Acessibilidade / Reportar erro

Razão entre diâmetros torácicos para detecção de hiperinsuflação estática em crianças pela biofotogrametria

Resumos

OBJETIVOS: Desenvolver um método fotogramétrico capaz de identificar aumento do diâmetro torácico anteroposterior sugestivo de hiperinsuflação pulmonar e testá-lo em crianças asmáticas e não asmáticas. MÉTODOS: Foram conduzidos dois perfis de estudos, sendo um deles a análise descritiva dos diâmetros medidos no nível axilar e xifóideo em imagens fotográficas digitais de 56 crianças, com idade entre 8 e 12 anos, na posição ortostática, e o outro, um estudo caso-controle entre: (a) 19 crianças asmáticas em tratamento há mais de 12 meses; (b) 37 crianças não asmáticas, sem histórico pregresso ou queixas de doenças respiratórias/alérgicas. Os diâmetros foram medidos nas imagens da vista anterior e lateral esquerda pelo uso do programa CorelDraw®, e a esses diâmetros aplicou-se a razão matemática de vista anterior por lateral esquerda para cada nível, gerando o índice denominado razão diametral. A razão diametral próxima ou superior à unidade expressou uma configuração geométrica tendendo ao formato cilíndrico, típico de hiperinsuflação nas imagens radiológicas. RESULTADOS: A análise pelo teste t para amostras independentes mostrou uma média significativamente maior para razão diametral do osso esterno no grupo de crianças asmáticas (p < 0,01) que no grupo como um todo e no grupo de crianças não asmáticas. CONCLUSÕES: Apesar das controvérsias sobre instrumentos, formas e momentos de identificação da presença de hiperinsuflação, os resultados são favoráveis ao sistema de razão diametral pela biofotogrametria como ferramenta promissora na identificação de uma expressão cinesiopatológica conhecida como determinante da retenção aérea na asma. Pesquisas que agreguem informações clínicas e acompanhamento longitudinal intrapacientes serão necessárias antes de estabelecer a força das evidências encontradas neste estudo.

Hiperinsuflação; fotogrametria; asma


OBJECTIVES: To develop a photogrammetric method capable of identifying increases in anteroposterior chest diameters suggestive of pulmonary hyperinflation, and to test it with both asthmatic and asthma-free children. METHODS: Two distinct study designs were used to achieve these two objectives. The first was a descriptive analysis of diameters measured at the height of the axilla and of the xiphoid on digital images of 56 children aged 8 to 12 years photographed in the orthostatic position. The second was a case-control study of (a) 19 asthmatic children in treatment for at least 12 months; and (b) 37 children free from asthma with no prior history of complaints of respiratory/allergic disease. Diameters were measured on images of the front and left side views using CorelDRAW®, and the ratio between the front and side diameters was calculated for the axillary and xiphoid measurements, providing the diameter ratios. Diameter ratios close to or greater than 1 represent geometry tending towards a cylindrical shape, typical of hyperinflation on radiographs. RESULTS: Analysis with the t test for independent samples revealed a mean diameter ratio at the sternum that was significantly greater in the group of asthmatic children (p < 0.01) than the mean for the whole sample and also than the mean for the children without asthma. CONCLUSIONS: Despite the existence of disagreement on the best instruments, methods and times for identifying hyperinflation, results indicate that a system using diameter ratios obtained by photogrammetry is a promising tool for the identification of a kinesiopathological manifestation that is known to determine air entrapment in asthma patients. Research that combines clinical data with longitudinal intrapatient follow-up will be necessary to establish the strength of the evidence found in this study.

