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Importância da avaliação de todos os componentes da síndrome metabólica em adolescentes

CARTAS AO EDITOR

Importância da avaliação de todos os componentes da síndrome metabólica em adolescentes

Augusto César Ferreira de MoraesI; Flavia AulerII; Mário Cícero FalcãoIII

IProfessor especialista. Aluno, Programa de Pós-Graduação em Ciências, Faculdade de Medicina, Área: Pediatria, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Membro, Grupo de Estudo e Pesquisa em Epidemiologia da Atividade Física (GEPEAF), Grupo de Estudo e Pesquisa em Metabolismo, Nutrição e Exercício (GEPEMENE) e Centro de Educação Física e Esporte da Universidade Estadual de Londrina (CEFE), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, PR

IIMestre, nutricionista e professora, Curso de Nutrição, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Maringá, PR

IIIDoutor. Pediatra e Nutrólogo, Programa de Pós-Graduação em Ciências, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP

A pesquisa realizada por Rodrigues et al.1, recentemente publicada neste respeitado periódico, se propôs a avaliar a ocorrência de síndrome metabólica e a associação entre os fatores de risco em adolescentes. Lemos com muito interesse o manuscrito, uma vez que estudos de prevalência de síndrome metabólica nessa faixa etária em brasileiros são escassos, como relatado em recente revisão2. Entretanto, observamos nos resultados alguns equívocos em relação aos componentes da síndrome metabólica, interpretação das referências citadas bem como inadequações nas mesmas e na análise estatística para verificar a associação entre os fatores de risco.

Em relação aos componentes, os autores não avaliaram a prevalência da obesidade abdominal, que de acordo com o critério preconizado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)3, deve compor os critérios de diagnóstico da síndrome, a qual se baseia no critério do National Cholesterol Education Program - Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III). Por outro lado, esse componente também é bastante controverso em relação aos seus pontos de corte em adolescentes, e Cook et al.4 adaptaram os critérios do NCEP-ATP III e propuseram como definição de obesidade abdominal valores iguais ou superiores ao percentil 90. Consideramos, assim, que a obesidade abdominal é um importante componente a ser avaliado no diagnóstico da síndrome metabólica, por estar diretamente relacionada com o aumento da pressão arterial e alterações no perfil lipídico5.

Ao analisarmos as referências citadas pelos autores, verificamos duas incorreções primárias. A primeira ocorre quando os autores citam "foram adotados os valores sugeridos e ajustados para essa faixa etária em um outro estudo"6. Ao analisar a referência citada, verificamos que a mesma aborda apenas critérios para o diagnóstico de um dos componentes da síndrome metabólica, a pressão arterial. Para tanto, sugerimos que os autores, em pesquisas futuras, utilizem como critério de diagnóstico os pontos de corte adaptados por Cook et al.4, que têm recebido aceitação de grande parte da comunidade científica. A segunda se verifica na citação do critério adotado, e, de acordo com a busca da citação do volume da revista que realizamos na Revista Brasileira de Hipertensão, não encontramos o artigo de acordo com o referenciado.

Por último, os autores no título do manuscrito se propõem a analisar possíveis associações entre os fatores de risco e a síndrome metabólica. Contudo, não observamos essas análises nos resultados, o que se observa é apenas uma descrição dos componentes, tanto em dados contínuos bem como a prevalência de cada um deles de acordo com o sexo. Para tanto, a literatura apresenta alguns indicadores de associação em estudos transversais7, como a razão de chances e a razão de prevalência, nos quais é possível analisar a probabilidade da ocorrência do desfecho de acordo com a presença ou ausência da exposição.

Em resumo, consideramos o manuscrito importante para a comunidade cientifica, uma vez que é um dos poucos em adolescentes brasileiros. Ressaltamos que nossos apontamentos não tiram o mérito do artigo e esperamos ter contribuído com nossas observações.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

Resposta do autor

Anabel Nunes RodriguesI

IDoutor. Professor, Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC), Colatina, SC

Prezado Editor,

Recebemos com prazer os comentários acima. Os autores esclarecem que, em momento algum, focaram suas preocupações em critérios para definir síndrome metabólica, até mesmo porque se ela existe1, não existem critérios de consenso para o diagnóstico em adultos2,3 tampouco em adolescentes. Preocupamo-nos sim, em mostrar a presença de fatores de risco em uma amostra selecionada ao acaso, que eles existem em proporções tais que podem até ser agrupados, e, por um dos muitos critérios sugeridos na literatura, com valores de referências pediátricos, dar origem ao que se denomina síndrome metabólica. Não nos propusemos, portanto, a estudar associações entre fatores de risco.

