Acessibilidade / Reportar erro

Baixas concentrações plasmáticas de zinco em pacientes pediátricos com cirrose

Resumos

OBJETIVO: Determinar a concentração plasmática de zinco em crianças e adolescentes cirróticos e investigar a associação entre esses resultados e a ingestão dietética de zinco, os dados antropométricos e a gravidade da doença hepática. MÉTODOS: As concentrações plasmáticas de zinco foram avaliadas por espectrofotometria de absorção atômica em 30 crianças e adolescentes com cirrose (105,0±60,0 meses; 22 meninas) e 27 hígidas e sem doença hepática (122,3±47,3 meses, 14 meninas). Os dados relacionados ao zinco dietético foram avaliados por registro de ingestão alimentar de 3 dias. A antropometria incluiu peso, altura, espessura da dobra cutânea, circunferência braquial e área muscular do braço. A gravidade da doença hepática foi classificada de acordo com os critérios de Child-Pugh, MELD e PELD. RESULTADOS: As concentrações plasmáticas de zinco dos indivíduos controles e dos pacientes foram 105,69±19,46 e 75,44±24,45 μg/dL, respectivamente (p < 0,001). Nenhuma associação foi encontrada entre os índices antropométricos, a ingestão dietética e o zinco plasmático. Houve diferença estatística nas concentrações de zinco plasmático entre pacientes Child-Pugh B+C e controles (p < 0,001), e com relação ao PELD, entre pacientes abaixo e acima do ponto de corte 15 (p = 0,002). CONCLUSÃO: A prevalência de hipozincemia foi de 43% para pacientes com cirrose. A baixa concentração plasmática de zinco foi associada com a doença hepática grave; entretanto, a hipozincemia esteve presente mesmo em pacientes Child-Pugh A. Portanto, a suplementação de zinco deve ser considerada para os pacientes pediátricos cirróticos.

Zinco; cirrose hepática; antropometria; criança


OBJECTIVE: To determine plasma zinc concentrations in children and adolescents with cirrhosis and to investigate the association between these results and dietary zinc intake, anthropometric data, and severity of liver disease. METHODS: Plasma zinc concentration was assessed by atomic absorption spectrophotometry in 30 children and adolescents with cirrhosis (105.0±60.0 months; 22 girls) and 27 without liver disease (122.3±47.3 months, 14 girls). Dietary zinc data were evaluated by 3-day food intake records. Anthropometry measures included height, weight, skinfold thickness, brachial circumference, and upper arm muscle size. Severity of liver disease was classified according to the Child-Pugh, MELD, and PELD criteria. RESULTS: The mean (± standard deviation) plasma zinc concentrations in control subjects and patients were 105.69±19.46 and 75.44±24.45 μg/dL, respectively (p < 0.001). No associations were found between anthropometric measures, dietary zinc intake, and plasma zinc concentration. There was statistical difference related to plasma zinc concentrations between Child-Pugh B + C patients and control subjects (p < 0.001), and concerning PELD, between patients below the cutoff score of 15 and those above (p = 0.002). CONCLUSION: The prevalence of hypozincemia was 43% for patients with cirrhosis. Although low plasma zinc concentration was associated with more severe liver disease, it was present even in some Child-Pugh A patients. Therefore, zinc supplementation should be considered for cirrhotic children.

Zinc; liver cirrhosis; anthropometry; child


ARTIGO ORIGINAL

Baixas concentrações plasmáticas de zinco em pacientes pediátricos com cirrose

Ana C. R. SchneiderI; Raquel B. PintoII; Pedro E. FröehlichIII; Thais O. HammesIV; Themis R. da SilveiraV

INutricionista. Mestre, Pediatria, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS.

IIMédica Pediatra. Pós-Doutora, Gastroenterologia, UFRGS, Porto Alegre, RS.

IIIFarmacêutico. Doutor, Ciências Farmacêuticas. Professor, Faculdade de Farmácia, UFRGS, Porto Alegre, RS.