Hyperinflation; photogrammetry; asthma


ARTIGO ORIGINAL

Razão entre diâmetros torácicos para detecção de hiperinsuflação estática em crianças pela biofotogrametria

Denise da V. RicieriI; Nelson A. RosárioII; Jecilene R. CostaIII

I

IIDoutor. Professor titular, Departamento de Pediatria, UFPR, Curitiba, PR. Orientador, Programa de Pós–Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, UFPR, Curitiba, PR

IIIDoutoranda, Departamento de Otorrinolaringologia, Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (UNIFESP–EPM), São Paulo, SP

Correspondência Correspondência:Denise Ricieri Hospital de Clínicas da UFPR — Pronto–Atendimento Pediátrico Serviço de Alergia, Imunologia e Pneumologia Pediátrica Rua General Carneiro, 181 CEP 80060–900 – Curitiba, PR Tel.: (41) 3362.5351, (41) 9642.7677 Fax: (41) 3362.5351 Email: denise.ricieri@ufpr.br Artigo submetido em 12.12.07, aceito em 10.06.08. Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

RESUMO

OBJETIVOS:

MÉTODOS: Foram conduzidos dois perfis de estudos, sendo um deles a análise descritiva dos diâmetros medidos no nível axilar e xifóideo em imagens fotográficas digitais de 56 crianças, com idade entre 8 e 12 anos, na posição ortostática, e o outro, um estudo caso–controle entre: (a) 19 crianças asmáticas em tratamento há mais de 12 meses; (b) 37 crianças não asmáticas, sem histórico pregresso ou queixas de doenças respiratórias/alérgicas. Os diâmetros foram medidos nas imagens da vista anterior e lateral esquerda pelo uso do programa CorelDraw®, e a esses diâmetros aplicou–se a razão matemática de vista anterior por lateral esquerda para cada nível, gerando o índice denominado razão diametral. A razão diametral próxima ou superior à unidade expressou uma configuração geométrica tendendo ao formato cilíndrico, típico de hiperinsuflação nas imagens radiológicas.

RESULTADOS: A análise pelo teste t para amostras independentes mostrou uma média significativamente maior para razão diametral do osso esterno no grupo de crianças asmáticas (p < 0,01) que no grupo como um todo e no grupo de crianças não asmáticas.

CONCLUSÕES: Apesar das controvérsias sobre instrumentos, formas e momentos de identificação da presença de hiperinsuflação, os resultados são favoráveis ao sistema de razão diametral pela biofotogrametria como ferramenta promissora na identificação de uma expressão cinesiopatológica conhecida como determinante da retenção aérea na asma. Pesquisas que agreguem informações clínicas e acompanhamento longitudinal intrapacientes serão necessárias antes de estabelecer a força das evidências encontradas neste estudo.

Palavras–chave: Hiperinsuflação, fotogrametria, asma.

Introdução

A hiperinsuflação pulmonar é conseqüência do desequilíbrio das forças estáticas determinantes do volume de relaxamento (Vrelax) e/ou dos componentes dinâmicos, entre eles padrão respiratório, resistência das vias aéreas e atividade pós–inspiratória dos músculos inspiratórios. Para o radiologista, a hiperinsuflação implica no aumento da capacidade pulmonar total (CPT) em radiogramas realizados após inspiração máxima. Para o contexto clínico, ela implica em aumento anormal no volume de ar intrapulmonar ao final da expiração espontânea, ou seja, no nível da capacidade residual funcional (CRF)1,2.

Como sinal clínico, a hiperinsuflação pode estar presente no exame físico de várias doenças pulmonares2, e é preciso estabelecer o mecanismo fisiopatológico sob qual a retenção aérea pulmonar ocorreu antes de prospectar designações ou intervenções3. Hoppin Jr. relacionava pulmões à parede torácica como um casamento por toda vida, "para o bem e para o mal, na saúde e na doença"4, considerando volume–dependentes as funções pulmonares e toracoabdominais, já que a maioria dos parâmetros de desempenho ventilatório refletia este "casamento". Um exemplo é o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), que tem valores reduzidos pela limitação da capacidade expiratória pulmonar, ou pela capacidade inspiratória da parede torácica4.

