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Uso do Índice de Qualidade da Dieta Infantil Revisado para avaliar a dieta alimentar de pré-escolares, seus preditores sociodemográficos e sua associação com peso corporal

Resumos

OBJETIVO: Determinar o nível de qualidade global da dieta, preditores sociodemográficos de qualidade da dieta e a associação entre qualidade da dieta e peso corporal em uma amostra nacionalmente representativa de pré-escolares. MÉTODOS: Estudo transversal utilizando uma amostra de crianças de 2 a 5 anos com dados sociodemográficos, alimentares e antropométricos (n = 1.521) do National Health and Examination Survey 1999-2002. A qualidade global da dieta foi determinada através do Índice de Qualidade da Dieta Infantil Revisado. Preditores sociodemográficos (idade, sexo, grupo sociodemográfico e étnico, renda domiciliar, freqüência escolar, participação em programa federal de alimentação) de qualidade da dieta foram determinados através de modelos de regressão linear múltipla na amostra total e estratificados por renda domiciliar para aquelas elegíveis no programa Food Stamp (< 1,3 da razão pobreza/renda) ou no Special Supplemental Program for Women, Infants, and Children (razão pobreza/renda < 1,85). A associação entre qualidade da dieta e a prevalência de obesidade infantil foi avaliada através dos testes de qui-quadrado de Pearson. Significância estatística foi estabelecida em p £ 0,05. Toda a análise foi conduzida por meio de rotinas complexas de delineamento da pesquisa. RESULTADOS: Em média, os pré-escolares consumiram níveis sub-ótimos de grãos integrais, frutas, vegetais e laticínios. A qualidade global da dieta diminuiu proporcionalmente ao aumento de idade (coeficiente beta: -2,38, p < 0,001), mas melhorou proporcionalmente ao aumento de renda domiciliar na amostra integral (coeficiente beta: 1,22, p < 0,001), mas não nas sub-populações de baixa renda. Crianças méxico-americanas apresentaram melhor qualidade de dieta do que crianças brancas não-hispânicas (coeficiente de beta: 2,18, p < 0,033), principalmente no grupo de baixa renda (coeficiente de beta: 3,57, p < 0,006). A prevalência de obesidade infantil diminuiu significativamente com o aumento da qualidade da dieta. CONCLUSÕES: A qualidade da dieta de pré-escolares precisa ser melhorada para dar apoio à prevenção de obesidade infantil nas fases iniciais da vida.

Dieta; pesquisas alimentares; obesidade; qualidade alimentar


OBJECTIVE: To determine the level of overall diet quality, sociodemographic predictors of diet quality, and the association between diet quality and body weight status in a nationally representative sample of preschoolers. METHODS: Cross-sectional study using a sample of 2-5 years old with sociodemographic, dietary, and anthropometric data (n = 1,521) in the National Health and Examination Survey 1999-2002. Overall diet quality was determined using the Revised Children's Diet Quality Index. Sociodemographic predictors (age, sex, sociodemographic, ethnic group, household income, preschool attendance, federal food program participation) of diet quality were determined using multiple linear regression models in the total sample and stratified by household income for Food Stamp eligible (< 1.3 of the poverty income ratio) or Special Supplemental Program for Women, Infants, and Children eligible (poverty income ratio < 1.85). Association between diet quality and prevalence of childhood obesity was assessed with Pearson chi-square tests. Statistical significance was assumed at p £ 0.05. All analysis was conducted using complex survey design routines. RESULTS: On average, preschooler consumed suboptimal levels of whole grains, fruits, vegetables, and dairy. Overall diet quality decreased with increasing age (beta-coefficient: -2.38, p < 0.001) but improved with increasing family income in the full sample (beta-coefficient: 1.22, p < 0.001) but not in the low-income subpopulations. Mexican American children had significantly better diet quality than non-Hispanic white children (beta-coefficient: 2.18, p < 0.033) especially in the low income group (beta-coefficient: 3.57, p < 0.006). Childhood obesity prevalence decreased significantly with increasing diet quality. CONCLUSIONS: Preschooler's diet quality needs to be improved to support the prevention of childhood obesity early in life.

