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Predição da resistência à insulina em crianças: indicadores antropométricos e metabólicos

Resumos

OBJETIVO: Predizer a resistência à insulina em crianças a partir de indicadores antropométricos e metabólicos por análise de sensibilidade e especificidade dos pontos de corte. MÉTODOS: Estudo transversal foi realizado em 109 crianças de 7 a 11 anos, sendo 55 obesas, 23 sobrepesadas e 31 eutróficas, classificadas pelo índice de massa corporal (IMC) para idade. Foram medidos IMC, circunferências da cintura e quadril, razão circunferência da cintura/circunferência do quadril, índice de conicidade e percentual de gordura (absortometria de raio X de dupla energia). Coleta sangüínea em jejum foi realizada para mensuração da trigliceridemia, glicemia e insulinemia. A resistência à insulina foi avaliada pelo método homeostase glicêmica, considerando-se o percentil 90 como ponto de corte. Na identificação dos preditores de homeostase glicêmica, foi adotada a análise das curvas receiver operating characteristic com intervalo de confiança de 95%, calculando-se posteriormente a sensibilidade e especificidade. RESULTADOS: Os indicadores com poder de predição da resistência à insulina analisando a área sob a curva receiver operating characteristic (intervalo de confiança), com respectivos pontos de corte, foram, nesta ordem: insulinemia = 0,99 (0,99-1,00), 18,7 µU×mL-1; percentual de gordura = 0,88 (0,81-0,95), 41,3%; IMC = 0,90 (0,83-0,97), 23,69 kg×m²-¹; circunferência da cintura = 0,88 (0,79-0,96), 78,0 cm; glicemia = 0,71 (0,54-0,88), 88,0 mg×dL-1; trigliceridemia = 0,78 (0,66-0,90), 116,0 mg×dL-1 e índice de conicidade = 0,69 (0,50-0,87), 1,23 para amostra total; e insulinemia = 0,99 (0,98-1,00), 19,54 µU×mL-1; percentual de gordura = 0,76 (0,64-0,89), 42,2%; IMC = 0,78 (0,64-0,92), 24,53 kg×m²-¹; circunferência da cintura = 0,77 (0,61-0,92), 79,0 cm e trigliceridemia = 0,72 (0,56-0,87), 127,0 mg×dL-1 para os obesos. CONCLUSÕES: Indicadores antropométricos e metabólicos apresentaram bom poder de predição da resistência à insulina em crianças entre 7 e 11 anos, utilizando-se pontos de corte com melhor equilíbrio entre sensibilidade e especificidade da técnica preditora.

Predição; resistência à insulina; pontos de corte; crianças


OBJECTIVE: To predict insulin resistance in children based on anthropometric and metabolic indicators by analyzing the sensitivity and specificity of different cutoff points. METHODS: A cross-sectional study was carried out of 109 children aged 7 to 11 years, 55 of whom were obese, 23 overweight and 31 well-nourished, classified by body mass index (BMI) for age. Measurements were taken to determine BMI, waist and hips circumferences, waist circumference/hip circumference ratio, conicity index and body fat percentage (dual emission X-ray absorptiometry). Fasting blood samples were taken to measure triglyceridemia, glycemia and insulinemia. Insulin resistance was evaluated by the glycemic homeostasis method, taking the 90th percentile as the cutoff point. Receiver operating characteristic curves were analyzed to a 95% confidence interval in order to identify predictors of glycemic homeostasis, and sensitivity and specificity were then calculated. RESULTS: After analysis of the area under the receiver operating characteristic curve (confidence interval), indicators that demonstrated the power to predict insulin resistance were, in the following order: insulinemia = 0.99 (0.99-1.00), 18.7 µU×mL-1; body fat percentage = 0.88 (0.81-0.95), 41.3%; BMI = 0.90 (0.83-0.97), 23.69 kg×m2-¹; waist circumference= 0.88 (0.79-0.96), 78.0 cm; glycemia = 0.71 (0.54-0.88), 88.0 mg×dL-1; triglyceridemia = 0.78 (0.66-0.90), 116.0 mg×dL-1 and conicity index = 0.69 (0.50-0.87), 1.23 for the whole sample; and were: insulinemia = 0.99 (0.98-1.00), 19.54 µU×mL-1; body fat percentage = 0.76 (0.64-0.89), 42.2%; BMI = 0.78 (0.64-0.92), 24.53 kg×m2-¹; waist circumference = 0.77 (0.61-0.92), 79.0 cm and triglyceridemia = 0.72 (0.56-0.87), 127.0 mg×dL-1, for the obese subgroup. CONCLUSIONS: Anthropometric and metabolic indicators appear to offer good predictive power for insulin resistance in children between 7 and 11 years old, employing the cutoff points with the best balance between sensitivity and specificity of the predictive technique.