IVNutricionista. Mestranda, Gastroenterologia, UFRGS, Porto Alegre, RS.

VMédica. Doutora, Genética. Professora, Faculdade de Medicina, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, UFRGS, Porto Alegre, RS.

Correspondência Correspondência: Ana Cláudia Reis Schneider Laboratório Experimental de Hepatologia e Gastroenterologia Centro de Pesquisas – Hospital de Clínicas de Porto Alegre Rua Ramiro Barcelos, 2350 CEP 90035-903 - Porto Alegre, RS Fone: (51) 3359.8847 Fax: (51) 3359.8760 E-mail: schneiderac@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a concentração plasmática de zinco em crianças e adolescentes cirróticos e investigar a associação entre esses resultados e a ingestão dietética de zinco, os dados antropométricos e a gravidade da doença hepática.

MÉTODOS: As concentrações plasmáticas de zinco foram avaliadas por espectrofotometria de absorção atômica em 30 crianças e adolescentes com cirrose (105,0±60,0 meses; 22 meninas) e 27 hígidas e sem doença hepática (122,3±47,3 meses, 14 meninas). Os dados relacionados ao zinco dietético foram avaliados por registro de ingestão alimentar de 3 dias. A antropometria incluiu peso, altura, espessura da dobra cutânea, circunferência braquial e área muscular do braço. A gravidade da doença hepática foi classificada de acordo com os critérios de Child-Pugh, MELD e PELD.

RESULTADOS: As concentrações plasmáticas de zinco dos indivíduos controles e dos pacientes foram 105,69±19,46 e 75,44±24,45 μg/dL, respectivamente (p < 0,001). Nenhuma associação foi encontrada entre os índices antropométricos, a ingestão dietética e o zinco plasmático. Houve diferença estatística nas concentrações de zinco plasmático entre pacientes Child-Pugh B+C e controles (p < 0,001), e com relação ao PELD, entre pacientes abaixo e acima do ponto de corte 15 (p = 0,002).

CONCLUSÃO: A prevalência de hipozincemia foi de 43% para pacientes com cirrose. A baixa concentração plasmática de zinco foi associada com a doença hepática grave; entretanto, a hipozincemia esteve presente mesmo em pacientes Child-Pugh A. Portanto, a suplementação de zinco deve ser considerada para os pacientes pediátricos cirróticos.

Palavras-chave: Zinco, cirrose hepática, antropometria, criança.

Introdução

Estudos têm confirmado a importância do zinco como um elemento traço fundamental no metabolismo humano

1,2. O zinco afeta o crescimento e atua na síntese das proteínas e dos ácidos nucleicos, assim como na síntese do fator de crescimento insulina-símile I (IGF-1) e em seus efeitos sobre tecidos-alvo

3. A deficiência de zinco predispõe a retardo do crescimento, déficit neurossensorial, transtorno no metabolismo de vários hormônios e enzimas que participam do crescimento e do desenvolvimento ósseo, atraso na cicatrização de feridas, lesões cutâneas, retardo da maturação sexual e imunodeficiência

4-6. Esse elemento traço também atua como um antioxidante através de dois mecanismos diferentes: proteção contra a oxidação e a inibição da produção de espécies reativas de oxigênio por metais de transição, tais como ferro e cobre, ambos relacionados à lesão hepática

7,8.

Não existe consenso sobre as causas da deficiência de zinco nas doenças hepáticas. Entre as possíveis causas estão: a anorexia e a ingestão reduzida de proteínas animais, o aumento de citocinas ou hormônios que podem afetar o metabolismo do zinco, o aumento de perda renal de zinco e também devido à hipertensão portal, que é responsável pela má absorção dos nutrientes9.

