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Treinamento esfincteriano

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CARTAS AO EDITOR

Treinamento esfincteriano

Sahar TaliI;Schramm-Urbach EfratII;Laurie BouckeIII;Simone RugolottoIV

I

IIBA. Ben-Gurion University, Israel

IIIBA. White-Boucke Publishing, Colorado, EUA

IVMD. Division of Pediatrics, Legnago Hospital, Legnago, Itália

Prezado Editor,

Lemos com grande interesse o artigo de Mota & Barros sobre treinamento esfincteriano no Brasil1. Os autores expressaram sua preocupação com relação ao treinamento esfincteriano precoce e possíveis eventos adversos. Eles basearam suas preocupações em dois artigos2,3; lemos os dois artigos minuciosamente e não encontramos nenhuma menção a eventos adversos relacionados ao treinamento esfincteriano precoce. Pelo contrário, Luxem & Christophersen concluíram que dados empíricos sugerem que o treinamento esfincteriano precoce é psicologicamente possível e que técnicas comportamentais podem ser desenvolvidas para treinar a criança pequena e podem ser práticas e socialmente válidas2. Taubman3, por sua vez, mencionou uma associação desse comportamento [recusa em ir ao banheiro] com um treinamento esfincteriano numa idade mais avançada. Além disso, Taubman refere-se às práticas coercitivas de treinamento esfincteriano anteriores a Brazelton, que eram prevalentes nos Estados Unidos. A técnica de treinamento assistido (assisted infant toilet training, AITT) e métodos relacionados são radicalmente diferentes porque não envolvem coação; em vez disso, há uma atenção especial aos sinais e necessidades de eliminação da criança4.

Mota & Barros1 escreveram: “sabemos que não é possível acelerar o desenvolvimento e mielinização das fibras nervosas, necessárias para a aquisição deste controle, e que a criança necessita de um desenvolvimento cognitivo para poder compreender os mecanismos envolvidos na aquisição dos hábitos urinários, assim como adaptar-se à cultura local e socializar-se”. Os autores baseiam essas considerações em um artigo de Hellstrom et al.5, mas esse artigo é do tipo inquérito, e não uma pesquisa sobre mielinização ou desenvolvimento das fibras nervosas. Enquanto Brazelton enfatizava que a mielinização dos tratos piramidais do sistema nervoso central deve estar completa, ocorrendo, em sua opinião, entre os 12 e os 18 meses, Luxem & Christophersen2 afirmam que ela está provavelmente presente no momento em que a criança engatinha e, baseados em estudos transculturais, concluem que a capacidade de estar pronto para usar o toalete é determinada mais pelo ambiente do que pela neuroanatomia. Além disso, Hellstrom et al. sugerem, em outro artigo6, que o treinamento esfincteriano tardio, e não o precoce, pode resultar em disfunção vesical.

Métodos de treinamento esfincteriano precoce tais como o AITT (também chamado comunicação de eliminação) são amplamente utilizados na Ásia e na África. Vários estudos demonstraram que crianças pequenas e até mesmo bebês são capazes de permanecer secos quando outras opções mais adequadas ao seu desenvolvimento são oferecidas4,7. Apesar do seu sistema nervoso não estar completamente desenvolvido, os bebês conseguem compreender os mecanismos do funcionamento urinário suficientemente bem para manifestar sinais de eliminação e satisfação quando lhes é oferecido um penico4,7. Um recém-nascido se contorce ou chora quando sente vontade de esvaziar a bexiga ou os intestinos. Um bebê mais velho faz gestos, e quando possível engatinha na direção do penico; uma criança que já caminha se dirige até o penico e se senta. Quando o bebê usa fraldas, esses sinais são mal-interpretados e ignorados. Pais atentos conseguem reconhecer esses gestos e auxiliar a criança4.

Um estudo internacional envolvendo 286 crianças que começaram o treinamento esfincteriano durante o primeiro ano de vida revelou que mais de 90% demonstraram sinais de que precisavam ir ao banheiro; a idade média em que a criança ficou completamente seca durante todo o dia e conseguiu controlar o intestino foi menor do que 18 meses, e não foram relatados quaisquer efeitos colaterais negativos7. Comparado com o treinamento esfincteriano ocidental (que começa aproximadamente aos 2 anos de idade), o AITT reduz a recusa em ir ao banheiro de 22 para 12%7.

Acreditamos que o AITT oferece uma alternativa saudável ao treinamento esfincteriano contemporâneo. A criança pode desfrutar de maior mobilidade (sem uma fralda incômoda), terá menos assaduras e poderá desenvolver uma melhor função vesical6, ao mesmo tempo em que a comunicação entre os pais e a criança é enriquecida e o dano ecológico causado pelas fraldas descartáveis é reduzido.

A situação atual da economia e da ecologia exige tal alternativa, especialmente em países onde uma grande parte da população tem recursos financeiros limitados, como no Brasil.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

Resposta dos autores

Denise M. MotaI;Aluisio J. D. BarrosII

I

IIDoutor. Professor associado, Programa de Pos-Graduação em Epidemiologia, UFPel, Pelotas, RS

Prezado Editor,

Agradecemos o interesse do Dr. T. Sahar e colegas pelo nosso trabalho. Um dos nossos objetivos com a série de artigos que estamos escrevendo sobre o tema é despertar a atenção de pediatras e de pesquisadores para a questão da retirada de fraldas. É um tema muito instigante, em que variações culturais se misturam a características fisiológicas e comportamentais.