Prediction; insulin resistance; cutoff points; children


ARTIGO ORIGINAL

Predição da resistência à insulina em crianças: indicadores antropométricos e metabólicos

Sérgio R. MoreiraI; Aparecido P. FerreiraI; Ricardo M. LimaI; Gisela ArsaI; Carmen S. G. CampbellII; Herbert G. SimõesII; Francisco J. G. PitangaIII; Nanci M. FrançaII

IPrograma de Mestrado e Doutorado em Educação Física, Universidade Católica de Brasília (UCB), Brasília, DF. Bolsista, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

IIPrograma de Mestrado e Doutorado em Educação Física, UCB, Brasília, DF

IIIPrograma de Mestrado e Doutorado em Educação Física, UCB, Brasília, DF. Departamento de Educação Física, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA

Correspondência Correspondência: Sérgio Rodrigues Moreira SCLN 106, Bloco A/211 CEP 70742-510 - Brasília, DF Tel.: (61) 3036.9147, (61) 8128.7745 Email: sergior@pos.ucb.br

RESUMO

OBJETIVO: Predizer a resistência à insulina em crianças a partir de indicadores antropométricos e metabólicos por análise de sensibilidade e especificidade dos pontos de corte.

MÉTODOS: Estudo transversal foi realizado em 109 crianças de 7 a 11 anos, sendo 55 obesas, 23 sobrepesadas e 31 eutróficas, classificadas pelo índice de massa corporal (IMC) para idade. Foram medidos IMC, circunferências da cintura e quadril, razão circunferência da cintura/circunferência do quadril, índice de conicidade e percentual de gordura (absortometria de raio X de dupla energia). Coleta sangüínea em jejum foi realizada para mensuração da trigliceridemia, glicemia e insulinemia. A resistência à insulina foi avaliada pelo método homeostase glicêmica, considerando-se o percentil 90 como ponto de corte. Na identificação dos preditores de homeostase glicêmica, foi adotada a análise das curvas receiver operating characteristic com intervalo de confiança de 95%, calculando-se posteriormente a sensibilidade e especificidade.

RESULTADOS: Os indicadores com poder de predição da resistência à insulina analisando a área sob a curva receiver operating characteristic (intervalo de confiança), com respectivos pontos de corte, foram, nesta ordem: insulinemia = 0,99 (0,99-1,00), 18,7 µU×mL-1; percentual de gordura = 0,88 (0,81-0,95), 41,3%; IMC = 0,90 (0,83-0,97), 23,69 kg×m2-¹; circunferência da cintura = 0,88 (0,79-0,96), 78,0 cm; glicemia = 0,71 (0,54-0,88), 88,0 mg×dL-1; trigliceridemia = 0,78 (0,66-0,90), 116,0 mg×dL-1 e índice de conicidade = 0,69 (0,50-0,87), 1,23 para amostra total; e insulinemia = 0,99 (0,98-1,00), 19,54 µU×mL-1; percentual de gordura = 0,76 (0,64-0,89), 42,2%; IMC = 0,78 (0,64-0,92), 24,53 kg×m2-¹; circunferência da cintura = 0,77 (0,61-0,92), 79,0 cm e trigliceridemia = 0,72 (0,56-0,87), 127,0 mg×dL-1 para os obesos.

CONCLUSÕES: Indicadores antropométricos e metabólicos apresentaram bom poder de predição da resistência à insulina em crianças entre 7 e 11 anos, utilizando-se pontos de corte com melhor equilíbrio entre sensibilidade e especificidade da técnica preditora.

Palavras-chave: Predição, resistência à insulina, pontos de corte, crianças.