Algumas alterações em pacientes com cirrose podem estar associadas à deficiência de zinco: alopécia, transtornos na cicatrização de feridas, falta de apetite, hipogeusia, retardo do crescimento gonadal10, e a deficiência de zinco também está associada com encefalopatia hepática11,12. Um estudo envolvendo pacientes adultos com cirrose descompensada demonstrou que esses pacientes têm concentrações plasmáticas de zinco significativamente mais baixas do que os pacientes com a doença compensada, e que as concentrações de zinco estão negativamente associadas com as concentrações de amônia em jejum13.

Devido à importância desse elemento e por sua ação durante o período de crescimento, avaliamos as concentrações de zinco em crianças e adolescentes com doença hepática.

Pacientes e métodos

Este estudo caso-controle foi realizado de agosto de 2003 a julho de 2005. Cinquenta e sete crianças e adolescentes foram examinados. Os participantes foram divididos em dois grupos. O Grupo 1 foi composto por 30 crianças e adolescentes com cirrose regularmente atendidos no ambulatório da Unidade de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O Grupo 2 foi formado por 27 crianças e adolescentes sem doença hepática e aparentemente saudáveis, selecionadas durante coleta de sangue de rotina no Serviço de Análises Clínicas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS).

O diagnóstico de cirrose foi confirmado através de testes da função hepática (tempo de protrombina, albumina sérica, atividade da aminotransferase, bilirrubina sérica, gama glutamil transpeptidase e fosfatase alcalina), resultados de endoscopia (varizes esofagianas), estudos ultrassonográficos (fígado com ecogenicidade heterogênea e sinais de hipertensão portal) e através de exame histopatológico (formação nodular e fibrose na biópsia hepática). Os fatores etiológicos da cirrose foram determinados para 21 pacientes (70,0%), mas foi impossível a identificação em nove deles. Em 10 pacientes, a causa da cirrose foi atresia biliar; em nove, doença autoimune; em um, histiocitose de Langerhans; e em um, deficiência de alfa-1-antitripsina.

A gravidade da doença hepática foi avaliada pelas classificações de Child-Pugh, Pediatric End-Stage Liver Disease (PELD) e Model for End-Stage Liver Disease (MELD). De acordo com os critérios de Child-Pugh14, 15 pacientes foram classificados como A, 10 como B e cinco como C. No escore de Child-Pugh, a doença leve é classificada como A, a moderada como B e a grave como C. Utilizamos o MELD para os pacientes com 12 anos ou mais e o PELD para aqueles com 11 anos ou menos15. Os valores mais altos indicam doença mais grave. Um escore de 15 é o ponto de corte para essas classificações. Quinze dos 20 pacientes menores de 12 anos tiveram um escore PELD abaixo de 15, e cinco tiveram um escore PELD acima de 15. Somente um dos 10 pacientes maiores de 12 anos obteve um escore acima de 15.

Os critérios de exclusão foram os mesmos para os pacientes e para os indivíduos controles: ingestão de suplementos minerais contendo zinco, cobre ou ambos, contraceptivos orais, antibióticos até 15 dias antes da coleta de sangue, uso de lactulose, vegetarianismo, gestação, transfusão de sangue menos de 1 mês antes da coleta, infecções, tabagismo e diagnóstico de doença de Wilson.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Os responsáveis pelos participantes assinaram o termo de consentimento informado.

Dados de ingestão dietética e antropometria

Os pacientes e os controles preencheram um questionário alimentar para determinar a ingestão dietética de zinco (2 dias de semana e 1 dia do final de semana). Os pacientes foram avaliados por testes antropométricos que determinaram peso, altura, circunferência braquial (CB), espessura da prega cutânea tricipital (PCT) e área muscular do braço (AMB). Os índices antropométricos – peso/idade (P/I) e altura/idade (A/I) – foram calculados através do escore z e utilizando-se o software NutStat (Epi-Info 3.6, CDC/WHO 2000). CB, PCT e AMB foram calculadas de acordo com as equações de Frisancho16 e comparadas com os valores normais das tabelas de Frisancho17.