Diet; diet surveys; obesity; food quality


ARTIGO ORIGINAL

Uso do Índice de Qualidade da Dieta Infantil Revisado para avaliar a dieta alimentar de pré-escolares, seus preditores sociodemográficos e sua associação com peso corporal

Sibylle KranzI; Jill L. FindeisII; Sundar S. ShresthaIII

IPhD, RD. Assistant professor, Department of Nutritional Sciences, Pennsylvania State University, PA, USA. Research associate, The Population Research Institute, Pennsylvania State University, PA, USA

IIPhD. Professor, Department of Agricultural Economics and Rural Sociology, Pennsylvania State University, PA, USA

IIIDepartment of Agricultural Economics and Rural Sociology, Pennsylvania State University, PA, USA

Correspondência Correspondência: Sibylle Kranz Department of Nutritional Sciences, Population Research Institute Pennsylvania State University 5 G Henderson Building 16802 - University Park, PA - USA Tel.: +1 (814) 865.2138 Fax: +1 (814) 865.5870 Email: sxk72@psu.edu

RESUMO

OBJETIVO: Determinar o nível de qualidade global da dieta, preditores sociodemográficos de qualidade da dieta e a associação entre qualidade da dieta e peso corporal em uma amostra nacionalmente representativa de pré-escolares.

MÉTODOS: Estudo transversal utilizando uma amostra de crianças de 2 a 5 anos com dados sociodemográficos, alimentares e antropométricos (n = 1.521) do National Health and Examination Survey 1999-2002. A qualidade global da dieta foi determinada através do Índice de Qualidade da Dieta Infantil Revisado. Preditores sociodemográficos (idade, sexo, grupo sociodemográfico e étnico, renda domiciliar, freqüência escolar, participação em programa federal de alimentação) de qualidade da dieta foram determinados através de modelos de regressão linear múltipla na amostra total e estratificados por renda domiciliar para aquelas elegíveis no programa Food Stamp (< 1,3 da razão pobreza/renda) ou no Special Supplemental Program for Women, Infants, and Children (razão pobreza/renda < 1,85). A associação entre qualidade da dieta e a prevalência de obesidade infantil foi avaliada através dos testes de qui-quadrado de Pearson. Significância estatística foi estabelecida em p £ 0,05. Toda a análise foi conduzida por meio de rotinas complexas de delineamento da pesquisa.

RESULTADOS: Em média, os pré-escolares consumiram níveis sub-ótimos de grãos integrais, frutas, vegetais e laticínios. A qualidade global da dieta diminuiu proporcionalmente ao aumento de idade (coeficiente beta: -2,38, p < 0,001), mas melhorou proporcionalmente ao aumento de renda domiciliar na amostra integral (coeficiente beta: 1,22, p < 0,001), mas não nas sub-populações de baixa renda. Crianças méxico-americanas apresentaram melhor qualidade de dieta do que crianças brancas não-hispânicas (coeficiente de beta: 2,18, p < 0,033), principalmente no grupo de baixa renda (coeficiente de beta: 3,57, p < 0,006). A prevalência de obesidade infantil diminuiu significativamente com o aumento da qualidade da dieta.

CONCLUSÕES: A qualidade da dieta de pré-escolares precisa ser melhorada para dar apoio à prevenção de obesidade infantil nas fases iniciais da vida.

Palavras-chave: Dieta, pesquisas alimentares, obesidade, qualidade alimentar.

Introdução

As taxas de obesidade infantil têm aumentado drasticamente nas últimas décadas nos EUA, ao passo que o consumo pré-escolar de frutas e vegetais diminuiu1. O número de crianças em situação de risco para sobrepeso (percentil 85 a 94 dos gráficos de crescimento do índice de massa corporal para idade) ou sobrepeso (³percentil 95) atingiu proporções epidêmicas2. Além dos problemas de saúde associados ao elevado peso corporal, crianças com sobrepeso também podem ter aumento no risco de apresentarem síndrome metabólica3,4.

Para ajudar a prevenir obesidade infantil, é de fundamental importância compreender a relação entre fatores modificáveis no estilo de vida, como padrões de consumo alimentar e o desenvolvimento de peso corporal excessivo. Constatou-se que níveis de consumo alimentar de alguns grupos alimentares ou nutrientes estão associados à qualidade global da dieta ou peso corporal5,6; no entanto, há uma ausência de dados indicando uma associação direta entre qualidade global da dieta, medida com uma ferramenta de avaliação da qualidade da dieta especificamente desenvolvida para crianças, e peso corporal em pré-escolares estadunidenses. Em uma tentativa de preencher esta lacuna, os objetivos deste estudo foram determinar o nível de qualidade global da dieta em crianças estadunidenses e verificar os preditores sociodemográficos de qualidade global da dieta, bem como examinar a associação entre qualidade da dieta e peso corporal.