Introdução

A resistência à insulina, quadro clínico caracterizado por uma reduzida captação celular de glicose para uma dada concentração de insulina, tem sido apontada como um problema de saúde coletiva1, chamando inclusive a atenção para populações como crianças e adolescentes2-4. Esse distúrbio está associado a um defeito nos pós-receptores da via de sinalização de insulina5, prejudicando o processo de translocação do transportador de glicose (GLUT-4) muscular, o qual apresenta um importante papel na captação de glicose. Recentemente, alguns autores6,7 têm extrapolado esta teoria inicial e proposto uma explicação para a resistência à insulina a partir de uma visão lipocêntrica, na qual o acúmulo de lipídeos intramusculares provenientes da entrada de ácidos graxos de cadeia longa no interior das células inibe a translocação do GLUT-4 para a membrana plasmática, sugerindo assim uma possível alternativa de se identificar a resistência à insulina a partir de indicadores associados ao conteúdo de gordura corporal.

Para o diagnóstico da resistência à insulina, avaliações biomoleculares dos receptores e pós-receptores insulínicos5 e o teste de clamp euglicêmico-hiperinsulinêmico (análise da captação de glicose em decorrência de indução hiperinsulinêmica)2,8 são técnicas dispendiosas e de difícil acesso para muitos profissionais da saúde. Huang et al.9 validaram um índice de homeostase glicêmica (HOMA) na identificação da resistência à insulina em crianças, sendo uma interessante proposta quando comparada ao padrão-ouro. Contudo, o cálculo do HOMA requer valores de insulinemia e glicemia de jejum, os quais demandam coletas invasivas a serem realizadas. Tais procedimentos dificultam a utilização deste índice, especialmente quando na avaliação diagnóstica de grandes grupos populacionais.

É visível a necessidade do desenvolvimento de testes diagnósticos de fácil aplicação, boa precisão e baixo custo, com a finalidade de predizer a resistência à insulina a partir de fatores de risco10. De fato, a obesidade infantil está associada a conseqüências negativas para a saúde da criança, e sua prevalência vem aumentando progressivamente nos últimos anos11-13. Nesse sentido, o excesso de gordura corporal constitui uma variável com potencial de predizer a resistência à insulina de crianças9,14. Como exemplo, a circunferência da cintura (CC) tem sido destacada como preditora independente de distúrbios metabólicos e hemodinâmicos15,16; entretanto, esses trabalhos apontam pontos de corte para esta variável a partir do percentil 90 para uma dada população, necessitando de mais estudos sugerindo testes diagnósticos com suas devidas vantagens, porém incluindo dados referentes ao grau de sensibilidade e especificidade do método a ser proposto.

Embora a área da saúde tenha identificado indicadores da composição corporal como preditores da resistência à insulina, do diabetes tipo 2, dentre outras doenças de caráter cardiovascular16-18, nenhum estudo realizado em crianças investigou indicadores com pontos de corte determinados a partir da análise equilibrada de sensibilidade e especificidade da técnica preditora. Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi testar a predição da resistência à insulina em crianças a partir de indicadores antropométricos e metabólicos, calculando simultaneamente a sensibilidade e a especificidade dos pontos de corte.

Métodos

O presente estudo caracterizou-se por um corte transversal, de base populacional, no qual a amostra inicial foi obtida de forma randomizada, e a partir de cálculo amostral com intervalo de confiança (IC) de 97% para as escolas públicas selecionadas na cidade-satélite de Taguatinga, Brasília (DF). As escolas e turmas foram escolhidas aleatoriamente, preservando-se a proporcionalidade dos alunos matriculados no segmento de ensino escolhido. Previamente, a análise amostral revelou que 394 crianças seriam necessárias para compor o número representativo de participantes (p = 0,05) da população de escolares matriculados na rede pública de ensino. Contudo, no intuito de garantir um número mais expressivo, foram inicialmente analisadas 958 crianças em 10 escolas públicas (p = 0,03), observando-se uma prevalência de 10,6 (n = 102) e 7,7% (n = 74) de sobrepeso e obesidade, respectivamente, e totalizando uma freqüência de 18,3% de crianças acima do peso. Após triagem nos 958 sujeitos analisados, 109 com diferentes classificações nutricionais, de ambos os sexos e com idade compreendida entre 7 e 11 anos participaram do estudo. A amostra estudada foi classificada de acordo com o índice de massa corporal/idade (IMC/idade)19, sendo 55 crianças obesas (acima do percentil 95), 23 crianças sobrepesadas (entre os percentis 85 e 95) e 31 crianças eutróficas (entre os percentis 5-75). O número de participantes sobrepesados e obesos foi assumido a partir da prevalência de sobrepeso e obesidade observada previamente (18,3%) nesta população, estimando-se que 71 sujeitos seria o número adequado (p = 0,05) para representar a população de crianças sobrepesadas e obesas matriculadas na rede pública de ensino. Adicionalmente, o subgrupo de 31 crianças classificado como eutrófico compôs o grupo controle para a composição total da amostra investigada.

