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Creches e pré-escolas e as doenças transmissíveis

CARTAS AO EDITOR

Creches e pré-escolas e as doenças transmissíveis

Sr. Editor,

A utilização de creches e instituições coletivas de cuidado a crianças pequenas é tendência crescente, acompanhando o processo de urbanização ocorrido no Brasil1, seguindo o que já havia ocorrido nos países de industrialização mais antiga2.

Torna-se, portanto, altamente relevante a publicação da extensa revisão publicada pelo Jornal de Pediatria (JPED) no seu último número3. Nessa revisão, são incluídas as doenças transmissíveis que têm seu contágio aumentado no ambiente das creches e pré-escolas.

A revisão é extensa, assim como a lista de referências citadas pelos dois autores. No entanto, dois aspectos chamam a atenção e merecem ser comentados nesta correspondência. A primeira diz respeito à ausência completa de menção às doenças parasitárias intestinais dentre aquelas que têm sua transmissão aumentada em ambientes coletivos. Essa omissão não se justifica, visto que os autores chegam a incluir ectoparasitoses, como escabiose e pediculose.

Em estudo publicado em 20054, nosso grupo demonstrou um risco de infestação por enteroparasitos 1,5 vez maior em crianças de 1 a 5 anos de idade freqüentadoras de creches quando comparadas com controles pareados por idade e local de moradia. A ocorrência de parasitose intestinal no grupo das creches chegou a 63% versus 41,3% nos controles (p < 0,01).

Como se sabe e é amplamente documentado na literatura, a prevalência de enteroparasitoses nas diversas regiões e cidades brasileiras é alta5. A limitação do uso de referências nesta correspondência impede a citação de algumas, mas a prevalência variou de 53,5% em Botucatu (SP) a 23,4% em Estiva (RS). Portanto, consideramos esta omissão injustificável para um artigo publicado em um veículo que pretende atingir, no mínimo, a grande maioria dos pediatras brasileiros e latino-americanos.

O segundo aspecto diz respeito à escassa utilização de referências de periódicos brasileiros (quatro), ou de autores brasileiros (quatro identificados em artigos de periódicos internacionais e três dissertações) na extensa lista de referências (156) do artigo. Embora o resumo sugira que houve uma busca sistemática em bases de dados, não são esclarecidos os critérios para inclusão e/ou exclusão dos artigos encontrados. Uma vez que não é possível reproduzir os passos dos autores, não se podem inferir quais os critérios de escolha dos artigos.

O JPED e a Revista Brasileira de Saúde Materno-Infantil (RBSMI), por exemplo, não tiveram nenhum artigo que merecesse citação. Inclusive, há que se estranhar essa ausência, visto que o JPED está incluído nas bases de dados revisadas (MEDLINE e LILACS), e a RBSMI está incluída no LILACS. Rapidamente, em uma busca no SciELO utilizando o descritor creche, encontramos dois artigos no JPED e três na RBSMI. A pesquisa completa incluía 136 artigos. No MEDLINE, esta pesquisa resultou em 15 entradas, sendo uma do JPED.

Em estudo publicado ano passado6, vimos que a produção científica brasileira publicada em língua inglesa relativa à saúde da criança e do adolescente aumentou consideravelmente, com 7.222 artigos publicados identificados no MEDLINE nos últimos 15 anos (1990-2004). No entanto, esse número representa apenas 1% da produção em língua inglesa no banco de dados. Houve um aumento de 213% no período, considerado excelente, porém inferior ao atingido (264%) quando se consideram as outras faixas etárias.

Sr. Editor, temos a impressão de que esse aspecto não seja irrelevante, pois sabemos do esforço que essa Editoria e sua Diretoria têm empreendido para conseguir uma maior inserção internacional para o JPED, e do quão difícil é esta empreitada. Isso certamente passa pela citação de artigos da revista e de seus autores como forma de ampliar a divulgação de seus produtos. Em relação ao tema "creche e infecções", o JPED foi esquecido ou ele está esquecido do assunto?

