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Biodisponibilidade do ferro como fator de proteção contra anemia entre crianças de 12 a 16 meses

Resumos

OBJETIVO: Este estudo investiga os fatores dietéticos determinantes da ausência de anemia entre lactentes de famílias de baixo nível socioeconômico submetidos a um programa de intervenção nutricional, bem como a adequação do consumo de ferro de acordo com as recomendações. METODOLOGIA: O estudo compreendeu 369 crianças pertencentes a uma coorte do município de São Leopoldo (RS), as quais foram randomizadas ao nascimento para constituírem dois grupos: intervenção e controle. O grupo intervenção foi submetido a orientações dietéticas no primeiro ano de vida, com visitas domiciliares mensais, e o grupo controle foi visitado aos 6 e 12 meses, sem intervenção dietética. Ao final do primeiro ano de vida, realizou-se inquérito alimentar recordatório de 24 horas. O diagnóstico de anemia foi determinado pelo nível de hemoglobina inferior a 11 g/dL. As dietas das crianças foram classificadas de acordo com a biodisponiblidade do ferro presente. RESULTADOS: A prevalência de anemia encontrada neste estudo foi de 63,7%. A proporção de crianças com consumo adequado em relação às recomendações foi estatisticamente mais elevada no grupo sem anemia (26,8%) do que no grupo com anemia (17,7%). As crianças que não apresentaram anemia mostraram maior consumo de ferro (p = 0,019), vitamina C (p = 0,001), densidade energética no jantar (p = 0,006), densidade de ferro por 1.000 calorias (p = 0,045), e 16,3% delas apresentaram dieta com alta biodisponibilidade em ferro (p = 0,002). CONCLUSÕES: A prática alimentar que garante alta biodisponibilidade de ferro protege a criança contra anemia e pode ser usada como proposta de intervenção na rede básica de saúde e no âmbito das secretarias municipais de educação infantil.

Anemia; biodisponibilidade; ferro; saúde da criança


OBJECTIVE: This study investigates the nutritional factors that determine the absence of anemia in infants from families with a low socioeconomic background submitted to a nutrition intervention program, as well as iron intake according to recommendations. METHODS: The study included 369 children from a cohort of inhabitants of São Leopoldo, state of Rio Grande do Sul, Brazil, who were randomized at birth into an intervention group and into a control group. The intervention group had nutritional guidance in the first year of life, with monthly follow-up home visits, whereas the control group was visited at 6 and 12 months, without nutritional intervention. At the end of the first year of life, a 24-hour recall was used. Anemia was diagnosed based on a hemoglobin level less than 11 g/dL. The children's diets were classified according to iron bioavailability. RESULTS: The prevalence of anemia amounted to 63.7% in this study. The proportion of children with adequate iron intake relative to the recommendations was statistically higher in the nonanemic group (26.8%) than in the anemic one (17.7%). Nonanemic children had a greater intake of iron (p = 0.019), vitamin C (p = 0.001), energy density at dinner (p = 0.006), iron density per 1,000 calories (p = 0.045); and 16.3% of them had a diet with high iron bioavailability (p = 0.002). CONCLUSIONS: A diet with high iron bioavailability protects children from anemia and can be used as an intervention measure by basic health services and by the municipal departments of children's education.

Anemia; bioavailability; iron; child health


ARTIGO ORIGINAL

Biodisponibilidade do ferro como fator de proteção contra anemia entre crianças de 12 a 16 meses

Márcia Regina VitoloI; Gisele Ane BortoliniII

IDoutora. Programa de Pós-Graduação, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), Porto Alegre, RS

IIMestranda, Programa de Pós-Graduação, FFFCMPA, Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Márcia Regina Vitolo Rua Sarmento Leite, 245, Departamento de Saúde Coletiva, Sala 414 CEP 90050-170 – Porto Alegre, RS Email: marciavitolo@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Este estudo investiga os fatores dietéticos determinantes da ausência de anemia entre lactentes de famílias de baixo nível socioeconômico submetidos a um programa de intervenção nutricional, bem como a adequação do consumo de ferro de acordo com as recomendações.