O protocolo da pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Católica de Brasília (UCB) e pela Secretaria Regional de Ensino de Taguatinga (DF). Os pais ou responsáveis pelos avaliados assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido autorizando a participação das crianças selecionadas para o estudo.

Para mensuração do peso, estatura e IMC20 de cada participante, utilizaram-se, respectivamente, uma balança da marca Plena com visor digital e um estadiômetro da marca Seca. CC e circunferência do quadril (CQ) foram obtidas20, utilizando uma fita métrica da marca Seca, sendo realizado cálculo da relação cintura e quadril (RCQ)21 e do índice de conicidade (índice C)18, como segue na seguinte equação:

A gordura corporal foi avaliada através da absortometria de raio X de dupla energia (DEXA), utilizando equipamento da marca Lunar (Lunar Corporation, Madison, WI, EUA), modelo DPX-IQ e o software 4.6A. Os voluntários foram instruídos a retirar qualquer objeto de metal que estivessem portando. Em seguida, o avaliado era posicionado em decúbito dorsal sobre o DEXA para uma análise de corpo inteiro e com escolha da opção de análise pediátrica, seguindo recomendações estipuladas pelo fabricante. Previamente à realização do exame, o equipamento era devidamente calibrado. A quantidade de massa gorda em termos relativos (%G) foi calculada para cada participante, e todas as análises foram feitas pelo mesmo pesquisador13.

Após um jejum noturno de 12 horas, uma coleta de sangue venoso foi realizada no Hospital da UCB entre 7:45 e 9:00 h para posterior análise bioquímica. As amostras eram acondicionadas em tubos a vácuo com gel separador e sem anticoagulante. Após os procedimentos de coleta, o sangue era centrifugado por 10 minutos a 3.000 rpm para separar o soro dos demais componentes, sendo o soro utilizado para as análises. Os triglicerídeos e a glicose sangüínea foram dosados utilizando um kit enzimático colorimétrico processado no aparelho Autohumalyzer A5 (Human-2004). Para dosagem de insulina, foi utilizado o Automated Chemiluminescence System ACS-180 (Ciba-Corning Diagnostic Corp., 1995, EUA). Para cálculo da resistência à insulina, adotou-se o método da HOMA9, conforme demonstrado na seguinte equação:

O índice HOMA foi validado para crianças por Huang et al.9 a partir da técnica do clamp euglicêmico-hiperinsulinêmico. O critério para diagnóstico da resistência à insulina na presente amostra foi um índice HOMA acima do percentil 90 (p. 90), como proposto previamente22-24.

Para seleção dos pontos de corte de cada um dos indicadores estudados que identificassem a resistência à insulina, foi adotada análise a partir da técnica das curvas receiver operating characteristic (ROC)25. Para tal procedimento, dividiu-se a amostra do estudo em um grupo total (n = 109; 9,24±1,38 anos) e um subgrupo composto somente por crianças obesas (n = 55; 9,20±1,16 anos). Brevemente, uma curva ROC é gerada através da plotagem da sensibilidade no eixo y em função de [1 - especificidade] no eixo x. A sensibilidade refere-se à porcentagem dos indivíduos que apresentaram o desfecho (no caso do presente estudo, foi a resistência à insulina) e que foram corretamente diagnosticados através do indicador (isto é, verdadeiro-positivo), enquanto que a especificidade descreve a porcentagem dos indivíduos que não apresentaram o desfecho e foram corretamente diagnosticados através do indicador (isto é, verdadeiro-negativo). O critério utilizado para obtenção dos pontos de corte foram os valores com sensibilidade e especificidade mais próximos entre si e não inferiores a 60%. A significância estatística de cada análise foi verificada pela área sob a curva ROC e pelo intervalo de confiança a 95% (IC95%). Nesse sentido, um indicador perfeito apresenta a área sob a curva ROC de 1,00, ao passo que a linha diagonal representa a área sob a curva ROC de 0,50. Para um indicador apresentar uma habilidade discriminatória significativa, a área sob a curva ROC deve estar compreendida entre 1,00 e 0,50 e quanto maior a área, maior o poder discriminatório do respectivo indicador. O IC95% é outro determinante da capacidade preditiva, sendo que, para o indicador antropométrico ou metabólico ser considerado preditor significativo da resistência à insulina, o limite inferior do IC (Li-IC) não pode ser < 0,5026. Adicionalmente, teste de correlação linear de Pearson foi aplicado entre os indicadores sugeridos e a resistência à insulina, com nível de significância de p < 0,05. A análise estatística dos dados foi realizada através dos programas Statatm versão 9.1 e Statistica® versão 5.1.