Métodos

Amostra

Os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) realizam o National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES, http://www.cdc.gov/nchs/nhanes.htm), uma pesquisa contínua que utiliza um delineamento de área estratificado e em múltiplas etapas para obter uma amostra de respondentes que seja representativa da população civil estadunidense não-institucionalizada. Determinados grupos populacionais tiveram representação exagerada na amostra (por exemplo, crianças pequenas, adolescentes de 12 a 19 anos, afro-americanos, méxico-americanos e pessoas de baixa renda).

Embora os dados sejam publicados em incrementos de 2 anos, foram projetados para serem mesclados com conjuntos de dados plurianuais7. Os dados dos primeiros 4 anos (NHANES 1999-2002) contêm informações sobre 21.004 indivíduos que forneceram dados na entrevista. Destes, 19.759 indivíduos também apresentaram dados de exame médico, e o tamanho amostral para crianças de 2 a 5 anos que forneceram dados sociodemográficos, alimentares e índice de massa corporal (IMC) e que não estavam sendo amamentadas foi de 1.521. Para possibilitar o exame do efeito de programas federais de alimentação, como o Food Stamp e o Special Supplemental Program for Women, Infants, and Children (WIC), modelos de regressão múltipla foram utilizados em duas subpopulações estratificadas por renda. Desta forma, modelos de regressão linear foram desenvolvidos para a amostra total de pré-escolares, as crianças que, pela renda, eram elegíveis ao programa WIC (razão pobreza/renda - PIR £ 1,85, n = 861) ou ao programa Food Stamp (PIR < 1,3, n = 676). Todas as amostras foram nacionalmente representativas da população de crianças em idade pré-escolar dos EUA.

Dados sociodemográficos

Informações sociodemográficas, como idade, sexo, raça, etnia, participação na pré-escola e renda domiciliar total, foram relatadas pelo adulto responsável através de entrevista domiciliar durante a pesquisa NHANES. A idade foi usada como variável contínua neste estudo.

A raça da criança é determinada com base na categorização do respondente como sendo indo-americano, nativo do Alasca, negro ou afro-americano, nativo do Havaí ou das Ilhas do Pacífico, branco, ou outro. Além disso, o grupo étnico auto-relatado é determinado dependendo se a criança é méxico-americana, outra etnia hispânica ou latina, ambos (mexicana e outra etnia hispânica), ou não-hispânica. Em uma tentativa de capturar as diferenças culturais de crianças morando nos EUA, as variáveis foram empregadas para definir quatro grupos étnicos mutuamente exclusivos: branco não-hispânico, negro não-hispânico, méxico-americanos e outros.

Para estimar a renda relativa dos domicílios com crianças em idade pré-escolar na amostra, utilizou-se o método sugerido pelo Census Bureau dos EUA para calcular o PIR8. O PIR é um indicador da renda domiciliar total em relação ao número de indivíduos morando no domicílio. Com base em patamares de renda atualizados anualmente, as rendas das famílias são comparadas ao patamar. Em 2006, por exemplo, uma média ponderada dos patamares para uma família era de US$ 20.614, portanto famílias com renda combinada acima deste valor não eram consideradas como vivendo em pobreza9. A renda domiciliar total foi utilizada neste estudo para representar os indivíduos elegíveis para o programa federal Food Stamp (PIR < 1,3), bem como para o WIC (PIR < 1,85), ou crianças pertencentes a famílias com renda média (PIR = 1,85-3,4) e crianças de famílias de alta renda (PIR = 3,5-5,0). A variável PIR foi limitada em 5,0, para que famílias de renda muito alta fossem excluídas deste conjunto de dados. Duas variáveis dicotômicas foram criadas para categorizar as crianças como participantes do Food Stamp ou WIC (comparados a não-participantes elegíveis pela renda). Foi criado um termo de interação (Food Stamp versus WIC) para examinar a relação entre participantes de um ou ambos os programas.

Dieta

Os dados alimentares do NHANES foram coletados por entrevistador em inquérito recordatório de 24 horas. Os respondentes foram solicitados a relatar consumo alimentar durante as últimas 24 horas usando uma abordagem de múltiplas etapas10. Os cuidadores relataram as dietas para as crianças com menos de 6 anos. As informações sobre consumo foram desagregadas para fornecer dados de consumo alimentar para energia total (kcal por dia), macro e micronutrientes (g ou mg por dia) e grupos alimentares do esquema MyPyramid11 (em xícaras ou onças por dia).

