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Fatores de risco para a doença por refluxo gastroesofágico em recém-nascidos de muito baixo peso portadores de displasia broncopulmonar

Resumos

OBJETIVO: Conhecer os fatores de risco para a doença por refluxo gastroesofágico (DRGE) em recém-nascidos de muito baixo peso com displasia broncopulmonar. MÉTODOS: Realizou-se um estudo caso-controle incluindo 23 casos e 23 controles com displasia broncopulmonar, sendo realizada investigação por monitorização prolongada do pH esofágico no período de janeiro de 2001 a outubro de 2005. Para cada caso, selecionou-se um controle, e foram comparados pela idade gestacional, peso ao nascimento, gênero, uso de corticóide pré-natal, tempo de ventilação assistida, tempo de oxigenoterapia, tempo de uso de sonda gástrica, uso de xantinas, idade pós-conceptual e peso durante a monitorização do pH esofágico. Realizou-se a análise por regressão logística múltipla para estabelecer o odds ratio (OR) com intervalo de confiança de 95% (IC95%). RESULTADOS: Os dois grupos (com e sem DRGE) não apresentaram diferenças significativas em relação às variáveis demográficas e de evolução pós-natal, uso de corticóide pré e pós-natal, bem como ao tempo de uso de cafeína, ventilação mecânica e oxigenoterapia. Entretanto, as variáveis intolerância alimentar (OR = 6,55; IC95% 1,05-40,8) e tempo de uso de sonda gástrica (OR = 1,67; IC95% 1,11-2,51) comportaram-se como fatores de risco para DRGE. A variável idade pós-conceptual ao exame de monitorização do pH (OR = 0,02; IC95% < 0,001-0,38) comportou-se como fator protetor para DRGE. CONCLUSÃO: Os dados obtidos permitem inferir que o tempo prolongado de uso de sonda gástrica e a intolerância alimentar aumentam a probabilidade para DRGE. Já a maior idade pós-conceptual ao exame diminui a chance para DRGE em prematuros com menos de 1.500 g com displasia broncopulmonar.

Monitorização prolongada do pH esofágico; displasia broncopulmonar; doença do refluxo gastroesofágico; refluxo gastroesofágico; recém-nascido de muito baixo peso; prematuro


OBJECTIVE: To assess risk factors for gastroesophageal reflux disease (GERD) in very low birth weight infants with bronchopulmonary dysplasia. METHODS: A case-control study was carried out in 23 cases and 23 control subjects with bronchopulmonary dysplasia submitted to 24-hour esophageal pH monitoring between January 2001 and October 2005. Cases and controls were compared for gestational age, birth weight, gender, use of antenatal steroids, duration of assisted ventilation, duration of oxygen therapy, length of gastric tube use, administration of xanthines, postconceptual age, and weight at esophageal pH monitoring. Multiple logistic regression analysis was used to establish the odds ratio(OR) with a 95% confidence interval (95%CI). RESULTS: None of the groups (with and without GERD) showed statistically significant differences in terms of demographic variables and postnatal outcome, use of antenatal and postnatal corticosteroids, or in terms of caffeine use and duration of mechanical ventilation and oxygen therapy. However, feeding intolerance (OR = 6.55; 95%CI 1.05-40.8) and length of gastric tube use (OR = 1.67; 95%CI 1.11-2.51) turned out to be risk factors for GERD. Postconceptual age at the time of pH monitoring (OR = 0.02; 95%CI < 0.001-0.38) was regarded as a protective factor against GERD. CONCLUSION: The data obtained allow inferring that prolonged gastric tube use and feeding intolerance increase the risk for GERD. On the other hand, older postconceptual age at the time of pH monitoring reduces the risk for GERD in preterm infants with bronchopulmonary dysplasia weighing less than 1,500 g.

24-hour esophageal pH monitoring; bronchopulmonary dysplasia; gastroesophageal reflux disease; gastroesophageal reflux; very low birth weight infants; preterm infants


ARTIGO ORIGINAL

Fatores de risco para a doença por refluxo gastroesofágico em recém-nascidos de muito baixo peso portadores de displasia broncopulmonar

Thaís B. MendesI; Maria Aparecida M. S. MezzacappaII; Adyléia A. D. C. ToroIII; José Dirceu RibeiroIV

IMestre. Doutoranda, Saúde da Criança e do Adolescente, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP

IIDoutora. Professora, Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP, Campinas, SP

IIIMestre. Médica assistente, Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP, Campinas, SP

IVDoutor. Professor associado, Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP, Campinas, SP

Correspondência Correspondência: Jose Dirceu Ribeiro Rua Pedro Natalino Zaghi, 80 Condomínio Barão do Café 2 - Bairro Barão Geraldo CEP 13085-070 - Campinas, SP Tel.: (19) 9214.7525 Fax: (19) 3521.8827 Email: ribeirojd@terra.com.br, dirceu@fcm.unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer os fatores de risco para a doença por refluxo gastroesofágico (DRGE) em recém-nascidos de muito baixo peso com displasia broncopulmonar.