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

Ricardo Queiroz Gurgel

Doutor. Professor adjunto, Departamento de Medicina, Universidade Federal de Sergipe (UFSE), São Cristóvão, SE.

Jailson de Barros Correia

Doutor. Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias, Universidade de Pernambuco (UPE), Recife, PE, Brazil. Diretor de Pesquisas, Instituto Materno-Infantil Prof. Fernando Figueira (IMIP), Recife, PE.

Resposta dos autores

Sr. Editor,

Em atenção à correspondência dos professores Ricardo Queiroz Gurgel e Jailson de Barros Correia referente ao artigo por nós publicado no Jornal de Pediatria, preliminarmente, ressaltamos e elogiamos a iniciativa de permitir a nossa manifestação, em uma clara demonstração do zelo conduzido no trato da divulgação da produção científica e, mais que isso, com a clareza de garantir um espaço salutar para proporcionar o necessário debate da comunidade científica.

As críticas são, por nossa característica e formação, sempre bem-vindas, haja vista sua disposição de promover o aprimoramento dos conhecimentos gerados e de sua aplicação. Este caso específico não foge à regra, e entendemos que este propósito está presente. Agradecemos a atenta leitura dedicada pelos professores e oferecemos as observações que julgamos pertinentes para o devido esclarecimento.

Em relação à observação das enteroparasitoses, a sua não inclusão pode ser explicada por termos dado ênfase à doença diarréica como síndrome, cuja manifestação clínica aumenta o risco de disseminação do agente, bem como por influência do ambiente de trabalho que nos impõe a prioridade de doenças notificáveis. De outro lado, baseamo-nos nas doenças listadas na Tabela 1 -Principais doenças infecciosas cuja ocorrência foi descrita em creches. Adicionalmente, pode-se subentender, não obstante a ausência de explicitação no corpo do texto, que a menção às doenças diarréicas traz implicitamente a presença das enteroparasitoses. Finalmente, ainda que se possa assumir a necessidade de uma análise voltada para esta classe de infecção, sua "omissão" não retira o mérito do trabalho publicado nem de suas orientações para a atuação dos pediatras, sejam eles nacionais ou estrangeiros.

Quanto ao segundo aspecto então considerado, assinalamos que não promovemos uma revisão sistemática, cujos pressupostos conceituais e metodológicos fogem ao escopo da revisão aqui formulada; trata-se, como está expresso no resumo, de uma revisão na qual se buscou "estudos que comparam o risco de doença infecciosa em crianças cuidadas dentro e fora de casa, associam o risco às características do cuidado dentro e fora de casa e avaliam a efetividade de medidas de prevenção". A partir dessa determinação metodológica, promoveu-se uma cuidadosa e extensa busca de material que fundamentasse a hipótese central do estudo, priorizando a citação e aproveitamento de artigos de revisão por possibilitar maior robustez na generalização de informações. Deixamos de citar ou referir algum trabalho? É possível, dado o volume existente, e não afastamos a possibilidade de ter cometido algum equívoco. Entretanto, certo estamos que não omitimos trabalhos seminais do tema, comprovação esta que se legitima tanto pela revisão promovida pelos pares quanto pelo próprio teor da correspondência encaminhada.

Em relação à pesquisa na base SciELO citada, dos 136 artigos localizados, 40 correspondem à criação de suínos ou outros animais, 42 abordam tópicos referentes à educação e desenvolvimento, 25 referem-se a doenças metabólicas ou nutricionais e alimentação, seis discorrem sobre tópicos de saúde bucal, dois sobre distúrbios de audição, dois sobre morbidade e mortalidade em creches (um dos quais deixou de ser citado por equívoco nosso, sendo referido pela dissertação que lhe deu origem, na referência 92)1, um versou sobre perfil de assistência, três sobre outros temas e, finalmente, 15 sobre doenças transmissíveis. Destes últimos, dois correspondem às referências 32 e 742,3, um está incluído no artigo de revisão apontado na referência 6 (Revista de Saúde Pública)4, oito descrevem surtos ou constituem estudos de prevalência sem os grupos de comparação por nós focalizados, um descreve recomendações de vacinação, dois são os artigos citados sobre enteroparasitoses. Além desses, há outro artigo que lamentamos não ter incluído (humanos que somos, estamos sujeitos a equívocos que este debate proporcionado pela Editoria permite, em parte, sanar), por tratar-se de artigo de revisão do Jornal de Pediatria sobre otite média aguda recorrente, apontando freqüência à creche como fator de risco5.

