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Linfoma não-Hodgkin na infância: características clínico-epidemiológicas e avaliação de sobrevida em um único centro no Nordeste do Brasil

Resumos

OBJETIVO: Descrever o perfil clínico-epidemiológico dos pacientes portadores de linfoma não-Hodgkin diagnosticados no Serviço de Oncologia Pediátrica do Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira em um período de 9 anos, bem como descrever sobrevida e possíveis associações prognósticas com as variáveis clínico-epidemiológicas estudadas. MÉTODOS: Estudo descritivo de corte transversal, realizado através da análise dos prontuários de 110 pacientes com linfoma não-Hodgkin admitidos na instituição no período de maio de 1994 a maio de 2003. As sobrevidas global e livre de doença foram analisadas através da técnica de Kaplan-Meier, e o teste de log rank foi utilizado para avaliar diferenças entre os grupos. RESULTADOS: A idade média foi de 6,1 anos, e a relação masculino-feminino, 2,4:1. O subtipo histológico mais freqüente foi o linfoma de Burkitt. A maioria dos pacientes foi diagnosticada em estádio III e IV da classificação de Murphy e provinha da zona rural. Renda familiar per capita inferior a 1/2 salário mínimo foi observada em 36,4%, e analfabetismo materno, em 12,7% dos casos. A probabilidade de sobrevida global e livre de doença aos 5 anos foi de 70±4% e 68±4%, respectivamente. Nenhuma das variáveis clínico-epidemiológicas analisadas mostrou associação estatística significante com a probabilidade de sobrevida dos pacientes (p > 0,05). CONCLUSÃO: Observamos incidência mais elevada do subtipo Burkitt e de crianças acometidas em idade mais jovem quando comparada à descrita em literatura estrangeira. A sobrevida observada aproximou-se dos resultados descritos pelos principais grupos cooperativos de tratamento de câncer infantil. As variáveis clínico-epidemiológicas analisadas não apresentaram associação prognóstica estatística significante.

Linfoma; infância; epidemiologia; câncer; sobrevida; países em desenvolvimento


OBJECTIVE:To describe the clinical and demographic characteristics of non-Hodgkin's lymphoma patients diagnosed at the Pediatric Oncology Unit at the Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP) over a 9-year period, and also to describe their survival rates and possible associations between the survival rates and the clinical and demographic characteristics analyzed in the study. METHODS:This was a cross-sectional study. Data were collected by a retrospective review of the charts of all 110 patients admitted to our unit during the period of May 1994 through May 2003. Probability of survival was calculated in accordance with the techniques of Kaplan-Meier, using log rank to evaluate differences between the groups. RESULTS:The average age was 6.1 years. The male/female ratio was 2.4:1. The most frequent histological subtype was Burkitt's lymphoma. The majority of patients had been diagnosed with advanced disease (stage III or IV of Murphy's Classification) and was from rural areas. Family income per capita was lower than 1/2 minimum wage in 36.4% of cases; maternal illiteracy was observed in 12.7% of cases. The 5-year overall survival and disease-free survival rates were 70±4% and 68.4±4%, respectively. None of the clinical-demographic characteristics had a significant association with the probability of survival (p > 0.05). CONCLUSION: Children admitted to the IMIP seemed to be affected by non-Hodgkin lymphoma at a younger age, with a higher incidence of Burkitt's lymphoma and with survival rates similar to those described in the literature of developed countries. No clinical demographic characteristics had a statistically significant association with prognosis.

Lymphoma; childhood; epidemiology; cancer; survival; developing countries


ARTIGO ORIGINAL

Linfoma não-Hodgkin na infância: características clínico-epidemiológicas e avaliação de sobrevida em um único centro no Nordeste do Brasil

Márcia Ferreira PedrosaI; Francisco PedrosaII; Mecneide M. LinsIII; Nicodemos T. Pontes NetoIV; Gilliatt Hanois FalboV

IMestre. Oncologista pediatra, Unidade de Oncologia Pediátrica, Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), Recife, PE

IIEspecialista em Cancerologia Infantil. Diretor médico, Unidade de Oncologia Pediátrica, IMIP, Recife, PE

IIIMestre. Oncologista pediatra, Unidade de Oncologia Pediátrica, IMIP, Recife, PE