Zinco plasmático

As amostras para a avaliação do zinco plasmático foram coletadas em jejum entre 7h e 10h da manhã. Todo o material utilizado na coleta e no armazenamento estava livre de contaminação por metais: tubos de heparina de sódio (367735, BD Vacutainer®), luvas de silicone sem talco, pontas de pipeta e tubos, previamente esterilizados com água deionizada e ácido nítrico e secos em estufa. As amostras hemolisadas foram excluídas. O sangue coletado foi imediatamente centrifugado a 3.000 rpm por 10 minutos. Após a centrifugação, o plasma foi colocado em tubos de laboratório (Eppendorf Tips, 50-1.000 μL) armazenados a -20 ºC. A análise das amostras de plasma foi realizada em um espectrofotômetro de absorção atômica (Perkin-Elmer Analyst 300, MA, EUA), e o coeficiente de variação da análise de zinco ficou abaixo de 10%. O ponto de corte utilizado para determinar a deficiência de zinco em jejum foi de 70 μg/dL18. Esse ponto de corte encontra-se dois desvios padrão (DP) abaixo da média da população, e são considerados normais os valores entre 70 e 150 μd/dL.

Análise estatística

O teste t de Student foi utilizado para comparar as médias entre os pacientes com cirrose e os indivíduos controles e também entre os resultados dos escores PELD e MELD. A análise de variância one-way e o teste de Tukey foram utilizados para determinar as diferenças entre as concentrações plasmáticas de zinco e a gravidade da cirrose de acordo com o escore da classificação Child-Pugh. O teste do qui-quadrado e o teste de Fischer foram usados para comparar as variáveis categóricas. O coeficiente de Pearson foi calculado para determinar as correlações. O Microsoft Excel for Windows® foi utilizado para construir os bancos de dados, e o Statistical Package for Social Sciences® (SPSS 12.0), para os testes estatísticos. O nível de significância foi estabelecido em p < 0,05.

Resultados

As amostras de sangue em jejum foram obtidas de 30 pacientes (105,0±60,0 meses; 22 meninas) e 27 indivíduos controles (122,3±47,3 meses; 14 meninas). As comparações de idade e sexo entre pacientes e controles não mostraram diferenças estatisticamente significativas. As concentrações plasmáticas de zinco, os resultados dos testes laboratoriais e os índices antropométricos estão resumidos na Tabela 1.

Dados de ingestão dietética e antropometria

A avaliação da ingestão dietética de zinco mostrou que 18 (66,6%) dos 27 pacientes que preencheram o questionário alimentar corretamente tinham uma ingestão dietética de zinco adequada para a idade. A análise dos questionários preenchidos pelos indivíduos controles (20/27) mostrou uma ingestão dietética de zinco adequada por todos. Nenhum paciente ou controle apresentou dieta contendo somente alimentos integrais ou dieta exclusivamente vegetariana, nem qualquer tipo de dieta com componentes que pudessem comprometer a absorção de zinco.

O escore z do índice P/I variou de -5,20 a 2,15 (-0,53±1,46). O índice A/I teve escores z variando de -3,92 a 1,76 (-0,81±1,23). Escores z abaixo de -2 foram encontrados em 5/30 pacientes (16,6%) no índice P/I, e em 4/30 pacientes (13,3%) no índice A/I. Medidas de CB, PCT e AMB abaixo do 5º percentil foram encontradas em 5/29 (17,2%), 8/29 (27,6%) e 5/29 (17,2%) pacientes, respectivamente.

Zinco plasmático

A análise do zinco plasmático das crianças e dos adolescentes com cirrose mostrou que 43% desses pacientes (13/30) apresentaram valores abaixo de 70 μg/dL. A média ± DP das concentrações de zinco no plasma dos pacientes foi de 75,44±24,45 μg/dL e a amplitude variou de 35,07 a 132,00 μg/dL. Os resultados para os indivíduos controles foram normais (média ± DP = 105,69±19,46 μg/dL). A comparação dos dois grupos revelou uma diferença significativa (p < 0,001) (Figura 1).