METODOLOGIA: O estudo compreendeu 369 crianças pertencentes a uma coorte do município de São Leopoldo (RS), as quais foram randomizadas ao nascimento para constituírem dois grupos: intervenção e controle. O grupo intervenção foi submetido a orientações dietéticas no primeiro ano de vida, com visitas domiciliares mensais, e o grupo controle foi visitado aos 6 e 12 meses, sem intervenção dietética. Ao final do primeiro ano de vida, realizou-se inquérito alimentar recordatório de 24 horas. O diagnóstico de anemia foi determinado pelo nível de hemoglobina inferior a 11 g/dL. As dietas das crianças foram classificadas de acordo com a biodisponiblidade do ferro presente.

RESULTADOS: A prevalência de anemia encontrada neste estudo foi de 63,7%. A proporção de crianças com consumo adequado em relação às recomendações foi estatisticamente mais elevada no grupo sem anemia (26,8%) do que no grupo com anemia (17,7%). As crianças que não apresentaram anemia mostraram maior consumo de ferro (p = 0,019), vitamina C (p = 0,001), densidade energética no jantar (p = 0,006), densidade de ferro por 1.000 calorias (p = 0,045), e 16,3% delas apresentaram dieta com alta biodisponibilidade em ferro (p = 0,002).

CONCLUSÕES: A prática alimentar que garante alta biodisponibilidade de ferro protege a criança contra anemia e pode ser usada como proposta de intervenção na rede básica de saúde e no âmbito das secretarias municipais de educação infantil.

Palavras-chave: Anemia, biodisponibilidade, ferro, saúde da criança.

Introdução

As reservas de ferro ao nascimento desempenham importante função na determinação dos fatores de risco para anemia durante a infância, porque a concentração de ferro no leite humano é baixa1. As reservas de ferro da criança que recebe com exclusividade o leite materno, do nascimento aos 6 meses de idade, atendem às necessidades fisiológicas da criança, não necessitando de qualquer forma de complementação nem de introdução de alimentos sólidos2,3. Isso se deve à biodisponibilidade elevada de ferro no leite humano, com cerca de 50% de seu ferro sendo absorvido, o que compensa a sua baixa concentração (0,5-1 mg de ferro/litro). Entretanto, essa biodisponibilidade pode diminuir até 80% quando outros alimentos são ingeridos pelo lactente4. Entre os 4 e 6 meses, ocorre gradualmente o esgotamento das reservas de ferro, e a alimentação passa a ter papel predominante no atendimento às necessidades desse nutriente. É necessário que o consumo de ferro seja adequado à demanda requerida para essa fase etária5. Dessa forma, as práticas alimentares nos primeiros 2 anos de vida são importantes para prevenir a anemia ferropriva, período no qual ocorre alta prevalência dessa deficiência6-9.

Apesar desse conhecimento, poucos estudos confirmaram essa evidência por meio de investigações envolvendo o consumo alimentar10,11. No Brasil, nos últimos anos, o foco dos estudos foi investigar o impacto do aleitamento materno e artificial na prevalência de anemia6-8,12-14, com resultados conflitantes entre eles. Há apenas dois estudos, em nosso meio, que investigaram a ingestão alimentar atual de crianças pequenas15,16.

Assim, o presente estudo objetivou avaliar quais práticas alimentares estariam associadas à proteção contra a anemia ferropriva em um grupo populacional de crianças com idade entre 12 e 16 meses de baixo nível socioeconômico17, além da adequação da ingestão de ferro à luz das novas recomendações5.