MÉTODOS: Realizou-se um estudo caso-controle incluindo 23 casos e 23 controles com displasia broncopulmonar, sendo realizada investigação por monitorização prolongada do pH esofágico no período de janeiro de 2001 a outubro de 2005. Para cada caso, selecionou-se um controle, e foram comparados pela idade gestacional, peso ao nascimento, gênero, uso de corticóide pré-natal, tempo de ventilação assistida, tempo de oxigenoterapia, tempo de uso de sonda gástrica, uso de xantinas, idade pós-conceptual e peso durante a monitorização do pH esofágico. Realizou-se a análise por regressão logística múltipla para estabelecer o odds ratio (OR) com intervalo de confiança de 95% (IC95%).

RESULTADOS: Os dois grupos (com e sem DRGE) não apresentaram diferenças significativas em relação às variáveis demográficas e de evolução pós-natal, uso de corticóide pré e pós-natal, bem como ao tempo de uso de cafeína, ventilação mecânica e oxigenoterapia. Entretanto, as variáveis intolerância alimentar (OR = 6,55; IC95% 1,05-40,8) e tempo de uso de sonda gástrica (OR = 1,67; IC95% 1,11-2,51) comportaram-se como fatores de risco para DRGE. A variável idade pós-conceptual ao exame de monitorização do pH (OR = 0,02; IC95% < 0,001-0,38) comportou-se como fator protetor para DRGE.

CONCLUSÃO: Os dados obtidos permitem inferir que o tempo prolongado de uso de sonda gástrica e a intolerância alimentar aumentam a probabilidade para DRGE. Já a maior idade pós-conceptual ao exame diminui a chance para DRGE em prematuros com menos de 1.500 g com displasia broncopulmonar.

Palavras-chave: Monitorização prolongada do pH esofágico, displasia broncopulmonar, doença do refluxo gastroesofágico, refluxo gastroesofágico, recém-nascido de muito baixo peso, prematuro.

Introdução

A doença por refluxo gastroesofágico (DRGE) é a enfermidade esofágica mais comum no período neonatal1 e figura como responsável pelo prolongamento do tempo de internação de recém-nascidos pré-termo (RNPT)2-4. A incidência varia de 2,8 a 10% nos recém-nascidos de muito baixo peso (RNMBP)5,6. Nos recém-nascidos (RN) com displasia broncopulmonar (DBP), a freqüência relatada de DRGE é muito elevada, variando de 18,45 a 63%7,8, embora os critérios diagnósticos não sejam uniformes.

Muitos aspectos da DRGE são controversos ou ainda não são adequadamente conhecidos. Alguns estudos sugerem que a DRGE possa desempenhar papel na patogenia e na recuperação da DBP9-11. Contudo, é muito questionada a associação da DRGE com manifestações respiratórias, como apnéia12 ou aspiração pulmonar na DBP13.

Além da micro e macroaspiração, vários outros mecanismos têm sido sugeridos para explicar a relação entre as doenças pulmonares crônicas e o refluxo gastroesofágico, como o estímulo do reflexo vagal, o aumento da hiper-reatividade brônquica e a inflamação neurogênica por liberação de taquicininas4,14.

Recentemente, foi demonstrado, pela impedanciometria elétrica esofágica intraluminal múltipla, que prematuros sadios apresentam episódios freqüentes de refluxo que se estendem até o esôfago proximal15 e que, em RNMBP em assistência ventilatória, é comum a aspiração do conteúdo gástrico para os pulmões, já a partir do primeiro dia de vida11. Além dessas evidências recentes, a melhora dos sintomas respiratórios após o uso de medidas terapêuticas anti-refluxo clínicas e/ou cirúrgicas5,10,13 sugere que DRGE pode agravar a evolução da DBP.

Temendo possíveis repercussões clínicas, muitos neonatologistas, em todo o mundo, tratam a DRGE em cerca de 20% dos prematuros, menores de 34 semanas16,17. A quase totalidade desses pacientes não realiza exames confirmatórios e é tratada em bases empíricas16,17.

