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Pediatria: pesquisa e publicações

CARTAS AO EDITOR

Pediatria - pesquisa e publicações

Prezado Editor,

Foi com satisfação que lemos no Jornal de Pediatria o artigo de Blank et al.1, assim como o editorial de Marcovitch2, que enfocam a crescente publicação e a citação de artigos brasileiros no campo da saúde da criança e da adolescência. Entre 1990 e 2004, os artigos brasileiros indexados aumentaram 404%, acima da velocidade do restante do mundo (61%), o que constitui motivo de orgulho e estímulo para a pediatria nacional.

Porém, merece atenção a ressalva apresentada pelo editor do BMJ Group, para quem "a pesquisa brasileira em pediatria parece saudável", seguida da informação de que a pediatria clínica do Reino Unido apresentou declínio recente, o que poderia se repetir entre nós2. Alguns dados de Blank et al. também parecem advertir nesse sentido: houve queda de participação da produção científica pediátrica entre as publicações indexadas no campo de saúde da criança e da adolescência. A Figura 3 mostra redução das publicações classificadas pelos autores como "pediatria", de 19,7 para 13,5% do total em 1993 e 2004, respectivamente, embora tenha havido aumento numérico. O dado é ainda mais surpreendente ao lembrarmos que, nesse período, ocorreu a importante indexação no MEDLINE do Jornal de Pediatria, que publica, predominantemente, pediatria clínica.

Para não incorrer em equívoco quanto a esses indicadores de involução da participação pediátrica, seria prudente ter esclarecimentos complementares em relação às outras áreas com desenvolvimento superior entre 1993 e 2004. Na mesma Figura 3, qual seria a origem de artigos provindos da "medicina interna", que evoluíram de 19,7 para 22,0% no período e superaram em 50% as publicações de origem na área pediátrica? Também devemos analisar o grande percentual de artigos sem origem determinada, sob a denominação "outras áreas", abrangendo 36,4 e 41,0% das publicações indexadas em 1993 e 2004, respectivamente. É preocupante a queda da participação dos artigos classificados como genética., de 17,7 para 2,5%, quando comparados os dois momentos analisados; essa área aparenta estar em desenvolvimento dentro da pediatria. Este detalhamento pode nos indicar tendências e áreas promissoras de investigação para a saúde da criança.

Caso se comprove entre nós a mesma perda de espaço da pesquisa clínica verificada no Reino Unido, isso não decorreria da avaliação pelo índice de citações, como sugere o editorialista, pois tiveram utilização recente pela CAPES. A redução proporcional dos artigos de pediatria clínica nas revistas indexadas decorre, aparentemente, dos critérios editoriais que Marcovitch2 explicitou — somente estudos clínicos bem desenhados são aceitos, não havendo espaço para estudos observacionais, transversais e séries de casos. Isso se acentuou com o aumento do número de artigos submetidos3. A pesquisa clínica de qualidade é prospectiva, necessita grandes casuísticas, por vezes a associação de vários serviços clínicos, com grande organização, recurso financeiro e tempo. Esses estudos são, comparativamente, mais difíceis de realizar do que a implementação de novas técnicas em laboratório, como as de biologia molecular, e estudos experimentais, que têm facilidade de obtenção de amostra, menos fatores intervenientes, reduzidos limites éticos e custos mais baixos. O conjunto desses aspectos explica melhor o que está ocorrendo: os estudos laboratoriais e experimentais parecem obter provas com maior qualidade e rapidez. Isso não deve reduzir o papel da experimentação clínica, pois esta possibilita a aplicabilidade humana. É notória a complementaridade da pesquisa básica e da pesquisa clínica, a qual deve ser crescente — from the laboratory bench to the bedside (Translational Medicine)4.

De outro ângulo, a possível redução numérica das publicações em pediatria clínica nas revistas indexadas pode constituir um ganho de produtividade. A redução na quantidade das publicações pode ser uma vantagem, desde que acrescentemos qualidade aos artigos em relação ao esclarecimento diagnóstico, tratamento, prognóstico ou risco. A suplantação do número pela qualidade tem sido o foco das avaliações que utilizam o índice de impacto, como também fizeram Blank et al. O índice é criticado por muitos e não é perfeito na mensuração de todas as qualidades de um artigo científico2. Porém, reflete o livre julgamento de valor dos pesquisadores na redação dos artigos científicos em todo o mundo, o que não é pouco. É provável que estudos brasileiros bem desenhados, organizados por sociedades médicas ou por instituições de ensino e pesquisa de peso e que respondam a relevantes questões clínicas não sejam discriminados. Há óbvia vantagem quando um bom artigo responde ou levanta uma dúvida, frente a uma centena de artigos que apenas ocupam o tempo dos leitores. É possível que estejamos já caminhando para um contexto de menos estudos clínicos indexados, porém com maior valor científico.

Há uma outra vertente de utilidade das publicações, que foi abordada no editorial de Marcovitch e no artigo de Blank et al. Como apenas uma pequena fração dos artigos originais é publicada nas revistas indexadas, de modo geral os estudos de menor originalidade, unicêntricos, retrospectivos e com pequenas casuísticas são publicados em revistas não indexadas. O fato de essas publicações existirem e estarem em expansão indica que apresentam outra utilidade, diversa do desenvolvimento científico original. Como editores de um desses veículos (Pediatria São Paulo), observamos que uma grande utilidade dos periódicos reside na educação continuada dos pediatras. Parece claro que as revistas não indexadas não deveriam necessariamente ter a busca da indexação internacional como meta, mas buscar avaliar o seu "impacto" no ensino de um grande contingente de pediatras dedicados prioritariamente à assistência do paciente. Neste aspecto, os relatos de caso, por exemplo, podem ter melhor acolhida pelo clínico do que pesadas meta-análises.

O artigo pioneiro de Blank et al. focalizou um tema poucas vezes abordado com objetividade em nosso meio: a produção e evolução de pesquisas/publicações na área da saúde da criança e do adolescente e, principalmente, quanto isso tem de valor. O editorialista, por sua vez, mostra que essa avaliação é complexa. De fato, há impactos diferenciados — na ciência pediátrica (que o índice de citações traduz) e na atividade prática dos pediatras, qualidade de vida, morbidade e mortalidade da população (aspectos que o índice não reflete). Na falta dessas avaliações, nos detemos no número de publicações e citações. É o possível, mas ainda é pouco. Ao trabalho!

References

1. Blank D, Rosa LO, Gurgel RQ, Goldani MZ. Brazilian knowledge production in the field of child and adolescent health. J Pediatr (Rio J). 2006;82:97-102.

2. Marcovitch H. A step forward for Brazilian pediatric research. J Pediatr (Rio J). 2006;82:83-5.

3. Procianoy RS. Past, present and future. J Pediatr (Rio J). 2006;82:1.

4. J Transl Med. http://www.translational-medicine.com. Access: 27/09/2006.

Bernardo Ejzenberg

Professor livre-docente, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Membro, Comissão de Pesquisa e Ética, Editor Associado de Pediatria São Paulo. E-mail: bernardoe@icr.hcnet.usp.br

Magda Carneiro-Sampaio

Professor titular, USP, São Paulo, SP. Presidente, Comissão de Pesquisa e Ética, Corpo Editorial de Pediatria São Paulo. Comissão de Pesquisa e Ética, Instituto da Criança, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2006
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