Metodologia

As crianças que participaram do estudo foram recrutadas no Hospital Centenário, o único do município de São Leopoldo (RS), somente nos setores de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). O cálculo do tamanho da amostra baseou-se na freqüência de aleitamento materno exclusivo até os 4 meses de 21,5% no grupo controle e estimou diferença de 65% na freqüência dessa prática entre os grupos. Outros parâmetros para este cálculo foram: poder de 80% e nível de confiança de 95%, o que determinou tamanho amostral de 177 crianças em cada grupo, totalizando 354 crianças. Considerando previsão de perdas de 25%, foram recrutados 500 pares mãe-filho para que o número amostral fosse atingido. Os recém-nascidos elegíveis para o estudo foram aqueles com peso de nascimento > 2.500 g e idade gestacional > 37 semanas. Os critérios de exclusão foram: mães HIV positivas, má-formação congênita, recém-nascidos encaminhados à unidade de terapia intensiva e parto múltiplo. Dos recém-nascidos elegíveis para o estudo, 90% das mães aceitaram participar após a explicação das diferenças metodológicas entre os grupos controle e intervenção. A cada cinco mães que aceitavam participar da amostra, duas eram sorteadas para pertencer ao grupo intervenção e as outras três alocadas para o grupo controle, e assim consecutivamente, até ser atingido o número amostral estimado. A proporção de pares mães/crianças maior no grupo controle foi estimada pelo fato de que a visita ocorre somente 6 meses após o contato na maternidade, o que poderia acarretar maior perda desse grupo. Assim, após o processo de randomização, 200 recém-nascidos foram incluídos no grupo intervenção e 300 no grupo controle. Visitadores domiciliares (estudantes de graduação em nutrição) foram treinados para aplicar a intervenção dietética e realizar a coleta de dados.

Grupo intervenção - a intervenção consistiu de orientações dietéticas que compõem os 10 passos da alimentação saudável para crianças menores de 2 anos18, fornecidas às mães durante 10 visitas domiciliares realizadas nos primeiros 10 dias após o parto, mensalmente até os 6 meses e aos 8, 10 e 12 meses.

Grupo controle - esse grupo recebeu visita aos 6 e aos 12 meses para coleta de dados antropométricos, alimentares, sociodemográficos e condições de saúde do lactente. Aos 6 meses, as entrevistadoras informavam as mães sobre os resultados antropométricos e orientavam-nas a procurar o serviço de saúde mais próximo caso fosse detectado algum problema nutricional.

O presente estudo analisou os fatores dietéticos de proteção contra a anemia, independente dos grupos, em função da ausência de impacto da intervenção na prevalência de anemia17.

O inquérito alimentar recordatório de 24 horas, realizado pelos estudantes de nutrição, registrou o consumo alimentar da criança no dia anterior à última visita domiciliar, detalhando com critério rigoroso as porções relatadas pela mãe ou responsávele a marca utilizada, em função da elevada freqüência de produtos enriquecidos com micronutrientes. Para as crianças que mamavam no peito, utilizou-se a estimativa de 448 mL/dia para crianças de 12 meses19.

Para o cálculo nutricional das dietas das crianças, foram utilizados o Programa de Apoio à Nutrição da Unifesp (NutWin) e tabelas de composição química dos alimentos, além das informações obtidas das indústrias de alimentos sobre produtos não referidos nas tabelas. Foram utilizados 343 inquéritos recordatórios de 24 horas das 369 crianças que realizaram o hemograma, sendo desconsiderados 26 inquéritos pelos seguintes motivos: não estarem preenchidos adequadamente (exigia-se a anotação das quantidades servidas e das quantidades realmente ingeridas pela criança) (sete), criança estar doente (dois), medidas caseiras não específicas (13) e medidas que o responsável pela criança não soube informar (quatro). Os valores energéticos fornecido pelas refeições almoço e jantar foram quantificados separadamente, sendo que refeições lácteas não foram consideradas quando oferecidas em substituição.

Para avaliação da biodisponiblidade do ferro consumido pelas crianças avaliadas, utilizou-se o método desenvolvido por Monsen et al.20,21. Essa proposta pode ser observada na Tabela 1.

As recomendações atuais sugerem que se utilize aestimativa de requerimento médio (EAR), que é de 3 mg/dia para a faixa etária estudada. Utilizou-se também o valor sugerido pela recommended dietary allowance (RDA) de 7 mg/dia, que corresponde às necessidades de 97a 98% de toda a população da faixa etária estudada5. Foram apresentados a média, o desvio padrão e a mediana dos nutrientes e de outras variáveis de consumo.

O hemograma foi realizado no Laboratório Municipal da Cidade de São Leopoldo (RS), por meio de sistema automatizado (automação Counter MDII). Os pontos de corte utilizados para definir anemia foram hemoglobina (Hb) 11 g/dL e anemia grave Hb < 9,5 g/dL.