Apesar do crescente interesse sobre DRGE no período neonatal, são poucas as informações acerca dos seus fatores predisponentes em prematuros com DBP. Essas informações podem facilitar o diagnóstico precoce e direcionar mais adequadamente a investigação e a terapêutica. O objetivo deste estudo foi determinar os fatores de risco para a DRGE em neonatos com DBP.

Métodos

Foi realizado um estudo observacional de caso-controle não emparelhado, no Hospital Universitário da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Foram selecionados todos os RN com diagnóstico de DBP de acordo com os critérios de Bancalari18 e peso ao nascimento < 1.500 g, caracterizando RNMBP, que tiveram suspeita clínica de DRGE e foram submetidos a investigação pela monitorização prolongada do pH esofágico distal durante a permanência na unidade neonatal, no período de janeiro de 2001 a outubro de 2005.

Os RNMBP que apresentaram índice de refluxo (IR) > 10%19 foram definidos como casos. No grupo controle, foram incluídos os RN com DBP, internados no mesmo período de tempo que os casos, com IR < 10%. Para cada caso, foi selecionado um controle no mesmo período, por proximidade da data de nascimento.

Foram excluídos os pacientes cujas monitorizações do pH esofágico tiveram duração inferior a 18 horas ou em condições não padronizadas, RN em oxigenoterapia ao redor do 28º dia de vida por deterioração transitória da condição respiratória, por outras condições como sepse e cardiopatia, RN em uso de corticóides, antiácidos ou pró-cinéticos durante o exame. Os RN que apresentaram os diagnósticos de malformações do tubo digestório, defeitos de fechamento da parede abdominal, síndromes genéticas e cromossomopatias também não foram estudados. O uso de xantinas (cafeína, aminofilina) no momento do exame não foi considerado critério de exclusão.

Foram analisadas as variáveis demográficas peso ao nascimento, idade gestacional (IG), gênero e adequação do peso para a IG, bem como as seguintes variáveis: uso de corticóide pré-natal, Apgar no 5º minuto, exame neurológico anormal, anomalias estruturais de sistema nervoso central, tipo de insuficiência respiratória na primeira semana de vida (doença de membrana hialina, taquipnéia transitória do RN, hipertensão pulmonar, pneumonia intra-útero), intolerância alimentar, peso e idade pós-conceptual ao exame, duração da utilização da sonda gástrica e da ventilação mecânica, tempo de oxigenoterapia, uso de corticóide pós-natal e duração da terapêutica com xantinas. A duração da exposição às variáveis estudadas foi considerada até o dia do estudo do pH.

Intolerância alimentar foi definida como dificuldade de progressão na transição alimentar, da via parenteral para a enteral, com conseqüente suspensão de pelo menos uma mamada pela presença de um ou mais episódios de vômito (bilioso ou lácteo), distensão abdominal, resíduos biliosos ou lácteos, sendo estes últimos correspondentes a 50% ou mais do volume da mamada anterior.

Monitorização prolongada do pH esofágico

As monitorizações prolongadas do pH esofágico foram realizadas por um dos autores, em condições padronizadas, utilizando o sistema Digitrapper MKIII®(Synectics Medical). As leituras do pH esofágico foram realizadas com cateteres de 1,5 mm de diâmetro, semidescartáveis, com um eletrodo de antimônio (Synectics Medical) mantido no terço distal do esôfago, 3 cm acima do ponto de viragem do pH gástrico para o esofágico. A posição final do eletrodo foi confirmada através da realização de radiografia de tórax, sendo mantido na altura do corpo vertebral de T6 a T7. Ao final do exame, os registros eram transferidos para um computador e analisados por intermédio do programa EsopHogram® (Gastrosoft Inc).

As condições do exame eram padronizadas: alimentação com leite materno ou fórmula para prematuros com volume de 130-140 mL/kg/dia, por via oral ou sonda gástrica, a cada 4 horas, decúbito dorsal horizontal durante todo o registro e RN sem assistência ventilatória.

Análise dos dados

Para verificar a associação com as variáveis categóricas, foram empregados os testes de qui-quadrado e exato de Fisher e, para as variáveis numéricas, a comparação entre os grupos foi realizada pelo teste U de Mann-Whitney20. A seguir, foi realizada análise por regressão logística univariada e múltipla pelo método backward21.

Utilizou-se o programa computacional Statistical Analysis System for Windows, versão 8.2 (SAS Institute Inc, 1999-2001, Cary, NC, EUA). Foram considerados significativos os valores de p < 0,05. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.