IVMédico pediatra

VDoutor. Médico cirurgião pediátrico. Coordenador, Curso de Medicina, Escola Pernambucana de Medicina, Recife, PE

Correspondência Correspondência: Márcia F. Pedrosa Rua Joaquim Inácio, 187, Ilha do Leite CEP 500070-270 -Recife, PE Tel.: (81) 2101.8100, Fax: (81) 3421.2424 Email: marcia.pedrosa@cehope.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o perfil clínico-epidemiológico dos pacientes portadores de linfoma não-Hodgkin diagnosticados no Serviço de Oncologia Pediátrica do Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira em um período de 9 anos, bem como descrever sobrevida e possíveis associações prognósticas com as variáveis clínico-epidemiológicas estudadas.

MÉTODOS: Estudo descritivo de corte transversal, realizado através da análise dos prontuários de 110 pacientes com linfoma não-Hodgkin admitidos na instituição no período de maio de 1994 a maio de 2003. As sobrevidas global e livre de doença foram analisadas através da técnica de Kaplan-Meier, e o teste de log rank foi utilizado para avaliar diferenças entre os grupos.

RESULTADOS: A idade média foi de 6,1 anos, e a relação masculino-feminino, 2,4:1. O subtipo histológico mais freqüente foi o linfoma de Burkitt. A maioria dos pacientes foi diagnosticada em estádio III e IV da classificação de Murphy e provinha da zona rural. Renda familiar per capita inferior a 1/2 salário mínimo foi observada em 36,4%, e analfabetismo materno, em 12,7% dos casos. A probabilidade de sobrevida global e livre de doença aos 5 anos foi de 70±4% e 68±4%, respectivamente. Nenhuma das variáveis clínico-epidemiológicas analisadas mostrou associação estatística significante com a probabilidade de sobrevida dos pacientes (p > 0,05).

CONCLUSÃO: Observamos incidência mais elevada do subtipo Burkitt e de crianças acometidas em idade mais jovem quando comparada à descrita em literatura estrangeira. A sobrevida observada aproximou-se dos resultados descritos pelos principais grupos cooperativos de tratamento de câncer infantil. As variáveis clínico-epidemiológicas analisadas não apresentaram associação prognóstica estatística significante.

Palavras-chave: Linfoma, infância, epidemiologia, câncer, sobrevida, países em desenvolvimento.

Introdução

Embora raro na infância, o linfoma em crianças e adolescentes vem recebendo cada vez mais atenção entre os pesquisadores, não só por sua importância crescente do ponto de vista epidemiológico, como também pelos grandes avanços observados no seu diagnóstico e tratamento.

As neoplasias malignas representam a segunda causa de óbito infantil nos países desenvolvidos e a quarta causa de morte entre crianças e adolescentes no Brasil, sendo a segunda causa mais freqüente de óbito, em nosso país, na faixa etária de 5 a 9 anos, em que são apenas menos freqüentes do que as mortes por causas externas1,2.

Nesse contexto, os linfomas representam a terceira neoplasia maligna mais freqüentemente diagnosticada em crianças e adolescentes na faixa etária de 0 a 15 anos, sendo 60% dos casos representados pelos linfomas não-Hodgkin (LNH) e 40% pelos linfomas de Hodgkin.

Importantes diferenças em relação às características clínico-epidemiológicas dos LNH diagnosticados na infância são relatadas de acordo com a região geográfica estudada3,4.

Na África Equatorial, o LNH do subtipo histológico Burkitt corresponde a 50% de todos os cânceres diagnosticados na faixa pediátrica e apresenta alta incidência de tumor primário envolvendo a mandíbula, ao passo que, nas demais regiões do mundo, essa neoplasia corresponde a menos de 5% dos cânceres pediátricos, sendo a apresentação abdominal primária a mais comum3,5. No Nordeste do Brasil, também já foi anteriormente reportada uma alta freqüência do subtipo histológico Burkitt6,7.

Dentre os fatores prognósticos que vêm sendo estudados em LNH na infância, a carga tumoral no momento do diagnóstico, normalmente quantificada através do estadiamento e do nível sérico da desidrogenase láctea (DHL), é o fator de maior consenso na literatura. Outros fatores prognósticos importantes são: o tipo de tratamento e o local onde este é realizado com pacientes que utilizam esquemas terapêuticos mais modernos, em centros com experiência e infra-estrutura adequada, apresentando melhores taxas de sobrevida3.