A realização do exame para ambos os grupos estendeu-se até os 16 meses de idade, em função das remarcações que ocorreram na impossibilidade de a mãe levar a criança quando completava 1 ano de vida.

O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo comitê de ética de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Para associação dos fatores dietéticos com a ausência de anemia, empregaram-se os testes t de Student e não-paramétrico de Mann-Whitney, sendo que a determinação do uso desses testes se deu pelo teste Kolmogorov-Smirnov; o teste do qui-quadrado foi usado para avaliar independência ou associação entre as crianças com e sem anemia. Foram calculados os riscos relativos (RR) e respectivos intervalos de confiança 95% (IC95%) para quantificar o efeito do consumo de ferro e sua biodisponibilidade sobre o desfecho de interesse, a saber, anemia. O nível de rejeição da hipótese de nulidade em todos os testes foi de 5%.

Resultados

Das 397 crianças que completaram o estudo da coorte, 369 realizaram o hemograma, e o motivo das perdas foi por recusa da mãe em fazer o exame, representando 4,1% do total da amostra. A prevalência de anemia e anemia grave entre as crianças foi de 63,7 e 18,3%, respectivamente. As proporções de crianças com consumo maior que 7 mg de ferro no grupo sem anemia foi de 26,8% e de 17,7% no grupo com anemia (RR = 0,72; IC95% 0,53-0,98). O consumo de 3 mg ou mais de ferro por dia não mostrou associação com níveis de Hb > 11 g/dL (RR = 0,72; IC95% 0,46-1,12), dados não apresentados em tabela. A média de ingestão de ferro das crianças sem anemia foi de 5,71±2,82 mg/dia, significativamente maior do que o consumido pelas crianças com anemia, que foi de 5,03±2,40 mg/dia. Esses valores foram superiores à EAR. O consumo de carne, fonte de ferro heme, entre as crianças de 12 a 16 meses mostrou-se presente em 78,4% dos inquéritos, porém a porção consumida foi insuficiente.

Com relação à freqüência de dietas de acordo com a biodisponibilidade de ferro e sua associação com a ausência de anemia, foi observada maior proporção (16,3%) de dietas com alta biodisponibilidade no grupo de crianças que não apresentaram anemia, quando comparada ao grupo com anemia (10,5%). As crianças que apresentaram dieta com biodisponibilidade do ferro intermediária ou alta mostraram, respectivamente, redução de 22 e 28% na freqüência de anemia em relação às crianças com consumo de ferro de biodisponibilidade baixa (Tabela 2).

A maior ingestão dietética de ferro (p = 0,01) e vitamina C (p = 0,00) mostrou-se associada à ausência de anemia nas crianças. As crianças sem anemia apresentaram consumo significativamente maior de energia no jantar do que as crianças com anemia (p = 0,00) (Tabela 3). As mesmas análises, não apresentadas em tabela, foram realizadas com as crianças que não apresentaram anemia grave (Hb > 9,5 g/dL), sendo a ausência significativamente associada a maior consumo de vitamina C (p = 0,04), ferro heme (p = 0,04) e menor consumo de cálcio (p = 0,04). Observou-se que a média do consumo de leite de vaca foi estatisticamente menor nas crianças que não apresentaram anemia grave (523±315 mL) quando comparadas àquelas com anemia grave (648±387 mL) (p = 0,01). Não foi possível observar associação entre ausência de anemia e as variáveis ferro não-heme, ferro de alimentos enriquecidos, calorias provenientes do almoço, quantidades consumidas de carne e feijão, isoladamente.

Discussão

A alta prevalência (63,7%) de anemia encontrada neste estudo em crianças nascidas de termo e com peso adequado ao nascimento, em famílias usuárias do SUS em São Leopoldo (RS), ressalta a magnitude do problema no grupo etário de 12 a 16 meses6-9.O projeto "Implementação e Avaliação do Impacto do Programa de Promoção para a Alimentação Saudável para Crianças Menores de 2 Anos" mostrou-se eficaz para o aumento do aleitamento materno exclusivo, redução da ocorrência de morbidades e cárie, mas, por outro lado, ineficaz no combate à anemia ferropriva17.