Resultados

No período estudado, foram identificados 55 RN com DBP, os quais foram investigados para DRGE pelo estudo do pH esofágico. Destes, nove foram excluídos: exames não padronizados ou com duração inferior a 18 horas (n = 4), uso de drogas (n = 2), malformação congênitas do tubo digestório (n = 1) e nascimento fora do serviço (n = 1). Dos 46 restantes, 23 tiveram diagnóstico de DRGE e 23 pacientes constituíram o grupo controle. A média e o desvio padrão do IR para os casos e os controles foi 19,7+7,0% e 4,4+2,2%, respectivamente.

Casos e controles mostraram-se semelhantes quanto às variáveis demográficas, embora tenha ocorrido uma tendência de maior peso ao nascimento nos RN casos (Tabela 1).

Para as demais variáveis, não houve associação com os grupos (Tabela 2). Em ambos os grupos, 21 RN tiveram doença pulmonar na primeira semana de vida (Tabela 2), e os quatro restantes evoluíram para DBP decorrente de ventilação mecânica por apnéia.

Treze RN pertencentes ao grupo caso e 11 RN do grupo controle tiveram manifestações clínicas de intolerância alimentar, assim distribuídas: resíduos lácteos ou biliosos em 12 casos e 11 controles, vômitos em um RN do grupo caso e nenhum controle, distensão abdominal em dois RN entre os casos e um do grupo controle. Três RN tiveram mais de uma manifestação de intolerância.

A análise por regressão logística multivariada, ajustada pelo peso ao nascer, pela IG e pela presença de anomalias do sistema nervoso central, identificou como fatores de risco para a DRGE a intolerância alimentar e o tempo total de sonda gástrica. A idade pós-conceptual ao exame comportou-se como fator protetor (Tabela 3).

Discussão

Este estudo demonstrou que a intolerância alimentar e o maior tempo de uso de sonda gástrica são fatores de risco para DRGE em prematuros com DBP. A maior idade pós-conceptual ao exame do pH esofágico foi um fator de proteção para a DRGE.

Em revisão da literatura, não foram encontradas publicações com resultados semelhantes. Uma possível explicação para este fato é a constatação de que são poucos os serviços de neonatologia que investigam, de maneira sistemática, a DRGE em prematuros pequenos com a monitorização do pH esofágico16,17.

Em um estudo de caso-controle prévio, não foram determinados os fatores de risco, mas estudados o crescimento e o tempo de internação2. Assim, os autores compararam 23 sujeitos e um igual número de controles, emparelhados por IG, peso ao nascer, gênero e gravidade da DBP. O estudo detectou diferenças significativas entre o tempo para completar a alimentação oral nos casos, provavelmente por comprometimento do padrão motor orofaríngeo. A permanência hospitalar e a idade pós-conceptual à alta hospitalar também foram maiores no grupo de casos, quando comparado aos controles 2. Para estudos do tipo caso-controle, é recomendado que os dois grupos sejam homogêneos (semelhantes), sobretudo na freqüência de outras doenças ou características que não os fatores de exposições (risco) que se deseja estudar. Uma vez que as doenças neurológicas, as quais sabidamente predispõem à DRGE 4, predominaram entre os controles, foi utilizado um recurso da análise de regressão que é o ajuste para evitar possíveis efeitos de confundimento que dificultassem a identificação dos fatores de risco. Esta mesma justificativa se aplica ao ajuste pelas variáveis PN e IG.

A intolerância alimentar é uma entidade que não possui definição uniforme22. Neste estudo, foram denominados como intolerantes não só aqueles RN com vômitos ou regurgitações, mas também aqueles com distensão abdominal e resíduos pré-gavagem durante a transição da oferta parenteral para a enteral, nos primeiros 15-20 dias de vida. Esses sintomas, atribuídos à prematuridade22, ocorreram vários dias ou semanas antes do início da suspeita clínica de DRGE (o estudo de pH foi realizado com cerca 7 semanas, em média, após o nascimento). A intolerância alimentar é conseqüente a uma desordem motora do tubo digestivo relacionada a um padrão motor intestinal de jejum e pós-alimentar muito imaturo23 e a retardo de esvaziamento gástrico24-26. O principal mecanismo implicado na fisiopatologia da DRGE, em RNPT, são os relaxamentos transitórios associados a refluxos ácidos induzidos por aumentos da pressão intra-abdominal27,28. Mesmo que o retardo de esvaziamento gástrico seja questionado como um mecanismo adicional na gênese da DRGE27,28, é possível pensar que, para alguns indivíduos, o retardo de esvaziamento do estômago possa ser o mecanismo desencadeante dos relaxamentos transitórios25.

