmão, mas essa interferência pode ser uma injúria, e não uma interferência direta no seu desenvolvimento.

Outros fatores de relevância clínica podem interferir na alveolarização do pulmão em desenvolvimento. Corticosteróides (antiinflamatórios) e corioamnionite, ventilação mecânica e uso de oxigênio (todos fatores pró-inflamatórios) impedem a alveolarização7. Esses fatores sem dúvida contribuem em graus variados para o desenvolvimento da displasia broncopulmonar (DBP) no pulmão do prematuro, ainda na fase sacular. Mataloun et al.1 relatam que a privação nutricional e a exposição hiperóxica interferem na alveolarização do pulmão do coelho prematuro. Esses resultados são consistentes com os resultados de outros estudos realizados com ratos e camundongos recém-nascidos. Além disso, demonstram que a hiperóxia combinada com a privação nutricional pode causar uma interferência adicional na alveolarização. Esses resultados contribuem para a hipótese de que as anormalidades do pulmão com DPB são causadas por múltiplos efeitos adversos que se combinam e afetam o desenvolvimento do pulmão.

A desnutrição aparece de muitas formas: inadequação calórica total, insuficiência de proteínas e deficiência de vitaminas, por exemplo. Antes da adoção do uso rotineiro de suplementação com vitamina E, Ehrenkranz et al.8 já haviam demonstrado que a suplementação de vitamina E para bebês prematuros poderia diminuir a DBP. Mais tarde, Tyson et al.9 relataram que a suplementação com vitamina A diminuía a DBP, e muitos estudos experimentais na literatura demonstraram que os retinóides são mediadores da alveolarização. A subnutrição protéica e calórica também pode interferir com a alveolarização, como demonstrado por Mataloun et al.1 e, anteriormente, por outros autores10. Não há informações clínicas ou experimentais integradas que possam nos dizer qual a importância relativa da nutrição adequada na comparação com a ventilação mecânica, o oxigênio, as infecções e outros fatores no desenvolvimento de DBP1. Sem dúvida, o equilíbrio entre fatores adversos é um tanto diferente para cada caso. Entretanto, com as informações disponíveis no momento, parece prudente alimentar o bebê, de forma enteral ou parenteral, com o objetivo de alimentar o pulmão. Provavelmente a diminuição de casos graves de DBP em recém-nascidos de muito baixo peso seja resultado da nossa grande ênfase no suporte nutricional precoce e sustentado.

Referências

1. Mataloun MM, Rebello CM, Mascaretti RS, Dohlnikoff M, Leone CR. Pulmonary responses to nutritional restriction and hyperoxia in premature rabbits. J Pediatr (Rio J). 2006;82:179-85.

2. Massaro D, Massaro GD. Hunger disease and pulmonary alveoli. Am J Respir Crit Care Med. 2004;170:723-4.

3. Coxson HO, Chan IH, Mayo JR, Hlynsky J, Nakano Y, Birmingham CL. Early emphysema in patients with anorexia nervosa. Am J Respir Crit Care Med. 2004;170:748-52.

4. Massaro GD, Radaeva S, Clerch LB, Massaro D. Lung alveoli: endogenous programmed destruction and regeneration. Am J Physiol Lung Cell Mol Physiol. 2002;283:L305-9.

5. Massaro D, Massaro GD, Baras A, Hoffman EP, Clerch LB. Calorie-related rapid onset of alveolar loss, regeneration, and changes in mouse lung gene expression. Am J Physiol Lung Cell Mol Physiol. 2004;286:L896-906.

6. Sakuma T, Zhao Y, Sugita M, Sagawa M, Toga H, Ishibashi T, et al. Malnutrition impairs alveolar fluid clearance in rat lungs. Am J Physiol Lung Cell Mol Physiol. 2004;286:L1268-74.

7. Jobe AH. The new BPD: an arrest of lung development. Pediatr Res. 1999;46:641-3.

8. Ehrenkranz RA, Ablow RC, Warshaw JB. Prevention of bronchopulmonary dysplasia with vitamin E administration during the acute stages of respiratory distress syndrome. J Pediatr. 1979;95:873-8.

9. Tyson JE, Wright LL, Oh W, Kennedy KA, Mele L, Ehrenkranz RA, et al. Vitamin A supplementation for extremely-low-birth-weight infants. National Institute of Child Health and Human Development Neonatal Research Network. N Engl J Med. 1999;340:1962-8.

10. Frank L, Sosenko IR. Undernutrition as a major contributing factor in the pathogenesis of bronchopulmonary dysplasia. Am Rev Respir Dis. 1988;138:725-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
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