A partir dos parâmetros biomecânicos estabelecidos ao longo de décadas de estudo do movimento respiratório5–8, especificamente para a asma pesa o fato de que a obstrução das vias aéreas, centrais e periféricas, e o remodelamento que acompanha a inflamação levam à hiperinsuflação crônica e ao agravamento da doença9. A hiperinsuflação crônica apresenta dois componentes: estático e dinâmico. No componente estático, a retenção aérea está presente sem que os movimentos respiratórios estejam restringidos, enquanto no componente dinâmico a retenção aérea é dependente da freqüência respiratória e desaparece durante a apnéia2.

A presença de hiperinsuflação é uma das principais responsáveis pela sensação de dispnéia, sintoma comum na asma10, embora varie para os mesmos níveis de obstrução ao fluxo aéreo em diferentes pacientes5. A gravidade da asma apresenta pelo menos duas dimensões freqüentes, nem sempre relacionadas: (a) a função de base, ou um retrato instantâneo das condições respiratórias durante o período intercrise, podendo nele estar presente a hiperinsuflação estática; (b) a labilidade da doença, ou o conjunto da hiper–responsividade brônquica e resposta ao tratamento. A função de base associa–se ao grau de disfunção, cujo indicador de controle é a medida do VEF1, mas que também pode ser acompanhada pelo registro diário do pico de fluxo expiratório11–13.

Os efeitos da broncoconstrição sobre as pressões e recrutamento muscular respiratório foram estudados em diferentes situações clínicas e idades14,15. O estreitamento agudo das vias aéreas associa–se à hiperinsuflação dinâmica16,17, a qual, entre outras características, reduz o volume final expirado, reduzindo o VEF1 que, ao final de uma cadeia de compensações mecânicas, sustenta uma atividade tônica muscular inspiratória persistente durante a expiração5,18,19, determinando a hiperinsuflação dinâmica na crise asmática aguda. Passada a crise, a não regressão total dos parâmetros mecânicos respiratórios contribui para a retenção crônica de ar nos pulmões que, acumulado, conduz à hiperinsuflação residual ou cumulativa11,20.

Não existe um consenso estabelecido sobre como a retenção aérea pulmonar acomoda–se no tórax, mas existem muitas estratégias para medir e explicar cada uma das teorias, quase todas desenvolvidas para adultos5. Como para todas o tórax figura sempre como uma chave mestra na acomodação do volume de hiperinsuflação14,18, o objetivo deste trabalho foi desenvolver um método fotogramétrico capaz de identificar aumento do diâmetro torácico anteroposterior, relativamente ao diâmetro lateral, sugestivo de hiperinsuflação pulmonar, e testá–lo em crianças asmáticas e não asmáticas.

Métodos

Os dados deste estudo reúnem as ações parciais de dois projetos para desenvolvimento de instrumentação para análise cinemática pediátrica. Seguindo a resolução 196/96–CNS, ambos foram aprovados pelos respectivos comitês de ética, sendo um deles pelo comitê de ética em pesquisa (CEP) do Hospital de Clínicas/Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR), Curitiba (PR) e o outro pelo CEP da Unifesp, São Paulo (SP). Todos os participantes apresentaram consentimento informado assinado pelos responsáveis antes do ingresso no estudo.

Tipo de estudo e triagem dos grupos

Os dados analisados foram provenientes da análise das imagens de um total de 56 crianças com idade entre 8 a 12 anos, divididas em dois subgrupos de análise: o grupo asmático (AS), composto por 19 crianças, e o grupo não–asmático (NA), composto por 37 outras crianças. Em um trabalho conjunto realizado pela UFPR e UNIFESP, o grupo AS foi triado nos serviços mantidos pela disciplina de Imunologia, Alergia e Pneumologia Pediátrica do HC/UFPR, em Curitiba (PR), e na unidade especializada em Paranaguá (PR), enquanto o grupo NA foi triado pelo serviço mantido pelo Departamento de Otorrinolaringologia da UNIFESP, em São Paulo (SP).