A qualidade global da dieta foi avaliada através do Índice de Qualidade da Dieta Infantil Revisado (RC-DQI)12, um índice baseado em recomendações nacionais de consumo alimentar, como as Dietary Reference Intakes (DRI) para macronutrientes e ferro13,14, MyPyramid11 e documentos de posições da American Dietetic Association (ADA)15 e da American Academy of Pediatrics (AAP)16,17. O RC-DQI tem um máximo de 90 pontos e consiste de 13 componentes: adição de açúcar, gordura total, ácidos graxos linoléicos e linolênicos, ácido docosahexaenóico (ADH) e ácido eicosapentaenóico (AEP), total de grãos, grãos integrais, vegetais, frutas, suco de fruta 100% natural, laticínios e consumo de ferro, bem como um componente representando um substituto para equilíbrio energético (tempo gasto assistindo televisão comparado ao consumo energético diário total). Uma descrição completa do RC-DQI pode ser encontrada em outro estudo12. Resumindo, informações usuais sobre consumo alimentar são coletadas do cuidador da criança, e os escores são atribuídos para cada um dos 13 componentes. O cálculo do escore baseia-se no pouco consumo e no consumo excessivo. A fórmula para calcular os pontos obtidos para cada componente baseia-se no pouco consumo - escore de pontos = (consumo real/consumo ideal) * pontos máximos - ou consumo excessivo - escore de pontos = máximo de pontos de componentes - (consumo real/consumo ideal) * 100%. Por exemplo, para um menino de 2 anos, o consumo recomendado de frutas é de 1,5 xícaras por dia. Se a criança comeu somente 0,5 xícara de frutas, ela recebe um escore de 3 pontos do total de 10 escores de componentes possíveis: 10 - (0,5/1,5) * 100. A conversão para o sistema métrico das unidades de consumo no MyPyramid (onças e xícaras) pode se basear na premissa de que 1 onça equivale a 28,4 g (por exemplo, uma fatia de pão) e uma xícara equivale a 240 mL.

Foi calculada a proporção de crianças que atenderam as recomendações alimentares dos componentes e atingiram o escore máximo para cada componente, e os resultados foram descritos para a amostra total. O escore total do RC-DQI como valor contínuo de zero a 90 pontos foi a variável dependente em todos os modelos de regressão linear, ao passo que o escore total do RC-DQI foi dividido em quartis para examinar a associação entre qualidade da dieta e a prevalência de obesidade infantil.

Dados antropométricos

Altura e peso medidos, bem como o IMC calculado estão disponíveis no conjunto de dados do NHANES. O peso (kg) foi obtido com indivíduo sobre uma balança digital. A altura em pé (m) foi medida com um estadiômetro eletrônico em indivíduos que tinham, no mínimo, 2 anos. Os gráficos de crescimento do CDC de IMC específico para idade e para sexo foram utilizados para criar quatro grupos distintos: baixo peso (menor que o percentil 5), peso saudável (percentil 5 a 84), em risco para sobrepeso (entre o percentil 85 e 94) e sobrepeso (³percentil 95). Conforme esperado, os dados antropométricos não foram distribuídos normalmente, por isso foi utilizado o método de Cole et al. de construção de curva contínua usando o poder calculado (L), média (M) e coeficiente de variação (S) para obter padrões em termos de centis para determinar os padrões de centis de crescimento normalizados das crianças18. Foram criadas variáveis binárias do tipo dummy que equivaleram a "1" quando as crianças foram classificadas como estando em risco para sobrepeso ou sobrepeso, e a "0" caso contrário.

Análise estatística

Toda a análise foi conduzida por meio de rotinas complexas de pesquisa amostral (versão 9.2; StataCorp LP, College Station, TX, EUA19) para manter o caráter nacionalmente representativo dos dados. Foram calculadas estatísticas descritivas, como médias, erros padrão (EP) e proporções. As inter-relações entre a participação em programas de assistência alimentar e a renda exigiram a avaliação de endogeneidade, por isso a endogeneidade entre a renda e variáveis relacionadas à renda (como idade, sexo, idade ao quadrado, etnicidade, dados sociodemográficos, peso corporal e participação em programas alimentares federais) foram testadas através do teste de Hausman-Wu20.

