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Vírus causadores de infecção respiratória: na simplicidade mora a inteligência

CARTAS AO EDITOR

Vírus causadores de infecção respiratória: na simplicidade mora a inteligência

De alto nível científico a pesquisa de Thomazelli et al.1 sobre os vírus causadores de infecção respiratória. Embora não fugindo do esperado, os resultados são importantes, a ponto de merecerem o editorial de Schmitt et al.2. Estes expressam conhecimentos adiantados dentro de um contexto primeiro-mundista. O risco é a tentação, já insinuada e expressa no título do editorial, de "tecnologizar" o problema mais comum da prática pediátrica - as infecções respiratórias.

Na realidade, existe um abuso de antibióticos desnecessários e de radiografias de tórax e de seios da face que, além de não indicadas, acabam por serem erroneamente interpretadas. Isso não ocorre apenas em nosso meio, mas, talvez, até mais nas sociedades desenvolvidas.

Acontece que a dispendiosa e freqüentemente inacessível tecnologia ora apresentada não resolve o problema clínico e adiciona novos problemas - será que o agente isolado é o responsável pelo quadro clínico do momento? E o que fazer com os 21% de resultados negativos? A rinossinusite aguda viral pode ter evoluído para uma rinossinusite aguda supurativa bacteriana? Então esse procedimento é inútil? Longe disso! É importante que centros de referência, como o dos autores, façam um levantamento epidemiológico dinâmico e repassem essas informações aos pediatras para que eles possam fazer um juízo crítico frente a cada caso e tenham segurança ao falar com os familiares sem precisar usar o não científico e desprestigiado termo "virose". Vou ceder à tentação de fazer uma analogia com nossas pesquisas pioneiras3-6 na (saudosa) Clínica Infantil do Ipiranga nas décadas de 1960, 1970 e 1980, quando, junto com Trabulsi, pesquisamos a etiologia bacteriana da diarréia aguda que era, então, a primeira causa de mortalidade das crianças brasileiras até 1 ano de idade. Acontece que aprendemos muito com a análise de mais de um milhar de coproculturas no contexto do respectivo quadro clínico e, a partir daí, curiosamente, quase nunca mais solicitamos coprocultura em casos isolados de diarréia aguda.

O que fazer, então? Cabe municiar o pediatra geral, e particularmente o socorrista, com normas diagnóstico-terapêuticas dos quadros respiratórios habituais, quase sempre virais, e assim ajudá-los a surpreender a complicação bacteriana expressa pelo agravamento do estado infeccioso/toxêmico. Nos casos de dúvida, exames simples como a proteína C reativa podem ser úteis.

Mesmo porque alguém já disse que na "simplicidade mora a inteligência".

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

Jayme Murahovschi

Livre-docente, Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM), São Paulo, SP.

Resposta dos autores

Prezado Editor,

Agradecemos a carta ao editor enviada por Murahovschi, que quase dispensa a resposta dos autores, tamanha sua clareza e discernimento entre o útil e o necessário. De fato, a proposta do artigo "Vigilância de oito vírus respiratórios em amostras clínicas de pacientes pediátricos no sudeste do Brasil" bem representa os objetivos de mais de 10 anos de estudo e trabalho da equipe formada por médicos e virologistas da Universidade de São Paulo (USP), pertencentes ao Hospital Universitário e ao Instituto de Ciências Biomédicas desta universidade. Os frutos deste trabalho em equipe contribuem para que, na prática diária da medicina, possamos desenvolver o raciocínio clínico, do qual dependem a conduta a ser tomada e os esclarecimentos a serem prestados ao paciente e à sua família1.

Este raciocínio clínico está longe de ser intuitivo, aproximando-se mais de uma equação baseada na apresentação clínica do quadro e no conhecimento de dados epidemiológicos e etiológicos, adequadamente demonstrados em estudos científicos.

O conhecimento do perfil etiológico viral das infecções respiratórias na infância traz enorme contribuição para o pediatra, especialmente no que se refere aos primeiros anos de vida, uma vez que a bronquiolite viral é a primeira causa de hospitalização de lactentes em países desenvolvidos, e seu impacto pode ser ainda mais notável sob condições socioeconômicas desfavoráveis. No entanto, a etiologia das infecções respiratórias virais depende da pesquisa com métodos que apresentem as maiores sensibilidade e especificidade possíveis. Estes métodos são dispendiosos, por isso se estabelecem os grandes grupos de pesquisa, para que, na prática clínica, o médico possa se valer, na maior parte dos casos, de seu conhecimento e raciocínio clínico2.