Em São Paulo, 53 crianças matriculadas em uma escola integral foram convidadas a participar da pesquisa através do envio do termo de consentimento aos pais. Àqueles que autorizaram, foi aplicado um questionário com perguntas seletivas específicas sobre histórico de doenças respiratórias preexistentes, dores musculares, queixas posturais, uso de óculos e distúrbios do equilíbrio. Ao final, foram admitidas no estudo apenas as 37 crianças cujas respostas nos questionários foram negativas para todas as questões: estas formaram o grupo não–asmático (NA). Em Curitiba, o grupo asmático foi formado por crianças em tratamento há mais de 12 meses, estáveis há pelo menos 30 dias, triadas no período entre outubro e dezembro de 2006.

Para estes dois grupos, foram estabelecidos três modos de observação e análise dos resultados: (a) todos os registros das 56 crianças, tomadas como um único grupo (GR); (b) o grupo de 19 asmáticos (AS); (c) o grupo de 37 crianças não–asmáticas (NA).

A sistematização denominada biofotogrametria foi aplicada em uma rotina, desde a preparação do voluntário, aquisição, tratamento e leitura final dos resultados nas imagens21,22. Por este processo, antes da aquisição das imagens, marcadores de superfície brancos, esféricos, planos e auto–adesivos de 13 mm de diâmetro destacaram visualmente o nível do apêndice xifóide do osso esterno (XI) e o nível da prega axilar anterior (AX), posicionados de modo a estarem visíveis nas imagens das duas vistas.

A aquisição de imagens foi realizada em ortostatismo no nível da CRF, induzido pelo comando verbal do pesquisador para que a criança inspirasse profundamente, expirando e relaxando os ombros a seguir. Como forma de sistematizar a aquisição, quatro fotos foram realizadas na seguinte seqüência: iniciando pela vista posterior e lateral esquerda, e seguindo pelas vistas de interesse, anterior e lateral direita, que foram submetidas a análise.

Para aquisição das imagens, foi utilizada câmera fotográfica digital marca Sony® posicionada sobre um tripé a 1,10 m de altura do solo, com eixo óptico ortogonal aos planos das medidas e, dependendo da estatura da criança, distante entre 1,80 a 2,40 m (Figura 1). As imagens digitais foram importadas para o programa Suite CorelDRAW® versão 12. Com a ferramenta"dimensão linear", sobre as imagens foram traçados dois diâmetros torácicos em cada vista: dois diâmetros torácicos anteriores (DTA) e dois laterais (DTL). Tanto os resultados obtidos para DTA como para DTL nos dois níveis de interesse, AX e XI, (Figura 2) constituíram medidas de dimensão proporcional dentro de uma mesma imagem para a mesma criança.



A aplicação da razão matemática entre o valor um DTA para um DTL, no mesmo nível de medida, resultou em uma "razão diametral"(RD) adimensional e comparável entre imagens de crianças diferentes, independente da distância da câmera. Geometricamente, esta RD foi utilizada para caracterizar a relação entre os diâmetros perpendiculares de um círculo, orientando sobre sua tendência ao formato cilíndrico ou oval (Figura 2). A presença de retenção aérea ao repouso, ou hiperinsuflação estática, estaria associada a uma RD tendendo ao formato cilíndrico, típico nas imagens radiológicas de hiperinsuflação.

Os valores das RD foram tratados estatisticamente no programa SPSS, versão 13, nas seguintes etapas: (a) teste de Kolmogorov–Smirnov para GR, AS e NA, para verificação do tipo de distribuição das variáveis; (b) utilização de testes inferenciais paramétricos para comparação das características descritivas de cada grupo de dados; (c) aplicação do teste de correlação por postos de Pearson, para avaliar a correlação dos resultados intragrupos entre os níveis analisados; (d) atribuição de significância aos resultados para p < 0,05.

Resultados

Foram analisadas as medidas de 56 crianças, entre 8 e 12 anos de idade, cuja distribuição de gênero correspondeu a 21 meninas (37,50%) e 35 meninos (62,50%). Considerando os grupos classificados pela presença ou não de asma, 13 meninas pertenciam ao grupo NA (35,14%), e oito ao grupo AS (42,11%). Os valores encontrados para os DTA e DTL originaram as RD para os grupos GR (n = 56), AS (n = 19) e NA (n = 37), individualmente.