Não houve associações entre as medidas antropométricas, a ingestão dietética e as concentrações plasmáticas de zinco. A comparação das concentrações plasmáticas de zinco entre os pacientes com ingestão dietética suficiente (78,54±25,01 μg/dL) e insuficiente (69,40±22,95 μg/dL) não revelou diferenças estatisticamente significativas (p = 0,38).

A comparação da gravidade da doença hepática de acordo com os critérios Child-Pugh e as concentrações plasmáticas de zinco apresentou os seguintes resultados: A média ± DP e a variação de zinco plasmático nos pacientes Child-Pugh A foram de 91,26±22,88 μg/dL (58,59-132,0 μg/dL); em pacientes B, 64,62±14,98 μg/dL (35,07-81,91 μg/dL); e em pacientes C, 49,63±8,97 μg/dL (42,43-64,20 μg/dL). O número de pacientes com baixa concentração plasmática de zinco classificados com Child-Pugh A foi de 3/15, como B, 5/10 e como C, 5/5. Para a análise estatística, os dados para os pacientes classificados como Child-Pugh B e C foram inseridos no mesmo grupo (Figura 2). Os resultados das comparações entre os pacientes e os indivíduos controles foram os seguintes: 105,69±19,45 μg/dL para controles versus 91,26±22,88 μg/dL para as crianças classificadas como Child-Pugh A (ANOVA e teste de Tukey, p = 0,038); 105,69±19,45 μg/dL para controles versus 59,62±14,85 μg/dL para as crianças classificadas como Child-Pugh B+C (ANOVA e teste de Tukey, p < 0,001); 91,26±22,88 μg/dL para as crianças classificadas como Child-Pugh A versus 59,62±14,85 μg/dL para as classificadas como Child-Pugh B+C (ANOVA e teste de Tukey, p < 0,001). Não houve diferença estatística entre os pacientes classificados como Child-Pugh A e os controles (p = 0,038), mas foi encontrada diferença entre os pacientes Child-Pugh B+C e os controles (p < 0,001) e entre os pacientes Child-Pugh B+C e os Child-Pugh A (p < 0,001).


Para a análise da associação entre os escores PELD e MELD e a concentração plasmática de zinco, o ponto de corte considerado foi 15. Com relação ao PELD, a concentração plasmática média de zinco nos 15 pacientes com escores abaixo do ponto de corte foi de 81,80±25,41 μg/dL. Nos cinco pacientes com escores acima do ponto de corte, a concentração plasmática de zinco foi de 50,19±8,74 μg/dL (p = 0,002). A concentração média de zinco foi de 82,17±20,89 μg/dL em nove pacientes com escore MELD < 15. A comparação estatística com escore MELD > 15 não foi possível, já que havia somente um paciente nessa categoria.

Houve correlações inversas entre as concentrações de zinco plasmático e as bilirrubinas total (r = -0,59) e direta (r = -0,60). Porém, a associação mais significativa ocorreu entre a hipozincemia e a hiperbilirrubinemia conjugada (p < 0,001). A albumina esteve positivamente correlacionada (r = 0,69) com o zinco plasmático, mas 4/13 pacientes tiveram níveis normais de albumina e baixas concentrações de zinco.

Discussão

O fígado é o órgão mais importante na regulação da homeostase do zinco. Em contrapartida, o zinco é um elemento hepatoprotetor. Níveis reduzidos de zinco têm sido relacionados tanto a estados agudos quanto crônicos de doença hepática, mas sua propriedade hepatoprotetora não foi completamente esclarecida

9. Este estudo demonstrou uma deficiência significativa de zinco plasmático (43%) em pacientes pediátricos com cirrose em comparação com os indivíduos sem doença hepática da mesma faixa etária. Os resultados deste estudo são comparáveis com aqueles relatados por Chin et al.

19, que avaliaram o estado nutricional de 27 crianças em lista de espera para transplante hepático e detectaram hipozincemia em 42% dos pacientes.