Países em desenvolvimento freqüentemente apresentam taxas de sobrevida inferiores aos países desenvolvidos, sendo este achado usualmente relacionado ao baixo nível socioeconômico dessas regiões, o que inviabiliza o diagnóstico precoce e o emprego de tratamento eficaz8.

A escassez de dados existentes na literatura que demonstrem o comportamento dos LNH nas crianças de nossa região nos induziu a realizar o presente estudo, com o intuito de descrever as características clínico-epidemiológicas e socioeconômicas dos nossos pacientes portadores de LNH, avaliar sua sobrevida e buscar possíveis associações prognósticas com as variáveis analisadas no estudo.

Métodos

Foram incluídos no estudo todos os pacientes portadores de linfoma não-Hodgkin admitidos no Serviço de Oncologia Pediátrica do Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP) durante os seus primeiros 9 anos de funcionamento, período compreendido entre maio de 1994 e maio de 2003. Apenas um paciente foi excluído devido a dificuldades na análise de seus dados, pois foi admitido após o início de tratamento oncológico realizado em outro serviço.

O estudo foi descritivo, de corte transversal e baseado na revisão dos prontuários médicos, dos laudos radiológicos e anatomopatológicos e da ficha social, preenchida pelo nosso Departamento de Assistência Social. Foram analisados os seguintes dados: idade, sexo, estado nutricional, procedência, escolaridade materna, renda familiar total e per capita, subtipos histológicos, estadiamento, nível sérico da DHL, duração das queixas no momento do diagnóstico, sítio primário, esquema terapêutico, resposta terapêutica (recidiva, óbito ou remissão) e tempo de seguimento.

A fim de analisar a possível associação entre a probabilidade de sobrevida e as variáveis acima referidas, estas foram categorizadas, e os pacientes, alocados em grupos (Tabela 1).

O estado nutricional foi avaliado através do escore z, utilizando como padrão as curvas do National Center for Health Statistics, sendo considerados desnutridos os pacientes que apresentavam escore z abaixo de -2 DP da mediana do grupo de referência, conforme a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS)9.

Os laudos anatomopatológicos foram realizados por patologistas do Serviço de Oncologia Pediátrica do IMIP, que utilizaram a classificação histológica mais aceita naquele determinado período: Working Formulation,Revised European American Lymphoma Classification ou a classificação da OMS. Independente da classificação utilizada, os pacientes foram agrupados em três subtipos: de Burkitt, linfoblástico e de grandes células.

Estudo de imunohistoquímica passou a ser realizado em nosso centro para diagnóstico de LNH a partir de 1999, utilizando os seguintes marcadores: LCA, CD20, CD3, CD48 e ALK, para definição de linhagem celular B, T e não-B não-T, sendo o último utilizado nos LNH de histologia anaplásica.

O estadiamento foi realizado de acordo com a classificação de Murphy (Saint Jude Children's Research Hospital)10.

A dosagem sérica da DHL foi realizada dentro das primeiras 24 horas após a admissão do paciente, sendo considerada elevada quando acima de 500 UI/dL.

O esquema terapêutico utilizado foi indicado de acordo com o tipo histológico e/ou imunofenótipo do linfoma e com o período em que o paciente foi admitido. Os linfomas de Burkitt e os de grandes células de células B e/ou de apresentação primária abdominal foram tratados com um protocolo quimioterápico baseado no LMB-8911. A fim de reduzir a toxicidade relacionada à intensidade do regime quimioterápico, no período de 1995 a 1997 foi utilizado o LMB-89 modificado, com as seguintes alterações em relação ao protocolo original:

- Redução na dose de metotrexato para 1 g/m2 nos grupos B e C;

- Não escalonamento da dose de ciclofosfamida além de 500 mg/m2/dia durante os cursos do COPADM;

- Substituição do ciclo quimioterápico denominado CYVE pelo CYM, na consolidação do braço C do protocolo.

Para os linfomas linfoblásticos ou de grandes células com imunofenótipo T e/ou de apresentação primária não-abdominal, foi utilizado um protocolo terapêutico baseado no Total XIII B-SJCRH12.

Tratamento baseado no protocolo LSA2L213 foi utilizado em pacientes admitidos no primeiro ano do serviço, antes da adoção dos protocolos acima referidos.