Resultados

As áreas sob a curva ROC com os respectivos IC referentes aos indicadores antropométricos e metabólicos na predição da resistência à insulina estão descritas na Tabela 1. A RCQ para o grupo total e para o grupo de obesos, bem como o índice C e a glicemia para o grupo de obesos, não demonstraram poder discriminatório significativo da resistência à insulina (Li-IC < 0,50). Por outro lado, quando analisada a área sob a curva ROC, os indicadores antropométricos índice C, IMC, CC e %G para o grupo total e IMC, CC e %G para o grupo de obesos demonstraram-se preditores significativos da resistência à insulina (Li-IC ³0,50). Adicionalmente, os indicadores metabólicos glicemia, insulinemia e trigliceridemia para o grupo total e insulinemia e trigliceridemia para o grupo composto pelas crianças obesas revelaram-se com poder discriminatório significativo na predição da resistência à insulina (Li-IC ³0,50).

Em relação à curva ROC, vale destacar que o eixo x representa [1 - especificidade] e o eixo y, a sensibilidade de possíveis indicadores para predição da resistência à insulina (referência). Deste modo, os pontos dos indicadores propostos no presente estudo com poder de predição da resistência à insulina que apresentaram maior semelhança entre ambos os eixos (x e y) foram considerados pontos de corte e estão apresentados na Tabela 2. Além disso, as correlações entre estes preditores e a resistência à insulina também estão apresentadas na Tabela 2.

Discussão

Os principais achados do presente estudo demonstraram a possibilidade de predição da resistência à insulina a partir de indicadores antropométricos e metabólicos em crianças. A análise das curvas ROC (Tabela 1), método ainda não utilizado com este propósito, sugeriu pontos de corte com maior semelhança entre sensibilidade e especificidade, apresentando informações relacionadas ao grau de validade do indicador utilizado na predição. Os preditores de resistência à insulina propostos, em uma ordem do maior para o menor padrão de sensibilidade e especificidade, foram a insulinemia, o %G, o IMC, a CC, a glicemia, a trigliceridemia e o índice C para a amostra total; e a insulinemia, o %G, o IMC, a CC e trigliceridemia para o subgrupo composto por crianças obesas (Tabela 2).

O teste de clamp euglicêmico-hiperinsulinêmico tem sido descrito como padrão-ouro na identificação da resistência à insulina em crianças e adolescentes2,9,17. No presente estudo, não foi possível identificar a resistência à insulina pelo clamp euglicêmico-hiperinsulinêmico, mas sim pelo índice HOMA, podendo caracterizar-se como uma limitação do trabalho. Entretanto, Huang et al.9 validaram o HOMA na identificação da resistência à insulina em crianças, e diversos autores22-24 têm utilizado este índice com sucesso. Apesar da praticidade na utilização do HOMA quando comparado ao padrão-ouro, ainda é necessária a mensuração de duas variáveis para sua determinação (glicemia e insulinemia), as quais são realizadas de forma invasiva. Ademais, a medida da insulinemia é considerada de difícil aplicação na prática diária de diversos profissionais da área, uma vez que são necessárias análises bioquímicas em ambiente laboratorial e um técnico devidamente treinado para o procedimento.

Diversos estudos15,18,23,27 têm procurado identificar índices práticos e precisos na predição de doenças, inclusive a resistência à insulina9,16,17, que posteriormente pode desencadear o diabetes tipo 2 ainda precocemente28. Informações relacionadas à detecção da resistência à insulina em idades infantis, adquiridas de forma simples e menos onerosa, podem beneficiar os diversos profissionais ligados à saúde infantil em suas práticas profiláticas e terapêuticas, além de reduzir custos assistenciais em saúde.

