Acessibilidade / Reportar erro

Segurança, imunogenicidade e eficácia protetora de duas doses da vacina RIX4414 contendo rotavírus atenuado de origem humana

Resumos

OBJETIVO: Determinar a segurança, imunogenicidade e eficácia de duas doses da vacina contra o rotavírus em lactentes brasileiros saudáveis. MÉTODOS: Foi realizado um estudo randomizado, multicêntrico, duplo-cego e controlado por placebo no Brasil, México e Venezuela. Os lactentes receberam duas doses orais de vacina ou placebo aos 2 e 4 meses de idade, juntamente com as imunizações de rotina, exceto a vacina oral contra poliomielite (VOP). O presente estudo relata apenas os resultados obtidos em Belém, Brasil, onde o número de indivíduos por grupo e os títulos da vacina viral foram os seguintes: 194 (104,7 unidades formadoras de focos - UFF), 196 (10(5,2) UFF), 194 (10(5,8) UFF) e 194 (placebo). A resposta de anticorpos anti-rotavírus (anti-RV) foi avaliada em 307 indivíduos. A gravidade clínica dos episódios de gastroenterite (GE) foi determinada através de um escore com 20 pontos, onde um valor > 11 foi considerado como GE grave. RESULTADOS: As taxas de sintomas gerais solicitados foram semelhantes tanto nos indivíduos que receberam a vacina como naqueles a quem se administrou placebo. Aos 2 meses após a segunda dose, ocorreu resposta em termos de IgA sérica para RV em 54,7 a 74,4% dos vacinados. Não houve interferência na imunogenicidade das vacinas de rotina. A eficácia da vacina contra qualquer gastroenterite por rotavírus (GERV) foi de 63,5% (IC95% 20,8-84,4) para a maior concentração (10(5,8) UFF). A eficácia foi de 81,5% (IC95% 44,5-95,4) contra GERV grave. Em sua maior concentração (10(5,8) UFF), a RIX4414 conferiu uma proteção de 79,8% (IC95% 26,4-96,3) contra GERV grave causada pela amostra G9. CONCLUSÕES: A RIX4414 foi altamente imunogênica com baixa reatogenicidade, e não interferiu na resposta sérica à difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e antígenos Hib. Duas doses da RIX4414 conferiram proteção significativa contra a GE grave causada pelo RV.

Rotavírus; gastroenterite; vacina; eficácia


OBJECTIVE: To determine the safety, immunogenicity and efficacy of two doses of rotavirus vaccine in healthy Brazilian infants. METHODS: A randomized, multicenter, double-blind, placebo-controlled trial was conducted in Brazil, Mexico and Venezuela. Infants received two oral doses of vaccine or placebo at 2 and 4 months of age, concurrently with routine immunizations, except for oral poliomyelitis vaccine (OPV). This paper reports results from Belém, Brazil, where the number of subjects per group and the viral vaccine titers were: 194 (10(4.7) focus forming units - FFU), 196 (10(5.2) FFU), 194 (10(5.8) FFU) and 194 (placebo). Anti-rotavirus (anti-RV) antibody response was assessed in 307 subjects. Clinical severity of gastroenteritis episodes was measured using a 20-point scoring system with a score of > 11 defined as severe GE. RESULTS: The rates of solicited general symptoms were similar in vaccine and placebo recipients. At 2 months after the second dose, a serum IgA response to RV occurred in 54.7 to 74.4% of vaccinees. No interference was seen in the immunogenicity of routine vaccines. Vaccine efficacy against any rotavirus gastroenteritis (RVGE) was 63.5% (95%CI 20.8-84.4) for the highest concentration (10(5.8) FFU). Efficacy was 81.5% (95%CI 44.5-95.4) against severe RVGE. At its highest concentration (10(5.8) FFU), RIX4414 provided 79.8% (95%CI 26.4-96.3) protection against severe RVGE by G9 strain. CONCLUSIONS: RIX4414 was highly immunogenic with a low reactogenicity profile and did not interfere with seroresponse to diptheria, tetanus, pertussis, hepatitis B and Hib antigens. Two doses of RIX4414 provided significant protection against severe GE caused by RV.