Não há consenso a respeito da relação entre a gravidade da doença hepática e a concentração de zinco plasmático/sérico tanto em adultos quanto em pacientes pediátricos. Um estudo envolvendo pacientes adultos com cirrose demonstrou uma associação entre a deficiência de zinco e o aumento da gravidade da cirrose9,20, mas outro estudo não obteve os mesmos achados21. Hambidge et al.22, estudando crianças com atresia biliar, não encontraram diferenças significativas entre zinco plasmático, função hepática e drenagem biliar. Sato et al.23 avaliaram os níveis de cobre e zinco em crianças com atresia biliar em diferentes estágios e encontraram uma redução nas concentrações de zinco hepático e sérico e um aumento das concentrações de cobre à medida que a doença evoluía. Em nosso estudo, o nível médio de zinco plasmático em todos os pacientes do grupo com cirrose ficou dentro dos valores normais; contudo, quando os pacientes foram separados em grupos de acordo com os critérios Child-Pugh, os pacientes classificados como A tiveram concentrações médias dentro dos valores normais, mas os pacientes B e C tiveram médias abaixo do ponto de corte. A mesma tendência foi encontrada quando o PELD foi utilizado – os pacientes com escores abaixo de 15 tiveram uma concentração média normal, enquanto aqueles com um escore mais alto tiveram concentrações mais baixas de zinco plasmático. A associação da gravidade da doença hepática com a deficiência de zinco plasmático esteve relacionada com prognósticos piores determinados de acordo com os critérios Child-Pugh e PELD.

Uma correlação significativa entre zinco e albumina foi encontrada em nosso estudo e por outros autores que estudaram pacientes com doença hepática e fibrose cística24,25. É interessante notar que, mesmo em pacientes com baixas concentrações de albumina, a suplementação pode corrigir a hipozincemia26,27.

O baixo nível de zinco plasmático em pacientes com cirrose hepática não pareceu estar associado à dieta, embora o registro alimentar de 9/27 dos pacientes (45%) tenha mostrado uma ingestão dietética de zinco insuficiente. Também foi notado que 5/6 pacientes com cirrose mais avançada tinham ingestão de zinco acima dos valores recomendados, ainda assim, apresentavam baixas concentrações de zinco plasmático. Esses resultados podem indicar que a deficiência de zinco nesses pacientes esteja relacionada com problemas hepáticos e não com a ingestão dietética de zinco.

Uma meta-análise de estudos randomizados e controlados com crianças na pré-puberdade demonstrou que a suplementação de zinco resultou em ganhos pondero-estaturais em crianças com deficiência de zinco28. Uma associação positiva entre a suplementação e o aumento da velocidade do crescimento em crianças também foi observada por Nakamura et al.29 e por Michaelsen et al.30. Nosso estudo não encontrou qualquer associação entre os dados antropométricos e as concentrações plasmáticas de zinco, o que está de acordo com outros estudos envolvendo pacientes pediátricos com cirrose19,24. Em um estudo recente que avaliou a concentração plasmática de zinco em pacientes pediátricos com fibrose cística, o índice de massa corporal também não foi correlacionado com baixas concentrações de zinco plasmático25.

Estudos sobre a suplementação de zinco têm mostrado efeitos positivos sobre os desfechos clínicos e o crescimento, especialmente entre crianças com o crescimento afetado31,32. Hambidge et al.22 consideraram que a necessidade de zinco para crianças com doença hepática deveria ser cerca de 40% maior do que aquela considerada para crianças saudáveis. Considerando que a disfunção hepática afeta o metabolismo e a absorção de zinco, acreditamos que sua suplementação poderia melhorar o nível de zinco nesses pacientes.