O método de Kaplan-Meier foi utilizado para estimar a sobrevida global e a sobrevida livre de doença. Foram considerados eventos os óbitos por qualquer causa ou recidiva da doença. Foram censurados, na data da análise dos resultados, os pacientes que não sofreram qualquer evento, não sendo observada nenhuma perda de seguimento. O teste de log rank foi utilizado para comparação entre os grupos14.

Foram considerados óbitos precoces aqueles ocorridos nos primeiros 30 dias após admissão. A evolução da taxa de óbitos precoces foi avaliada através do teste de tendência (np trend test).

O nível de significância utilizado na decisão do teste estatístico foi de 5% (p < 0,05), e os intervalos de confiabilidade, de 95%.

Os dados foram inseridos em um banco de dados gerado pelo Epi-Info, versão 6, e os cálculos estatísticos executados com o apoio dos softwares especializados: SAS versão 8, SPSS versão 11 e Stata 9.2.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do IMIP.

Resultados

No período de maio de 1994 a maio de 2003, foram admitidos no Serviço de Oncologia do IMIP 110 pacientes com LNH.

Houve predominância do sexo masculino, com proporção de 2,4:1, e a idade variou de 21 meses a 15 anos, com média de 6,1±3,4 anos (mediana de 5 anos).

Vinte e cinco pacientes foram considerados desnutridos, o que correspondeu a 22,7% de nossos pacientes.

Apenas 31 pacientes (28,2%) eram procedentes da capital (Recife) e da Região Metropolitana, sendo o restante dos pacientes proveniente do interior ou de outros estados.

Uma vez que o preenchimento da ficha social somente passou a ser realizada rotineiramente em 1997, após a implantação definitiva do Departamento de Assistência Social do Serviço de Oncologia Pediátrica do IMIP, os dados referentes à escolaridade materna, renda familiar e renda familiar per capita não puderam ser obtidos em 38 (34,6%), 41 (37,2%) e 42 (38,2%) pacientes, respectivamente.

Em relação ao subtipo histológico, observou-se predominância do LNH do tipo Burkitt, compreendendo 78,2% (86) dos pacientes. A imunohistoquímica foi realizada em 33 dos 47 (70,2%) pacientes admitidos no período de 1999 a 2003, o que correspondeu a 30% dos 110 pacientes do estudo. Dos 33 pacientes que tiveram este estudo realizado, a linhagem B foi confirmada (CD20+) em 25 pacientes (75,7%), linhagem T (CD3+) em seis pacientes (18,2%) e não-B não-T (LCA+ com CD20- e CD3-) em dois pacientes (6,1%), ambos com histologia anaplásica e ALK+.

Apenas 10 (9,1%) pacientes apresentaram-se com doença localizada (estádio I e II) e 100 (90,9%) com doença avançada (estádio III ou IV); dentre estes, a maior parte, 95 (86,4%) pacientes, tinha linfomas com estádio III.

Níveis elevados de DHL (> 500 UI/dL) foram observados em apenas 36 (33%) pacientes, tendo este variado de 110 a 3.130 UI/dL, com média de 504,41±476,86 UI/dL (mediana de 364 UI/dL).

O tempo de duração das queixas variou de 3 a 365 dias, com média de 50,2±55,2 dias (mediana de 30 dias). Pacientes com duração das queixas acima de 30 dias corresponderam a 39,1% (43) dos casos.

Tumores primários de abdome foram os mais freqüentes em nossa casuística, representando 80,9% (89) dos pacientes.

O LMB-89 foi o protocolo mais utilizado, uma vez que os linfomas de Burkitt e primários de abdome predominaram nesse grupo de pacientes, sendo administrado em 89 (80,9%) pacientes; porém, 34 (30,9%) pacientes utilizaram a versão modificada com redução na intensidade do regime quimioterápico.

O tempo de seguimento foi, em média, de 3,31±2,83 anos, com mediana de 2,8 anos.

Dos 110 pacientes estudados, 94 (85,4%) entraram em remissão, e 16 (14,6%) evoluíram para o óbito nos primeiros 30 dias após o diagnóstico (óbito precoce), antes de serem avaliados em relação à remissão. Embora não tenha sido estatisticamente significativa (teste de tendência: p = 0,348), observou-se que a taxa de óbito precoce foi decrescente no decorrer dos anos analisados.