Rotavirus; gastroenteritis; vaccine; efficacy


ARTIGO ORIGINAL

Segurança, imunogenicidade e eficácia protetora de duas doses da vacina RIX4414 contendo rotavírus atenuado de origem humana

Eliete C. AraujoI; Sue Ann C. ClemensII; Consuelo S. OliveiraIII; Maria Cleonice A. JustinoIV; Pilar RubioV; Yvone B. GabbayIV; Veronilce B. da SilvaVI; Joana D. P. MascarenhasIV; Vânia L. NoronhaVII; Ralf ClemensII; Rosa Helena P. GusmãoVII; Nervo SanchezV; Talita Antônia F. MonteiroIV; Alexandre C. LinharesIV

ISeção de Virologia, Instituto Evandro Chagas, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Belém, PA. Departamento de Pediatria, Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA

IIGlaxoSmithKline, Rio de Janeiro, RJ. Professora adjunta, Instituto Carlos Chagas, Rio de Janeiro, RJ

IIISeção de Virologia, Instituto Evandro Chagas, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Belém, PA. Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém, PA

IVSeção de Virologia, Instituto Evandro Chagas, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Belém, PA

VGlaxoSmithKline, Rio de Janeiro, RJ

VISeção de Virologia, Instituto Evandro Chagas, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Belém, PA. Secretaria Municipal de Saúde de Belém, Belém, PA

VIIUEPA, Belém, PA

Correspondência Correspondência: Alexandre C. Linhares Instituto Evandro Chagas, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde Av. Almirante Barroso, 492 CEP 66090-000 - Belém, PA Email: alexandrelinhares@iec.pa.gov.br

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a segurança, imunogenicidade e eficácia de duas doses da vacina contra o rotavírus em lactentes brasileiros saudáveis.

MÉTODOS: Foi realizado um estudo randomizado, multicêntrico, duplo-cego e controlado por placebo no Brasil, México e Venezuela. Os lactentes receberam duas doses orais de vacina ou placebo aos 2 e 4 meses de idade, juntamente com as imunizações de rotina, exceto a vacina oral contra poliomielite (VOP). O presente estudo relata apenas os resultados obtidos em Belém, Brasil, onde o número de indivíduos por grupo e os títulos da vacina viral foram os seguintes: 194 (104,7 unidades formadoras de focos - UFF), 196 (105,2 UFF), 194 (105,8 UFF) e 194 (placebo). A resposta de anticorpos anti-rotavírus (anti-RV) foi avaliada em 307 indivíduos. A gravidade clínica dos episódios de gastroenterite (GE) foi determinada através de um escore com 20 pontos, onde um valor > 11 foi considerado como GE grave.

RESULTADOS: As taxas de sintomas gerais solicitados foram semelhantes tanto nos indivíduos que receberam a vacina como naqueles a quem se administrou placebo. Aos 2 meses após a segunda dose, ocorreu resposta em termos de IgA sérica para RV em 54,7 a 74,4% dos vacinados. Não houve interferência na imunogenicidade das vacinas de rotina. A eficácia da vacina contra qualquer gastroenterite por rotavírus (GERV) foi de 63,5% (IC95% 20,8-84,4) para a maior concentração (105,8 UFF). A eficácia foi de 81,5% (IC95% 44,5-95,4) contra GERV grave. Em sua maior concentração (105,8 UFF), a RIX4414 conferiu uma proteção de 79,8% (IC95% 26,4-96,3) contra GERV grave causada pela amostra G9.

CONCLUSÕES: A RIX4414 foi altamente imunogênica com baixa reatogenicidade, e não interferiu na resposta sérica à difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e antígenos Hib. Duas doses da RIX4414 conferiram proteção significativa contra a GE grave causada pelo RV.

Palavras-chave: Rotavírus, gastroenterite, vacina, eficácia.

Introdução

O rotavírus (RV) é a principal causa de gastroenterite (GE) grave com desidratação no período inicial da infância e estima-se que seja responsável anualmente por 25 milhões de consultas clínicas, 2 milhões de internações e mais de 600.000 de mortes entre crianças menores de 5 anos1. Taxas de incidência de RV semelhantes nos países desenvolvidos e em desenvolvimento sustentam a hipótese de que uma vacina, mais do que melhorias na higiene e no saneamento, seja provavelmente eficaz no controle da gastroenterite por rotavírus (GERV)2.

Vários estudos realizados na América Latina indicam que o RV é a principal causa de morbi-mortalidade relacionada à diarréia na pré-infância e infância, sendo responsável por 75.000 internações e 15.000 mortes todo ano3. Pelo menos 36 estudos brasileiros demonstraram que o RV é responsável por 4,5-46% dos casos de diarréia aguda entre os pacientes internados e/ou ambulatoriais4. Estimativas preliminares mostram que pelo menos 2.000 mortes relacionadas ao RV ocorrem anualmente no Brasil entre crianças com menos de 5 anos de idade5. Inúmeros estudos feitos no Brasil apontam para a diversidade de amostras dos RV circulantes. Embora o RV pertencente ao sorotipo G1 pareça predominar, amostras incomuns como a G5 e o sorotipo G9, que vêm ocorrendo no mundo todo, também foram detectadas2,6,7.