Conclusões

Foi observada uma prevalência de hipozincemia em 43% dos participantes deste estudo com crianças e adolescentes com cirrose. Não houve associações entre a ingestão dietética de zinco, o estado nutricional avaliado por antropometria e as concentrações plasmáticas de zinco. Contudo, foi demonstrado que concentrações mais baixas de zinco estão associadas a um aumento da gravidade da cirrose. É importante ressaltar que mesmo alguns pacientes com melhores escores pelas classificações de Child-Pugh e pelo PELD também apresentaram hipozincemia e, portanto, a deficiência de zinco deveria ser investigada em todos os pacientes independentemente da gravidade da cirrose. Concluímos que o zinco deveria ser incluído entre os micronutrientes que devem receber especial atenção no manejo da cirrose a fim de prevenir a sua deficiência.

Agradecimentos

O apoio financeiro para este estudo foi fornecido pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e pelo FIPE (Fundo de Incentivo a Pesquisas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre).

Artigo submetido em 16.04.09, aceito em 20.05.09.

Este estudo foi realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Schneider AC, Pinto RB, Fröehlich PE, Hammes TO, da Silveira TR. Low plasma zinc concentrations in pediatric patients with cirrhosis. J Pediatr (Rio J). 2009;85(4):359-364.

  • 1. Gibson RS, Hess SY, Hotz C, Brown KH. Indicators of zinc status at the population level: a review of the evidence. Br J Nutr. 2008;99 Suppl 3:S14-23.
  • 2. Heyland DK, Jones N, Cvijanovich NZ, Wong H. Zinc supplementation in critically ill patients: a key pharmaconutrient? JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2008;2:509-19.
  • 3. MacDonald RS. The role of zinc in growth and cell proliferation. J Nutr. 2000;130:1500S-8S.
  • 4. Rink L, Kirchner H. Zinc-altered immune function and cytokine production. J Nutr. 2000;130:1407S-11S.
  • 5. O'Dell BL. Role of zinc in plasma membrane function. J Nutr. 2000;130:1432S-6S.
  • 6. Hambidge KM, Krebs NF. Zinc deficiency: a special challenge. J Nutr. 2007;137:1101-5.
  • 7. Prasad AS. Clinical, immunological, anti-inflammatory and antioxidant roles of zinc. Exp Gerontol. 2008;43:370-7.
  • 8. Powell SR. The antioxidant properties of zinc. J Nutr. 2000;130:1447S-54S.
  • 9. Stamoulis I, Kouraklis G, Theocharis S. Zinc and the liver: an active interaction. Dig Dis Sci. 2007;52:1595-612.
  • 10. Prasad AS. Zinc deficiency in humans: a neglected problem. J Am Coll Nutr. 1998;17:542-3.
  • 11. Chetri K, Choudhuri G. Role of trace elements in hepatic encephalopathy: zinc and manganese. Indian J Gastroenterol. 2003;22 Suppl 2:S28-30.
  • 12. Morgan MY, Blei A, Grungreiff K, Jalan R, Kircheis G, Marchesini G, et al. The treatment of hepatic encephalopathy. Metab Brain Dis. 2007;22:389-405.
  • 13. Yoshida Y, Higashi T, Nouso K, Nakatsukasa H, Nakamura SI, Watanabe A, et al. Effects of zinc deficiency/zinc supplementation on ammonia metabolism in patients with decompensated liver cirrhosis. Acta Med Okayama. 2001;55:349-55
  • 14. Pugh RN, Murray-Lyon IM, Dawson JL, Pietroni MC, Williams R. Transection of the oesophagus for bleeding oesophageal varices. Br J Surg. 1973;60:646-9.
  • 15. Policy 3.6 Organ Distribution.  2005. http://www.unos.org/PoliciesandBylaws2/policies/pdfs/policy_8.pdf  Acesso: 13/04/2009.
  • 16. Frisancho AR. Triceps skin fold and upper arm muscle size norms for assessment of nutrition status. Am J Clin Nutr. 1974;27:1052-8.