O estado de qualidade global da dieta foi descrito pelo cálculo do escore médio do RC-DQI da população e a porcentagem de crianças recebendo o escore máximo para cada um dos 13 componentes do RC-DQI. Modelos de regressão linear múltipla foram desenvolvidos para examinar os preditores sociodemográficos da qualidade global da dieta na amostra total, bem como nas duas subamostras de crianças que eram elegíveis para o programa WIC ou Food Stamp. Foi utilizado um processo de deleção forward e backward com p < 0,2 e p < 0,25, respectivamente, indicando significância para os modelos. Testes de razão de probabilidade foram realizados para examinar a importância de cada termo adicionado/removido ao modelo. Os resultados foram relatados para os modelos finais como coeficiente beta, intervalo de confiança de 95% e nível de significância estatística (valor de p). Os quartis de escores totais de RC-DQI foram criados para avaliar a relação entre o nível de qualidade da dieta e a prevalência de crianças em risco para sobrepeso ou com sobrepeso. O teste qui-quadrado de Pearson foi utilizado para determinar a diferença significativa na proporção de crianças em risco para sobrepeso ou com sobrepeso entre os quartis dos escores de RC-DQI. A significância estatística foi estabelecida em p < 0,05. O Comitê de Ética em Pesquisa da Pennsylvania State University aprovou este estudo baseado em uso de dados secundários sem identificadores de pessoas.

Resultados

As descrições das amostras estão apresentadas na Tabela 1. A proporção de crianças brancas não-hispânicas foi maior na amostra total, ao passo que mais crianças das amostras de baixa renda eram méxico-americanas ou negras não-hispânicas. Nas subpopulações elegíveis por renda, aproximadamente metade das crianças estavam participando de pelo menos um dos programas. Um terço dos pré-escolares estava ou em risco para sobrepeso ou em sobrepeso.

A qualidade global da dieta da população foi baixa, uma vez que o escore total médio do RC-DQI foi de 59 pontos, variando de 21 a 86 pontos de um total máximo de 90 pontos (Tabela 2). Com exceção do ADH e do AEP, grão total ou componente de ferro, menos da metade das crianças atenderam às recomendações dos componentes do RC-DQI e atingiram pontos completos. Somente 8% da amostra atenderam à recomendação de consumo para grãos integrais.

Os resultados do teste de Hausman-Wu mostraram que não houve endogeneidade entre as variáveis sociodemográficas disponíveis e a variável renda domiciliar da criança. Desta forma, não foi necessário realizar estratificação adicional por co-variáveis relacionadas à renda. Os modelos de regressão indicaram que o aumento de idade era preditor de menor qualidade global da dieta (Tabela 3), ao passo que pré-escolares méxico-americanos apresentaram qualidade da dieta significativamente melhor do que crianças brancas não-hispânicas. Nenhum outro grupo étnico obteve diferença significativa do grupo referência. Os meninos da subamostra de crianças elegíveis por renda ao WIC apresentaram melhor qualidade de dieta do que as meninas (Tabelas 4 e 5), e crianças méxico-americanas tiveram quase 4 pontos a mais no escore do RC-DQI total do que suas contrapartes brancas não-hispânicas. Participação no programa Food Stamp não foi um preditor significativo de qualidade global da dieta em nenhuma das subamostras, ao passo que um efeito benéfico, embora sem significância estatística, de participação no WIC tenha sido indicado. A interação entre participação nos programas WIC e Food Stamp não foi estatisticamente significativa em nenhum dos modelos.

A proporção de crianças em risco para sobrepeso ou em sobrepeso diminuiu significativamente entre o menor e o maior quartil de escore total do RC-DQI (Figura 1). Embora esta tendência não tenha sido consistente no segundo e terceiro quartis, a redução do número de crianças em risco para sobrepeso entre o primeiro, segundo e quarto quartis do escore RC-DQI foi estatisticamente significante, ao passo que a diferença de proporção de crianças que apresentaram sobrepeso somente foi estatisticamente menor entre o primeiro e o segundo, o primeiro e o quarto, bem como entre o terceiro e o quarto quartis do escore do RC-DQI.


Discussão

Os resultados deste estudo mostraram que a dieta dos pré-escolares ainda precisa ser melhorada. Em especial o consumo de grãos integrais, frutas, vegetais e laticínios esteve não-otimizado21. Aumento de 1 ano na idade da criança esteve associado à perda de aproximadamente dois pontos no índice de qualidade da dieta. Esse fenômeno provavelmente deve-se ao aumento de independência em escolha de alimentos e consumo alimentar com o aumento da idade. Ao passo que a maioria das crianças ainda se encontra no período de transição orientado pelos pais para refeições à mesa aos 2 anos de idade22, crianças mais velhas já terão se tornado comedores independentes, escolhendo seus próprios alimentos para as refeições e lanches.