Os dados descritivos encontrados pela aplicação do método biofotogramétrico para RD em ambos os níveis, RD.AX e RD.XI, estão apresentados na Tabela 1, juntamente com a distribuição dos mesmos nos percentis 25, 50 e 75. Os resultados de RD.XI em AS apresentaram diferenças significantes (p < 0,01) em relação à GR e à NA. Na distribuição de percentis nos três grupos, especialmente no percentil 50, tomado como índice de referência, observou–se, no grupo AS, os menores valores para RD.AX e os maiores valores para RD.XI.

A aplicação do teste t de Student para amostras independentes não mostrou diferenças significativas (p > 0,05) entre RD.AX nos três grupos, cujos valores foram muito próximos entre si. Por outro lado, a média do grupo AS foi significativamente maior (p < 0,01) para RD.XI do que aquelas dos grupos GR e NA. O teste de correlação de Pearson, aplicado sobre os registros das duas RD intragrupo, mostrou correlação significativa entre RD.AX e RD.XI para todos os grupos, sendo esta correlação mais forte em GR e NA (p < 0,01) que em AS (p < 0,05).

Discussão

A identificação da hiperinsuflação estática apresenta controvérsias extensas e é uma temática repleta de arestas entre clínicos e pesquisadores na área, mas abriga um destaque relevante: a busca contínua por estratégias que reforcem o arsenal de recursos viáveis para uso na prática clínica diária.

Se, por um lado, a presença de hiperinsuflação importante pode resultar em distribuição anormal do volume corrente em repouso entre os compartimentos pulmonares superiores e inferiores5, em pequenos graus representa uma estratégia ventilatória que ajuda a manter abertas as pequenas vias aéreas, com melhor distribuição regional da ventilação alveolar. Na infância, até os 4 anos de idade, esta é considerada uma estratégia fisiológica23,24, enquanto a partir dos 4 anos, e por toda a vida, a presença de hiperinsuflação resultará em distribuição anormal do volume corrente, alterando o comportamento estático e dinâmico toracoabdominal23. Sobre isso, Cassart et al. demonstraram que, para um mesmo volume pulmonar absoluto, a configuração passiva da caixa torácica é semelhante em normais e nos cronicamente hiperinsuflados, o que significa que a diferença entre ambos está nos diferentes pontos da curva de complacência pulmonar em que o repouso respiratório acontece16,25,26.

As diferentes maneiras utilizadas para definir a retenção extra de ar nos pulmões ao final da expiração, dependendo de como o processo tenha ocorrido, geraram um glossário de vocábulos específicos. Expressões como repouso respiratório, CRF, hiperinsuflação dinâmica e hiperinsuflação crônica são determinantes na atribuição de sentidos diferentes a cada uma delas, e devem ser analisadas de modos diferentes. No volume de relaxamento ou repouso respiratório (Vrelax) corresponde ao volume de equilíbrio estático do sistema respiratório, no qual as pressões de retração elástica pulmonar e da caixa torácica se equivalem, opondo–se direcionalmente3,5. Por CRF depreende–se o momento no tempo onde o Vrelax acontece, durante a ventilação tranqüila2. Aumentos agudos da CRF, do volume residual (VR) ou da CPT recebem o nome de hiperinsuflação, mesmo quando originados por diferentes mecanismos cinesiopatológicos, desde que terminem em aumento do volume pulmonar expiratório final. A expressão hiperinsuflação crônica requer definição complementar através do exame clínico, pois deve estar associada a valores de referência e simultaneidade a outras desvantagens reveladas por índices e testes respiratórios2.