Estudos anteriores realizados no Brasil incluíram a avaliação de uma vacina contra rotavírus tetravalente, contendo rotavírus de origens símia e humana, geneticamente reestruturados (RRV-TV) e com baixa concentração (4 x 104 unidades formadoras de placa - UFP/dose). Essa vacina conferia apenas uma proteção parcial contra qualquer GE, moderada ou grave2. Uma formulação 10 vezes maior que a da RRV-TV (designada RotashieldTM, Wyeth-Laboratories, Inc., Marietta, PA, EUA), foi altamente eficaz (80%-100%) contra doença grave causada por RV e hospitalização2. Em agosto de1998, a RotashieldTM foi licenciada e subseqüentemente recomendada para vacinação universal nos EUA, mas foi posteriormente suspensa devido ao aumento quanto ao risco de intussuscepção nos 3 a 14 dias após a primeira e segunda doses da vacina2,8.

Atualmente existem duas vacinas recém-produzidas que foram submetidas a ensaios de fase III. Uma é a vacina pentavalente com amostras virais de origens bovina e humana, geneticamente reestruturadas (RotateqTM), desenvolvida pelo laboratório Merck (EUA). A outra, que vem sendo investigada em larga escala nos países desenvolvidos e em desenvolvimento é a RotarixTM (RIX4414), desenvolvida pelo laboratório GlaxoSmithKline Biologicals, Bélgica.

A RIX4414 é uma amostra G1P[8] de rotavírus de origem humana, atenuada. É derivada da amostra 89-12 após passagens em cultivo celular e clonagem. Essa amostra apresentou resultados promissores nos estudos de eficácia realizados nos EUA, com leve reatogenicidade9. Em estudos de dosagem com crianças finlandesas10 e ensaios de fase III realizados na Finlândia, América Latina (Brasil, México e Venezuela) e Cingapura, a RIX4414 mostrou-se altamente eficaz contra a GERV grave11,12.

Este artigo discorre sobre a segurança, imunogenicidade e eficácia de duas doses de RIX4414 em lactentes saudáveis de Belém, Brasil, onde a cepa heteróloga (G9) de RV é predominante.

Métodos

O protocolo de pesquisa, emendas e consentimento informado foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa Institucional e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. O estudo foi realizado conforme a versão de outubro de 1996 da Declaração de Helsinki e as diretrizes para Boas Práticas Clínicas.

Esse estudo multicêntrico de fase IIb (444563/006) incluiu 2.155 lactentes saudáveis, distribuídos da seguinte forma: Brasil (n = 778), México (n = 405) e Venezuela (n = 972).

Um termo de consentimento com informações foi assinado pelos pais ou responsáveis antes da inclusão dos 778 lactentes de Belém, que receberam a primeira dose da vacina entre maio de 2001 e abril de 2002. A maioria desses lactentes provinha de famílias de baixa renda e residiam nos subúrbios de Belém; geralmente eram bem nutridos, com apenas alguns casos leves de desnutrição. O exame físico foi feito por um pediatra, quando os critérios de inclusão/exclusão e possíveis contra-indicações foram averiguados. Os indivíduos elegíveis, recém-nascidos a termo e saudáveis, com idades entre 6 e 12 semanas e com peso ao nascimento > 2.000 g foram alocados aleatoriamente a um dos quatro grupos correspondentes às três concentrações de vacina e ao placebo. Essa distribuição aconteceu de acordo com uma proporção 1:1:1:1, com base numa lista de randomização gerada por computador.

A vacina foi fornecida na forma liofilizada e mantida a 2-8 ºC até o momento da administração. A vacina foi reconstituída com um diluente contendo carbonato de cálcio como tampão. Cada dose continha ou 104,7 unidades formadoras de focos (UFF), 105,2 UFF, ou 105,8 UFF de RIX4414. O placebo era idêntico à RIX4414, mas sem o componente viral. Cada lactente recebeu 1 mL da vacina reconstituída ou do placebo, via oral, aos 2 e 4 meses de idade, aproximadamente. A vacinação foi remarcada naqueles lactentes que apresentaram febre (temperatura axilar > 37,5 ºC) ou GE nos 7 dias anteriores. A alimentação foi liberada antes e depois da adminsitração da vacina.

Os lactentes receberam vacinas de rotina como a TritanrixTM (toxóide contra difteria e tétano, vacina de células inteiras contra coqueluche, DPTw, e hepatite B), HiberixTM [Haemophilus influenza tipo B (Hib)], e vacina oral contra pólio. A última foi administrada a intervalo de pelo menos 14 dias antes ou depois da administração da vacina de estudo.