Aumento na renda domiciliar foi preditivo de melhores escores de qualidade da dieta na população total. A significância da renda familiar na qualidade da dieta dos pré-escolares foi removida nas duas subpopulações de baixa renda. Este achado indica um nível de patamar na relação entre renda familiar e consumo alimentar. Constatou-se que o poder econômico familiar prediz as compras de alimentos com alta qualidade nutricional, como amidos integrais (pão e massa, por exemplo), peixe fresco, frutas e vegetais23. Entretanto, verificou-se que a participação nos programas WIC ou Food Stamp aumenta a qualidade da dieta das crianças24,25. Desta forma, participação em programa federal de alimentação parece refletir alteração de comportamento, uma vez que mais recursos são aplicados na compra de alimentos de alta qualidade.

A grande proporção de frutas e vegetais com grande quantidade de fibras, como feijão, que são tradicionalmente consumidos na dieta mexicana, foi provavelmente a razão para o aumento observado de qualidade da dieta em crianças méxico-americanas. Este efeito do grupo étnico foi especialmente alto no subgrupo elegível por renda ao WIC. Assim, parece que crianças de baixa renda, em especial, podem se beneficiar da adoção de dietas mexicanas tradicionais. Já está estabelecida a importância da procedência cultural e da renda familiar nos alimentos ofertados em domicílios com crianças26,27. Contudo, a emergência da etnia méxico-americana como o preditor positivo mais forte de boa qualidade da dieta indica uma necessidade urgente de explorar ainda mais os potenciais fatores subjacentes a esse efeito benéfico.

Embora este estudo tenha sido limitado ao uso de um único inquérito recordatório de 24 horas para estimar o consumo usual, ele baseia-se em um amplo conjunto de dados, nacionalmente representativo, que foi desenvolvido para supervisão de nutrição e saúde na população. Os clínicos podem preferir solicitar aos cuidadores de crianças pequenas que relatem a dieta usual das crianças, ao invés de somente os consumos do dia anterior.

Os resultados apresentados neste estudo contribuem com novas evidências para a relação dieta-obesidade infantil. Embora este estudo tenha se concentrado na diferença entre crianças hispânicas e não-hispânicas, os resultados são aplicáveis a outros grupos étnicos, bem como a outros países. Ao passo que grandes proporções de crianças da América do Sul possam não ser consideradas mexicanas, mas brancas não-hispânicas, os padrões de consumo alimentar são provavelmente mais semelhantes à população méxico-americana do que às crianças estadunidenses brancas não-hispânicas. Além disso, crianças estadunidenses brancas não-hispânicas apresentam taxas de obesidade infantil semelhantes às de crianças latino-americanas e caribenhas28. Entretanto, ao passo que partes da população pré-escolar da América do Sul estão em risco para obesidade infantil, outras podem possivelmente desenvolver manifestações médicas de desnutrição, como baixa estatura.

Uma vez que foi constatado que diversos alimentos e nutrientes estão associados a risco de doença crônica e considerando que as recomendações de consumo alimentar são baseadas nessas relações entre dieta-doença29,30, a associação direta entre qualidade da dieta mais baixa e aumento do risco de obesidade infantil foi demonstrada neste estudo. Os resultados enfatizam a necessidade de melhorar a qualidade global da dieta, por exemplo aumentando o consumo de grãos integrais, frutas e vegetais. Determinados grupos étnicos apresentam probabilidade de ter melhor qualidade da dieta do que outros, principalmente na população de baixa renda. Desta forma, crianças de baixa renda devem ser incentivadas a consumir alimentos comuns na dieta tradicional mexicana, como altas proporções de frutas e vegetais, para aumentar a qualidade global da dieta e reduzir o risco de obesidade infantil em pré-escolares.

Artigo submetido em 26.07.07, aceito em 31.10.07.

As fontes de financiamento para este estudo são provenientes da USDA, Economic Research Service Small Grant nº #K-981834-09 e Pennsylvania State University Seed Grant.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

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  • Correspondência:
    Sibylle Kranz
    Department of Nutritional Sciences, Population Research Institute
    Pennsylvania State University
    5 G Henderson Building
    16802 - University Park, PA - USA
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      31 Out 2007
    • Recebido
      26 Jul 2007
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