Daqueles que entraram em remissão, sete (7,4%) pacientes recaíram e 15 (16%) foram a óbito, sendo 11 em primeira remissão e quatro após recidiva.

A sobrevida global do nosso estudo foi de 73±4% e 70±4%, aos 2 e 5 anos, respectivamente (Figura 1).


Já a sobrevida livre de doença foi de 70±4% aos 2 anos e 68±4%, aos 5 anos. Nenhuma variável clínico-epidemiológica ou socioeconômica apresentou associação estatística significante com a sobrevida global e livre de doença (p > 0,05) (Tabela 2).

Discussão

Poucos dados são encontrados na literatura médica nacional a respeito do comportamento dos LNH na população infanto-juvenil em nossa região. O presente estudo descreve as características epidemiológicas, clínicas e socioeconômicas de crianças portadoras de LNH tratadas numa região de recursos limitados.

No período de maio de 1994 a maio de 2003, foram revisados os prontuários de 110 pacientes admitidos com diagnóstico de LNH no Serviço de Oncologia Pediátrica do IMIP, sendo essa casuística superior a vários outros relatos, em língua nacional e estrangeira, que reportam a experiência de uma única instituição no atendimento e tratamento desses pacientes.

A incidência de LNH aumenta uniformemente com a idade, sendo raramente diagnosticada antes de 2 anos3. Em nosso estudo, observamos que o LNH acomete crianças em idade mais jovem quando comparado ao relato na literatura estrangeira, fato este compatível com outros relatos que descrevem algumas das experiências brasileiras6,7,15,16. A possibilidade de etiologia infecciosa, principalmente relacionada ao vírus Epstein-Barr (VEB)4, na patogênese dos linfomas de Burkitt poderia em parte explicar o surgimento dessa enfermidade em pacientes mais jovens em nossa região, uma vez que se acredita que populações em situação socioeconômica mais desfavorável são expostas mais precocemente aos agentes infecciosos.

Em relação ao sexo, foi observada uma predominância de casos do sexo masculino, na proporção de 2,4:1, semelhante à descrita na literatura4.

Ao compararmos nossa freqüência de desnutrição com outros estudos envolvendo crianças brasileiras portadoras de neoplasia maligna15,17, observamos que a nossa foi mais baixa, fato este que merece análise mais profunda, visto que ambos os estudos utilizaram uma metodologia semelhante à nossa para a definição de desnutrição.

O percentual de analfabetismo materno em nosso grupo foi mais baixo se comparado aos dados de outra pesquisa realizada em nosso estado18, o que nos faz supor que talvez algumas crianças portadoras de LNH, filhos(as) de mães analfabetas, possam ter dificuldade de acesso aos serviços de saúde, entre outras causas, devido ao pouco entendimento de suas mães em relação ao processo saúde-doença.

O fato de mais de 70% de nossos pacientes serem provenientes do interior do estado reflete a abrangência do IMIP como hospital de referência na nossa região. Essa constatação, associada ao alto percentual de pacientes com renda familiar extremamente baixa, reforça a importância das instituições não-governamentais de suporte socioeconômico às famílias de crianças com câncer e da implementação de um serviço social ativo e eficaz, integrado à equipe multiprofissional que presta assistência a esse grupo de pacientes. No passado, antes da existência desses serviços de apoio, uma importante causa de falha do tratamento era o abandono do paciente, explicado em grande parte pelas dificuldades impostas pelas distâncias e pelas condições econômicas desfavoráveis observadas na maioria das famílias desses pacientes, inviabilizando o custo do tratamento fora de seu local de domicílio.

A duração das queixas entre nossos pacientes foi, em média, de 50 dias, estando em acordo com os achados de Pollock et al.19 em um estudo envolvendo 2.665 pacientes com tumores sólidos. Considerando o tempo de queixa superior a 30 dias como atraso diagnóstico, como já estabelecido anteriormente por outros autores20,21, observamos que cerca de 40% dos pacientes do nosso estudo tiveram seu diagnóstico retardado.

A alta prevalência de estádios elevados em nossa série está provavelmente relacionada, entre outras causas, ao grande número de pacientes com linfomas abdominais volumosos, diagnosticados tardiamente, e à predominância de tumores primários de mediastino no tipo histológico linfoblástico, associada à baixa freqüência de LNH com sítios primários mais superficiais, como tumores de cabeça e pescoço e tumores primários nodais, dificultando a detecção precoce dessa patologia em nossas crianças.