Os pais ou responsáveis receberam instruções para registrar a ocorrência dos sintomas solicitados em fichas de acompanhamento por 15 dias após cada dose. Visitas domésticas semanais foram realizadas por pesquisadores de campo para verificar se as fichas de acompanhamento estavam sendo preenchidas corretamente. Os sintomas clínicos não solicitados também foram registrados nos 43 dias subseqüentes a cada vacinação. Uma investigação detalhada de efeitos adversos graves foi realizada durante todo o período de estudo. Um comitê independente de monitoramento de segurança analisou todos os eventos adversos graves.

Amostras sangüíneas obtidas antes da vacinação foram coletadas de todos os lactentes durante sua primeira visita, para avaliar infecções prévias por RV. As alíquotas de sangue venoso subseqüentes foram obtidas de uma coorte de 307 lactentes, 2 meses após a primeira e segunda doses. Amostras de sangue também foram coletadas de todos os lactentes durante a visita de acompanhamento, quando os mesmos já tinham 1 ano. A IgA anti-RV foi medida pelo ELISA, conforme descrito anteriormente9. Amostras séricas do subgrupo de imunogenicidade (n = 307) foram testadas quanto a anticorpos para antígenos de vacinas de rotina (difteria, tétano, coqueluche, hepatite B, Hib e os três sorotipos de poliovírus). Amostras de fezes foram coletadas dos primeiros 200 lactentes após cada dose, para avaliar a excreção de antígeno contra RV. Em um primeiro momento, as amostras foram testadas pelo ELISA9. As amostras positivas para RV ainda foram submetidas à reação em cadeia da polimerase, precedida de transcrição reversa (RT-PCR), a fim de determinar o sorotipo G13. Uma análise subseqüente da seqüência de oligonucleotídeos foi realizada com todas as cepas G1 de RV para diferenciar os sorotipos G1 selvagens de RV daqueles derivados da vacina.

Quando a primeira dose da vacina foi administrada e até o primeiro ano de vida, cada criança foi visitada semanalmente em seu lar por pesquisadores de campo treinados, a fim de detectar episódios de GE aguda (definidos como três ou mais evacuações líquidas ou semilíquidas em um período de 24 horas). Considerou-se que quando o lactente, durante cinco ou mais dias, tinha menos de três evacuações com fezes menos consistentes do que o normal a cada 24 horas, o episódio havia chegado ao fim. As instruções foram reforçadas para que os pais ou responsáveis telefonassem aos pesquisadores caso seus filhos apresentassem diarréia. Durante os episódios diarréicos, os sintomas foram registrados pelos pais ou responsáveis em fichas apropriadas de acompanhamento, cujo preenchimento foi averiguado pelos pesquisadores de campo. A gravidade da GERV foi determinada por um sistema de escores totalizando o máximo de 20 pontos14. Casos de GERV com escores de 0 a 6, 7 a 10 e > 11 foram definidos como leves, moderados e graves, respectivamente.

Amostras de fezes foram obtidas assim que possível após um episódio de diarréia, mas nunca depois de 7 dias do início dos sintomas. Todas as amostras foram primeiramente testadas quanto à presença do antígeno de RV usando teste de ELISA disponível no mercado (Premier RotacloneTM, Meridian Diagnostics, Inc., Cincinnati, Ohio, EUA), sendo posteriormente confirmadas a partir de um ELISA diferente9. A sorotipagem das amostras de RV foi feita através da reação em cadeia da polimerase, precedida de transcrição reversa (RT-PCR), como descrito anteriormente13. O RV com sorotipo G1 ainda foi analisado para diferenciar a amostra derivada da vacina daquela selvagem.

A análise geral dos dados foi realizada no laboratório GSK Biologicals, usando o software SAS (versão 8.2) e Proc StatXact-5 no Windows NT 4.0, que já foi descrito amplamente em outros estudos15. O tamanho amostral do estudo multinacional (Brasil, México e Venezuela) foi calculado com base na taxa de incidência de RV antecipada de 12% para aqueles que receberam placebo durante o período de estudo e com base numa eficácia de 70% da vacina15. Um tamanho amostral original de 2.076 lactentes foi estimado (números semelhantes planejados para cada país), para conferir um poder de 89% na avaliação da eficácia contra qualquer GERV. Para Belém, a taxa de incidência total de RV de 12% para o grupo placebo é comparável àquela relatada em um estudo longitudinal local anterior5.