Os autores acreditam que discutir critérios para o que não existe consenso2,3 é desfocar a atenção da gravidade do que representa a presença de fatores de risco isolados ou associados a uma etapa tão precoce da vida, e que a simples agregação deste ou daquele fator para que possamos chegar ao diagnóstico de síndrome metabólica seria admitir que a síndrome denota maior risco que seus componentes ou que é mais grave que outros fatores de risco para doença cardiovascular. Com isso, por falta de sustentação científica, não compactuamos. Vale a pena ressaltar que estudos4-6 mostram que o risco atribuído pela síndrome metabólica não é maior que a soma de seus componentes, isto é, a síndrome não é maior que a soma das partes. Desse modo, faz-se necessário que todos os fatores de risco sejam individualmente combatidos, não sendo necessários os percentuais da síndrome por este ou aquele critério, para que se tratem, prescrevam e estimulem os hábitos saudáveis.

Finalmente, o precursor da ideia da síndrome metabólica, Reaven7, numa recente revisão, questiona a síndrome: "síndrome metabólica – descanse em paz".

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

Referências (Resposta do autor)

  • 1. Rodrigues AN, Perez AJ, Pires JG, Carletti L, de Araújo MT, Moyses MR, et al. Cardiovascular risk factors, their associations and presence of metabolic syndrome in adolescents. J Pediatr (Rio J). 2009;85:55-60.
  • 2. Moraes AC, Fulaz CS, Netto-Oliveira, ER, Reichert FF. Prevalęncia de síndrome metabólica em adolescentes: uma revisăo sistemática. Cad Saude Publica. No prelo 2009.
  • 3. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz brasileira de diagnóstico e tratamento da síndrome metabólica. Arq Bras Cardiol. 2005;84:1-28.
  • 4. Cook S, Weitzman M, Auinger P, Nguyen M, Dietz WH. Prevalence of a metabolic syndrome phenotype in adolescents: findings from the third National Health and Nutrition Examination Survey, 1988-1994. Arch Pediatr Adolesc Med. 2003;157:821-7.
  • 5. Giuliano IC, Coutinho MS, Freitas SF, Pires MM, Zunino JN, Ribeiro RQ. Lípides séricos em crianças e adolescentes de Florianópolis, SC Estudo Floripa Saudável 2040. Arq Bras Cardiol. 2005;85:85-91.
  • 6. National High Blood Pressure Education Program, Working Group on High Blood Pressure in Children and Adolescents. The fourth report on the diagnosis, evaluation, and treatment of high blood pressure in children and adolescents. Pediatrics. 2004;114:555-76.
  • 7. Francisco PM, Donalisio MR, Barros MB, Cesar CL, Carandina L, Goldbaum M. Medidas de associaçăo em estudo transversal com delineamento complexo: razăo de chances e razăo de prevalęncia. Rev Bras Epidemiol. 2008;11:347-55.
  • 1. Saad MJ. Síndrome metabólica: vale a pena o diagnóstico? Rev Soc Cardiol Estado de Săo Paulo. 2008:18:108-13.
  • 2. Lottenberg SA, Glezer A, Turatti LA. Metabolic syndrome: identifying the risk factors. J Pediatr (Rio J). 2007;83:S204-8.
  • 3. Chen W, Berenson GS. Metabolic syndrome: definition and prevalence in children. J Pediatr (Rio J). 2007;83:1-2.
  • 4. Alexander CM, Landsman PB, Teutsch SM, Haffner SM. NCEP-defined metabolic syndrome, diabetes, and prevalence of coronary heart disease among NHANES III participants age 50 years and older. Diabetes. 2003;52:1210-4.
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  • 6. McNeill AM, Rosamond WD, Girman CJ, Golden SH, Schmidt MI, East HE, et al. The metabolic syndrome and 11-year risk of incident cardiovascular disease in the atherosclerosis risk in communities study. Diabetes Care. 2005;28:385-90.
  • 7. Reaven GM. The metabolic syndrome: requiescat in pace. Clin Chem. 2005;51:931-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
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