Em 2003, durante uma pesquisa sobre hábitos miccionais1, constatamos um aumento da prevalência de disfunção miccional em crianças pré-escolares e escolares nos últimos anos. Alguns artigos que revisamos durante essa pesquisa sugeriram ser o controle esfincteriano um dos prováveis preditores dessas alterações funcionais vesicais. Decidimos então revisar a literatura2 e realizar um estudo longitudinal sobre esse tema nas crianças nascidas em Pelotas durante o ano de 2004, que fazem parte de uma coorte de nascimento que vem sendo seguida. Até o momento temos os dados relativos à avaliação dessas crianças aos 12 e aos 24 meses, que resultaram em dois artigos3,4.

Para responder às questões levantadas por Tali et al., é importante ressaltar inicialmente que nosso estudo leva em conta as estratégias utilizadas rotineiramente pelas mães brasileiras, que nada têm a ver com as técnicas de treinamento assistido (assisted infant toilet training, AITT) defendidas por esses autores. No contexto brasileiro, provavelmente bastante semelhante ao de outros países ocidentais, observamos que boa parte das tentativas malsucedidas de retirada de fraldas teve início antes dos 18 meses. Em nossa análise ajustada, tentativas prévias sem sucesso de retirada de fraldas, por sua vez, estiveram associadas a uma menor chance de estar sem fraldas aos 2 anos. Em resumo, nossos resultados sugerem que o início do treinamento antes dos 18 meses pode acabar por retardar a aquisição do controle esfincteriano. Por outro lado, não temos dados relativos a outras culturas, onde se relatam estratégias completamente diferentes5. Evidência de que essa estratégia poderia ser utilizada num contexto cultural ocidental ainda é limitada6.

Nossas preocupações sobre efeitos adversos do treinamento esfincteriano não se restringem ao início precoce, mas envolvem diversas formas de treinamento inadequado, que incluem o início tardio do treinamento, não-uso de redutor para o assento do vaso, não-uso de apoio para os pés, assim como atitudes coercitivas e punitivas.

Em relação à questão da maturação neurológica e aquisição de determinadas habilidades, acreditamos que são aspectos importantes e que as habilidades citadas nos métodos de treinamento esfincteriano descritos na literatura2 e abordadas por Schum et al.7 são um guia para essa tarefa. Mas é importante ressaltar que nossa abordagem em relação ao controle esfincteriano tem como objetivo final atingir uma situação de independência em que a criança é capaz de se manter seca e limpa sem auxílio, ou com auxílio limitado a tarefas específicas.

Por fim, reiteramos que não estamos criticando o método AITT e aguardamos evidências científicas de seus resultados, em termos de sucesso de utilização e de ausência de efeitos indesejáveis. Nosso estudo também está em seguimento, no momento avaliando as crianças aos 4 anos de idade, para observar se, na realidade, o controle esfincteriano inadequado pode estar ou não associado a sintomas de disfunção miccional. Precisamos com urgência dessas evidências para que o pediatra possa orientar as mães em relação às estratégias mais adequadas para a retirada de fraldas de forma segura e sem levar a problemas no futuro, visto que até hoje os métodos existentes não foram adequadamente testados ou comparados entre si.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

Referências(Resposta dos Autores)/ References (Author's Reply)

  • 1. Mota DM , Barros AJ . Toilet training: situation at 2 years of age in a birth cohort. J Pediatr (Rio J). 2008;84:455-62.
  • 2. Luxem M , Christophersen E . Behavioral toilet training in early childhood: research, practice, and implications. J Dev Behav Pediatr. 1994;15:370-8.
  • 3. Taubman B . Toilet training and toileting refusal for stool only: a prospective study. Pediatrics. 1997;99:54-8.
  • 4. Sun M , Rugolotto S . Assisted infant toilet training in a Western family setting. J Dev Behav Pediatr. 2004;25:99-101.
  • 5. Hellstrom AL, Hanson E, Hansson S, Hjälmås K, Jodal U. Micturition habits and incontinence in 7-year-old Swedish school entrants . Eur J Pediatr. 1990;149:434-7.
  • 6. Hellstrom AL . Influence of potty training habits on dysfunctional bladder in children. Lancet. 2000;356:1787.
  • 7. Rugolotto S, Sun M, Boucke L, Calò DG, Tatò L. Toilet training started during the first year of life: a report on elimination signals, stool toileting refusal and completion age . Minerva Pediatr. 2008;60:27-35.
  • 1. Mota DM , Victora CG , Hallal PC . Investigation of voiding dysfunction in a population-based sample of children aged 3 to 9 years. J Pediatr (Rio J). 2005;81:225-32.
  • 2. Mota DM , Barros AJ . Toilet training: methods, parental expectations and associated dysfunctions. J Pediatr (Rio J). 2008;84:9-17.
  • 3. Mota DM, Barros AJ. Treinamento esfincteriano precoce: prevalência, características materna da criança e fatores associados numa coorte de nascimentos. Rev Bras Saude Mater Infant. 2008;8:103-11.
  • 4. Mota DM , Barros AJ . Toilet training: situation at 2 years of age in a birth cohort. J Pediatr (Rio J). 2008;84:455-62.
  • 5. deVries MW, deVries MR. Cultural relativity of toilet training readiness: a perspective from East Africa . Pediatrics. 1977;60:170-7.
  • 6. Rugolotto S , Sun M , Boucke L , Calo DG , Tato L . Toilet training started during the first year of life: a report on elimination signals, stool toileting refusal and completion age. Minerva Pediatr. 2008;60:27-35.
  • 7. Schum TR, Kolb TM, McAuliffe TL, Simms MD, Underhill RL, Lewis M. Sequential acquisition of toilet-training skills: a descriptive study of gender and age differences in normal children . Pediatrics. 2002;109:E48.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2009
  • Data do Fascículo
    Fev 2009
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