Resultados

Um total de778 lactentes participou do estudo, dos quais 194 foram alocados no grupo 104,7, 196 no grupo 105,2, 194 no grupo 105,8, e 194 no grupo placebo. As características demográficas desses grupos foram comparáveis em termos de idade, gênero, altura, peso e raça. Um esquema vacinal completo com duas doses foi alcançado em 95,8% (n = 745) dos lactentes, entre julho de 2001 e julho de 2002. Houve 33 perdas causadas por: efeito adverso grave (n = 1); efeito adverso não-grave (n = 1); falta de consentimento (n = 13); migração da área de estudo (n = 17); e perda de seguimento (n = 1). Foram submetidos à análise de segurança 778 crianças, representando a coorte total vacinada. Um total de 745 lactentes foi incluído na avaliação de eficácia de acordo com o protocolo e 268 foram incluídos na avaliação da imunogenicidade de acordo com o protocolo. A Tabela 1 mostra que a RIX4414 foi bem tolerada. As taxas de sintomas solicitados (febre, tosse, diarréia, vômito, irritabilidade e perda de apetite) durante o período de 15 dias de seguimento após a primeira e segunda doses não diferiram significativamente entre os que receberam a vacina e aqueles do grupo placebo.

A freqüência de lactentes com pelo menos um evento adverso não solicitado nos 43 dias após a vacinação foi semelhante entre os grupos de estudo: 78,9% (IC95% 72,4-84,4) no grupo 104,7 UFF, 78,6% (IC95% 72,2-84,1) no grupo 105,2 UFF, 75,3% (IC95% 68,6-81,2) no grupo 105,8 UFF e 78,9% (IC95% 72,4-84,4) no grupo placebo. Os eventosadversos não-graves relacionados ao sistema respiratório foram predominantes, especialmente bronquite e tosse. Nenhum caso de intussuscepção foi relatado.

Os resultados das soroconversões de IgA no teste ELISA são apresentados na Figura 1. As respostas de anticorpos anti-RV após a primeira dose foram semelhantes para as três concentrações de vacina, tendo oscilado entre 36,8% e 39,1%. Taxas elevadas de conversão do anticorpo IgA foram observadas 2 meses após a segunda dose da vacina, situando-se entre 54,7% e 74,4% a considerar os três grupos de vacina.


A excreção de antígeno do RV no sétimo dia após a primeira dose foi maior no grupo 105,2 UFF. As porcentagens de vacinados com excreção de antígeno viral 7 dias após a segunda dose foram mais baixas que para a primeira dose, oscilando entre 10,7% e 24,0%, considerando-se as três concentrações de vacinas testadas. Nenhum lactente do grupo placebo excretou amostras da vacina contra RV (dados não apresentados).

A Tabela 2 mostra que a RIX4414, administrada concomitantemente às vacinas de rotina, não interferiu na resposta imune à difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e antígenos Hib. Taxas semelhantes de soropositividade ou soroproteção foram observadas 2 meses após a segunda dose (aos 6 meses de idade), ao se compararem os grupos que receberam vacina ou placebo. Não houve diferenças significativas nas respostas sorológicas às três amostras de poliovírus, administradas com 2 semanas de intervalo em relação à vacina contra RV, entre os grupos de vacina e placebo. Níveis semelhantes de anticorpos persistiram até 4 meses após a terceira dose (1 ano de idade) das vacinas de rotina, comparados os lactentes que receberam a vacina àqueles do grupo placebo.

Ao todo, 69 episódios de GERV foram detectados durante o período de seguimento da eficácia, dos 15 dias após a segunda dose até que o lactente atingisse 1 ano de idade. Quatorze (20,3%) episódios foram leves, 14 (20,3%) moderados e 41 (59,4%) graves. Desses 69 isolamentos de RV, 67 (97,1%) foram sorotipados. Os sorotipos G9 e G1 selvagem predominaram, correspondendo a 62,7% e 32,8% das amostras, respectivamente. Contudo, o G3 e um isolamento compreendendo os sorotipos G4 e G9 foram identificados. Uma amostra de RV de origem canina foi encontrada em um caso.

A Tabela 3 apresenta a eficácia protetora da RIX4414 contra a GERV para cada grupo de vacinas versus o grupo placebo, de acordo com a gravidade clínica. Os títulos virais da vacina de 105,2 UFF ou mais conferiram taxas de proteção de até 81,5% (IC95% 44,5-95,4) e de 93,0% (IC95% 54,3-99,8) para GERV grave e internações, respectivamente. A concentração viral mais alta da vacina (105,8 UFF) conferiu uma proteção de 63,5% (IC95% 20,8-84,4) contra qualquer GERV.