Gibson discorreu longamente sobre fatos relevantes nos estudos sobre caracterização da hiperinsuflação. Associou a realização da maior parte dos estudos para determinação da presença de hiperinsuflação a amostras compostas predominantemente por adultos enfisematosos, sendo que os poucos estudos existentes em crianças referiam–se à asma aguda5. Foi em seu trabalho que a metodologia aqui apresentada foi balizada, tendo Gibson esclarecido que as discrepâncias encontradas na determinação da presença de hiperinsuflação pelo aumento do diâmetro anteroposterior (AP) torácico estavam ligadas à forma e momento nos quais foram coletados os dados. Quando os dados eram coletados no nível da CPT, não havia diferença significante entre doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e controles; nesses estudos, os autores atribuíam a impressão de aumento no diâmetro AP torácico como resultado de uma redução do diâmetro AP abdominal, devido ao enfraquecimento muscular. Por outro lado, estudos que mediram as dimensões torácicas tomadas no nível da CRF encontraram aumento na razão entre os diâmetros AP e lateral, ou seja, o tórax era mais circular em enfisematosos e na crise de asma aguda5.

Tais relatos orientaram o estudo aqui apresentado sob duas vertentes: (a) a de que a classificação da gravidade da asma dos voluntários em AS não era determinante como critério de controle de dados, já que o grau de hiperinsuflação pulmonar pode apresentar variações de magnitude para mesmos níveis de obstrução ao fluxo aéreo, em pacientes diferentes4,5. Este pressuposto levou a uma intenção binária fundamental nas medidas das RD: a criança tem/não tem diâmetro AP aumentado em relação ao diâmetro lateral; (b) a aquisição foi realizada no nível da CRF, na posição ortostática — onde supostamente haveria uma redução do diâmetro AP do tórax no nível xifóideo5,6,24,25, e nas vistas anterior e lateral, para reproduzir a aplicação matemática da razão entre diâmetros medidos no mesmo nível, aqui denominada RD.

Resultados para as RD deste estudo foram muito próximos daqueles apresentados por Martinot–Lagarde et al. Embora a tendência ao tórax cilíndrico possa ser tomada como uma característica morfométrica relativamente comum em crianças, como explicar ser este o único achado significativo, exatamente para o grupo AS, senão no fato de que a RD.XI foi maior em crianças que apresentavam um predisponente cinesiopatológico específico para esta condição: a asma? Este achado pode ser tomado por evidência de que o aumento significante observado apenas na RD.XI do grupo AS tenha se dado, então, pelo aumento do diâmetro AP, em uma analogia à seqüência de eventos mecânicos consistentes com a presença de hiperinsuflação estática neste grupo24.

Os níveis estabelecidos para as medidas representaram uma aquiescência às considerações morfofuncionais de Kondoet al., segundo as quais os níveis AX e XI seriam significativos de uma correlação interna no tórax e sensíveis na acomodação de uma hiperinsuflação estática, pelas adaptações mecânicas decorrentes6,26. A AX correlaciona–se internamente ao nível da bifurcação traqueal, e XI, ao nível do topo da cúpula diafragmática6. Os autores daquele estudo reconhecem o fato de que o aumento do diâmetro AP sozinho não é determinante da presença de hiperinsuflação, mas consideram como explicação viável para significância restrita à RD.XI em AS a estratégia de acomodação da hiperinsuflação, pela descida da cúpula diafragmática e a redução da zona de aposição27. Segundo esta linha de evidências, somente o nível XI seria atingido diretamente pelo aumento do diâmetro AP26,28, o que foi detectado pelo sistema RD da biofotogrametria.

No entanto, a maior relevância deste trabalho não se refere à determinação da hiperinsuflação pelo exame biofotogramétrico, mas na ferramenta promissora que pode representar a biofotogrametria no manejo clínico das condições que induzem à hiperinsuflação, particularmente a asma. Tal relevância amplia–se se considerado o fato de que, na asma infantil, recursos invasivos para este fim não podem ser utilizados com freqüência, quer pelos danos, quer pelos custos, quer pela indisponibilidade em unidades de saúde mais distantes de grandes centros urbanos.