No presente estudo, foi possível identificar preditores da resistência à insulina a partir de apenas uma medida metabólica, como a glicemia, a trigliceridemia ou a própria insulinemia. Como esperado, a insulinemia demonstrou o melhor poder de predição quando analisada a área sob a curva ROC25,26 (Tabela 1), bem como alta correlação e melhor sensibilidade e especificidade quando comparada aos outros indicadores (Tabela 2). Por outro lado, a trigliceridemia e a glicemia, apesar de apresentarem menores valores percentuais de sensibilidade e especificidade quando comparados à insulinemia (Tabela 2), mostraram-se bons preditores da resistência à insulina. Ao analisar a área sob a curva ROC25 e o IC, especialmente o limite inferior do IC acima de 0,50, foi confirmada a significativa habilidade preditora26 da glicemia na amostra total e trigliceridemia também na amostra total e subgrupo de obesos (Tabela 1). Na atualidade, a trigliceridemia e a glicemia podem ser avaliadas através de analisadores portáteis de baixo custo, facilmente possibilitando, com isso, a utilização dessas medidas na predição da resistência à insulina em crianças.

Adicionalmente, indicadores antropométricos, como o %G, índice C, IMC e CC, também demonstraram significativo poder de predição25,26 da resistência à insulina (Tabela 1). Contudo, o %G foi obtido através do DEXA, método dispendioso e de alta complexidade na aplicação clínica. Entretanto, analisando as áreas sob a curva ROC entre os indicadores IMC e CC em relação à área sob a curva ROC do %G mensurado pelo DEXA no grupo total e subgrupo de obesos, verificaram-se resultados similares (Tabela 1). Além disso, ocorreram correlações significativas de moderada a alta entre o %G medido pelo DEXA e o IMC (r = 0,89), CC (r = 0,84) e o índice C (r = 0,53) no presente estudo, e com o IMC (r = 0,73) e a CC (r = 0,61) no estudo de Gomes et al.27. O poder de predição da resistência à insulina, constatado a partir da variável CC no presente estudo em ambos os grupos (Tabela 1 e 2), vem ao encontro de outros estudos10,15,16 que demonstram esta variável em diferentes populações como um preditor independente da resistência à insulina, conteúdo lipídico e pressão arterial. Desta forma, sugere-se a utilização dos indicadores antropométricos estudados na predição da resistência à insulina em crianças, por apresentarem vantagens como fácil mensuração, baixo custo, caráter não-invasivo e valores referentes ao grau de sensibilidade e especificidade do ponto de corte proposto.

Atualmente, em ambientes de avaliação das características morfofisiológicas, posturais e nutricionais, como clubes, academias, consultórios fisioterápicos, nutricionais e pediátricos, cada vez mais tem aumentado a prevalência de pacientes com diferentes fatores de risco, dentre os quais se destaca a obesidade11,12,29, que, por sua vez, está associada à resistência à insulina já em idades precoces13,14,16. Nesse sentido, a praticidade em utilizar os indicadores propostos neste trabalho representa procedimentos de fácil aplicação e grande importância clínica para futuras intervenções preventivas e terapêuticas. Tais condutas tornam-se ainda mais relevantes na avaliação de crianças, por possibilitar a prevenção de complicações associadas à resistência à insulina e ao diabetes tipo 2 em idades futuras.

Com base nos resultados observados, concluímos que foi possível identificar indicadores antropométricos e metabólicos com poder discriminatório da resistência à insulina, a partir de pontos de corte com melhor equilíbrio entre sensibilidade e especificidade de predição em crianças de 7 a 11 anos. Os preditores de resistência à insulina propostos foram a insulinemia, o %G, o IMC, a CC, a glicemia, a trigliceridemia e o índice C para a amostra total, e a insulinemia, o %G, o IMC, a CC e a trigliceridemia para o subgrupo composto pelas crianças obesas. A fácil mensuração dos indicadores propostos os torna ferramentas importantes para serem utilizadas na rotina de profissionais de saúde. Futuros estudos com metodologias semelhantes são necessários para examinar a aplicação destes indicadores em diferentes populações e estratificar por características, como etnicidade e histórico familiar de diabetes tipo 2.

Artigo submetido em 26.06.07, aceito em 16.10.07.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

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  • Correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      16 Out 2007
    • Recebido
      26 Jun 2007
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