A concentração viral mais alta (105,8 UFF) da vacina RIX4414 conferiu 79,8% (IC95% 26,4-96,3) de proteção contra a GERV grave causada pelo sorotipo G9. A proteção contra GERV grave causada pela amostra homóloga G1 foi de 78% entre os lactentes que receberam essa formulação da vacina RIX4414, embora com um intervalo de confiança amplo devido ao pequeno número de casos (dados não apresentados na tabela).

Discussão

O presente estudo demonstrou que a vacina RIX4414 foi bem tolerada por lactentes saudáveis nas doses analisadas. Comparados os grupos de vacina ao grupo placebo, não houve diferenças significativas nas freqüências de sintomas solicitados. A alta ocorrência de febre observada foi decorrente provavelmente da administração concomitante do componente de coqueluche de células inteiras das vacinas DTPw-HBV e Hib, fato observado em ambos os grupos. Deve-se enfatizar que a DTPw-HB não é usada rotineiramente no Brasil; na verdade, as crianças brasileiras recebem a DTPw-Hib juntamente com a VOP. Os dados sobre tolerabilidade desse estudo em Belém confirmam a baixa reatogenicidade da RIX4414, previamente descrita entre crianças finlandesas10,12. Como mencionado anteriormente, a coorte brasileira fez parte de um estudo multinacional de fase II. Nesse contexto, os achados locais em termos de reatogenicidade foram semelhantes àqueles obtidos no estudo como um todo, mas uma comparação entre as crianças brasileiras, mexicanas e venezuelanas não pode ser feita atualmente porque os dados específicos por país ainda não foram publicados11,15.

Nenhum evento adverso grave relacionado à vacina foi relatado em Belém ou em qualquer outro lugar. Embora o número de crianças no presente estudo não tenha sido suficiente para avaliar o risco de intussuscepção, os dados de um grande estudo de fase III sobre a RIX4414 em 11 países latinoamericanos e na Finlândia, incluindo mais de 63.000 indivíduos, claramente descartaram tal risco16.

No geral, um esquema com duas doses de vacina foi considerado imunogênico em lactentes previamente soronegativos e houve uma grande tendência de soroconversão com concentrações virais elevadas. Percebeu-se também que a segunda dose da vacina aumentou significativamente as taxas de soropositividade.

Para o maior título da vacina (105,8 UFF), as respostas em termos de IgA sérica para rotavírus detectadas pelo ELISA estiveram presentes em mais de 60% dos lactentes brasileiros após a segunda dose (Figura 1). Essas taxas foram mais baixas que aquelas observadas em Cingapura (106,1 UFF), Estados Unidos (105,0 UFF)e Finlândia (104,7 UFF), onde a porcentagem de lactentes com soroconversão ultrapassou 80%10,15. Embora os títulos virais da vacina e a idade no momento da primeira dose tenham sido diferentes entre esses estudos, outras razões para baixa imunogenicidade local devem ser consideradas. Conforme descrito para outros países em desenvolvimento, fatores tais como efeito supressor dos anticorpos fornecidos pelo leite materno ou via placentária, bem como a competição envolvendo outros vírus entéricos parecem ser importantes2.

Uma proporção significativa (> 30%) de indivíduos tratados com a RIX4414 e que receberam uma das duas concentrações mais altas da vacina (105,2 UFF ou 105,8 UFF) apresentaram antígenos virais da vacina nas fezes ao sétimo dia após a vacinação, com menor excreção desse antígeno a partir de então. É importante observar que as taxas de excreção de antígeno viral em Belém foram semelhantes àquelas registradas em um estudo multicêntrico de fase II na América Latina15.

A demonstração em Belém e em outros lugares de que não houve interferência quando a RIX4414 foi administrada conjuntamente com as vacinas de rotina contra difteria, tétano, coqueluche e hepatite B é de suma importância para a implementação de programas vacinais futuros contra RV nos países em desenvolvimento11,15.

Em relação à VOP administrada com 2 semanas de intervalo em relação à RIX4414, estudos recentes na África do Sul, onde ambas as vacinas foram administradas em conjunto, mostraram que as duas doses da RIX4414 não influenciaram a soroproteção induzida por quaisquer dos três sorotipos de poliovírus17.

Em Belém, mais de 60% dos episódios de GERV durante o primeiro período de seguimento da eficácia foram causados pelo sorotipo G9, um tipo recente que vem se difundindo no mundo todo e que foi recentemente associado a doença mais grave na América Latina18,19. A ampla predominância do sorotipo G9 confere características únicas ao estudo realizado em Belém, se comparado a outros estudos com a RIX4414, em que a maioria dos isolamentos era do tipo G110-12,15.

