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Teste do suor: a análise de condutividade pode tomar o lugar do método clássico de Gibson e Cooke?

EDITORIAL

Teste do suor: a análise de condutividade pode tomar o lugar do método clássico de Gibson e Cooke?

Gianni MastellaI

IMD. Professor, Pediatrics. Scientific Director, Italian Cystic Fibrosis Research Foundation

Correspondência Correspondência: Gianni Mastella E-mail: gianni.mastella@ospedaleuniverona.it

O teste do suor ainda é o principal teste para o diagnóstico da fibrose cística (FC), mesmo na era dos testes genéticos baseados na análise de DNA genômico. O método clássico de Gibson & Cooke1, que ainda é considerado o padrão-ouro para o teste de suor, tem sido repetidamente criticado por causa de sua complexidade, o que restringe o acesso ao teste: as complicações desta técnica incluem a necessidade de extrair o suor de filtros de papel ou gaze usados para coletá-lo, pesando as amostras duas vezes antes e após a coleta e a posterior diluição para a análise química desenvolvida para detectar os dois eletrólitos cuja concentração apresenta valores anormais na FC, ou seja, cloro e sódio. Por essa razão, tentativas têm sido feitas para estabelecer um teste mais simples para medir a concentração de eletrólitos no suor. Testes qualitativos e semiquantitativos, como placa de ágar ou marca em papel, assim como aqueles que mediam a concentração de cloreto diretamente sobre a pele2, são parte da história, já que foram rapidamente descartados. Dois sistemas baseados na medida indireta de eletrólitos em suor não diluído coletado em tubos capilares de plástico (Macroduct®) após estimulação têm despertado muito interesse: a osmometria e os sistemas de condutividade. O primeiro sistema mede a osmolaridade total, a qual representa a concentração total de solutos no suor, tanto eletrólitos como não eletrólitos: até o momento, o método não tem sido muito bem-sucedido e alguns poucos estudos preliminares3 não foram levados adiante. E foi descartado pelas diretrizes da CF Foundation2. O sistema de condutividade tem sido utilizado mais amplamente. Resumidamente, esse sistema mede a capacidade do suor de conduzir corrente elétrica (condutividade) em miliamperes, utilizando um microamperímetro, o que depende da concentração de eletrólitos: como os eletrólitos dominantes no suor são Cl- e Na+, esse método transforma a corrente medida em equivalentes de NaCl, arbitrariamente supondo que toda a concentração de íons no suor deve-se à presença de Cl- e Na+ e simplesmente dividindo por dois o número total de miliequivalentes (ou milimoles) calculados através da medição da corrente elétrica4. Dessa forma, o valor de concentração derivado é levemente mais alto do que o valor obtido por análise química direta dos íons de cloreto e sódio, já que outros eletrólitos, além do Cl- e do Na+, são inevitavelmente incluídos. Contudo, alguns estudos já foram realizados, demonstrando que há uma correlação íntima e uma razoável concordância (especialmente para os valores mais baixos) entre os valores de equivalentes de NaCl medidos por análise de condutividade e aqueles obtidos pela análise química quantitativa de Cl- e Na+5-8.

Considera-se que a abordagem da condutividade do suor coletado após estimulação por iontoforese pela pilocarpina em um tubo capilar em espiral é mais fácil do que o teste clássico de Gibson e Cooke, já que evita vários passos e o risco de erros ou falhas envolvidos no método clássico, o qual exige profissionais experientes e procedimentos analíticos que podem ser realizados somente em laboratórios adequadamente equipados e gerenciados por pessoal competente. Dados confirmatórios têm sido fornecidos com relação a precisão, exatidão e reprodutibilidade: com relação à reprodutibilidade, testes repetidos no mesmo indivíduo fornecem resultados semelhantes7. Dados confirmatórios também têm sido fornecidos com relação à sua sensibilidade (capacidade de identificar um paciente com CF como tendo a doença) e sua especificidade (capacidade de identificar um indivíduo saudável como sendo saudável)5-9. Contudo, há alguma incerteza com relação aos critérios adotados nos estudos que analisaram essas questões. No estudo publicado neste número10, por exemplo, o cálculo da sensibilidade e da especificidade do teste de condutividade é baseado em pontos de corte encontrados na literatura, em vez de serem originados de dados experimentais obtidos no estudo: para o teste clássico, Cl- < ou > 60 mmol/L; para o teste de condutividade, equivalentes de NaCl < ou > 90 mmol/L. O fato de que há um número não desprezível de sujeitos com FC apresentando valores limítrofes de Cl- ou Na+ medidos pelo teste clássico é ignorado, e tais sujeitos não estavam presentes na amostra do estudo. Portanto, se o método clássico é considerado o padrão-ouro com o qual os resultados de um teste alternativo deveriam ser comparados, a sensibilidade e a especificidade deveriam ser avaliadas não em termos de duas categorias (diagnóstico positivo ou negativo de FC), como realizado no estudo mencionado acima, mas em termos de três categorias: normal (< 40 ou < 30 mmol/L em lactentes), patológico (> 60 mmol/L, > 50 em lactentes), limítrofe (40-60 mmol/L acima de 6 meses, 30-50 mmol/L durante os primeiros 6 meses de vida). Algumas discrepâncias entre as duas técnicas foram encontradas com resultados limítrofes7.