No presente estudo, as crianças que não apresentaram anemia mostraram ter maior consumo de ferro dietético do que as que apresentaram anemia. Estudo22 realizado na Nova Zelândia, com desenho metodológico semelhante ao deste estudo, encontrou mediana de ingestão de ferro de 4,3 mg em crianças de 12 meses de idade, valor semelhante ao apresentado por este estudo. No presente estudo, a caracterização da biodisponibilidade do ferro das dietas mostrou estar associada ao estado nutricional de ferro das crianças, sugerindo ser um indicador útil para programas de avaliação ou intervenção que tenham como objetivo o combate à anemia ferropriva. É reconhecido que, mais importante do que suprir as necessidades, deve-se dar atenção à quantidade de ferro biodisponível, o qual tem relação com os fatores estimulantes e inibidores de sua utilização em uma mesma refeição15,16,23. Lacerda & Cunha15, em estudo realizado com crianças de 12 a 18 meses no Rio de Janeiro, observaram, por meio da realização do inquérito recordatório de 24 horas, baixo consumo de ferro total e de ferro biodisponível. O percentual médio de ferro biodisponível em relação ao consumo total de ferro foi de 7%, caracterizando dieta de baixa biodisponibilidade.

Identificou-se que mais de 70% das crianças consumiram carne no dia anterior à entrevista, porém a porção consumida foi insuficiente. Estudos mostraram associação de baixo consumo de carne e anemia em crianças10,11. Observou-se que as crianças que não apresentaram anemia consumiram significativamente mais vitamina C do que as que apresentaram. Assim, este estudo coloca em evidência o efeito benéfico desse micronutriente na prevenção da anemia ferropriva, especialmente em estratos populacionais em que o consumo de carne é limitado em função de condições econômicas. Cook & Reddy24 também demonstraram a importância do consumo da vitamina C, que mostrou ser um agente facilitador da absorção do ferro não-heme.

A prevenção da anemia grave foi observada entre crianças com menor consumo de leite de vaca, cálcio e maior consumo energético no jantar, sugerindo que essas práticas alimentares devem fazer parte das orientações dietéticas para crianças nessa faixa etária. Outros estudos também mostraram a associação entre anemia e o consumo de leite de vaca25,26.

Inquéritos dietéticos apresentam limitações que devem ser consideradas. Apesar do treinamento das entrevistadoras, podem ter ocorrido vieses na coleta de dados quanto ao consumo alimentar. Outra limitação é que os dados dietéticos refletem o consumo atual, e não as condições dietéticas anteriores, as quais poderiam ter gerado o quadro de deficiência de ferro encontrado. Além disso, o presente estudo não permite discriminar as crianças que apresentaram baixas reservas ao nascimento e as particularidades dos mecanismos de absorção de cada uma.

A Organização Mundial da Saúde1 recomenda o uso universal de suplementos de ferro na dose de 2 mg/kg de peso ao dia, para todas as crianças de 6 a 23 meses de idade residentes em países nos quais a prevalência de anemia é > 40%. Entretanto, a fortificação de alimentos é aceita como o melhor meio para combater carências específicas de nutrientes por sua alta efetividade27,28, já que a suplementação medicamentosa apresenta baixa adesão29.

Assim, a composição da dieta, e não a quantidade total de alimentos, é o elemento de maior importância na prevenção da anemia ferropriva. Os esforços devem ser concentrados na garantia da oferta de alimentos e preparações que forneçam ferro de alta biodisponibilidade. O consumo diário superior a 70 g de carne associado ao consumo de vitamina C em quantidades superiores a 25 mg por dia é uma prática alimentar que está associada à ausência de anemia entre crianças de baixa condição socioeconômicae, portanto, deve ser implementada pelas secretarias municipais de educação infantil e na assistência básica à saúde.

Artigo submetido em 09.02.06, aceito em 04.10.06.

Fonte financiadora: CNPq.

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  • Correspondência:
    Márcia Regina Vitolo
    Rua Sarmento Leite, 245,
    Departamento de Saúde Coletiva, Sala 414
    CEP 90050-170 – Porto Alegre, RS
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Recebido
      09 Fev 2006
    • Aceito
      04 Out 2006
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