O estudo publicado pelos autores no Jornal de Pediatria objetiva, como explicitado em seu título, realizar uma vigilância da ocorrência das infecções virais em crianças menores de 5 anos hospitalizadas por problemas do aparelho respiratório inferior. Está implícito neste objetivo conhecer a freqüência dos diferentes vírus nesta população e sua distribuição e sazonalidade no decorrer do ano. Este estudo não incluiu crianças com acometimento exclusivo de vias aéreas superiores, como as rinossinusites. Os vírus respiratórios ocorreram especialmente no primeiro ano de vida, sendo a bronquiolite por vírus sincicial respiratório (VSR) a afecção mais freqüente. Salientamos, no estudo, a importância do metapneumovírus humano (MPVH), caracterizado como o segundo vírus em freqüência. É de destaque a diferença de sazonalidade entre esses dois principais agentes, uma vez que o VSR, como já publicado pelos autores anteriormente, apresenta estação anual marcada nos meses de outono e inverno. O MPVH distribuiu-se de forma mais homogênea durante o ano, o que contribui para a persistência de altas taxas de hospitalizações de lactentes nos meses seguintes à estação de VSR3.

As infecções respiratórias virais ocorrem, em sua maior parte, em crianças previamente hígidas e apresentam curso clínico característico. Assim, é possível ao pediatra estabelecer um diagnóstico mesmo sem a confirmação etiológica, desde que conheça a importância, a distribuição dos principais agentes e as características da infecção. É o que ocorre, via de regra, na bronquiolite viral aguda. Desta forma, é possível, com maior segurança, evitar tratamentos dispendiosos, desnecessários e possivelmente responsáveis por efeitos colaterais indesejados, como a antibioticoterapia. Isso não se aplica aos pacientes portadores de fatores de risco e que apresentem formas mais graves de infecção, ou mesmo nos pacientes previamente saudáveis, porém com quadros mais graves e arrastados nos quais, independente da identificação de vírus respiratórios, não se pode excluir uma infecção bacteriana como causa única ou em associação com a infecção viral. Estes casos felizmente não correspondem à maioria, em populações com características semelhantes à do estudo realizado pelos autores.

A vigilância das infecções respiratórias virais cresce cada vez mais em importância, uma vez que a corrida tecnológica para o desenvolvimento de novas terapêuticas especialmente profiláticas se intensifica a cada ano. O perfil etiológico é dinâmico e precisa ser monitorado. Esperamos contribuir para que, no futuro, talvez não tão distante, possamos escrever para o Jornal de Pediatria discorrendo sobre novas vacinas ou antivirais que possam diminuir o impacto do VSR e do MPVH nos lactentes, a exemplo do que hoje ocorre com o rotavírus no controle do impacto das diarréias agudas.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

Sandra E. Vieira

Doutora. Professora, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP.

Luciano M. Thomazelli

Mestre. Instituto de Ciências Biomédicas, USP, São Paulo, SP.

Referências (resposta dos autores) / References (authors' reply)

  • 1. Thomazelli LM, Vieira S, Leal AL, Sousa TS, Oliveira DB, Golono MA, et al. Surveillance of eight respiratory viruses in clinical samples of pediatric patients in southeast Brazil. J Pediatr (Rio J). 2007;83:422-8.
  • 2. Schmitt HJ, Gröndahl B, Schaaff F, Puppe W. The beginning of a new era: systematic testing for pathogens causing acute respiratory tract infections (ARI) in children. J Pediatr (Rio J). 2007;83:391-4.
  • 3. American Academy of Pediatrics. Subcommittee on Management of Sinusitis and Committee on Quality Improvement. Clinical practice guideline: management of sinusitis. Pediatrics 2001;108:798-808.
  • 4. Murahovschi J, Ciochetti D. Estudo sobre etiologia das diarréias agudas do lactente e ensaio de tratamento com antibióticos. J Pediatr (Rio J). 1963;28:1-50.
  • 5. Trabulsi LR, Toledo M, Murahovschi J. Epidemiology of infantile bacterial diarrheal disease in Brazil. In: TakedaY, Miwatani T, editors. Bacterial diarrheal diseases. Tokyo: K. T. K. Scientific Publishers; 1985. p. 25.
  • 6. Kitagawa SM, Trabulsi LR, Murahovschi J. Etiologia da diarréia infecciosa endêmica da criança de baixo nível econômico em São Paulo. Rev Paul Pediatr. 1989;7:16-20.
  • 1. Thomazelli LM, Vieira SE, Leal AL, Sousa TS, Oliveira DB, Golono MA, et al. Surveillance of eight respiratory viruses in clinical samples of pediatric patients in southeast Brazil. J Pediatr (Rio J). 2007;83:422-8.
  • 2. Shay DK, Holman RC, Newman RD, Liu LL, Stout JW, Anderson LJ. Bronchiolitis-associated hospitalizations among US children, 1980-1996. JAMA. 1999;282:1440-6.
  • 3. Vieira SE, Stewien KE, Queiroz DA, Durigon EL, Torok TJ, Anderson LA, et al. Clinical patterns and seasonal trends in respiratory syncytial virus hospitalization in Sao Paulo, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 2001;43:125-131.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Fev 2008
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