  • 17. Frisancho AR. New norms of upper limb fat and muscle areas for assessment of nutritional status. Am J Clin Nutr. 1981;34:2540-5.
  • 18. Trumbo P, Yates AA, Schlicker S, Poos M. Dietary reference intakes: vitamin A, vitamin K, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium, and zinc. J Am Diet Assoc. 2001;101:294-301.
  • 19. Chin SE, Shepherd RW, Thomas BJ, Cleghorn GJ, Patrick MK, Wilcox JA, et al. The nature of malnutrition in children with end-stage liver disease awaiting orthotopic liver transplantation. Am J Clin Nutr. 1992;56:164-8.
  • 20. Poo JL, Rosas-Romero R, Rodriguez F, Silencio JL, Munoz R, Bourges H, et al. Serum zinc concentrations in two cohorts of 153 healthy subjects and 100 cirrhotic patients from Mexico City. Dig Dis. 1995;13:136-42.
  • 21. Loguercio C, De Girolamo V, Federico A, Feng SL, Crafa E, Cataldi V, et al. Relationship of blood trace elements to liver damage, nutritional status, and oxidative stress in chronic nonalcoholic liver disease. Biol Trace Elem Res. 2001;81:245-54.
  • 22. Hambidge KM, Krebs NF, Lilly JR, Zerbe GO. Plasma and urine zinc in infants and children with extrahepatic biliary atresia. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 1987;6:872-7.
  • 23. Sato C, Koyama H, Satoh H, Hayashi Y, Chiba T, Ohi R. Concentrations of copper and zinc in liver and serum samples in biliary atresia patients at different stages of traditional surgeries. Tohoku J Exp Med. 2005;207:271-7.
  • 24. Narkewicz MR, Krebs N, Karrer F, Orban-Eller K, Sokol RJ. Correction of hypozincemia following liver transplantation in children is associated with reduced urinary zinc loss. Hepatology. 1999;29:830-3
  • 25. Maqbool A, Schall JI, Zemel BS, Garcia-Espana JF, Stallings VA. Plasma zinc and growth status in preadolescent children with cystic fibrosis. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2006;43:95-101.
  • 26. Zhou Z, Liu J, Song Z, McClain CJ, Kang YJ. Zinc supplementation inhibits hepatic apoptosis in mice subjected to a long-term ethanol exposure. Exp Biol Med (Maywood). 2008;233:540-8.
  • 27. Barve A, Khan R, Marsano L, Ravindra KV,McClain C. Treatment of alcoholic liver disease. Ann Hepatol. 2008;7:5-15.
  • 28. Brown KH, Peerson JM, Rivera J, Allen LH. Effect of supplemental zinc on the growth and serum zinc concentrations of prepubertal children: a meta-analysis of randomized controlled trials. Am J Clin Nutr. 2002;75:1062-71.
  • 29. Nakamura T, Nishiyama S, Futagoishi-Suginohara Y, Matsuda I, Higashi A. Mild to moderate zinc deficiency in short children: effect of zinc supplementation on linear growth velocity. J Pediatr. 1993;123:65-9.
  • 30. Michaelsen KF, Samuelson G, Graham TW, Lonnerdal B. Zinc intake, zinc status and growth in a longitudinal study of healthy Danish infants. Acta Paediatr. 1994;83:1115-21.
  • 31. Fischer Walker CL, Black RE. Functional indicators for assessing zinc deficiency. Food Nutr Bull. 2007;28:S454-79.
  • 32. Ramakrishnan U, Nguyen P, Martorell R. Effects of micronutrients on growth of children under 5 y of age: meta-analyses of single and multiple nutrient interventions. Am J Clin Nutr. 2009;89:191-203.
  • Correspondência:

    Ana Cláudia Reis Schneider
    Laboratório Experimental de Hepatologia e Gastroenterologia
    Centro de Pesquisas – Hospital de Clínicas de Porto Alegre
    Rua Ramiro Barcelos, 2350
    CEP 90035-903 - Porto Alegre, RS
    Fone: (51) 3359.8847
    Fax: (51) 3359.8760
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      20 Maio 2009
    • Recebido
      16 Abr 2009
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br