A amostra viral de origem canina, obtida das fezes de um lactente do grupo placebo, pode representar uma reestruturação genética entre amostras virais de origens humana e animal, mas também suscita a hipótese de uma transmissão entre espécies20.

A maioria dos episódios de GERV em Belém foi causada pelo sorotipo G9 e constituiu uma oportunidade para avaliar o desempenho da vacina em um ambiente onde amostra heteróloga de RV era predominante. Foi possível mostrar, portanto, uma proteção significativa (~80%; IC95% 26,4-96,3) contra GE grave causada por esse sorotipo. Embora os vacinados também tenham exibido uma redução de até 78% na GE grave causada por sorotipo G1, isso não foi estatisticamente significativo devido ao pequeno número de isolamentos. Todavia, como esperado, registre-se uma proteção significativa conferida pela vacina RIX4414 contra doença grave causada pelo sorotipo homólogo G1 descrita em vários outros estudos12,15, mesmo durante um extensoestudo de fase III recentemente concluído na América Latina, incluindo Belém16. O presente estudo mostra que a RIX4414 é altamente eficaz (81%; IC95% 32,7-96,5) contra infecções graves causadas por sorotipos não-G1. Esses achados são extremamente importantes, pois representam uma comprovação clínica de que essa vacina com especificidade antigênicaG1P[8] confere proteção cruzada em um país onde há reconhecida ampla diversidade de amostras circulantes2,5,6. RVs do tipo G2 não foram identificados no período de estudo em Belém.

Os resultados advindos desse subgrupo brasileiro do estudo de fase IIb reforçam as observações anteriores de que a vacina RIX4414 denota um desempenho satisfatório, especialmente porque a população local estudada refletia baixas condições socioeconômicas e alta incidência de doença diarréica, que são características de muitos países em desenvolvimento. Um extenso estudo de fase III foi recentemente concluído em 11 países latinoamericanos, confirmando o perfil de segurança total e a eficácia significativa da vacina RIX4414 durante o primeiro ano de seguimento16. Existe um estudo em andamento sobre a eficácia da RIX4414 durante o segundo ano de acompanhamento das crianças em países latino-americanos. Na verdade, é preciso que haja uma duração maior da proteção conferida pela vacina, já que estudos anteriores mostraram que um número significativo de episódios de GERV ocorre durante o segundo ano de vida2. Um outro desafio consiste em avaliar o desempenho da RIX4414, e de outras novas vacinas contra o RV, a partir de estudos clínicos em populações sujeitas a extrema pobreza na Ásia e África, onde se revela sobremaneira expressivo o impacto da doença por RV.

Agradecimentos

Este estudo foi patrocinado pelo laboratório GlaxoSmithKline Biologicals, Rixensart, Bélgica, e recebeu subsídios da Organização Mundial da Saúde, Genebra, Suíça. Agradecemos às crianças e suas famílias por terem participado desse estudo. Também agradecemos à equipe de campo, líderes comunitários, e às autoridades sanitárias nacionais e locais que possibilitaram a realização desse estudo em Belém, Brasil. Gostaríamos de agradecer também os comentários feitos pela Dra. Patrícia Brasil, Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, a respeito do manuscrito. Somos imensamente gratos ao Dr. Alain Bouckenooghe e à Dra Karin Hardt, GlaxoSmithKline, por seus valiosos comentários acerca do artigo, e à Dra. Slavka Baronikova por coordenar a preparação do artigo e pela assistência editorial.

Conflitos de interesse

A. C. Linhares foi o principal pesquisador durante o estudo sobre a vacina RIX4414 em Belém, PA. Sua instituição, Instituto Evandro Chagas, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, em um acordo estabelecido com a GSK e com uma fundação local, recebeu verbas para pesquisa destinadas unicamente para cobrir despesas com pessoal externo, suprimentos, serviços e equipamentos.

Artigo submetido em 10.08.06, aceito em 26.12.06.