Na asma, o aumento do trabalho respiratório23 e a sensação de dispnéia instalam–se em variados níveis de intensidade, combinando hiperinsuflação dinâmica nas crises e limitação ao fluxo aéreo pelo edema crônico das vias aéreas. Mesmo vigentes estas condições, o restante do exame físico do paciente pode apresentar–se sem alterações9,28. A importância da metodologia das RD pela biofotogrametria está em sua aplicação longitudinal ao acompanhamento clínico, comparando a geometria toracoabdominal intrapaciente periodicamente, identificando individualmente o momento em que a hiperinsuflação passaria a limitar a capacidade dos músculos respiratórios em gerar pressão intratorácica negativa9,19, piorar a relação comprimento–tensão diafragmática pelo rebaixamento de sua cúpula na CRF20,26,27 e deteriorar o desempenho contrátil do diafragma e sua capacidade de adaptação às variações de carga e freqüência respiratória29.

Os resultados obtidos convidam à reflexão e debate sobre mecanismos de hiperinsuflação estática na asma, propondo um recurso alternativo viável30, ainda que careçam de mais estudos para aprofundamento sobre valores de referência versus faixa etária e relações entre índices de RD e classificação da doença. A possibilidade da aplicação do método das RD pela biofotogrametria nos ambientes de assistência à saúde, como unidades de atendimento, hospitais, clínicas e domicílios, representa uma expectativa promissora para sua adoção por médicos e/ou fisioterapeutas. Tal difusão permitiria discutir novas evidências em coortes que integrem dados semiológicos aos achados matemáticos.

Conclui–se que o desenvolvimento da metodologia RD pela biofotogrametria mostrou–se satisfatório e viável na identificação do aumento diferenciado da RD.XI em AS, sugestivo de hiperinsuflação estática, e merece continuidade de aplicação em estudos futuros na área de pneumologia pediátrica.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Departamento de Otorrinolaringologia da Unifesp (SP) pela parceria neste estudo, e à unidade especializada em controle e tratamento da asma, Grupo de Apoio ao Programa de Educação Respiratória (GAPER), sediada em Paranaguá (PR), pela colaboração prestada.

Como citar este artigo: Ricieri DV, Rosário NA, Costa JR. Chest diameter ratios for detecting static hyperinflation in children using photogrammetry. J Pediatr (Rio J). 2008;84(5):410–415.