Neste estudo, para cada dia a mais de uso da sonda gástrica foi identificado um aumento da chance de DRGE de 1,67 vezes (IC95% 1,11-2,51). Este achado relativo ao uso da sonda surpreende, pois quando se observa apenas o resultado da análise bivariada, o grupo controle tem em média 60,4+20,1 dias de uso versus 50,9+18,4 nos casos, sendo o valor de p = 0,078. Entretanto, mediante o uso da análise múltipla, com a técnica de ajustamento, os possíveis fatores de confundimento foram abolidos. A observação da sonda como um fator de risco reforça os achados de Peter et al.29, que demonstraram quase o dobro do número de episódios de refluxo quando uma sonda gástrica foi posicionada no interior do estômago ao invés de no esôfago, provavelmente prejudicando os mecanismos de contenção do esfíncter esofagiano inferior29.

Outro achado em nosso estudo, a significância estatística da idade pós-conceptual à monitorização do pH esofágico, pode ser explicada pela ontogenia do desenvolvimento do tônus do esfíncter esofágico inferior (EEI), já que este não está adequadamente desenvolvido ao nascimento. O aumento da pressão ocorre de forma progressiva até a 6ª-7ª semana de vida pós-natal, quando, independente da IG ou peso ao nascer, se estabelecerá a característica do esfíncter de uma zona de alta pressão, com maior poder de contenção dos episódios de refluxo30. O uso pré-natal de corticóide favorece a DRGE em prematuros31,32; no entanto, os dados do presente estudo não reforçam este conceito, provavelmente devido ao limitado tamanho amostral. Além disso, as xantinas são consideradas um fator de risco para a DRGE, uma vez que alteram o tônus do EEI e elevam a produção gástrica de ácido clorídrico4, mas não foram significativas neste estudo, possivelmente por se tratar de uma amostra de RN muito imaturos com alta freqüência de uso de xantinas (89%), características inerentes a DBP.

As características demográficas e variáveis da evolução neonatal não foram identificadas como fatores de risco para DRGE neste estudo. A prematuridade é um fator predisponente para a DRGE muito citado4,33. A ausência desse resultado, neste estudo, pode ser atribuída à variação muito pequena da IG apresentada pelos RN que compuseram a amostra avaliada, que é uma característica própria da DBP.

Recentemente, foi demonstrado, por um método confiável, que existe aspiração do conteúdo gástrico em prematuros de extremo baixo peso durante o período de assistência ventilatória (28 dias ou mais), induzindo à hipótese de que o refluxo gastroesofágico possa ter papel na fisiopatologia da DBP11. Os relatos anteriores divergem sobre os efeitos da assistência ventilatória e a DREG nesta faixa etária4,34.

O delineamento prospectivo utilizando estudo do tipo coorte seria o mais adequado para identificação de fatores associados às doenças. Entretanto, uma grande casuística de RN muito prematuros com DBP é difícil de obter em estudos unicêntricos, dada a alta mortalidade. Assim, o pequeno número de casos disponíveis foi adequado ao tipo de estudo caso-controle. Utilizamos a casuística a partir de janeiro de 2001, quando a pHmetria passou a ser realizada em uma única posição do corpo (decúbito dorsal). A casuística restrita, sem cálculo do tamanho amostral, pode ter dificultado a identificação de outros fatores de risco e também se refletiu nos amplos intervalos de confiança obtidos.

O presente estudo permite inferir que, em prematuros de muito baixo peso com DBP, a cada dia de uso de sonda orogástrica (SOG) (OR 1,67; IC95% 1,11-2,51) e a ocorrência de intolerância alimentar (OR 6,55; IC95% 1,05-40,85) aumentam a probabilidade para DRGE. Já a variável idade pós-conceptual ao exame (OR 0,02; IC95% < 0,001-0,38) diminui a chance de diagnóstico da DRGE. Com base no exposto, medidas que favoreçam a redução no tempo de uso de SOG podem diminuir não apenas as suas complicações específicas, mas também o risco de DRGE e suas conseqüências. O mesmo pode ser considerado em relação às estratégias alimentares ou de drogas para a intolerância alimentar.

A busca de marcadores para DRGE em neonatos com DBP poderá melhorar, além da certeza diagnóstica, a qualidade da assistência prestada, através da terapêutica precoce com redução da morbidade e encurtamento do tempo de internação.

Agradecimentos

Os autores agradecem à CAPES, à FAPESP (processo nº 03/07591-2), a Sra. Cleide Moreira Silva pela assistência estatística e ao corpo médico do Setor de Neonatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP), SP.

Artigo submetido em 18.10.07, aceito em 26.12.07.

Apoio financeiro: FAPESP, processo nº 03/07591-2.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Aceito
      26 Dez 2007
    • Recebido
      18 Out 2007
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