  • 1. Parashar UD, Gibson CJ, Bresee JS, Glass RI. Rotavirus and severe childhood diarrhea. Emerg Infect Dis. 2006;12:304-6.
  • 2. Linhares AC, Bresee JS. Rotavirus vaccines and vaccination in Latin America. Rev Panam Salud Publica. 2000;8:305-31.
  • 3
    Pan American Health Organization, World Health Organization. Regional Meeting on the Implementation of Rotavirus Epidemiological Surveillance. Final Report; 2003 Sep 4-5; Lima, Peru.
  • 4. Linhares AC. Population-based surveillance of Rotavirus in Brazil [abstract]. In: International RV Symposium 6; 2004 Jul 7-9; Mexico City, Mexico.
  • 5. Linhares AC. Epidemiologia das infecções por rotavírus no Brasil e os desafios para o seu controle. Cad Saude Publica. 2000;16:629-46.
  • 6. Leite JP, Alfieri AA, Woods PA, Glass RI, Gentsch JR. Rotavirus G and P types circulating in Brazil: characterization by RT-PCR, probe hybridization, and sequence analysis. Arch Virol. 1996;141:2365-74.
  • 7. Costa PS, Cardoso DD, Grisi SJ, Silva PA, Fiaccadori F, Souza MB, et al. Rotavirus A infections and reinfections: genotyping and vaccine implications. J Pediatr (Rio J). 2004;80:119-22.
  • 8. Centers for Disease Control and Prevention. Withdrawal of Rotavirus vaccine recommendation. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1999;48:1007.
  • 9. Bernstein DI, Smith VE, Sherwood JR, Schiff GM, Sander DS, DeFeudis D, et al. Safety and immunogenicity of live, attenuated human Rotavirus vaccine 89-12. Vaccine. 1998;16:381-7.
  • 10. Vesikari T, Karvonen A, Korhonen T, Espo M, Lebacq E, Forster J, et al. Safety and immunogenicity of RIX4414 live attenuated human Rotavirus vaccine in adults, toddlers and previously uninfected infants. Vaccine. 2004;22:2836-42.
  • 11. De Vos B, Vesikari T, Linhares AC, Salinas B, Pérez-Schael I, Ruiz-Palacios GM, et al. A rotavirus vaccine for prophylaxis of infants against rotavirus gastroenteritis. Pediatr Infect Dis J. 2004;23(10 Suppl):S179-82.
  • 12. Vesikari T, Karvonen A, Puustinen L, Zeng SQ, Szakal ED, Delem A, et al. Efficacy of RIX4414 live attenuated human rotavirus vaccine in Finnish infants. Pediatr Infect Dis J. 2004;23:937-43.
  • 13. Pang XL, Joensuu J, Hoshino Y, Kapikian AZ, Vesikari T. Rotaviruses detected by reverse transcription polymerase chain reaction in acute gastroenteritis during a trial of rhesus-human reassortant rotavirus tetravalent vaccine: implications for vaccine efficacy analysis. J Clin Virol. 1999;13:9-16.
  • 14. Ruuska T, Vesikari T. Rotavirus disease in Finnish children: use of numerical scores for clinical severity of diarrhoeal episodes. Scand J Infect Dis. 1990;22:259-67.
  • 15. Salinas B, Pérez-Schael I, Linhares AC, Ruiz-Palacios GM, Guerrero ML, Yarzábal JP, et al. Evaluation of safety, immunogenicity and efficacy of an attenuated rotavirus vaccine, RIX4414: a randomized, placebo-controlled trial in Latin American infants. Pediatr Infect Dis J. 2005;24:807-16.
  • 16. Ruiz-Palacios GM, Pérez-Schael I, Velázquez FR, Abate H, Breuer T, Clemens SC, et al. Safety and efficacy of an attenuated vaccine against severe rotavirus grastroenteritis. N Engl J Med. 2006;354:11-22.
  • 17. Steele AD, Tumbo J, Armah G, Reynders J, Scholtz F, Bos P, et al. Immunogenicity and reactogenicity of a new live attenuated oral rotavirus vaccine (RIX4414) when administered concurrently with poliovirus vaccines in African infants. In: International Congress of Pediatric; 2004 Aug 15-20; Cancun, Mexico.
  • 18. Santos N, Hoshino Y. Global distribution of rotavirus serotypes/genotypes and its implication for the development and implementation of an effective rotavirus vaccine. Rev Med Virol. 2005;15:29-56.
  • 19. Linhares AC, Verstraeten T, Wolleswinkel-van den Bosch J, Clemens R, Breuer T. Rotavirus serotype G9 is associated with more-severe disease in Latin America. Clin Infect Dis. 2006;43:312-4.
  • 20. Laird AR, Ibarra V, Ruiz-Palacios G, Guerrero ML, Glass RI, Gentsch JR. Unexpected detection of animal VP7 genes among common rotavirus strains isolated from children in Mexico. J Clin Microbiol. 2003;41:4400-3.
  • Correspondência:
    Alexandre C. Linhares
    Instituto Evandro Chagas, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde
    Av. Almirante Barroso, 492
    CEP 66090-000 - Belém, PA
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Recebido
      10 Ago 2006
    • Aceito
      26 Dez 2006
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br