  • 1. Agostoni E, Mognoni P, Torri G, Agostoni AF. Static features of the passive rib cage and abdomendiaphragm. J Appl Physiol. 1965;20:118793.
  • 2. Palecek F. Hyperinflation: control of functional residual lung capacity. Physiol Res. 2001;50:22130.
  • 3. Leith DE, Brown R. Human lung volumes and the mechanisms that set them. Eur Respir J. 1999;13:46872.
  • 4. Hoppin FG Jr. Hyperinflation and the (passive) chest wall. Am J Respir Crit Care Med. 2001;163:10423.
  • 5. Gibson GJ. Pulmonary hyperinflation a clinical overview. Eur Respir J. 1996;9:26409.
  • 6. Kondo T, Kobayashi I, Taguchi Y, Ohta Y, Yanagimachi N. A dynamic analysis of chest wall motions with MRI in healthy young subjects. Respirology. 2000;5:1925.
  • 7. Barnas GM, StamenoviÄ D, Fredberg JJ. Proportionality between chest wall resistance and elastance. J Appl Physiol. 1991;70:5115.
  • 8. Russell RI, Helms PJ. Evaluation of three different techniques used to measure chest wall movements in children. Eur Respir J. 1994;7:20736.
  • 9. Global Initiative for Asthma (GINA). Global strategy for asthma management and prevention. Hamilton: MCR Vision; 2006.
  • 10. IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 7):S447S474.
  • 11. Enright PL, Lebowitz MD, Cockroft DW. Physiologic measures: pulmonary function tests.Asthma outcome. Am J Respir Crit Care Med. 1994;149:S918;discussion S1920.
  • 12. Barley EA, Quirk FH, Jones PW. Asthma health status measurement in clinical practice: validity of a new short and simple instrument. Respir Med. 1998;92:120714.
  • 13. Fonseca AC, Fonseca MT, Rodrigues ME, Lasmar LM, Camargos PA. Peak expiratory flow monitoring in asthmatic children. J Pediatr (Rio J). 2006;82:4659.
  • 14. Respiratory mechanics in infants: physiologic evaluation in health and disease. American Thoracic Society/European Respiratory Society. Am Rev Respir Dis. 1993;147:47496.
  • 15. Duranti R, Filippelli M, Bianchi R, Romagnoli I, Pellegrino R, Brusasco V, et al. Inspiratory capacity and decrease in Lung hyperinflation with albuterol in COPD. Chest. 2002;122:200914.
  • 16. Cassart M, Gevenois GP, Estenne M. Rib cage dimensions in hyperinflated patients with severe chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 1996;154:8005.
  • 17. Walsh JM, Webber CL Jr, Fahey PJ, Sharp JT. Structural change of the thorax in chronic obstructive pulmonary disease. J Appl Physiol. 1992;72:12708.
  • 18. Gorini M, Iandelli I, Misuri G, Bertoli G, Filippelli M, Mancini M, et al. Chest wall hyperinflation during acute bronchoconstriction in asthma. Am J Respir Crit Care Med. 1999;160:80816.
  • 19. Stell IM, Polkey MI, Rees PJ, Green M, Moxham J. Inspiratory muscle strength in acute asthma. Chest. 2001;120:75764.
  • 20. Suga K, Tsukuda T, Awaya H, Matsunaga N, Sugi K, Esato K. Interactions of regional respiratory mechanics and pulmonary ventilatory impairment in pulmonary emphysema: assessment with Dynamic MRI and Xenon133 singlephoton emission CT. Chest. 2000;117:164655.
  • 21. Ricieri DV. Biofotogrametria: a ciência e seus segredos. 2Ş ed. Curitiba: Inspirar; 2005.
  • 22. Lima L, Baraúna M, Sologúren M, Canto R, Gastaldi A. Postural alterations in children with mouth breathing assessed by computerized biophotogrammetry. J Appl Oral Sci. 2004;12:2327.
  • 23. Postiaux G. Fisioterapia respiratória pediátrica. 2Ş ed. Porto Alegre:Artmed;2004.
  • 24. MartinotLagarde P, Sartene R, Mathieu M, Durand G. What does inductance plethysmography really measure? J Appl Physiol. 1988;64:174956.
  • 25. Gaultier C. Respiratory muscle function in infants. Eur Resp J. 1995;8:1503.
  • 26. Decramer M. Hyperinflation and respiratory muscle interaction. Eur Resp J. 1997;10:93441.
  • 27. Boynton BR, Barnas GM, Dadmun JT, Fredberg JJ. Mechanical coupling of the rib cage, abdomen, and diaphragm through their area of apposition. J Appl Physiol. 1991;70:123544.
  • 28. Haccoun C, Smountas AA, Gibbons WJ, Bourbeau J, Lands LC. Isokinetic muscle function in COPD. Chest. 2002;121:107984.
  • 29. Laghi F, Tobin MJ. Disorders of the respiratory muscles. Am J Respir Crit Care Med. 2003;168:1048.
  • 30. Iunes DH, Castro F, Salgado HS, Moura IC, Oliveira AS, BevilaquaGrossi D. Confiabilidade inter e intraexaminadores e repetibilidade da avaliação postural pela fotogrametria. Rev Bras Fisioter. 2005;9:24955.
  • Correspondência:
    Denise Ricieri
    Hospital de Clínicas da UFPR — Pronto–Atendimento Pediátrico
    Serviço de Alergia, Imunologia e Pneumologia Pediátrica
    Rua General Carneiro, 181
    CEP 80060–900 – Curitiba, PR
    Tel.: (41) 3362.5351, (41) 9642.7677
    Fax: (41) 3362.5351
    Artigo submetido em 12.12.07, aceito em 10.06.08.
    Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Recebido
      12 Dez 2007
    • Aceito
      10 Jun 2008
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br