Com todo o respeito e consideração, não pretendemos polemizar com a forma expressa ou com as concepções referentes à inserção internacional de nossos periódicos nacionais. Este é um assunto bastante complexo, e qualquer ponderação sobre o mesmo exige um espaço de argumentação mais extenso do que este disponível. Concordamos plenamente com ambos os correspondentes sobre a constatação do "esforço que essa Editoria e sua Diretoria têm empreendido para conseguir uma maior inserção internacional para o Jornal de Pediatria", característica que, aliás, tem impulsionado e perseguido os editores das revistas científicas brasileiras. Queremos, isto sim, ressaltar e destacar o trabalho criterioso da Editoria do Jornal de Pediatria, que a coloca como uma revista de referência para a pediatria, elemento central para sua visibilidade e penetração nos meios acadêmicos/profissionais e, certamente, para embasar o seu processo de "internacionalização".

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

Maria Nesti

Mestre. Médica pediatra, Serviço de Epidemiologia Hospitalar, Núcleo de Informação em Saúde, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina,Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP.

Moises Goldbaum

Doutor. Professor, Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Pesquisador 2, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Referências (resposta dos autores) / References (authors' reply)

  • 1. Barros AJ, Ross DA, Fonseca WV, Williams LA, Moreira-Filho DC. Preventing acute respiratory infections and diarrhoea in child care centers. Acta Paediatr. 1999;88:1113-8.
  • 2. Malkki RM, Chen J, Honegger D, Simonnet C, Kushnir T, Soto J. A comparison of child day-care settings in four countries. Pediatrics. 1994;94(6 Pt 2):1100-1.
  • 3. Nesti MM, Goldbaum M. Infectious diseases and daycare and preschool education. J Pediatr (Rio J). 2007;83:299-312.
  • 4. Gurgel RQ, Cardoso GS, Silva AM, Santos LN, Oliveira RCV. Creche: ambiente expositor ou protetor nas infestações por parasitas intestinais em Aracaju, SE. Rev Soc Bras Med Tropical. 2005;38:267-9.
  • 5. de Carvalho TB, de Carvalho LR, Mascarini LM. Occurrence of enteroparasites in day care centers in Botucatu (São Paulo State, Brazil) with emphasis on Cryptosporidium sp., Giardia duodenalis and Enterobius vermicularis. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 2006;48:269-73.
  • 6. Blank D, Rosa LO, Gurgel RQ, Goldani MZ. Brazilian knowledge production in the field of child and adolescent health. J Pediatr (Rio J). 2006;82:97-102.
  • 1. Vico ES, Laurenti R. Mortalidade de crianças usuárias de creches no município de São Paulo. Rev Saude Publica. 2004;38:38-4
  • 2. Fuchs, SC, Maynart RC, Costa LF, Cardoso A, Schierloft R. Duration of day-care attendance and acute respiratory infection. Cad Saude Publica. 1996;12:291-6.
  • 3. Queiroz DA, Cardoso DD, Martelli CM, Martins RM, Borges AM, Daher RR. Risk factors and prevalence of antibodies against hepatitis A virus (HAV) in children from day-care centers, in Goiania, Brazil. Rev Inst Med Trop São Paulo. 1995;37:427-33.
  • 4. Barros AJ. Child-care attendance and common morbidity: evidence of association in the literature and questions of design. Rev Saude Publica. 1999;33:98-106.
  • 5. Lubianca Neto JF, Hemb L, Silva DB. Systematic literature review of modifiable risk factors for recurrent acute otitis in childhood. J Pediatr (Rio J). 2006;82:87-96.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jan 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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