Vale mencionar também a taxa de sucesso na coleta de suor com os tubos capilares Macroduct® devido ao fato de que o teste de condutividade não é confiável em coleta de amostras menores do que 15 microlitros5-7 e que o teste clássico exige pelo menos 50 microlitros (com a área de coleta cobrindo 9-10 cm2, mas pelo menos 75 microlitros com uma área de coleta cobrindo 12-13 cm2)7,11. No estudo de Mattar et al.10, a quantidade mínima de suor exigida para a análise de condutividade não foi especificada e a taxa de falha na coleta representou somente 3-5 versus 24-36% comparada ao sistema clássico. Contudo, os sujeitos com FC examinados tinham mais de 18 meses (a idade dos sujeitos sem FC não foi fornecida) e o tempo de coleta após estimulação durou de 30 a 60 minutos. Sabe-se que um tempo de coleta prolongado pode favorecer a taxa de sucesso, mas também pode alterar a concentração de eletrólitos: por essa razão, o tempo padrão recomendado é de 30 minutos2,11,12. Outros estudos sugerem que a taxa de falha com a coleta feita com o Macroduct® é mais alta, especialmente nos primeiros meses de vida, e que a taxa de sucesso é mais alta com o sistema clássico6,7. Uma tentativa de aumentar a taxa de sucesso foi realizada com o método Nanoduct®, o qual estimula, coleta e analisa o suor em uma única etapa enquanto os sensores de eletrólitos e de condutividade estão ligados ao paciente13,14: o procedimento dura 15 minutos e exige pelo menos 3 microlitros de suor. Além disso, esse teste teve exatidão diagnóstica aceitável, embora as primeiras tentativas tenham sido decepcionantes devido à taxa excessivamente alta de resultados falso-negativos e à baixa taxa de sucesso13. Contudo, esse método também tem limitações práticas importantes em recém-nascidos e lactentes, e ainda não se têm dados sistemáticos obtidos de ambientes clínicos especializados.

A validade do sistema de coleta Macroduct® em vez da coleta por filtro de papel ou gaze foi reconhecida pela CF Foundation já há algum tempo. Contudo, a combinação de testes usando o Macroduct® e de testes de condutividade não é recomendada pelas diretrizes mais confiáveis2,11,12 Todavia, a CF Foundation, embora considere que essa técnica não é apropriada para a realização de diagnóstico em centros de FC, aprovou recentemente o analisador de condutividade Wescor Macroduct Sweat-Check com objetivo de triagem em hospitais comunitários, desde que resultados positivos e limítrofes sejam confirmados pelo teste clássico em um centro de FC reconhecido2. Essa concessão restrita da CF Foundation reflete a preocupação de que o teste de condutividade termine em mãos inexperientes e não supervisionadas, com o risco de erros em um procedimento diagnóstico de vital importância. Na verdade, essa é uma mudança crucial: há experiência suficiente para considerar o teste de condutividade confiável de forma que possa substituir o teste clássico e aumentar o acesso ao teste de suor? Com base nos resultados obtidos até o momento, a tentação é a de responder afirmativamente. Contudo, deve-se lembrar que os estudos conduzidos até agora foram realizados por pesquisadores do campo que estavam trabalhando em centros de FC qualificados. Portanto, é razoável supor que eram altamente experientes e focaram seus esforços em realizar a técnica a ser testada de maneira rigorosa e precisa. Consequentemente, a recomendação do final do artigo de Mattar et al.10 de que o teste pode ser adotado por "serviços que não dispõem de profissional e laboratório capacitados para a realização do teste clássico" deveria ser combinada com a recomendação de que os profissionais responsáveis pela realização desse teste (poucas pessoas bem treinadas e supervisionadas) deveriam obter razoável experiência e familiaridade com ele, da mesma forma que o técnico que realiza o teste de Gibson & Cooke, em laboratórios especializados. A técnica sugerida certamente é mais simples do que o teste clássico e pode oferecer ao paciente uma resposta imediata. Contudo, a precisão na calibração dos instrumentos, na medição da limpeza e secagem das células, na verificação da quantidade de coleta de suor (mínimo de 15 microlitros), na prevenção de infiltração celular por bolhas de ar e em outras etapas delicadas exige profissionais responsáveis. Uma auditoria adequada para extensas avaliações da qualidade diagnóstica do teste em campo ainda não foi realizada. De qualquer forma, atualmente, consideramos que devemos apoiar a recomendação de que, sempre que o sistema de condutividade for adotado, resultados positivos e limítrofes devem ser verificados através do teste clássico em centro especializado antes que o diagnóstico final seja estabelecido.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

Como citar este artigo: Mastella G. Sweat testing: can the conductivity analysis take the place of the classic Gibson and Cooke technique? J Pediatr (Rio J).2010;86(2):89-91.

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  • Correspondência:

    Gianni Mastella
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010
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