Evidenciamos uma alta prevalência de LNH do subtipo histológico Burkitt (78,2%), quando comparada a dados norte-americanos e europeus3. Essa observação, em relação à distribuição dos tipos histológicos, já havia sido descrita anteriormente por Sandlund et al.6, quando, na ocasião, foi relatada uma freqüência de 94% de linfoma de Burkitt em crianças portadoras de LNH em nossa região.

Esse achado sugere que o linfoma de Burkitt, em nossas crianças, apresenta um padrão de freqüência semelhante ao linfoma de Burkitt africano5, porém com apresentação clínica essencialmente abdominal, semelhante aos Burkitt esporádicos.

Evidências relacionadas a algumas características biológicas dos linfomas de Burkitt, como a associação com o VEB e o local do ponto de quebra no cromossomo 8, suportam a existência de subtipos patogenicamente distintos de linfoma de Burkitt em diferentes regiões do mundo4. Isso nos fazer supor que pacientes de nosso estudo poderiam ser acometidos por um tipo biologicamente distinto dos LNH descritos nas formas endêmicas (África) e esporádicas (demais regiões do mundo). Porém, à luz dos conhecimentos atuais, essa hipótese não pode ser confirmada, sendo necessários mais estudos a respeito para que a questão possa ser esclarecida.

A sobrevida de nossos pacientes aproxima-se, mas ainda é inferior, aos resultados atualmente apresentados pelos principais grupos cooperativos de tratamento do câncer infantil, que mostram sobrevida em torno de 80 a 90% para pacientes portadores de LNH (Tabela 3).

Verificamos, no entanto, que cerca de 50% dos nossos óbitos (16 dos 31 óbitos) aconteceram nos primeiros 30 dias após a admissão, sendo considerados óbitos precoces, freqüentemente associados a comorbidades, tais como complicações metabólicas, compressivas e infecciosas, relacionadas à doença em estádio avançado. Ao excluirmos tais óbitos das nossas análises de sobrevida, observamos uma sobrevida em torno de 80% aos 2 anos, próxima aos melhores resultados descritos na era atual.

Assim, acreditamos serem essenciais os esforços na tentativa de reduzir os óbitos precoces, melhorando a condição clínica nas quais estas crianças são admitidas, através de medidas como diagnóstico em fases mais precoces, melhoria da infra-estrutura hospitalar e da qualificação dos profissionais.

O impacto de tais medidas já resultou na melhora da sobrevida de nossos pacientes portadores de leucemia linfóide aguda, como relata Howard et al.28, podendo ainda estar relacionada à tendência decrescente na taxa de óbitos precoces observada no estudo durante os 9 anos de nossa análise.

Em relação à tentativa de verificação de fatores prognósticos, nenhuma associação estatística significante foi demonstrada entre as variáveis clínico-epidemiológicas e socioeconômicas e as sobrevidas global e livre de doença em nosso estudo, o que em parte poderia ser decorrente de amostragem insuficiente ou, ainda, relacionada ao importante suporte socioeconômico que as famílias de nossos pacientes recebem através de uma instituição não-governamental, fato já citado anteriormente como uma das possíveis causas na melhora da sobrevida de crianças com câncer em países de recursos limitados28.

Finalmente, sugerimos que novos estudos sejam realizados para melhor definir os fatores prognósticos e para elucidação dos fatores etiopatogênicos que possam estar associados à diferente forma de apresentação dos LNH em crianças de nossa região.

Agradecimentos

Ao Prof. José Natal Figueroa, Professor de Bioestatística do IMIP, pela ajuda prestimosa da análise dos dados estatísticos.

Ao Dr. Raul Ribeiro (International Outreach Program, St. Jude Children's Research Hospital), Dr. Scott Howard (International Outreach Program, St. Jude Children's Research Hospital), Sr. Hélio Monteiro, bibliotecário da Unidade de Oncologia Pediátrica do IMIP e Dra. Beatriz Camargo, Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP, pela colaboração na elaboração do projeto e do artigo.

Artigo submetido em 26.06.07, aceito em 17.10.07.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

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  • Correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      17 Out 2007
    • Recebido
      26 Jun 2007
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